A água em Lisboa
UANDO
D. Afonso Henriques tomou Lisboa aos mouros, os habitantes da
«mui nobre e leal cidade» não desfrutavam, como é fácil de calcular,
das vantagens inapreciáveis da água encanada para suas casas,
desconhecendo também as desvantagens desse produto da civilização
que se chama contador e que é, no actual momento histórico, um dos
mais terríveis flagelos dos chefes de família que não disponham de
grandes meios de fortuna.
Nesse tempo, a capital abastecia-se de água pelo processo mais
rudimentar: alguns particulares, utilizavam-se da que lhes forneciam
os poços e cisternas existentes nas suas propriedades, e o grosso do
público da que brotava das nascentes situadas na base da colina de
S. Jorge, ou da que saía penosamente de algumas fontes mandadas
construir pelas municipalidades. A partir da segunda dinastia, os
magistrados que tinham a seu cargo os interesses da cidade começaram
a reconhecer a necessidade de melhorar este estado de coisas que,
com o aumento da população, se agravava cada vez mais.
Mas fosse por falta de elementos, ou em virtude do sistema nacional
protelar a resolução de todos os assuntos, ainda os mais importantes
e urgentes, o certo é que, no princípio do século XVIII, a situação
mantinha-se tal como no momento da fundação da monarquia: os 80.000
habitantes da capital dispunham para os seus usos de 360 metros
cúbicos de água por dia.
Foi então que alguma coisa se fez. Já de longa data se pensava em
utilizar para o abastecimento da cidade as águas das nascentes de
Carenque, mais vulgarmente conhecidas por «Águas livres».
Reconhecido bom esse plano, foi ele posto em prática: em 12 de Maio
de 1731, um decreto régio ordenava a construção do aqueduto que
devia conduzir as águas de Carenque a Lisboa. Devido,
[SERÕES N.º 15 - FOL. 3]
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porém, à grandiosidade do projecto, a execução das obras foi de tal
maneira demorada que só em 1748 começou a passar a água pelo
aqueduto, e como, entretanto, se resolveu prolongá-lo e fazer-lhe
diversas ramificações, a fim de aproveitar outras nascentes
próximas, assim como construir galerias para a distribuição da água
pelos diferentes bairros da cidade – os trabalhos só ficaram
definitivamente concluídos em 1835.
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Começou então a capital a receber a totalidade das águas
sucessivamente captadas e introduzidas nos aquedutos. Mas
imediatamente se reconheceu que os gigantescos esforços feitos e as
colossais somas de dinheiro dispendidas haviam tido resultados quase
nulos. Com efeito, o volume de água de que, a partir de então, a
cidade passou a dispor, foi de 1.300 metros cúbicos, apenas o triplo
do que dispunha antes de 1748, e a população havia aumentado mais de
metade, pois elevava-se já a 130.000 pessoas. Entretanto, as
necessidades de momento podiam ser atendidas, e isso era o
suficiente para os habitantes de Lisboa que, como bons portugueses,
não se preocupavam com o dia seguinte.
Só ao fim de longos anos, quando, em virtude do sucessivo acréscimo
da população, surgiram de novo as anteriores dificuldades, se voltou
a pensar no caso. Viu-se que era urgente fornecer à cidade mais
água. E como, tanto o município como o Estado, não se encontrassem
em situação financeira que lhes permitisse proceder por sua conta
aos trabalhos necessários, resolveu-se confiá-los à indústria
privada.
Abriu-se um concurso, que ficou deserto.
Aberto outro mais tarde, concorreu a ele um grupo de capitalistas
portugueses que constituiu depois a Companhia das Águas de Lisboa, à
qual o governo, por decreto de 28 de Janeiro de 1856, deu a
concessão. Por ela, a Companhia obrigava-se a aumentar o volume da
água em 11.300 metros cúbicos por dia, pelo menos, e a construir
reservatórios e a canalização necessária para a água ser distribuída
domiciliarmente em todos os bairros da cidade.
A
Companhia encarregou o engenheiro francês Mary do plano da obra,
dando-o ele por concluído em 30 de Junho do mesmo ano. Segundo esse
plano, para cumprir a condição do contracto relativa à aquisição de
novas águas, bastava captar as duas nascentes da Mata, no vale de
Lobos, e as de outras próximas, e encaná-las para o aqueduto de D.
João V. Pelo que respeitava à distribuição delas em Lisboa, para
evitar as pressões que fatalmente se exerceriam nos pontos baixos,
sendo o serviço de distribuição uno, Mary dividia a área da cidade
em três zonas separadas, cada uma delas com reservatórios e
canalizações independentes. E como, para alimentar os pontos mais
altos, era necessário que o reservatório da zona superior ficasse 20
metros acima do nível do aqueduto, Mary propunha o emprego de um
sifão que conduzisse a água até lá segundo as leis da gravidade.
O
plano foi aceite, a despeito da opinião do engenheiro português
Carlos Ribeiro, que declarou impossível obter-se com o aqueduto da
Mata, o volume de água necessário. As obras começaram; mas quando,
em Setembro e Outubro de 1862, se procedeu a medições nas nascentes,
reconheceu-se que o engenheiro
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português tinha razão: a quantidade de água de que se podia dispor
ficava muito aquém da que a Companhia se obrigara a fornecer. E,
como a Companhia não encontrasse meio de obviar a esse
inconveniente, o governo, por decreto de 23 de Junho de 1864,
retirou-lhe a concessão, rescindindo o contrato.
A
Companhia liquidou, deixando concluídos, ou quase, os reservatórios
do Pombal, Penha, Arco, Patriarcal e Verónica; 72.901 metros de
canalização nas ruas mais importantes; o sifão alimentar do
reservatório do Pombal; o aqueduto da Mata e o seu tributário do
Brouco, por meio dos quais ela conseguira obter apenas 500 metros
cúbicos de água diariamente.
Passando o serviço das águas para o governo, fez ele construir o
prolongamento do aqueduto das Francesas (uma das ramificações do
aqueduto de D. João V), obtendo assim mais 120 metros cúbicos de
água por dia. Isso, porém, não bastava; a falta de água cada vez se
fazia sentir mais. Segundo os entendidos, a solução definitiva do
problema estava na captação das águas do Alviela, mas as despesas a
fazer com essa obra eram calculadas em 5.500 contos, e nem o governo
nem o município podiam arcar com elas.
Meteu ombros a essa empresa um grupo de capitalistas, tendo à frente
o notável jurisconsulto Pinto Coelho, e que foram os fundadores da
actual Companhia das Águas. Requerida pelo grupo a concessão desse
serviço público, o governo deu-lha, impondo-lhe como principal
condição abastecer Lisboa com as águas do Alviela. O contrato
provisório foi assinado em 27 de Abril de 1867, sendo tornada
definitiva a concessão em 2 de Abril de 1868, quando já se achava
constituída a Companhia.
Desde logo esta começou a executar o projecto dessa obra gigantesca,
devido aos engenheiros Pires de Sousa Gomes e Paiva Couceiro, mas
desde logo também reconheceu que, devendo os trabalhos respectivos
durar alguns anos, não podia a cidade continuar até à sua conclusão
no mesmo regime de escassez de água em que até aí vivera. E assim,
pôs imediatamente em execução o projecto do engenheiro Nunes de
Aguiar para elevar as águas baixas (as das nascentes da
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colina de S. Jorge) de maneira a serem utilizadas na zona inferior,
obtendo desta maneira
1.800 metros cúbicos por dia. Também, em virtude das secas de 1874,
o engenheiro Carlos Ribeiro, por encargo do governo, conseguiu
aumentar o abastecimento da capital em 720 metros cúbicos de água,
que ele foi buscar às cercanias do aqueduto da Mata, para o que teve
de abrir algumas galerias subterrâneas.
Com esses recursos pôde a capital esperar, sem grande sacrifício,
pela terminação da obra, o que só se conseguiu em 1880, sendo a sua
inauguração solene no dia 3 de Outubro. A partir de então, os
habitantes de Lisboa contaram com mais 30.000 metros cúbicos de água
por dia, quantidade mais do que suficiente para atender a todas as
suas necessidades.
Feito o histórico do abastecimento de água em Lisboa, vamos agora
ocupar-nos do seu funcionamento.
O
distinto engenheiro da Companhia, Sr. Borges de Sousa, a quem
devemos os elementos indispensáveis à confecção deste artigo, na
excelente memória que sobre o assunto em questão enviou à Exposição
de Paris de 1900, classifica as águas com que a Companhia abastece a
capital em três grupos:
1.º – As águas baixas, ou orientais, que
nascem no sopé da colina de S. Jorge.
2.º – As águas altas, conduzidas pelo aqueduto de D.
João V.
3.º – As águas do Alviela.
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AS ÁGUAS BAIXAS
As nascentes deste grupo, de que a Companhia tomou posse quando se
constituiu, alimentam os chafarizes de Dentro, da Praia,
d'EI-Rei e os lavadouros de Alfama.
Distinguem-se estas águas, sobretudo pela sua elevada temperatura
que chega a atingir 34º, supondo-se que devam esta propriedade à sua
longa circulação subterrânea a uma grande profundidade. De todas as
que a Companhia se utiliza, são as águas baixas as mais
mineralizadas e, pelas análises feitas, reconhece-se que a proporção
de alguns sais componentes excede os limites tolerados nas boas
águas potáveis. O seu uso, todavia, tem sido inofensivo.
Como já dissemos, tornou-se necessário aproveitar-se, durante os
trabalhos de derivação do Alviela, a parte destas águas que se
perdia, escoando-se para o Tejo. Mas como elas nascem a uma altitude
muito baixa, teve-se de as elevar, para o que foi construído o
reservatório da Praia e o respectivo
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estabelecimento elevatório. O reservatório, que tem a capacidade de
969 metros cúbicos, comunica por uma galeria com o poço de aspiração
das bombas, colocado ao centro do estabelecimento elevatório. Este
compreende três corpos:
O
da esquerda, contíguo ao reservatório, contém três geradores de
vapor, de 5 atmosferas e meia;
O
do centro comporta, no rés-do-chão, dois grupos de bombas simples,
os condensadores das máquinas, as bombas que alimentam as caldeiras
e os reservatórios de ar nos tubos de aspiração e de esgoto; no
primeiro andar, duas máquinas a vapor, verticais, de dois cilindros,
accionando cada uma duas bombas colocadas simetricamente em relação
ao eixo do balanceiro de transmissão;
O
terceiro destina-se a alojamento do pessoal e a oficina de tubos de
chumbo.
As nascentes, convenientemente isoladas, comunicam com o
estabelecimento elevatório por um tubo de três decímetros de
diâmetro e 839 metros de extensão.
Com estes trabalhos gastou a Companhia 80 contos, capital que, pode
dizer-se, tem empatado, porquanto, depois de terminada a derivação
do Alviela, as águas baixas só entram na distribuição geral
raríssimas vezes: quando qualquer acidente faz interromper o serviço
no Alviela.
AS ÁGUAS ALTAS
As águas altas são as conduzidas pelo aqueduto de D. João V,
e provêm de 58 nascentes diversas, das quais as mais importantes
são:
1.º – A da «Água Livre», que determinou a construção do aqueduto.
Brota no vale de Carenque, a 172 metros de altitude, e tem a
temperatura constante de 20º.
2.º – O grupo das que brotam na região superior do mesmo vale, que
se estende até aos arredores de Caneças. Um sistema de galerias
condu-las ao aqueduto denominado «de Caneças» que, por seu turno, as
leva ao aqueduto principal, à altitude de 161 metros.
3.º – As que nascem nos vales da Mata, de Brouco e de Lobos, e as
que se obtiveram pela drenagem do subsolo destes dois últimos vales
e do de Figueira. Todas elas estão encanadas para o aqueduto chamado
«da Mata» que as conduz ao de D. João V, a 159 metros de altitude.
4.º – A de S. Braz, que brota cerca da Porcalhota.
5.º – O grupo das que têm a sua origem na região superior da bacia
hidrográfica de Algés e são levadas ao aqueduto principal pelo das
Francesas.
Estas águas são consideradas potáveis de boa qualidade e a sua
temperatura varia entre 14,6º e 20º. O seu volume total é muito
variável, segundo as estações, atingindo 25.500 metros cúbicos por
dia, durante a época das chuvas, e apenas 2.500 no verão.
Tendo dito rapidamente o que são as águas altas, cumpre-nos
agora referir ao aqueduto que as conduz a Lisboa, o célebre aqueduto
de D. João V. Parte dele, como já dissemos, da nascente da «Água
Livre», à altitude de 172 metros, chegando a Lisboa à de 94,35 m.
Interiormente, a galeria tem 1,56 metros de largura e 2,88 m de
altura. O chão é ocupado, ao centro, por um caminho que dá passagem
aos empregados, e aos lados, por duas caleiras, de fundo
semi-circular, com 33 centímetros de
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largura, destinadas à condução da água, podendo dar passagem a 8.700
metros cúbicos por dia. Quando, porém, no inverno, se quer
aproveitar todo o produto das nascentes, inutiliza-se a passagem
central e a galeria funciona como canal em toda a sua largura.
PANORAMA DO RESERVATÓRIO DAS ÁGUAS EM
CAMPO DE OURIQUE (pp. 212-213)
Nas 12 depressões de terreno que o aqueduto teve de atravessar foram
construídas arcarias, das quais a mais notável é a que se eleva
sobre o vale de Alcântara. Tem ela 35 arcos, medindo o maior 32,5 m
por 62 m. Em todo o seu comprimento há, de cada lado da galeria, uma
passagem descoberta de 1,40 m de largura. Os "Arcos das Águas
Livres» constituem assim, um verdadeiro monumento arquitectónico.
Depois de percorrer 14.104 m, o aqueduto vem terminar no
reservatório das Amoreiras, onde a água cai em cascata. O
reservatório, que comporta 5.460 metros cúbicos de água, acha-se no
interior de um edifício de construção solidíssima, que se eleva até
à altura do tecto do aqueduto, e sobre o qual há um vasto terraço de
onde se desfruta o esplêndido panorama de uma grande parte da cidade
e do Tejo.
Para terminar, devemos dizer que só o Aqueduto das águas livres
importou em cerca de 5.500 contos, e todos os outros que lhe são
subsidiários, galerias, etc. (construções feitas pela actual
Companhia, ou pelo Estado), em 1.000 contos.
AS ÁGUAS DO ALVIELA
A
nascente do Alviela brota na base de um alto rochedo, situado 10
quilómetros ao norte da vila de Pernes e 2 quilómetros a oeste da
aldeia de Amiais de Baixo, precisamente no ponto onde termina a
margem esquerda do ribeiro dos Amiais, que ali tem a sua foz.
Como, na última parte do seu curso, este ribeiro passa
subterraneamente através de rochas calcárias apresentando numerosas
fendas que comunicavam com os reservatórios da nascente, quando se
quis aproveitar as águas desta para o abastecimento da capital, foi
preciso, é claro, impedir essa comunicação,
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o que se conseguiu tapando todas as fendas e construindo, a partir
de certo ponto do subsolo, um sólido muro que ficou separando
completamente os reservatórios da nascente do leito do ribeiro.
Feito isto, construiu-se um outro muro, em prolongamento da margem
esquerda do ribeiro e até um pouco mais abaixo da nascente,
destinado a evitar que às águas desta fossem juntar-se as daquele. E
como o canal de derivação tem o seu ponto de partida na margem
oposta, houve necessidade de levar até lá as águas captadas da
nascente, o que se fez por meio de três tubos de grande diâmetro que
atravessam o leito do ribeiro, e vão finalizar num pequeno
compartimento, de onde as águas seguem, por um cano de um metro de
largura e 37 de comprimento, para uma bacia, que recebe também a
extremidade de um quarto tubo, vindo directamente da nascente, e que
permite a alimentação parcial do canal quando é preciso interromper
o funcionamento dos três outros tubos.
Esta bacia, contígua à casa das comportas de entrada no canal, tem o
fundo mais baixo do que os escoadouros daquelas, a fim de poder
reter a areia e quaisquer outras matérias que a água traga em
suspensão. A partir das comportas, o canal segue, num percurso de
114 quilómetros, até Lisboa, terminando aqui ao nível de 31,661 m,
inferior em 22,669 m ao da nascente.
Em todo este percurso foi necessário construir, para a passagem do
canal, numerosas obras de arte, entre as quais: 201 pontes sobre
ravinas, vales de pequena profundidade, ou regatos; 94 túneis, dos
quais o mais importante é o da Torre Bela, que mede 2.504 metros; 50
sifões, sobre grandes vales ou profundas depressões de terreno; e a
ponte sifão sobre a ribeira – de Sacavém.
Concluídos os trabalhos de derivação do Alviela, que importaram em
3.500 contos, foi necessário construir em Lisboa o reservatório dos
Barbadinhos, com a capacidade de 10.280 metros cúbicos, destinado a
receber as
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respectivas águas, assim como o estabelecimento elevatório do mesmo
nome e o do Arco, para as elevarem aos reservatórios das três zonas
de distribuição.
O
dos Barbadinhos, separado do reservatório apenas pelo poço de
aspiração das bombas, está montado num edifício de dois corpos,
expressamente construído para esse fim. O primeiro, de 30 metros de
comprimento por 11 de largura e 19 de altura, contém, no
rés-do-chão, as bombas, e os reservatórios de ar de aspiração e de
descarga; o andar superior é ocupado pela sala das máquinas. No
segundo corpo, de 25 metros de comprimento, por 21 de largura e 9 de
altura está alojada a bateria dos geradores de vapor e o depósito de
carvão.
As caldeiras são cinco, dando cada uma cinco quilogramas de pressão
efectiva. O vapor que elas produzem vai para um reservatório comum,
de onde é distribuído pelas máquinas. Estas, em número de quatro,
todas do mesmo tipo, são verticais, de balanceiro, com dois
cilindros, camisa de vapor e expansão variável. Cada uma delas actua
duas bombas verticais, simples, colocadas simetricamente em relação
ao eixo de rotação do balanceiro.
A
máquina n.º 3 faz apenas o serviço da pequena elevação, para a zona
baixa, lançando no respectivo reservatório 176 litros por segundo, o
que representa um trabalho útil de 100 cavalos vapor. As n.os
1 e 2, especialmente destinadas ao serviço da zona média, produzem
cada uma o trabalho de 104 cavalos, sendo a quantidade da água
elevada 107 litros por segundo. A n.º 4 pode fazer indiferentemente
os dois serviços: eleva 139 litros para a zona baixa e 117 para a
zona média.
Os canos de descarga têm 61 centímetros de diâmetro. O que serve a
zona baixa, isto é, que vai alimentar o reservatório da Verónica,
mede 971 metros de comprimento. O que serve a zona média não se liga
directamente com o reservatório respectivo: depois de um percurso de
1.399 metros, finaliza numa cisterna de 60 metros cúbicos de
capacidade, situada no largo do Monte, de onde a água segue, por um
sifão de 2.694 metros, para o reservatório do Arco e, por uma
ramificação
/ 215 /
daquele, de 470 metros, para o reservatório de Campo de Ourique.
Junto do reservatório do Arco está instalado o estabelecimento de
elevação para a zona alta. Duas bombas a vapor, duplex, uma
principal e outra auxiliar, servidas por duas caldeiras
multitubulares, elevam a água para um dos compartimentos do
reservatório, e impelem-na, por um tubo de 50 centímetros de
diâmetro e 992 metros de comprimento, para o
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reservatório mais alto da cidade: o do Pombal, que está a 118,5 m
acima do nível do mar. Cada caldeira, dando 8 quilogramas de pressão
efectiva, vaporiza, em marcha normal, 600 quilogramas de água por
hora. A máquina principal é de triple expansão, com condensadores de
superfície, fazendo elevar 120 litros de água por segundo, à altura
média de 26 metros. A máquina secundária, de escape livre, serve
apenas nas ocasiões em que a primeira não pode funcionar e produz
metade do trabalho desta.
O
reservatório dos Barbadinhos e os estabelecimentos elevatórios do
mesmo nome e do Arco importaram em 350 contos, números redondos.
A DISTRIBUIÇÃO DAS ÁGUAS
Como acima dissemos, a distribuição das águas na capital faz-se em
três zonas separadas, com reservatórios e canalização distintos, o
que teve de adoptar-se em virtude de o solo ser muito acidentado,
não ser conveniente sujeitar a canalização dos bairros baixos a
grandes pressões e haver necessidade de elevar-se mecanicamente a
água do Alviela.
O
abastecimento da zona alta faz-se quase todo por intermédio do
reservatório do Pombal, que é alimentado com as águas conduzidas
pelo sifão da Porcalhota e pelas que o estabelecimento elevatório do
Arco lhe envia
/ 217 /
do reservatório homónimo. Por meio de um sifão duplo, comunica
aquele reservatório com o seu auxiliar da Penha – uma cisterna de um
antigo convento, adaptada convenientemente, e que serve para a
distribuição da água na parte oriental da cidade.
A
zona média depende do reservatório do Arco, alimentado pelas
águas altas ou, como já está dito, pelas que lhe enviam as
máquinas dos Barbadinhos.
A
zona baixa dispõe de três reservatórios: o da Verónica, o da
Patriarcal e o das Amoreiras. Este último não está ligado
directamente à canalização inferior, podendo só auxiliar a
distribuição por intermédio do da Patriarcal; como, além disso, o
seu contínuo funcionamento saía muito dispendioso, conserva-se
normalmente fechado, servindo apenas em circunstâncias excepcionais.
Assim, o serviço da zona baixa é feito usualmente pelos outros dois,
ligados entre si por um sifão, mas, sobretudo, pelo primeiro,
alimentado com as águas do Alviela, vindas dos Barbadinhos, e as
águas baixas, vindas por intermédio do estabelecimento
elevatório da Praia. Quando abundam as águas altas, ou se interrompe
o serviço do canal do Alviela, assume então o principal papel o
reservatório da Patriarcal, recebendo as águas do aqueduto de D.
João V, ou as dos reservatórios do Arco, das Amoreiras e de Campo de
Ourique, com os quais tem uma comunicação especial.
Este último é quase exclusivamente destinado a suprir a falta de
água resultante da paragem forçada das máquinas elevatórias dos
Barbadinhos. Tendo a capacidade de 121.800 metros cúbicos, e
recebendo indiferentemente as águas altas ou as do Alviela, pode, só
por si, abastecer a capital durante quatro dias, alimentando a zona
baixa por intermédio do reservatório da Patriarcal, a zona média
directamente, e a zona alta por meio do do Pombal, com o auxílio das
bombas elevatórias do Arco. Todos estes reservatórios de
distribuição e as suas respectivas canalizações importaram em cerca
de 500 contos de réis.
Cada um deles comunica directamente com a rede geral da canalização
de cada zona, da qual partem as ramificações que vão levar a água
aos edifícios, fontes públicas, bocas de incêndio, etc.
UM POUCO DE ESTATÍSTICA
Para se avaliar o extraordinário aumento do consumo que tem tido a
água em Lisboa, basta citar os seguintes números:
Em 1869, um ano depois da sua constituição, a Companhia tinha 976
consumidores particulares; em 1875, 10.951; em 1885, 30.749; em
1895, 41.316 e em 1905, 52.974. A água por eles gasta foi
respectivamente, 68.277 metros cúbicos, pelos primeiros; 424.141,
pelos segundos; 1.430.698, pelos terceiros; 1.493.260, pelos quartos
e 2.618.674, pelos últimos.
/ 218 /
Além deste consumo, a Companhia tem de prover também ao de:
38 chafarizes, para alimentação do público;
6
marcos fontenários-bebedouros, colocados a expensas da Sociedade
Protectora dos Animais;
41 marcos-fontenários, para uso dos transeuntes;
199 urinóis;
9
fontes decorativas nas praças públicas e avenidas;
1436 bocas de incêndio, colocadas nos passeios das ruas e que servem
também para a rega das mesmas;
24 jardins públicos;
9
lavadouros;
22 retretes públicas;
2
cemitérios;
31 estabelecimentos municipais: repartições, escolas, asilos,
mercados, bibliotecas, matadouro, quartéis de bombeiros, etc.;
396 estabelecimentos do Estado: ministérios, escolas, hospitais,
quartéis, prisões, etc.
Assim, o consumo total útil, em 1905, foi de 11.912.762 metros
cúbicos.
Pelo seu contrato com o governo, a Companhia obrigou-se a fornecer
gratuitamente ao Estado e ao Município a terça parte da água de que
dispõe; mas como essa quantidade não basta para atender às
necessidades públicas, o governo e a câmara municipal pagam o
excesso, mas por um preço mais baixo do que os consumidores
particulares. No ano pretérito o excesso pago pelo primeiro importou
em 150.000$000 réis e pela segunda em 179.942$450 réis.
Até 31 de Dezembro de 1905, as despesas extraordinárias da Companhia
elevavam-se a 6.329.655$609 réis. As despesas ordinárias no ano
pretérito foram de 492.555$619 réis e as receitas de 827.144$711
réis.
Provam estes números que, descontando mesmo os gastos com a
amortização do capital empregado, a situação da Companhia é bastante
próspera, o que dá direito ao público a alimentar a esperança de que
num breve prazo a água lhe seja fornecida por um preço inferior ao
actual, que é bastante elevado, atendendo às exigências cada vez
maiores da higiene moderna.
Clichés de A. Lima.
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