I
Plauto e as suas obras
Memor – Vario – Plauto – «Sticho» – «Curulio»
ou «Gorgulho» – O «Persa» –«Truculento» – «Anfitrião» – Sósia – «Asinaria»
– «Aulularia» – «As duas Bacchis» – «Os cativos» – «Casina» – «Cistelaria»
– «Epidico» – «Os Mnechmas» – «Mostelaria» – «O Mercador» – «Pseudolo» –
«O soldado fanfarrão» – «Trinumo» – O «cartaginês» – «Rudens».
Antes de começarmos a tratar da comédia e dos
comediógrafos romanos devemos citar o nome de mais dois escritores de
tragédia: Saeva Memor e Lúcio Vario.
Saeva nasceu no século I da nossa era em Arunca.
Apreciavam-no imenso; compôs entre outras tragédias um Hércules;
Saumaise atribui-lhe a Octavia compreendida entre as tragédias de
Séneca. Lúcio Vario nasceu no século I antes de Cristo. Horácio e
Virgílio dispensaram-lhe a sua amizade; escreveu um poema épico em honra
de Ágripa e de Octávio e uma tragédia que tinha por assunto Tiesto, que
Quintiliano comparava às obras-primas gregas; salvou a Eneida que
Virgílio moribundo queria destruir e tomou parte na publicação dessa
inolvidável obra.
A comédia romana propriamente dita foi pouco original. A
comédia palliata constitui o principal fundo do teatro cómico
latino, e é toda imitada do grego. Lívio Andrónio, que, como atrás
dissemos, foi quem introduziu o teatro grego em Roma, escreveu, segundo
todas as probabilidades algumas comédias. Naevio quis introduzir a
política no teatro, mas esta inovação não era possível em Roma, e os
comediógrafos limitaram-se de aí em diante a imitar as comédias média e
nova. Foi o que sucedeu com Plauto, Cecílio e Terêncio, que seguiram de
perto os autores gregos e escreveram comédias de costumes e de
caracteres. Quando eles desapareceram, a palliata foi abandonada.
A outra forma da comédia romana, a comédia togata foi explorada
principalmente por Afrânio. Só obteve um êxito relativo. Diferia muito
pouco da palliata, não obstante parecer consagrada mais
especialmente à pintura dos costumes romanos. Ainda nesse género
serviram os gregos de modelo.
Marco Ácio Plauto, um dos maiores poetas cómicos latinos nasceu em
Sarsínia, na Úmbria, em 250 antes de Cristo e morreu em Roma em 184.
Brilhava no teatro quando Catão brilhava na tribuna; as suas primeiras
comédias datam do fim da segunda guerra púnica. Pouco se sabe da sua
vida, embora tivesse uma vida acidentada. Ganhou dinheiro na construção
de teatros, perdeu-o em más especulações e tornou-se criado de moleiro,
por fim entreteve-se a adaptar peças gregas. Atribuem-se a Plauto cento
e trinta comédias, Varrão só reconhece como autênticas vinte e uma.
Possuímos precisamente estas peças, excepto a última, substituída por
uma outra, o Querolo, posterior vários séculos.
O exemplo de Naevio, legalmente chibatado por ter dito
mal dos Cipiões, foi advertência suficiente para desviar Plauto da
comédia satírica. De mais a mais, a lei
/ 432 / e os costumes proibiam
em Roma as liberdades da comédia antiga dos gregos. Do que traduziu das
peças gregas não se depreende que o seu teatro seja artificial e
exótico. Plauto frequentara muito a plebe. Observara na sua intimidade o
escravo, o parasita, o negociante, vagueando muito pelas praças públicas
e pelos mercados. Ao mesmo tempo não tem nada de literato de profissão.
Foi por acaso, parece, que se tornou autor. Dotado de imaginação, de uma
veia inextinguível, soube vivificar a intriga bebida em Menandro, em
Dífilo, em Antífane por meio de uma porção de certeiros traços de
costumes, de linguagem do mais puro romano. Assim o povo revia-se na sua
obra e nenhum comediógrafo foi mais aplaudido que Plauto. A sua
trivialidade, os seus gracejos maliciosos, mas às vezes de um gosto
duvidoso, e com frequência de uma crueza perfeitamente antiga, eram
outros tantos elementos de êxito. O seu teatro acabou, todavia, por cair
em desuso quando o critério se apurou mais. Horácio julga-o com muita
severidade. Mas nem todos eram dessa opinião, e pronunciou-se uma
verdadeira reacção a favor de Plauto, quando a erudição determinou o
eclectismo do gosto.
A intriga das comédias de Plauto, imitador da comédia
nova dos gregos, não é muito variada. Trata-se, a mais das vezes, de
qualquer rapariga raptada na sua infância por um negociante de escravos;
um rapaz apaixona-se por ela, auxiliado nos seus projectos por um
escravo astucioso, que prega mil partidas ao pai para lhe apanhar
dinheiro. Por fim a rapariga torna a encontrar os pais e efectua-se o
casamento. As suas personagens ordinárias são, além desses, o parasita
jogralesco, o negociante de escravos odioso, o militar fanfarrão. Existe
observação moral nos papeis dos pais, finura e sentimento nos papeis dos
namorados e poderosa facécia nos outros caracteres. As melhores peças de
Plauto são: O Anfitrião, a Aululária, imitadas por Molière;
os Mnechmas, os Cativos, a Casina, o Soldado
fanfarrão, o Cartaginês. As outras são: O Asinária,
As duas Bacchis, a Cistellaria, o Curculio, o
Epídico, o Mercador, a Mostellaria, o Persa, o
Pseudolo, o Rudens, o Sticho, o Trinumos, o
Truculento.
Sticho
é uma das comédias mais antigas de Plauto. Foi representada em 210 antes
de Cristo. Eis o seu entrecho: Duas mulheres vivem há três anos
separadas dos maridos, que partiram em busca de fortuna, e que não
tornaram a dar notícias suas. Nestas circunstâncias a lei ateniense
permitia considerar o casamento como nulo. O pai das duas juvenis
esposas resolve fazê-las contrair novas núpcias. Uma das mulheres está a
ponto de ceder; a outra, mais constante, recusa e fortalece a vontade
hesitante da irmã. Esta situação origina uma linda cena. Depois, não se
sabe porquê, o pai abandona o seu projecto. Os maridos voltam, e toda a
gente rejubila. O palavrório divertido de um parasita e os ditos alegres
de um escravo a quem o dono, de regresso, deixa refastelar à vontade,
enchem quase toda a peça. Há nela um episódio engraçado, o do velho
Antifon, o pai, que enlevado pela presença de uma das dançarinas,
trazidas pelo genro para as vender, emprega todas as diligências para
ficar com ela. Plauto não se atreveu a desenvolver até ao fim o assunto
que entrevira, muito elevado para a grosseria do público romano.
Proporcionou-lho conforme o seu gosto, e nós perdemos a encantadora
comédia que as primeiras cenas anunciavam.
Curculio
ou Gorgulho subiu à cena em Roma, pouco depois de 195 antes de
Cristo. O título da peça, Gorgulho, provém do nome de uma das
principais personagens, parasita que vive a expensas de outrem, como o
gorgulho no seu monte de trigo, Fedromo, enamorado da jovem Planesia,
mandou a Caria o seu parasita Gorgulho, para ali arranjar o dinheiro com
que há-de comprar a sua bela ao proxeneta Capadox. Gorgulho não arranja
nada, mas furta ao rival de Fedromo, um militar fanfarrão, o seu anel,
graças ao qual levanta dinheiro no banqueiro Lycon. O militar chama aos
tribunais Lycon e Capadox; mas, na rapariga a quem amava, reconhece sua
irmã, e dá-a em casamento a Fedromo. Os papéis conhecidos do parasita,
glutão e ardiloso, do escravo insolente, do militar
/ 433 / gabarola, do
proxeneta covarde e cupido, são tratados com a graça costumada de Plauto.
Os quadros de costumes romanos são aí numerosos. Ficou célebre uma
situação: é o intermédio em que o director da companhia faz a descrição
humorística dos diferentes bairros de Roma e daqueles que os frequentam.
O Persa representou-se cerca de 195 antes da nossa
era. O título provém igualmente de uma das suas personagens. O assunto é
a velhacada maquinada por um escravo apaixonado e de que se torna vítima
um proxeneta. O escravo Taxel ama uma cortesã. Necessita de arranjar
dinheiro. Um colega, incumbido pelo amo de comprar bois, oferece-lhe
essa importância. Mas precisa de reembolsá-lo. Um dos seus companheiros
disfarça-se em persa e finge querer vender uma rapariga que foi raptada.
Esta é, na realidade, filha de um homem livre, parasita de profissão. O
proxeneta compra a rapariga, o falso persa desaparece e surge o pai que
ameaça queixar-se ao pretor. Este, atemorizado, restitui a rapariga, e
toda a gente o escarnece. A comédia é muito viva e alegre. Convém notar
que a rapariga de condição
livre, que figura na intriga, apesar de meio singular a que as
circunstâncias a arrastam, sabe conservar o decoro exigido pela sua
posição.
O Truculento, «o Brutal» foi representado em 192
antes de Cristo. Esta peça não é, para falar com propriedade, mais do
que um retracto em acção, o da cortesã
ávida, na qual não subsiste outro sentimento que não seja o amor do
ganho. Cícero aprecia esta peça como sendo uma das obras-primas do seu
autor. Fronesia tem três amantes: Dinarco, rapaz ateniense a quem
arruinou; um provinciano ingénuo, Strabase, a quem trata de arruinar; um
militar babilónico, a quem faz acreditar, para daí tirar mais proveito,
que tem um filho dele. Fronesia exibe, com efeito, um recém-nascido,
criança que Dinarco teve doutra mulher. Stratilax, criado do
provinciano, opõe a princípio viva resistência às intrigas da cortesã, e
é ele que dá à peça o título, o Brutal. Mas acaba por se deixar
engodar como os outros. Finalmente, o pai da jovem ateniense seduzida
por Dinarco encontra o sedutor, e, depois de diversas peripécias, leva-o
a desposar aquela a quem fez mãe. A cortesã consola-se com a perda de um
amante tornando felizes os outros dois.
A comédia Anfitrião de Plauto foi imitada por
Molière com tanta felicidade que excedeu o autor latino. A peça de
Plauto tornou-se tão querida dos romanos, que, no tempo de Diocleciano,
ainda era representada, quando sucedia qualquer calamidade pública, para
apaziguar Júpiter. Rotrou imitou-a também em verso francês e é na sua
peça que se encontra o seguinte verso:
Foin d'un amphitryon où l'on ne dîne pas.
Reproduziremos o entrecho da comédia quando falarmos de
Molière. Todavia não nos furtamos ao desejo de falar desde já de uma das
suas personagens, o célebre Sósia, de que os romancistas modernos têm
usado e abusado. Júpiter que fora um tunante de marca, lembrou-se para
seduzir Alcmena de usurpar a figura de seu marido Anfitrião. Mercúrio
sempre chamado para essas empresas, disfarça-se em Sósia, criado do
pobre esposo enganado, que este deixara de guarda à virtude um tanto
periclitante da
sua cara metade. Imagine-se o desespero e o desapontamento do verdadeiro
Sósia quando outro absolutamente igual a si, um desdobramento de si
mesmo, lhe intercepta a entrada da casa do amo, e lhe demonstra à
bordoada que não deve chamar-se Sósia. O infeliz servo não tarda em
duvidar da sua própria pessoa e fica aflitíssimo sem saber quem é. É uma
das personagens mais felizes de Plauto.
A comédia Asinaria constitui o quadro de um pai,
que favorece a devassidão de um filho para partilhar dela, e esquecer as
rabugices da esposa. Demeneto, um velho, alugou por um ano para seu
filho Argyripo a jovem Filenia, mediante vinte minas escabulidas à sua
mulher Artemona, com o auxílio de escravas astuciosas. Impôs, porém,
como prémio a sua generosidade, que cearia uma vez com o filho e a
amante do filho, com a devida recompensa da parte desta última. Argyripo
consente, embora muito contra vontade. O pior do caso é que aparece
Artemona a meio desta festa íntima e constrange o volúvel esposo a
voltar para o [SERÕES N.º 60 - FL. 3]
/ 434 / domicílio conjugal. O
título da peça provém de uma récua de burros cuja venda forneceu a
quantia empalmada. Se a comédia Asinaria não se recomenda pela
moralidade, regurgita em compensação de cenas divertidas. O seu estilo
faísca de graça cintilante. A cena em que Argyripo, expulso, se lamenta,
e a da sua despedida a Filenia, são de uma tocante sensibilidade.
Encontra-se na comédia também um traço curioso de costumes: o contracto
em boa e devida forma que deve ligar Filenia a Diabolo. Estes contratos
eram, parece, válidos ante os tribunais. A comédia Asinaria foi
imitada do grego Demófilo. Molière inspirou-se em certas passagens desta
peça para escrever algumas cenas das suas obras tais como, por exemplo:
a cena IIl do primeiro acto das Femmes Savantes; a cena V do
segundo acto das Fourberies de Scapin e uma do Bourgeois
gentilhome.
Aulularia
ou a Panela tem o seguinte entrecho. O avarento e velho Euclion
encontra em sua casa, enterrada no chão, uma panela cheia de moedas de
ouro. Não pensa em mais que a arrecadar, mas desconfia que toda a gente
sabe o seu segredo e lhe quer tirar o seu tesouro. Um rapaz, Lyconide,
abusou, num momento de embriaguez, de Fedra, filha de Euclion. Um
vizinho rico, Megadoro, tio de Lyconide, pede e obtém a mão da pequena.
Mas esta torna-se mãe, e Lyconide consegue que o tio lhe ceda Fedra. No
entrementes, um escravo de Lyconide rouba a panela. Lyconide obriga-o a
restituí-la a Euclion. O sovina exlutando, dá a filha a Lyconide, e,
subitamente convertido, brinda o casal com o tesouro reavido. Molière
imitou no Avarento bastantes cenas desta engraçada comédia, mas
não o seu inverosímil desenlace.
Na comédia As duas Bacchis, Plauto desenvolveu a
seguinte intriga. O moço Mnesiloco saiu há dois anos de Atenas, por
ordem de seu pai Nicobulo, para ir a Éfeso receber uma importância.
Inquieto com o destino da amante, Bacchis, Mnesiloco encarrega o seu
amigo Pistoclero de se informar do que há. Bacchis continua a amar
Mnesiloco, mas a miséria obrigou-a a contratar-se por um ano, mediante
vinte minas com um militar fátuo e aborrecido. Para recuperar a sua
independência, seria necessário reembolsá-lo dessa soma. Bacchis tem uma
irmã que se torna amante de Pistoclero. Mnesiloco regressa, mas,
enganado pelas aparências, julga-se traído ao mesmo tempo pelo amigo e
pela amante. ChrysaIo, escravo de Mnesiloco, protótipo de Scapin, para
arranjar ao amo o dinheiro necessário para o resgate da bela, engana o
pai relativamente à soma trazida de Éfeso. Mas Mnesiloco, desesperado,
presta demasiado cedo as suas contas. Quando tudo se esclarece,
desola-se e suplica a Chrysalo que
lhe arranje dinheiro por meio de nova velhacada. Então Chrysalo lança
mãos à obra. Todas as personagens, fechadas na sua mão, se convertem em
seus instrumentos. Em resumo, tão bem enfeitiça o velho que este lhe
confia uma certa quantia para livrar o filho de um perigo imaginário.
Para Chrysalo não é bastante arrancar a Nicobulo as vinte minas
necessárias para resgatar Bacchis; necessita ainda extorquir-lhe
dinheiro que o filho despendera em festins e diversões. Faz mais, acaba
por atirar com o velho e o pai de Pistoclero para os braços das mesmas
cortesãs que seduziram seus filhos. Poder-se-ia classificar a comédia de
imoral se a inverosimilhança e as chocarrices grosseiras desta peça não
lhe tirassem todo o alcance. Demais, Plauto, parece ter receado que o
desenlace pecasse por demasiado forte, mesmo para os romanos, porque
/
435 / declara no fim que esta degradação
dos cabelos brancos dos anciãos é para eles o castigo duma juventude
libertina.
A comédia Os cativos desenvolve o seguinte enredo.
O rico etolio Hegion tem dois filhos, Tyndaro e Filopolemo. Tyndaro,
roubado aos quatro anos, foi vendido como escravo ao pai de Filocrates,
da Élida. Tendo rebentado a guerra entre a Itália e a Élida, Filopolemo
é aprisionado, e, simultaneamente Filocrates é comprado como prisioneiro
de guerra, com Tyndaro, seu escravo, por Hegion, que quer libertar o
filho por meio de permuta. Graças à dedicação de Tyndaro, Filocrates
evade-se, mas leva a Hegion seu filho Filopolemo. O velho acaba por
descobrir em Tyndaro o filho roubado. Nesta comédia não existe papel de
mulher, nem de negociante de escravos, nem de soldado fanfarrão. Só a
graça comunicativa de um parasita alegra a peça, onde abunda a pintura
dos costumes romanos. Coisa rara em Plauto, a maneira de se exprimir é
da mais absoluta castidade.
Plauto imitou a Casina de Difilo. Foi representada
em Roma no ano 58 antes da nossa era. Um velho casado, rival do filho,
ludibriado pela mulher e por este, finalmente tosado por incumbência dos
dois, tal é o assunto da peça, que deve o seu título à heroína. Regnard
inspirou-se nela para escrever as Folies amoureuses, e Molière
aproveitou do velho Stalinon mais de um traço
para o seu Chrysale. O tom não é menos ousado que o do costume; mas pela
graça faceta e pelo vigor satírico, esta comédia é das mais alegres do
teatro de Plauto.
Cistelaria
ou o «Cofre» tem por assunto uma rapariga, Silénia, que foi exposta,
muito criança, e recolhida por uma cortesã que a educa para a fazer
seguir o seu mister. Mas uma repugnância invencível obriga Silénia a
resistir aos conselhos da pecadora. Só concede o seu carinho a um
mancebo a quem ela tenciona conservar-se fiel. Reconhecida por fim pelos
pais, casa com aquele a quem ama. Ainda que o texto da Cistelaria
esteja em muito mau estado e incompleto, existe o bastante para se
reconhecer nesta comédia uma das mais encantadoras produções de Plauto.
O contraste entre a pura e terna Silénia e as cortesãs é tão original
como poético.
Epidico
é a história de um pai iludido pelo seu escravo Epidico em proveito do
filho. Obrigam-no a comprar sucessivamente uma tocadora de lira que lhe
apresentam como uma filha que teve outrora em Epidauro, e que
desapareceu mais tarde, depois segunda, como amante do filho, a quem ele
pretende afastar. Com o dinheiro recebido para esta última, que, na
realidade, só foi contratada para esse dia, Epidico fornece ao mancebo
meio de comprar uma cortesã a quem ama e que se descobre ser sua
meia-irmã, filha de seu pai e da epidaura Filipa, que chega a propósito
para completar esta reunião de família. Epidico cujas múltiplas
velhacadas têm redundado, sem que em nada tenha concorrido para isso, em
proveito do amo, recebe a alforria. Esta comédia é de uma vivacidade
empolgante. Nunca Plauto conduziu um criado patife através de situações
mais embaraçosas nem o fez sair delas com mais esperteza. O autor tinha
pelo Epidico acentuada predilecção.
Plauto escreveu Os Mnechmas, «Os gémeos» imitando
uma comédia de Menandro. A peça assenta sobre a semelhança absoluta que
existe entre dois irmãos e as confusões que daí podem resultar. Um
negociante siciliano tinha dois filhos gémeos. Um deles foi-lhe roubado.
Tendo morrido o negociante, o avô educou com cuidado a criança que
restava. Este, crescendo, procurou o irmão por toda a parte. Chega a
Epidamo no Epiro, onde a criança roubada fez fortuna. Todos tomam o
Mnechma que desembarcou pelo que conheciam. Mulher, amante, cunhado tudo
se engana. Depois de uma porção de incidentes cómicos, os dois irmãos
reconhecem-se. Esta concepção é tanto menos verosímil quanto Plauto não
se limitou a dotar os dois irmãos apenas com a semelhança física;
outorga-lhes também a mais completa semelhança moral. No entanto pela
vivacidade e engenho de acção, pelo cómico do estilo, Os Mnechmas
são incontestavelmente uma das melhores peças do teatro antigo. O
assunto de Os Mnechmas de Plauto foi reeditado pelo cardeal
Bibbiena na Calandra; por Trissin na I Simillimi, (1547-
1548); por Shakspeare na Comedy of errors, 1593; pelo escritor
francês Rotrou na comédia Os Mnechmas, (1632); Regnard seguiu o
exemplo de tão ilustres antecessores.
/
436 / A Mostellaria, «A peça dos duendes» foi
representada no ano 200 antes de Cristo. Aproveitando a ausência do pai
Theropido, um rapaz, Filolaches, passa o seu tempo nas orgias e
arruína-se divertidamente em companhia de alguns amigos. O pai regressa
sem ser esperado. O escravo Tranion, o espertalhão da comédia, vê-o.
Trata de impedir que entre na habitação onde estão reunidos os
companheiros folgazões. Tranion convence Theropido que a sua casa está
cheia de duendes e que seu filho a abandonou. No entrementes, chega um
usurário que reclama o dinheiro emprestado a Filolaches. Tranion explica
ao velho que o filho na verdade pedira algumas somas, mas para efectuar
um excelente negócio. Comprou por ínfimo preço a casa do vizinho Simon;
o que se torna necessário, porém, é não falar a este em semelhante
coisa, desesperado como está da tolice que fez. A combinação é aceite, e
Theropido visita a casa do vizinho com um pretexto inventado por Tranion;
os dois velhos não se podem entender e separam-se apodando-se de doidos.
Mas eis que os escravos vêm bater à porta da pretensa casa dos duendes,
o que determina uma explicação com Theropido. Este compreende que foi
logrado. Perdoa no entanto. Esta peça tão jocosa como inverosímil, foi
imitada pelo dramaturgo Regnard no Retour imprévu e por
Destouches no Dissipateur.
Plauto imitou o Mercator «Mercador» de uma comédia
do poeta grego Fílemon. Numa viagem comercial empreendida por Charin por
ordem do pai, o rapaz compra uma linda amante, que traz consigo. Demifon,
seu pai, vê na embarcação a jovem, enamora-se dela e pergunta quem é.
Julgando andar bem, um escravo responde que é uma escrava destinada por
Charin a sua mãe. Demifon pede ao filho que não a leve para casa e que a
ceda a um velho seu amigo. Tratam de se enganar um ao outro; Demifon
leva-a e confia a pequena a seu vizinho Lisímaco. Mas os ciúmes de
Daripa, mulher deste último provocam uma explicação geral. Lisímaco sabe
que a bela é amante de Charin, e por isso não quer secundar o pai na sua
empresa. Ajudado por seu filho Eutylco, amigo de Charin, exproba-lhe o
proceder e Demifon acaba par se mostrar arrependido. Esta peça é bem
tratada, particularmente dramática, e os caracteres de uma grande
verdade.
Pseudolo
ou o «Embusteiro» é uma comédia muito alegre. No dizer de Catão no
Diálogo sobre a velhice de Cícero, gozava da preferência do autor.
Calidoro ama Fenícia, rapariga em poder de um proxeneta, Ballion. Mas
Calidoro não tem dinheiro e
Ballion vende a rapariga a um militar, que paga quinze minas, fica a
dever cinco e deixa em casa de Ballian um objecto de sinal, levando
consigo um semelhante. Pseudolo, escravo dedicado de Calidoro, empalma o
sinal ao criado do militar e faz com que
lhe entreguem Fenícia. Ganhou metade da aposta que fizera com Simon, pai
de Calidoro. Ganha a segunda metade, porque Simon, para sustentar a sua
palavra, dá-lhe vinte minas. Ora Pseudolo jurara reembolsá-lo. Não é,
seja dita em boa verdade, um enredo muito complicado. Não se compreende
também como o velho, primeiro tão gravemente irritado com o filho, se
decide, em alguns instantes, a considerar todos esses factos como uma
simples aposta feita com o escravo. Seja como for, o Pseudolo não
é inferior às outras peças de Plauto pela estilo e pelo movimento.
O Soldado fanfarrão, «Miles gloriosus», foi
representado no ano 200 antes de Cristo. O herói é, como o título
indica, um destes aventureiros jactanciosos, invencíveis na guerra, como
no amor, pelo menos na sua boca, e na realidade em extremo poltrões e
dignos de dó, que o teatro antigo gostava de por em cena. Uma cortesã,
livre pelo seu nascimento, e um moço ateniense, Pleusido, amam-se
perdidamente. O mancebo vai em embaixada a Naupacta. O militar
Pirgopolinicia, trava conhecimento com a bela, rapta-a e transporta-a a
Éfeso. Palestrion, escravo do ateniense, põe-se a
/ 437 / caminho para prevenir o amo, mas é aprisionado no mar e dado
como tomadia ao militar. Palestrion escreve ao amo dizendo-lhe que venha
a Éfeso. Este acorre, aloja-se numa vivenda próxima, em casa de um amigo
de seu pai. O escravo abre um buraco numa parede meia, a fim de facultar
aos dois amantes uma comunicação secreta. O militar dá pela trama, mas
alguém o convence que a amante tem uma irmã gémea. Finalmente Palestrion
para se desembaraçar de Pirgopolinicia persuade-o de que uma velha rica
casará com ele se despedir a amante. O fanfarrão resolve-se a isso,
depois de ter enchido a jovem de presentes. Surpreendido, porém, em casa
de uma mulher casada é espancado como adúltero. A comédia é bem
desenvolvida, os caracteres desenhados com arte. O Soldado fanfarrão
ficou como tipo que serviu de modelo aos numerosos, característicos e
complexos mata-mouros das
comédias espanholas e imitadas do espanhol.
A comédia Trinumo, Os «Três escudos» foi
traduzida do Tesouro, de Filemon. Esta peça contrasta com o
reportório ordinário de Plauto pela delicadeza dos sentimentos e pelas
gradações dos caracteres. Exibe-se ali um escravo dedicado aos amos,
amigos leais, mas o carácter mais notável é o de Lesbonico, em quem a
devassidão não sufocou nem a generosidade, nem o sentimento da honra. A
comédia por ser menos grosseira não é menos engraçada. Eis o seu
entrecho: Um rapaz, Lesbonico, dissipa a riqueza de seu pai ausente e
vende a casa paterna. Ora, Charnide, seu pai, ao sair dela escondera lá
dentro uma soma importante; felizmente, confiara o segredo ao seu amigo
CaIicles. Foi este quem comprou a vivenda. No entretanto, um mancebo,
Sisiteles, deseja casar com a irmã de Lesbonico, mesmo sem dote.
Calicles dá o seu consentimento, mas Lesbonico não quer deixar
consorciar a irmã sem dinheiro. Inventa-se então um estratagema para lha
fazer acreditar que Charnide mandou fundos. Paga-se para isto a um
comparsa a quem se dá três dinheiros de salário, facto que determina o
título da peça. O dote provém, na realidade, do dinheiro deixado por
Charnide, que chega a propósito e tudo se arranja. O Trinumo foi
imitado por Destouches no Dissipateur.
A comédia O Cartaginês foi imitada de Meliandro.
Um rapaz de sete anos, Agorastocles, é roubado de Cartago. Compra-o um
velho,
que o adopta e o institui seu herdeiro. Ao mesmo tempo são também
roubadas duas primas dessa criança. Torna-se seu
protector um proxeneta Licus (lobo). Agorastocles apaixona-se
por uma das raparigas de quem ignora o nascimento, mas as exigências de
Licus desesperam Agorastocles, muito avarento. Este introduz
astuciosamente em casa do proxeneta um serviçal seu e uma porção de
dinheiro e faz com que Licus se veja comprometido num processo como
receptador de um escravo fugitivo e de roubo. Surge nesta altura o
cartaginês Hanon que no rapaz reconhece o sobrinho, e nas pequenas suas
filhas. Agorastocles casa com a prima. É o tema mais vulgar das comédias
de Plauto. Falta-lhe a
unidade, porque as duas intrigas desenvolvem-se paralelamente. Estes
defeitos são em parte resgatados por um chiste endiabrado e pela
divertida sátira aos costumes romanos, embora os «calemburgs» aí pululem
em excesso. Pode censurar-se a Plauto
/ 438 / não ter facetado melhor o
carácter do negociante cartaginês e de o sacrificar demasiado ao
prejuízo popular fazendo do velho cartaginês, em busca das filhas, um
farsante ridículo.
O Rudens «O cabo» tem o seguinte entrecho. Um
rapaz siciliano, Pleusidipo, tratou com Labrax, negociante de escravas,
a
compra de uma rapariga que ama, Ampelisca. Labrax, depois de ter
apanhado as arras safa-se para bordo de um navio. A embarcação naufraga.
Com grande custo, Ampelisca e a sua companheira Palestra salvam-se e
desembarcam perto dum templo de Vénus, ao lado da qual se ergue a casa
do velho Demones. A sacerdotisa de
Vénus acolhe as raparigas. Ampelisca deplora a perda de um cofre que
contém diversos objectos que poderiam servir para
ser reconhecida pelos pais. No entrementes chega Labrax igualmente salvo
do naufrágio. Reclama as pequenas. Estas para escaparem ao seu tirano,
colocam-se sob a protecção de Vénus. Demones defende-as, contém o
negociante de escravos e manda chamar Pleusidipo, que chega e obriga
Labrax a comparecer ante o juiz. Aparece Gripo, pescador, que traz na
extremidade de um cabo o famoso cofre, que supõe conter um tesouro. Mas
Ampelisca reclama-o e descreve os brinquedos que ali estão encerrados.
Por esta descrição o bom Demones reconhece sua filha. Esta peça imitada
de Difilo, é uma das melhores de Plauto e foi escrita nos
últimos anos do poeta.
Como se depreende do que deixamos escrito, se Plauto
alguma coisa copiou dos gregos, os seus sucessores copiaram muito
mais dele. A História do Teatro, bem feitas as contas, representa uma
sucessão de plagiatos.
II
Terêncio
Atelanas – Personagens tradicionais: «Macca», «Papo», «Buco»,
«Dosseno», etc. – Pompónio – Nevio – Cecilio – Afrânio – Ata – Luciano Terêncio «Andriana» – «Hecyra» – «Heautontimoromeno» – «O Eunuco» – «Formion»
– «Os Adelfos» – Os mimógrafos Laberio, Marulho e Publio – Momo – Os
pantomimas, comediantes e trágicos – Batilo de Alexandria, S. Genes,
Mnester, Pilades, Catieno, Esopo, Roscio, Quintilia – A «claque» – O
sipario e o «aulac» – «Acta est fabula» – Petrea.
Foi Atela, cidade da Campânia, entre
Nápoles e Cápua, no território dos oscos, que deu o seu nome a um certo
género de peças jocosas ou farsas populares. O género, no dizer das
enciclopédias, foi introduzido em Roma no século III antes da nossa era,
em seguida às guerras de Samnio. Ao passo que as outras peças de teatro
eram representadas por escravos
ou libertos, as atelanas foram-no sempre por mancebos romanos
mascarados. Estas peças, muito livres na sua maneira, tratavam dos
assuntos mais variados: eram um misto de comédia de intriga, de comédia
de costumes e de sátiras contra as pessoas. Punham em cena um certo
número de personagens tradicionais:
«Macca», (tolo), era o protótipo do guloso, do borracho, do
devasso, a quem os seus maus sentimentos arrastavam a incidentes
deploráveis; o seu nome parece vir da palavra grega macco, que
significava ‘mulher ridícula’; o latim apodava por vezes os néscios com
o epíteto de macci, e, ainda hoje, os italianos chamam a um parvo
matto, mattacio.
/ 439 / «Pappo» (barbudo),
incarnava, em geral, um velho sovina e sensual, ardiloso umas vezes
ingénuo, e pacóvio outras; o destino obrigava-o a andar sempre enganado
pelo filho, pela amante e pelo escravo. Bucco (guloso).
Dosseno ou Dossena, simultaneamente o pedante orgulhoso e
balofo, bem como o feiticeiro e o adivinho da buena-dicha, abusava
da credulidade dos pacóvios para lhe extorquir bom dinheiro pelas
consultas; Nevio exibiu dois dossenos, émulos nas manhas;
dosseno é sempre representado com a espinha em arco; a personagem de
dosseno transitou para a comédia italiana
no papel de doutor. Havia além destes o Manduco, Lamia,
Piton, Mania, etc.
As atelanas eram representadas depois das grandes
peças, tragédias ou comédias, numa simples lona. Os actores improvisavam
em grande parte o diálogo, intercalando-lhe cantos em versos saturninos.
Devido a isto, este género foi uma das origens da comedia dell'arte.
No tempo de Sila, as atelanas tornaram-se um género literário, e
foram escritas em versos jâmbicos ou trocaicos. Os autores principais
das atelanas foram Pompónio e Névio dos quais chegaram até nós alguns
fragmentos.
Lúcio Pompónio nasceu em Bolonha e vivia no ano 90 antes
de Cristo. Quinto Névio existiu no tempo de Sila, no século I antes de
Cristo; compôs não só atelanas mas ainda comédias paliatas.
É tudo quanto se sabe destes dois poetas.
Um dos comediógrafos romanos mais antigos é Estácio
Cecílio, de origem gaulesa. Nasceu em 219 e morreu no ano 166 antes de
Cristo. Embora saído de condição servil, exerceu uma espécie de censura
literária. Os edis davam-lhe a ler as peças novas. Foi assim que animou,
diz-se, os primeiros passos de Terêncio. Compôs umas quarenta comédias
onde, com a tradição de
Plauto, se nota uma psicologia mais apurada; Varrão elogia os seus
enredos. Cícero declara que ele escrevia mal o latim. Cecílio tomou em
geral Menandro para seu modelo.
Em seguida temos Lúcio Afrânio, que vivia no ano 100
antes de Cristo; foi um dos primeiros que abandonou as imitações gregas
pela pintura dos costumes romanos; só nos restam dele fragmentos. Tito
Quinto Ata morreu no ano 77 antes de Cristo; foi um dos autores mais
aplaudidos da comédia togata.
Num lugar aparte figura, não propriamente como
comediógrafo, mas como historiador, crítico, filósofo e retórico
Luciano. Nasceu em Samosate, na Síria em 125 e morreu provavelmente no
Egipto em 192 da nossa era. De família humilde, foi como aprendiz para
casa de um tio, fabricante de estatuetas, e depois acabou a sua educação
nas escolas da Jónia. Começou por ser advogado em Antioquia, mas
seduzido pelo exemplo dos sofistas viajantes, percorreu o mundo fazendo
conferências em toda a parte. Em 161, voltou ao Oriente, primeiro a
Jónia, depois a Antioquia e Samosata, onde se encontrava em 163. No ano
imediato resolveu estabelecer-se em Atenas onde viveu de 165 a 185 pouco
mais ou menos e onde se dedicou ao panfleto e à sátira. Nos últimos
anos, retomou o seu mister de sofista ambulante, que abandonou para se
tornar um alto funcionário no Egipto. Possuímos com o seu nome, oitenta
e duas obras e uma colecção de epigramas; um certo número destes
escritos pertencem aos seus imitadores. Com relação ao teatro temos os
seguintes trabalhos seus: A Pantomima, Zeus trágico e as
paródias trágicas: O pé leve e a Tragédia da gota. Na sua
obra, rica e variada, Luciano toma todos os tons, remexe todas as ideias
do tempo, caustica com as suas zombarias as tradições e os prejuízos.
Para o conseguir, renova vários géneros literários, cria o diálogo
satírico, que anima com o seu espírito e com a sua graça.
Públio Terêncio Afer ocupa na literatura dramática latina
um lugar tão notável como Plauto. Nasceu Terêncio em Cartago em
194 e morreu em 159 antes de Cristo. Levado para Roma de pouca idade,
venderam-no como escravo ao senador Terêncio Lucano, que lhe deu uma
educação liberal e lhe concedeu a alforria.
Terêncio deve o
/ 440 / seu nome a esta personagem. Foi
amigo de Cipião Emílio e de Lélio, e é muito possível que estes homens
ilustres tenham sido seus colaboradores, senão, como se divulgou, os
verdadeiros autores das peças. A sua filha casou com um cavaleiro
romano. Plauto acabava de dotar a literatura romana com uma comédia
semi-grega semi-original. Terêncio enveredou pelo mesmo trilho. Mas
vivendo num meio de muito maior relevo, mais delicado também por
natureza, pôs de lado as intrigas de baixa comédia de Plauto, as suas
facécias grosseiras, os seus trocadilhos, e, como se apregoou então, o
teatro, de plebeu que era, converteu-se por sua intervenção em patrício.
Terêncio desvelou-se num fino desenho dos caracteres e na resolução de
problemas morais. As suas personagens são mais verdadeiras, mais
cuidadas nos cambiantes, mais humanas que as de Plauto. Os próprios
papéis secundários são compostos com esmero.
Encarado na generalidade o teatro de Terêncio é pouco
jocoso. Provoca o sorriso, raras vezes a gargalhada. Psicológica,
burguesa, sentimental, tal em resumo, pode ser definida nos seus
caracteres essenciais, a comédia de Terêncio. O seu modelo grego
preferido é Menandro. Sabe-se que tinha por hábito fundir duas peças
deste autor numa só, pelo singular processo da contaminação. O latim de
Terêncio é dos melhores. Com todas estas excelentes qualidades, custou
muito a Terêncio implantar-se no teatro e nunca alcançou êxitos
brilhantes. Na primeira representação da Hecyra, o povo desertou
do teatro para ir ver os funâmbulos. O Heauton-timoromeno, o
Formion e o Eunuco obtiveram melhor acolhimento. No entanto
foi mais apreciado pelos patrícios que pelo grande público. Só ficaram
dele seis peças. São elas: Andriana, Hecyra, Heautontimorumeno, o
Eunuco, Formion e Os Adelfos. Não se conhecem muito
bem as circunstâncias da sua morte. Uns narram que morreu num naufrágio,
outros que morreu em Leucade ou em Stinfale, de desgosto, por ter
perdido nesse naufrágio a tradução que fizera de cento e trinta e oito
comédias de Menandro.
A Andriana data do ano 166 antes de Cristo. Um
moço cidadão de Atenas, Panfílio, resolve casar, contra vontade de seu
pai Simon, com uma juvenil andriana (insular de Andros), chamada
Gliceria. Simon, desconfiando do projecto do filho, finge querer uni-lo
a Filomena, filha de Cremes, seu amigo. Panfílio consente a instigações
de Davo, seu escravo, que lhe dá a entender que este casamento não passa
de um fingimento. Simon, surpreendido com a resposta do filho, pensa
então a sério em o consorciar com Filomena. No meio de tudo isto vem-se
a saber que Gliceria, a
pretendida andriana, era nem mais nem menos que Pasíbula, filha segunda
de Cremes, que se julgava morta, e que fora raptada em criança. Panfílio
casa então com Gliceria, ou antes com Pasíbula. O Davo de que acima
falamos é o tipo do escravo astucioso e intriguista, na comédia latina
se move durante cinco actos, enredando mil intrigas. Desinquieta o pai,
coloca o filho a dois dedos da sua perda sem nunca lhe faltarem recursos
ou argumentos. A intriga é a sua vida. Horácio e Pérsio já o tinham
posto em foco nas suas sátiras como tipo do escravo cómico. A comédia
Andriana é habilmente entretecida; o diálogo, fácil, elegante; os
caracteres bem delineados. A peça foi representada no ano 588 de Roma,
nos jogos megalésios, isto é, durante as festas realizadas em honra de
Cibele. Em 1703 foi representada no Teatro Francês, em Paris, uma
imitação francesa da Andriana devida ao actor Baron. Esta peça pôs em
moda a andriana, vestido completo e decotado com que apareceu no
espectáculo Mademoiselle Dancourt.
A Hecyra, a «sogra» foi imitada de ApoIodoro de
Carista e do Conselho de família, de Menandro. Representou-se a
primeira vez em 164 antes de Cristo, mas parece que só obteve êxito em
159. Panfílio, rapaz de Atenas, amante de cortesã Bacchis, casa com
Filomena a instâncias do pai, mas durante os cinco primeiros meses do
casamento abstém-se por desdém de quaisquer relações íntimas com a
esposa. Por fim a doçura de sua mulher acaba por vencer a sua
indiferença. Panfílio rompe com Bacchis. O marido
/ 441 / ausenta-se
para uma viagem. No regresso vê que Filomena se retirara para casa dos
pais. Laches e Fidipo, pai e cunhado, atribuem ao génio rabugento de
Sostrata, sua sogra, e aos maus conselhos de Mirrina, sua mãe, a ruptura
dos cônjuges. Na realidade, Filomena que fora violentada, antes do
casamento, por um desconhecido embriagado, retirou-se para casa da
família constrangida pela proximidade do parto. Apenas a mãe conhece o
segredo. Na volta, Panfílio, sabendo que não pode ser o pai da criança
prestes a nascer, delibera não tornar a aceitar sua mulher. Por acaso,
porém, Mirrina descobre no dedo da cortesã Bacchis um anel tirado a sua
filha por aquele que a violentara. Bacchis recebeu esse anel de Panfílio.
Panfílio reconhece ser o pai do recém-nascido sem que ninguém, excepto
Mirrina, saiba a causa dessa mudança. Os caracteres das mulheres são
traçados com adorável delicadeza.
A comédia O Heautontimoromeno, isto é «o carrasco
de si mesmo», foi representada no ano 162 antes de Cristo. É imitada de
uma peça única de Menandro, mas o escritor latino duplicou-lhe a
intriga. Menedemo, pelo rigor com que tratava seu filho Clínias,
apaixonado por uma rapariga honesta, Antifila, obriga aquele a
expatriar-se. Mas a ausência do rapaz desespera o pai tirano. Clínias,
de volta, oculta-se em casa de um vizinho, Cremes, que vem a ser o pai
de Antifila. O escravo Sírus, com as suas manhas, persuade
Menedemo a receber em sua casa Bacchis, cortesã amada de Clitofon, filho
de Cremes, fazendo-lhe acreditar que ela é a
amante de Clínias. Menedemo faz por fraqueza para uma cortesã, o que não
fez por uma rapariga com juízo. Breve, porém, tudo se desvenda. Cremes,
tão hábil em aconselhar os outros, convence-se que se deixou iludir
ainda melhor que o seu vizinho. Concede a filha a Clínias, e Clitofon,
receando ser deserdado, consente em desligar-se de Bacchis e a casar
também com uma pequena das vizinhanças. Nesta divertida comédia
encontra-se o verso tão conhecido:
Homo sum, et humani nihil a me alienum puto.
(Sou homem, nada do que é humano me é indiferente)
A personagem Cremes perdurou até hoje como o tipo do pai
ridículo à força de severidade e de rigor.
O Eunuco, comédia imitada das peças de Menandro:
O Eunuco e O Adulador (Colax), foi representada no
ano 583 de Roma. Fedria ama a cortesã Tais, e, para conservar as suas
boas graças, que lhe disputa um capitão empertigado da sua pessoa,
compra-lhe por elevado preço um eunuco velho e feio. O capitão, pelo seu
lado, oferece-lhe uma linda escrava de dezasseis anos, chamada Panfília.
Cheréa, irmão de Fedria, vê a rapariga e apaixona-se por ela. Graças ao
escravo Parmenon, introduz-se em casa de Tais fazendo-se passar por
eunuco. Apanhando-se só com Panfília, aproveita-se do sono da jovem e
abusa dela. Mas o caso torna-se mais grave do que pensa. Panfília é de
condição livre. Tinha sido raptada outrora aos pais, de quem espera
conquistar a amizade restituindo-lhes a filha. Felizmente, há meio de
arranjar as coisas: o casamento. E, com efeito Cheréa vem a casar com
Panfília. Encontram-se nesta comédia as personagens clássicas da comédia
latina: o militar fanfarrão, a cortesã, o escravo espertalhão, o
parasita; mas Terêncio soube manter a justa proporção do cómico e não
cai, como Plauto, no exagero inverosímil destes tipos. La Fontaine, que
professava viva admiração por esta comédia, fez representar, em 1656,
uma imitação dela atenuada. Brueys e Palaprat também a imitaram. Em 1845
apareceu num dos teatros de Paris uma tradução da mesma obra por Michel
Carré.
A comédia Formion data do ano 162 antes de Cristo.
O original grego não chegou até nós. Molière tirou do Formion as
Fourberies de Scapin. O título provém do nome de um parasita, que é
a personagem principal. Demifon, de Atenas, parte para uma viagem e
deixa nessa cidade seu filho Antifon. Cremes, irmão de Demifon, tem duas
mulheres, uma em Atenas e outra em Lemnos. Da primeira, existe um filho
que se enamora de uma dançarina. Do segundo casamento nasceu uma filha.
A esposa de Lemnos chega a Atenas e morre. A órfã, visto o pai
encontrar-se ausente, encarrega-se dos funerais. Antifon vê-a,
inflama-se e desposa-a, graças à habilidade de Formion. Demifon e
Cremes,
/ 442 / de volta, ficam desesperados. Oferecem trinta minas ao parasita
para os desembaraçar da desconhecida tomando-a para si como mulher. As
trinta minas servem para comprar a dançarina, e Antifon conserva sua
mulher a quem seu pai vem a reconhecer como sobrinha. O estilo da
comédia é de uma graça bem equilibrada, as personagens são finamente
observadas, o gosto sempre puro.
Os Adelfos ou «os irmãos» forneceram a Molière o
assunto da comédia École des maris. O fundo da peça de Terêncio,
e a oposição sistemática do carácter de dois irmãos, com opinião
completamente dividida sobre os princípios segundo os quais deve ser
orientada a educação; um leva a indulgência paterna até à mais
deplorável fraqueza, o outro não concebe limites à autoridade de um pai
sobre os filhos. O desenlace do escritor latino não se assemelha nada ao
de Molière: é o partido da severidade que triunfa. A comédia Os
Adelfos foi representada um ano antes da morte de Terêncio, 594 de
Roma, 160 antes de Cristo.
Não vale a pena insistir no que era o mimo, a mímica, o
mimodrama, a pantomima em Roma. Os mimógrafos de mais nomeada foram:
Decimo Junio Laberio, nascido no século I antes da nossa era; primava
nesse género, mas informa-nos Horácio que agradava mais ao populacho que
aos letrados. César, não se sabe bem porquê, obrigou-o um dia a ir para
a cena e a representar uma das suas peças. Existe ainda o prólogo que
Laberio pronunciou nessa ocasião. Mario Mazulo vivia em Roma no século
II da nossa era; S. Jerónimo gaba a elegância do seu estilo; ousou
ridicularizar Mário Aurélio e Lúcio Vero que aturaram com paciência as
suas zombarias; dele só resta um curto fragmento citado por Sérvio.
Siro Públio nasceu na Síria e viveu no século I antes de
Cristo; levado como escravo para Roma, recebeu a alforria de Domício;
entregou-se à composição de mimos e introduziu neles um grande número de
traços morais.
Momo era o deus da galhofa, do sarcasmo, da folia
ruidosa.
Hesíodo deu-lhe por pai e mãe o Sono e a Noite. Era, no
dizer dos escritores Luciano, Plutarco, Filostrate, dos poetas da
Antologia, o deus dos histriões, dos comediantes. Personificavam-no num
mancebo, do qual se entrevia, por baixo da máscara, o rosto zombeteiro.
Com uma das mãos sacudia os guizos, com
a outra empunhava um ceptro coroado por uma cabeça coberta com um capuz
de diversas cores e guarnecido de guizos, símbolo da folia.
Além dos histriões que representavam farsas grosseiras,
com acompanhamento de flauta, havia os aretalogos, espécie de
bobos, que divertiam os convivas durante as refeições.
Dos inúmeros comediantes e pantomimas famosos que
divertiram o povo romano, poucos nomes chegaram ate nós. Eis os que conhecemos: Batilo da Alexandria foi quem introduziu
com Pilades a sua arte na cena romana. Compôs um tratado dessa arte
dividido em quatro partes; a cordace, para a comédia; a emelia,
para a tragédia; a sicina, para a sátira, e a italica,
género compósito. Batilo primava sobretudo nos assuntos cómicos. A sua
rivalidade como seu antigo colaborador originou perturbações tais, que
Augusto exilou Pilades, cuja insolência para com o público excedia todos
os limites. Batilo foi muito protegido por Mecenas, de quem era liberto.
S. Genes ou Genert era mimo e numa paródia pagã das
cerimónias da Igreja, representou, em Roma, diante do imperador
Diocleciano, o papel de um catecúmeno em perigo de morte, Adriano, que
pedia e baptismo. Mas, de súbito, declarou-se realmente cristão. Foi
preso e julgado pelo prefeito em Roma, Pláucio, que depois de o ter
torturado, lhe mandou cortar a cabeça em 286 ou 303. Este acontecimento
é o assunto da tragédia de Rotrou O verdadeiro S. Genest. [São
Gens?]
Mnester morreu no ano 48 da nossa era. Calígula beijou-o
em pleno teatro. No tempo de Cláudio, inspirou uma ardente paixão a
Messalina, que, para se vingar do seu desprezo, se queixou da audácia do
pantomimo, que recusara obedecer às suas ordens. Cláudio mandou-o
chibatar e significou-lhe que
/ 443 / nunca recusasse nada à imperatriz.
Quando condenaram Messalina à morte por causa das suas devassidões,
Mnester, acusado de ter tomado parte nelas, alegou baldadamente que só
obedecera às ordens de Cláudio, mas de nada lhe valeu a alegação, porque
sofreu a pena capital.
Pilades, liberto de Augusto, nasceu na Cilícia. Criou, ou
pelo menos aperfeiçoou, esse género de espectáculos. A sua rivalidade
com Batilo, como atrás dissemos, provocou tumultos, que o fizeram banir
da Itália. O povo, porém, exigiu o seu regresso.
Catieno deve a sua celebridade a um acontecimento
singular. Representava um dia com Fábio, bom comediante, mas
incorrigível beberrão. Este desempenhava um papel de mulher, Iliona,
numa peça de Accio ou de Pacúvio. Devia fingir que dormia. Adormeceu a
valer e tão profundamente que os gritos de Catieno: «Mater, te apello»,
não puderam acordá-lo. Então os espectadores principiaram a berrar em
coro: «Mater,
te apello». O nome de Catieno tomou um
sentido proverbial. «Ouviria tanto, escreveu Horácio, como outrora Fábio
ébrio, que adormeceu quando representava o papel de Iliona, ouviu dois
mil Catienos a gritar: «Mater, te apello.» Como toda a gente
conhecia o caso, facilmente se percebia a alusão: Catienis mille
dacentis clamantibus.
Pelo que se vê o episódio atribuído a Coquelin Ainé é
antiquíssimo.
Esopo e Roscio foram ambos amigos e professores de
declamação de Cícero. Esopo alcançou grandes triunfos na tragédia.
Exaltava-se tanto na interpretação dos seus
papeis, que um dia, representando o furor de Atreu, matou um espectador.
Ganhou uma riqueza considerável e deixou muitos bens, apesar da sua
prodigalidade que o levava a apresentar na mesa pratos de aves canoras e
a mandar derreter um dia, como Cleópatra, pérolas para beber. Contava-se
que na
ocasião em que se tratava de permitir o regresso de Cícero, representara
tão pateticamente o papel de Telamon exilado, que contribuiu com a
comoção que causou, para que o decreto fosse lavrado.
Quinto Róscio nasceu em Lanúvio, em 129 antes de Cristo,
e morreu em 69. Fui um actor trágico e de comédia dos de mais talento e
um carácter de tanta honorabilidade que conquistou a amizade da maior
parte dos homens ilustres do seu tempo. Deu lições de declamação, como
já o fizemos sentir, a Cícero, que pleiteou a seu favor contra Fáunio
Querea.
Acerca da afamada comediante Quintília apenas se sabe que
preferiu sofrer as mais horríveis torturas a revelar o que sabia da
conspiração de Pompedio, seu amante, contra
Calígula. O imperador, impressionado, mandou-a pôr em liberdade.
A claque, essa instituição teatral hoje
absolutamente indispensável aos empresários, aos artistas, e até ao
público, deve a sua origem a Nero. Suetónio assegura que este imperador,
quando dava ao seu povo a honra de cantar no anfiteatro, dispunha de um
batalhão de cinco mil rapazes vigorosos, encarregados de o aplaudir.
Os aplausos dividiam-se em três espécies: os bombi,
ruído que imitava o zumbido das abelhas; os imbrices, que
estrugiam como
a chuva caindo no telhado; finalmente os testae, cujo som
retumbava como uma bilha que se quebra. Os historiadores latinos chamam
aos «claqueurs» juvenes e aos seus chefes curatores.
Não descrevemos aqui o teatro romano, pois já o fizemos
noutra obra [Evolução do Teatro], mas indicaremos algumas das
suas singularidades, que não foram registadas. Uma delas era o
sipario, ou pano de boca, defronte da tribuna do pretor. O
/ 444 /
auleum, como também lhe chamavam, era um pedaço de fazenda
retesado num caixilho e que se levantava diante da cena. Ao contrário do
pano moderno, que sobe quando a peça começa, o sipario descia e
desaparecia debaixo do chão ao nível da cena, aulaea premuntur o
denominou Horácio nas suas Epístolas. Logo que a peça ou o acto
concluía, a operação realizava-se naturalmente em sentido contrário, e o
sipario era erguido, tolluntur, escreve Ovídio nas
Metamorfose. Havia ainda outro pano vertical, dividido em dois à
guisa de cortinas e que se cerrava durante os entractos e mudança de
cenário.
Um costume existia no teatro romano. Quando a
representação acabava, o director vinha à frente do proscénio e
declarava: Acta est fabula. «a peça está representada.»
Esta fórmula tomou um carácter histórico, comentam os
eruditos, passando pela boca do imperador Augusto, que, prestes a
expirar, pediu um espelho, mandou pintar os cabelos, fazer a barba, e em
seguida perguntou:
– Não representei bem o meu papel?
– Representou – respondeu-lhe alguém.
– Dêem. palmas – redarguiu – a peça
está acabada! (Plaudite, acta est fabula!)
Da mesma maneira se conta, que, Rabelais, no momento de
render a alma, exclamou, numa íntima gargalhada desse riso sardónico por
trás do qual abrigara a sua filosofia:
– Tirez, le rideau, la farce est jouée!
Para terminar este capitulo esboçaremos o que era a
Petrea. Não se trata precisamente de uma personagem de teatro. Era
uma individualidade jogralesca que se exibia em certas cerimónias em
Roma. O seu papel era o de uma velha embriagada. Acompanhava-a outro
tipo feminino, Citéria, que frechava os circunstantes com toda a espécie
de dichotes e epigramas.
Compilado por
EDUARDO DE NORONHA
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