A António Correia de Oliveira
 

Meu coração é pomar

À espera de passarinhos,

Bem podias tu enchê-lo

Co'as aves dos teus carinhos.

 

Coração, não saltes tanto,

Tanto d'aqui para ali:

Tu saltas por causa dela,

Ela nem olha p'ra ti!

 

Tu juraste de ser minha

Eu jurei de te querer;

Ainda que sejas falsa

Não mo dês a perceber.

 

Os cachos dos teus cabelos

Pelo teu dorso a rolar,

São veludosas serpentes

Que envenenam sem picar.

 

Teus olhos são dois abismos

Teus olhos são claros céus:

Têm demónios, têm anjinhos,

Só não têm pena dos meus…

Tua boca é mar de rosas,

Com escolhos de marfim…

Ah! feliz do marinheiro

que morrer num mar assim.

 

Oh! Que mangueira tão alta,

Curvada com tanto gosto!

Quem dera fosse eu mangueira,

Para não ver o teu rosto…

 

Andorinha fugitiva

Que eu criei com tanto jeito,

Que há de ser do pobre ninho

Que te armei dentro em meu peito.

 

Quando vires alvas garças

Seguindo-te em alto mar,

São meus olhos que te buscam

Cansados já de chorar...

 

Juraste que voltarias,

Ò andorinha celeste!

Já se foi a primavera...

Que é das juras que fizeste?...

Rio de Janeiro, 28-VII-1907                                                   Alípio Machado
 

 

12-08-2020