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 STA arte grácil teve o seu berço na Itália, o país
dos sonhos e das flores. Diz a lenda que um pescador do Adriático,
apaixonado pela mais linda filha do canal, lhe deveu o precioso
presente de uma rede, feita por suas mãos.
E a primeira vez que a lançou às águas, pescou apenas
uma linda alga, petrificada, esplêndida e finíssima! De repente, a
guerra chama às fileiras todos os marinheiros. E a jovem apaixonada
passa horas inteiras presa do seu desgosto, a olhar para a alga
magnífica... última lembrança do bem-amado!
Encanta-se a detalhar as finas nervuras, as fibras
tão leves que desenham maravilhosos arabescos; a pouco e pouco, as
suas mãos
 cruzam
os fios; quer reproduzir o modelo que os seus olhos não cessam de
fixar!
E inventa, finalmente, a renda à Piombini.
Pertence pois ao amor a invenção da renda que é leve, delicada,
caprichosa, mas firme e duradoura como ele!
À humilde renda do pescador sucedeu a altiva renda de
Veneza e quase todos os povos cultivaram esta lindíssima arte!
É em Flandres que encontra primeiro uma pátria
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/ digna de rivalizar com a que foi seu berço; Bruges, Malines,
Bruxelas e Antuérpia inventam as suas célebres variedades. A França
não fica atrás neste movimento; Colbert quer dar ao seu país a bela
indústria que fez a riqueza de Veneza. Interessa-se pelos produtos
de Alençon, concede-lhe em 1665 um privilégio e dotação por dez
anos. Estabelece fábricas nas principais cidades do reino.
Manda vir as hábeis operárias de Bretanha e de Itália
e, dentro de pouco tempo, Alençon, Chantilly e Valenciennes dão ao
ponto de França uma alta e justa reputação!
A Inglaterra quer rivalizar com a Bélgica; não o
consegue, mas o seu comércio abarca as rendas belgas, vendendo-as
como produções nacionais e impõe-lhes o nome de Pontos de
Inglaterra.
 Assim, por toda a parte, em Espanha na Alemanha, em
Saxe, na própria Rússia, a renda conquista os seus brasões e leva o
pão e a fartura aos lares mais humildes! Encanta mesmo os ócios de
princesas e rainhas!
E merecia essa honra! Nada de mais aristocrático para
trabalhos femininos. Nada de mais lindo para umas lindas mãos! Uma
renda artística fina e original podendo ornar o vestido de uma
neta! Depois de haver servido no da filha!
Essas rendas antigas e magníficas que se guardam como
relíquias, com o seu perfume doutros tempos e a sua graça original,
mostram o gosto da geração que as usa.
Luís XIV gastava em rendas mais do que uma rainha.
Conta-se que pagou por 250 escudos de ouro uma gola ou colarinho de
Ponto de Veneza. É verdade que, para dar mais consistência
aos elegantes desenhos desta renda, as operárias usavam crinas de
cavalo; mas não encontrando tantas crinas boas quantas desejavam,
resolveram aplicar os fios do seu cabelo no colarinho do seu rei.
No tempo de Luís XV os fidalgos enfeitavam-se para
combater, como para os bailes.
Os homens gastavam tanto como as senhoras e o preço
das rendas atingiu nessa época quantias fabulosas.
Os enxovais das noivas levavam só de rendas trinta e
quarenta contos.
Madame, filha de Luís XV, teve no seu enxoval
duzentos contos de rendas. O delírio chegou ao ponto de haver leis
de repressão e ser proibido o seu uso. S. Francisco de Regis que
pregava nesse tempo no Auvergne, condoído da sorte das operárias,
fez revogar essa lei e ficou desde então o advogado das rendeiras.
Mais tarde a renda voltou a ser perseguida.
Napoleão I, porém, quase, novamente, introduziu em
França o gosto pelas rendas; e nas Tulherias usaram-se em grande
escala.
Uma guarnição do leito de Maria Luísa, toda em
abelhas, era de um gosto e duma riqueza prodigiosa!
Finalmente, em 1818 o tule e as rendas baratas de
tear dão um golpe por assim dizer, de morte, nas verdadeiras rendas.
E na Restauração do reinado de Luís Filipe é posto
completamente de parte o uso da renda. Quase todos ignoram a beleza
/ 365 / artística das malines e de todas as rendas que não é
possível citar nas rápidas linhas despretensiosamente lançadas aqui!
As lindas rendas de Chantilly adoradas por madame
de Maintenon; as blondes que ornaram a graça flexuosa de
Maria Antonieta e tantos milhares de variedades mais. Em Portugal,
porém, o trabalho da renda não tomou grandes proporções.
Em Setúbal, Peniche e em toda a costa de Portugal
existiam algumas rendeiras e em Setúbal principalmente houve quem
nesse negócio ganhasse bastante dinheiro – As pobres operárias porém
não.
Faziam centenas de metros de rendas onde empregavam
milhares de bilros. Mas eram sempre mal remuneradas e os piques
sempre iguais.
Ver uma renda, era ver todas. No entanto, o trabalho
de algumas rendeiras era verdadeiramente perfeito com o seu cunho
especial.
Levavam meses a fazer um metro de renda, aquelas que
se aplicavam a trabalhar de encomenda. E houve, não sei se em
Peniche, uma rapariga que perdeu a cabeça quase por ter levado dois
ou três anos com metro e meio de renda!
A sua aplicação toda era para roupa branca e roupa de
Igreja.
 As grandes senhoras Portuguesas usavam rendas
estrangeiras. Houve também uma época em que a renda de tresmalhe, a
de croché e a de duas agulhas foi muito apreciada. Chegavam a
fazer-se colchas inteiras de croché e de tresmalhe.
Principalmente da Ilha da Madeira vinham e vêm
verdadeiras maravilhas nesse género!
E ainda hoje existem em todas as casas antigos
lençóis, toalhas, guarde camas, etc., ricamente guarnecidos
de trabalhosas rendas dessa espécie. E roquetes, alvas
toalhas de altar, em toda a parte existem ainda objectos dignos
de todo o apreço. Em rendas de bilros então há trabalhos
estonteantes para quem conhece o métier. Coisas de ensandecer
as pobres operárias; feitas, sem arte nenhuma e com o maior
trabalho. Bonitas no meio de tudo e da sua falta de gosto original.
Esta indústria tende porém a desaparecer.
Ninguém paga o trabalho, ninguém o aprecia nem
percebe!
Já vai longe a época daquela senhora, esposa de um
engenheiro, proprietário de minas, que ensinou a renda de bilros às
pobres mulheres dos mineiros. A sua dedicação foi de tal modo
admirável, que uma boa velha com o seu quê de feiticeira lhe
predisse que a senhora Santa Ana a recompensaria, fazendo prosperar
os seus filhos, sem que perdesse nenhum e que se multiplicariam
tanto como os bilros da sua almofada.
E a predição realizou-se. Quando Barbara Ettelein
Uttruam, que assim se chamava esta admirável mulher, morreu, deixou
sessenta e cinco descendentes entre filhos e netos!
Teve a recompensa que merecia.
A renda, que tão elegante torna os objectos que
envolve, devia ser ensinada a todas
/ 366 / as meninas em todas as
escolas do reino. Fazê-las criar o amor da arte, dar-lhes noções
gerais de desenhos e obrigá-las a aplicá-las, embora com sacrifício
de algumas disciplinas inúteis, que só lhes tomam tempo e na maior
parte das vezes as desorientam.
Pode ser que ainda volte o tempo dos cabeções, das
barbes, aquelas longas tiras que usavam as senhoras do século
XVIII, enfeitando o cabelo e caindo pelas costas com um comprimento
certo e medido, segundo a classe a que a senhora pertencia.
 Foi madame de Fontanges quem inaugurou a moda
da renda nos cabelos. A origem é cheia de graça, durante uma caçada,
os anéis do cabelo da favorita escapavam-se da fita que os segurava;
e ela improvisou uma coifa com o seu lenço de rendas! O rei ficou
encantado e pediu-lhe para a conservar na reunião da corte. O seu
enfeite inédito foi apreciado; e no dia seguinte todas as senhoras
apareceram penteadas à Fontanges. Este penteado devia, mais tarde,
tomar dimensões piramidais!
Sem falar da roupa branca ornada com as mais belas,
finas e lindas rendas; rendas que se aplicavam a todos os acessórios
da toilette. E nos lenços bordados que as damas davam aos
seus favoritos e eles usavam no chapéu como prova de apreço pela
oferente. Nos leques, por detrás dos quais se velavam os olhares e
escondiam os sorrisos.
Pode ser que volte, porque a renda não pode abandonar
a mulher; quando não palpite em redor do seu pescoço em gargantilha
ou fraise como no tempo de Henrique II, em que pela cicatriz
que tinha no pescoço ele inventou essa moda e aumentou em tamanho ao
ponto da rainha Margarida de Navarra, mais tarde, ser obrigada a
servir-se de uma colher de dois palmos e meio para a não enxovalhar,
e a rainha Isabel de Inglaterra usar a fraise mais engomada
de toda a Europa, enfeitada com uma quantidade prodigiosa de renda
de ouro, de prata, de canotilho, tecida de pérolas e de pedras
preciosas, quando se não use em collerettes abertas em leques
monstruosos, deixando adiante um meio decote como se pode ver nos
quadros de Rubens, quando não envolva como em uma onda de neve a
haste de um lírio, uma garganta formosa, pode ainda adoptar-se em
écharpes, em volta do corpo aumentando-lhe a fina delicadeza,
tornando-a mais esbelta e mais flexível!
É possível que voltem os corpetes de rendas pretas
que tanto se usavam com os fichus Maria Antonieta. Esses
fichus pretos ou brancos, guarnecidos de dois folhos de rendas
que se cruzavam no peito e atavam atrás, fazendo parte da
toilette tanto de passeio como de baile.
Há rendas de verão e rendas de inverno, rendas para
pela manhã e para a tarde. Rendas para menina e para senhora.
Uma menina não poderá nunca enfeitar-se com o rico e
pesado Ponto de Veneza, nem com a severa renda de Alençon!
Assim como uma avó não poderá também adoptar as
Valenciennes. Cada pessoa terá de escolher o que convém à sua
idade e posição.
/ 367 / Parece que a renda ama tão apaixonadamente a
mulher, que a não quer deixar em época alguma da sua vida.
Enfeita-lhe o berço, cai em pregas finas em redor dos seus vestidos
e capas de criança; jovem, envolve artisticamente a sua gracilidade
mal definida ainda; senhora, realça-lhe a beleza desenvolvida como o
invólucro da flor aviva o brilho da corola; cerca-lhe de uma auréola
os cabelos brancos e oculta sob as suas pregas harmoniosas os
últimos restos da sua beleza!
Um filósofo disse que a beleza era uma promessa de
felicidade; pode dizer-se que para a beleza, a renda é uma promessa
de graça.
O que há de mais encantador, com efeito, do que um
braço delicado que sai de uma manga de rendas, do que uma garganta
cujo esplendor se advinha sob um véu diáfano?
Pelo seu vaporoso, pela sua transparência, a
 renda
tira toda a brutalidade às linhas; permite o indeciso, dá à roupa
uma leveza requintada, harmoniosa, com a delicadeza da carne
feminina. Sob a alvura leitosa, o rosado da pele realça, auxilia a
flexibilidade e a ondulação das linhas do corpo que ela segue sem as
quebrar.
Obra da mulher e feita para a mulher e desde que
alguma castelã a inventou no fundo do seu castelo obscuro, ate à
hora em que a bela filha do canal se distraiu a reproduzir com os
seus dedos ingénuos, a alga dos mares; através dos séculos, através
das perseguições, apesar das modas diversas, a renda ficou sobre a
mulher como um sonho fixo, como um poema cinzelado e florido de
arabescos.
Havia muito que escrever sobre coleccionadores e
coleccionadoras de rendas e guipures, sobre os preços de
certas peças raríssimas e sobre as variações das modas que exilam ou
reconduzem alternadamente, a voga dessas brancas e finas decorações!
A mais rica acumulação de rendas actualmente, não se
encontra em Paris mas em Roma; não em casa de uma senhora, mas de um
homem: o representante de Deus na terra, S. Santidade o Papa, cujo
tesouro em guipures e rendas, está avaliado em perto de 5
milhões!
A defunta rainha Vitória estava em segundo lugar; os
seus laces foram avaliados na quantia de 1.900:000 francos e
os da princesa de Gales em 1.300:000 francos.
Em França citavam-se antigamente as rendas da
Imperatriz Eugénia, e mais particularmente um certo Ponto de
Inglaterra, que tinha sido pago a 125:000 francos o metro!
Pode calcular-se o preço de uma guarnição de vestido
principalmente no tempo dos crinolines.
/ 368 / As rendas, na América, são hoje procuradas e
coleccionadas como obras de arte, e a família Astor possui 1.500:000
francos delas. Diz-se que a Vanderbilt tem 300:000 francos de pontos
célebres e da maior finura.
 A mecânica matou a arte da renda à mão; e se não lhe
valemos, em pouco tempo a classe das rendeiras terá passado à
história!
Em Portugal não podemos nunca ter esperanças de ver
implantar a valer essa indústria cara e artística! – O mercado é
pequeno; a exportação nenhuma. Ninguém faz gosto no que é nacional.
Se acontece, acham caro um cabeção soberbo em toda a parte do mundo;
e dão por uma renda estrangeira quanto lhe pedirem.
Até aqui não havia nada de verdadeiramente formoso
nem artístico; hoje porém, que a nossa ilustre patrícia D. Maria
Augusta Bordalo Pinheiro, com o seu fino gosto, o seu talento de
eleição, a sua arte excepcional, criou, para o nosso país uma renda
sua, um Ponto Português, digno de figurar em lugar de honra
entre todos os Pontos universalmente conhecidos, é dever nosso,
dever de mulheres e de portuguesas, honrar a nossa renda; comprá-la,
adoptá-la e ensiná-la às nossas filhas. Nunca poderá ser uma grande
indústria, nunca poderá ser profusa a sua produção; mas pode ser
grande e sobretudo em toda a parte, apreciada e conhecida!
Compete-nos a nós levantá-la! – Não a depreciar, achando-a muitas
vezes cara, sem a menor noção da arte real que presidiu ao seu
desenho, e do esforço verdadeiramente grande com que se levou ao
fim.
Chegando a empregar-se na confecção de um lenço,
vinte rendeiras e não produzindo cada uma delas, em um dia, um
centímetro de renda. Isto é verdade!
Sua Majestade, a Rainha D. Amélia, nossa excelsa
soberana, dá o valor devido a estes trabalhos dignos da maior
admiração e elogio.
É ver essas peças riquíssimas premiadas nas
principais exposições com medalhas de ouro. Essas guarnições de
estilo gótico como as feitas para a capela da senhora condessa de
Sabugosa.
Guarnições preciosas de vestidos como o da senhora
condessa de Arge.
Leques como a gravura aqui representa em todos os
estilos. Voltas de lenço, pontas de gravata, enfim!
D. Maria Augusta Bordalo Pinheiro põe em renda todos
os desenhos tirados pelo seu lápis artístico do natural, mas com uma
modéstia adorável, – a modéstia da superioridade
/ 369 / – diz: «Eu
não apresento desenho nenhum sem que meu irmão Columbano o
aprove!... Ele é mais novo do que eu, dezassete anos... mas foi o
meu mestre… e não ficava segura sem ele ver!...»
Segura de ter acertado!
Que encanto!
Vejam as minhas queridas amigas a beleza do génio!
LUÍSA
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