Ao pé da cova



– Coveiro, diz-me, a que altura
Cavaram esta sepultura?

– «Tão fundo quanto ordena a lei.
Eu mesmo a abri e eu a fechei.»

– Coveiro, é falso! A tua enchada,
Nem fez cova, nem fez nada.

E a prova é, do que te digo,
Que a morta sai – vem ter comigo.

Nenhuma noite só me deito
Que não a veja ao pé do leito,

Tão branca e triste e abatida
Como era dantes, quando em vida.

Nunca me fala, mas sorri-se
– Sorriso cheio de meiguice...

E ali fica a noite, assim,
Junto de mim e a olhar por mim.

Por horas mortas, se desperto,
Coveiro, eu sinto, é quase certo,

Uma impressão nítida e clara
De beijos álgidos na cara.

Coveiro, há mais... – Mas tenho medo
Que vás contar o meu segredo...

– «Convivo só com quem morreu...
Conte se quer – morto sou eu...»

 

03-12-2020