A água em Lisboa
 


UANDO
D. Afonso Henriques tomou Lisboa aos mouros, os habitantes da «mui nobre e leal cidade» não desfrutavam, como é fácil de calcular, das vantagens inapreciáveis da água encanada para suas casas, desconhecendo também as desvantagens desse produto da civilização que se chama contador e que é, no actual momento histórico, um dos mais terríveis flagelos dos chefes de família que não disponham de grandes meios de fortuna.

Nesse tempo, a capital abastecia-se de água pelo processo mais rudimentar: alguns particulares, utilizavam-se da que lhes forneciam os poços e cisternas existentes nas suas propriedades, e o grosso do público da que brotava das nascentes situadas na base da colina de S. Jorge, ou da que saía penosamente de algumas fontes mandadas construir pelas municipalidades. A partir da segunda dinastia, os magistrados que tinham a seu cargo os interesses da cidade começaram a reconhecer a necessidade de melhorar este estado de coisas que, com o aumento da população, se agravava cada vez mais.

Mas fosse por falta de elementos, ou em virtude do sistema nacional protelar a resolução de todos os assuntos, ainda os mais importantes e urgentes, o certo é que, no princípio do século XVIII, a situação mantinha-se tal como no momento da fundação da monarquia: os 80.000 habitantes da capital dispunham para os seus usos de 360 metros cúbicos de água por dia.

Foi então que alguma coisa se fez. Já de longa data se pensava em utilizar para o abastecimento da cidade as águas das nascentes de Carenque, mais vulgarmente conhecidas por «Águas livres». Reconhecido bom esse plano, foi ele posto em prática: em 12 de Maio de 1731, um decreto régio ordenava a construção do aqueduto que devia conduzir as águas de Carenque a Lisboa. Devido, [SERÕES N.º 15 - FOL. 3] / 206 / porém, à grandiosidade do projecto, a execução das obras foi de tal maneira demorada que só em 1748 começou a passar a água pelo aqueduto, e como, entretanto, se resolveu prolongá-lo e fazer-lhe diversas ramificações, a fim de aproveitar outras nascentes próximas, assim como construir galerias para a distribuição da água pelos diferentes bairros da cidade – os trabalhos só ficaram definitivamente concluídos em 1835.

/ 207 / Começou então a capital a receber a totalidade das águas sucessivamente captadas e introduzidas nos aquedutos. Mas imediatamente se reconheceu que os gigantescos esforços feitos e as colossais somas de dinheiro dispendidas haviam tido resultados quase nulos. Com efeito, o volume de água de que, a partir de então, a cidade passou a dispor, foi de 1.300 metros cúbicos, apenas o triplo do que dispunha antes de 1748, e a população havia aumentado mais de metade, pois elevava-se já a 130.000 pessoas. Entretanto, as necessidades de momento podiam ser atendidas, e isso era o suficiente para os habitantes de Lisboa que, como bons portugueses, não se preocupavam com o dia seguinte.

Só ao fim de longos anos, quando, em virtude do sucessivo acréscimo da população, surgiram de novo as anteriores dificuldades, se voltou a pensar no caso. Viu-se que era urgente fornecer à cidade mais água. E como, tanto o município como o Estado, não se encontrassem em situação financeira que lhes permitisse proceder por sua conta aos trabalhos necessários, resolveu-se confiá-los à indústria privada.

Abriu-se um concurso, que ficou deserto.

Aberto outro mais tarde, concorreu a ele um grupo de capitalistas portugueses que constituiu depois a Companhia das Águas de Lisboa, à qual o governo, por decreto de 28 de Janeiro de 1856, deu a concessão. Por ela, a Companhia obrigava-se a aumentar o volume da água em 11.300 metros cúbicos por dia, pelo menos, e a construir reservatórios e a canalização necessária para a água ser distribuída domiciliarmente em todos os bairros da cidade.

A Companhia encarregou o engenheiro francês Mary do plano da obra, dando-o ele por concluído em 30 de Junho do mesmo ano. Segundo esse plano, para cumprir a condição do contracto relativa à aquisição de novas águas, bastava captar as duas nascentes da Mata, no vale de Lobos, e as de outras próximas, e encaná-las para o aqueduto de D. João V. Pelo que respeitava à distribuição delas em Lisboa, para evitar as pressões que fatalmente se exerceriam nos pontos baixos, sendo o serviço de distribuição uno, Mary dividia a área da cidade em três zonas separadas, cada uma delas com reservatórios e canalizações independentes. E como, para alimentar os pontos mais altos, era necessário que o reservatório da zona superior ficasse 20 metros acima do nível do aqueduto, Mary propunha o emprego de um sifão que conduzisse a água até lá segundo as leis da gravidade.

O plano foi aceite, a despeito da opinião do engenheiro português Carlos Ribeiro, que declarou impossível obter-se com o aqueduto da Mata, o volume de água necessário. As obras começaram; mas quando, em Setembro e Outubro de 1862, se procedeu a medições nas nascentes, reconheceu-se que o engenheiro / 208 / português tinha razão: a quantidade de água de que se podia dispor ficava muito aquém da que a Companhia se obrigara a fornecer. E, como a Companhia não encontrasse meio de obviar a esse inconveniente, o governo, por decreto de 23 de Junho de 1864, retirou-lhe a concessão, rescindindo o contrato.

A Companhia liquidou, deixando concluídos, ou quase, os reservatórios do Pombal, Penha, Arco, Patriarcal e Verónica; 72.901 metros de canalização nas ruas mais importantes; o sifão alimentar do reservatório do Pombal; o aqueduto da Mata e o seu tributário do Brouco, por meio dos quais ela conseguira obter apenas 500 metros cúbicos de água diariamente.

Passando o serviço das águas para o governo, fez ele construir o prolongamento do aqueduto das Francesas (uma das ramificações do aqueduto de D. João V), obtendo assim mais 120 metros cúbicos de água por dia. Isso, porém, não bastava; a falta de água cada vez se fazia sentir mais. Segundo os entendidos, a solução definitiva do problema estava na captação das águas do Alviela, mas as despesas a fazer com essa obra eram calculadas em 5.500 contos, e nem o governo nem o município podiam arcar com elas.

Meteu ombros a essa empresa um grupo de capitalistas, tendo à frente o notável jurisconsulto Pinto Coelho, e que foram os fundadores da actual Companhia das Águas. Requerida pelo grupo a concessão desse serviço público, o governo deu-lha, impondo-lhe como principal condição abastecer Lisboa com as águas do Alviela. O contrato provisório foi assinado em 27 de Abril de 1867, sendo tornada definitiva a concessão em 2 de Abril de 1868, quando já se achava constituída a Companhia.

Desde logo esta começou a executar o projecto dessa obra gigantesca, devido aos engenheiros Pires de Sousa Gomes e Paiva Couceiro, mas desde logo também reconheceu que, devendo os trabalhos respectivos durar alguns anos, não podia a cidade continuar até à sua conclusão no mesmo regime de escassez de água em que até aí vivera. E assim, pôs imediatamente em execução o projecto do engenheiro Nunes de Aguiar para elevar as águas baixas (as das nascentes da / 209 / colina de S. Jorge) de maneira a serem utilizadas na zona inferior, obtendo desta maneira 1.800 metros cúbicos por dia. Também, em virtude das secas de 1874, o engenheiro Carlos Ribeiro, por encargo do governo, conseguiu aumentar o abastecimento da capital em 720 metros cúbicos de água, que ele foi buscar às cercanias do aqueduto da Mata, para o que teve de abrir algumas galerias subterrâneas.

Com esses recursos pôde a capital esperar, sem grande sacrifício, pela terminação da obra, o que só se conseguiu em 1880, sendo a sua inauguração solene no dia 3 de Outubro. A partir de então, os habitantes de Lisboa contaram com mais 30.000 metros cúbicos de água por dia, quantidade mais do que suficiente para atender a todas as suas necessidades.

Feito o histórico do abastecimento de água em Lisboa, vamos agora ocupar-nos do seu funcionamento.

O distinto engenheiro da Companhia, Sr. Borges de Sousa, a quem devemos os elementos indispensáveis à confecção deste artigo, na excelente memória que sobre o assunto em questão enviou à Exposição de Paris de 1900, classifica as águas com que a Companhia abastece a capital em três grupos:

1.º – As águas baixas, ou orientais, que nascem no sopé da colina de S. Jorge.

2.º – As águas altas, conduzidas pelo aqueduto de D. João V.

3.º – As águas do Alviela.

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AS ÁGUAS BAIXAS

As nascentes deste grupo, de que a Companhia tomou posse quando se constituiu, alimentam os chafarizes de Dentro, da Praia, d'EI-Rei e os lavadouros de Alfama.

Distinguem-se estas águas, sobretudo pela sua elevada temperatura que chega a atingir 34º, supondo-se que devam esta propriedade à sua longa circulação subterrânea a uma grande profundidade. De todas as que a Companhia se utiliza, são as águas baixas as mais mineralizadas e, pelas análises feitas, reconhece-se que a proporção de alguns sais componentes excede os limites tolerados nas boas águas potáveis. O seu uso, todavia, tem sido inofensivo.

Como já dissemos, tornou-se necessário aproveitar-se, durante os trabalhos de derivação do Alviela, a parte destas águas que se perdia, escoando-se para o Tejo. Mas como elas nascem a uma altitude muito baixa, teve-se de as elevar, para o que foi construído o reservatório da Praia e o respectivo / 211 / estabelecimento elevatório. O reservatório, que tem a capacidade de 969 metros cúbicos, comunica por uma galeria com o poço de aspiração das bombas, colocado ao centro do estabelecimento elevatório. Este compreende três corpos:

O da esquerda, contíguo ao reservatório, contém três geradores de vapor, de 5 atmosferas e meia;

O do centro comporta, no rés-do-chão, dois grupos de bombas simples, os condensadores das máquinas, as bombas que alimentam as caldeiras e os reservatórios de ar nos tubos de aspiração e de esgoto; no primeiro andar, duas máquinas a vapor, verticais, de dois cilindros, accionando cada uma duas bombas colocadas simetricamente em relação ao eixo do balanceiro de transmissão;

O terceiro destina-se a alojamento do pessoal e a oficina de tubos de chumbo.

As nascentes, convenientemente isoladas, comunicam com o estabelecimento elevatório por um tubo de três decímetros de diâmetro e 839 metros de extensão.

Com estes trabalhos gastou a Companhia 80 contos, capital que, pode dizer-se, tem empatado, porquanto, depois de terminada a derivação do Alviela, as águas baixas só entram na distribuição geral raríssimas vezes: quando qualquer acidente faz interromper o serviço no Alviela.

AS ÁGUAS ALTAS

As águas altas são as conduzidas pelo aqueduto de D. João V, e provêm de 58 nascentes diversas, das quais as mais importantes são:

1.º – A da «Água Livre», que determinou a construção do aqueduto. Brota no vale de Carenque, a 172 metros de altitude, e tem a temperatura constante de 20º.

2.º – O grupo das que brotam na região superior do mesmo vale, que se estende até aos arredores de Caneças. Um sistema de galerias condu-las ao aqueduto denominado «de Caneças» que, por seu turno, as leva ao aqueduto principal, à altitude de 161 metros.

3.º – As que nascem nos vales da Mata, de Brouco e de Lobos, e as que se obtiveram pela drenagem do subsolo destes dois últimos vales e do de Figueira. Todas elas estão encanadas para o aqueduto chamado «da Mata» que as conduz ao de D. João V, a 159 metros de altitude.

4.º – A de S. Braz, que brota cerca da Porcalhota.

5.º – O grupo das que têm a sua origem na região superior da bacia hidrográfica de Algés e são levadas ao aqueduto principal pelo das Francesas.

Estas águas são consideradas potáveis de boa qualidade e a sua temperatura varia entre 14,6º e 20º. O seu volume total é muito variável, segundo as estações, atingindo 25.500 metros cúbicos por dia, durante a época das chuvas, e apenas 2.500 no verão.

Tendo dito rapidamente o que são as águas altas, cumpre-nos agora referir ao aqueduto que as conduz a Lisboa, o célebre aqueduto de D. João V. Parte dele, como já dissemos, da nascente da «Água Livre», à altitude de 172 metros, chegando a Lisboa à de 94,35 m.

Interiormente, a galeria tem 1,56 metros de largura e 2,88 m de altura. O chão é ocupado, ao centro, por um caminho que dá passagem aos empregados, e aos lados, por duas caleiras, de fundo semi-circular, com 33 centímetros de / 212 / largura, destinadas à condução da água, podendo dar passagem a 8.700 metros cúbicos por dia. Quando, porém, no inverno, se quer aproveitar todo o produto das nascentes, inutiliza-se a passagem central e a galeria funciona como canal em toda a sua largura.

PANORAMA DO RESERVATÓRIO DAS ÁGUAS EM CAMPO DE OURIQUE (pp. 212-213)

Nas 12 depressões de terreno que o aqueduto teve de atravessar foram construídas arcarias, das quais a mais notável é a que se eleva sobre o vale de Alcântara. Tem ela 35 arcos, medindo o maior 32,5 m por 62 m. Em todo o seu comprimento há, de cada lado da galeria, uma passagem descoberta de 1,40 m de largura. Os "Arcos das Águas Livres» constituem assim, um verdadeiro monumento arquitectónico.

Depois de percorrer 14.104 m, o aqueduto vem terminar no reservatório das Amoreiras, onde a água cai em cascata. O reservatório, que comporta 5.460 metros cúbicos de água, acha-se no interior de um edifício de construção solidíssima, que se eleva até à altura do tecto do aqueduto, e sobre o qual há um vasto terraço de onde se desfruta o esplêndido panorama de uma grande parte da cidade e do Tejo.

Para terminar, devemos dizer que só o Aqueduto das águas livres importou em cerca de 5.500 contos, e todos os outros que lhe são subsidiários, galerias, etc. (construções feitas pela actual Companhia, ou pelo Estado), em 1.000 contos.

 

AS ÁGUAS DO ALVIELA

A nascente do Alviela brota na base de um alto rochedo, situado 10 quilómetros ao norte da vila de Pernes e 2 quilómetros a oeste da aldeia de Amiais de Baixo, precisamente no ponto onde termina a margem esquerda do ribeiro dos Amiais, que ali tem a sua foz.

Como, na última parte do seu curso, este ribeiro passa subterraneamente através de rochas calcárias apresentando numerosas fendas que comunicavam com os reservatórios da nascente, quando se quis aproveitar as águas desta para o abastecimento da capital, foi preciso, é claro, impedir essa comunicação, / 213 / o que se conseguiu tapando todas as fendas e construindo, a partir de certo ponto do subsolo, um sólido muro que ficou separando completamente os reservatórios da nascente do leito do ribeiro. Feito isto, construiu-se um outro muro, em prolongamento da margem esquerda do ribeiro e até um pouco mais abaixo da nascente, destinado a evitar que às águas desta fossem juntar-se as daquele. E como o canal de derivação tem o seu ponto de partida na margem oposta, houve necessidade de levar até lá as águas captadas da nascente, o que se fez por meio de três tubos de grande diâmetro que atravessam o leito do ribeiro, e vão finalizar num pequeno compartimento, de onde as águas seguem, por um cano de um metro de largura e 37 de comprimento, para uma bacia, que recebe também a extremidade de um quarto tubo, vindo directamente da nascente, e que permite a alimentação parcial do canal quando é preciso interromper o funcionamento dos três outros tubos.

Esta bacia, contígua à casa das comportas de entrada no canal, tem o fundo mais baixo do que os escoadouros daquelas, a fim de poder reter a areia e quaisquer outras matérias que a água traga em suspensão. A partir das comportas, o canal segue, num percurso de 114 quilómetros, até Lisboa, terminando aqui ao nível de 31,661 m, inferior em 22,669 m ao da nascente.

Em todo este percurso foi necessário construir, para a passagem do canal, numerosas obras de arte, entre as quais: 201 pontes sobre ravinas, vales de pequena profundidade, ou regatos; 94 túneis, dos quais o mais importante é o da Torre Bela, que mede 2.504 metros; 50 sifões, sobre grandes vales ou profundas depressões de terreno; e a ponte sifão sobre a ribeira – de Sacavém.

Concluídos os trabalhos de derivação do Alviela, que importaram em 3.500 contos, foi necessário construir em Lisboa o reservatório dos Barbadinhos, com a capacidade de 10.280 metros cúbicos, destinado a receber as / 214 / respectivas águas, assim como o estabelecimento elevatório do mesmo nome e o do Arco, para as elevarem aos reservatórios das três zonas de distribuição.

O dos Barbadinhos, separado do reservatório apenas pelo poço de aspiração das bombas, está montado num edifício de dois corpos, expressamente construído para esse fim. O primeiro, de 30 metros de comprimento por 11 de largura e 19 de altura, contém, no rés-do-chão, as bombas, e os reservatórios de ar de aspiração e de descarga; o andar superior é ocupado pela sala das máquinas. No segundo corpo, de 25 metros de comprimento, por 21 de largura e 9 de altura está alojada a bateria dos geradores de vapor e o depósito de carvão.

As caldeiras são cinco, dando cada uma cinco quilogramas de pressão efectiva. O vapor que elas produzem vai para um reservatório comum, de onde é distribuído pelas máquinas. Estas, em número de quatro, todas do mesmo tipo, são verticais, de balanceiro, com dois cilindros, camisa de vapor e expansão variável. Cada uma delas actua duas bombas verticais, simples, colocadas simetricamente em relação ao eixo de rotação do balanceiro.

A máquina n.º 3 faz apenas o serviço da pequena elevação, para a zona baixa, lançando no respectivo reservatório 176 litros por segundo, o que representa um trabalho útil de 100 cavalos vapor. As n.os 1 e 2, especialmente destinadas ao serviço da zona média, produzem cada uma o trabalho de 104 cavalos, sendo a quantidade da água elevada 107 litros por segundo. A n.º 4 pode fazer indiferentemente os dois serviços: eleva 139 litros para a zona baixa e 117 para a zona média.

Os canos de descarga têm 61 centímetros de diâmetro. O que serve a zona baixa, isto é, que vai alimentar o reservatório da Verónica, mede 971 metros de comprimento. O que serve a zona média não se liga directamente com o reservatório respectivo: depois de um percurso de 1.399 metros, finaliza numa cisterna de 60 metros cúbicos de capacidade, situada no largo do Monte, de onde a água segue, por um sifão de 2.694 metros, para o reservatório do Arco e, por uma ramificação / 215 / daquele, de 470 metros, para o reservatório de Campo de Ourique.

Junto do reservatório do Arco está instalado o estabelecimento de elevação para a zona alta. Duas bombas a vapor, duplex, uma principal e outra auxiliar, servidas por duas caldeiras multitubulares, elevam a água para um dos compartimentos do reservatório, e impelem-na, por um tubo de 50 centímetros de diâmetro e 992 metros de comprimento, para o / 216 / reservatório mais alto da cidade: o do Pombal, que está a 118,5 m acima do nível do mar. Cada caldeira, dando 8 quilogramas de pressão efectiva, vaporiza, em marcha normal, 600 quilogramas de água por hora. A máquina principal é de triple expansão, com condensadores de superfície, fazendo elevar 120 litros de água por segundo, à altura média de 26 metros. A máquina secundária, de escape livre, serve apenas nas ocasiões em que a primeira não pode funcionar e produz metade do trabalho desta.

O reservatório dos Barbadinhos e os estabelecimentos elevatórios do mesmo nome e do Arco importaram em 350 contos, números redondos.

 

A DISTRIBUIÇÃO DAS ÁGUAS

Como acima dissemos, a distribuição das águas na capital faz-se em três zonas separadas, com reservatórios e canalização distintos, o que teve de adoptar-se em virtude de o solo ser muito acidentado, não ser conveniente sujeitar a canalização dos bairros baixos a grandes pressões e haver necessidade de elevar-se mecanicamente a água do Alviela.

O abastecimento da zona alta faz-se quase todo por intermédio do reservatório do Pombal, que é alimentado com as águas conduzidas pelo sifão da Porcalhota e pelas que o estabelecimento elevatório do Arco lhe envia / 217 / do reservatório homónimo. Por meio de um sifão duplo, comunica aquele reservatório com o seu auxiliar da Penha – uma cisterna de um antigo convento, adaptada convenientemente, e que serve para a distribuição da água na parte oriental da cidade.

A zona média depende do reservatório do Arco, alimentado pelas águas altas ou, como já está dito, pelas que lhe enviam as máquinas dos Barbadinhos.

A zona baixa dispõe de três reservatórios: o da Verónica, o da Patriarcal e o das Amoreiras. Este último não está ligado directamente à canalização inferior, podendo só auxiliar a distribuição por intermédio do da Patriarcal; como, além disso, o seu contínuo funcionamento saía muito dispendioso, conserva-se normalmente fechado, servindo apenas em circunstâncias excepcionais. Assim, o serviço da zona baixa é feito usualmente pelos outros dois, ligados entre si por um sifão, mas, sobretudo, pelo primeiro, alimentado com as águas do Alviela, vindas dos Barbadinhos, e as águas baixas, vindas por intermédio do estabelecimento elevatório da Praia. Quando abundam as águas altas, ou se interrompe o serviço do canal do Alviela, assume então o principal papel o reservatório da Patriarcal, recebendo as águas do aqueduto de D. João V, ou as dos reservatórios do Arco, das Amoreiras e de Campo de Ourique, com os quais tem uma comunicação especial.

Este último é quase exclusivamente destinado a suprir a falta de água resultante da paragem forçada das máquinas elevatórias dos Barbadinhos. Tendo a capacidade de 121.800 metros cúbicos, e recebendo indiferentemente as águas altas ou as do Alviela, pode, só por si, abastecer a capital durante quatro dias, alimentando a zona baixa por intermédio do reservatório da Patriarcal, a zona média directamente, e a zona alta por meio do do Pombal, com o auxílio das bombas elevatórias do Arco. Todos estes reservatórios de distribuição e as suas respectivas canalizações importaram em cerca de 500 contos de réis.

Cada um deles comunica directamente com a rede geral da canalização de cada zona, da qual partem as ramificações que vão levar a água aos edifícios, fontes públicas, bocas de incêndio, etc.
 

UM POUCO DE ESTATÍSTICA

Para se avaliar o extraordinário aumento do consumo que tem tido a água em Lisboa, basta citar os seguintes números:

Em 1869, um ano depois da sua constituição, a Companhia tinha 976 consumidores particulares; em 1875, 10.951; em 1885, 30.749; em 1895, 41.316 e em 1905, 52.974. A água por eles gasta foi respectivamente, 68.277 metros cúbicos, pelos primeiros; 424.141, pelos segundos; 1.430.698, pelos terceiros; 1.493.260, pelos quartos e 2.618.674, pelos últimos.

/ 218 / Além deste consumo, a Companhia tem de prover também ao de:

38 chafarizes, para alimentação do público;

6 marcos fontenários-bebedouros, colocados a expensas da Sociedade Protectora dos Animais;

41 marcos-fontenários, para uso dos transeuntes;

199 urinóis;

9 fontes decorativas nas praças públicas e avenidas;

1436 bocas de incêndio, colocadas nos passeios das ruas e que servem também para a rega das mesmas;

24 jardins públicos;

9 lavadouros;

22 retretes públicas;

2 cemitérios;

31 estabelecimentos municipais: repartições, escolas, asilos, mercados, bibliotecas, matadouro, quartéis de bombeiros, etc.;

396 estabelecimentos do Estado: ministérios, escolas, hospitais, quartéis, prisões, etc.

Assim, o consumo total útil, em 1905, foi de 11.912.762 metros cúbicos.

Pelo seu contrato com o governo, a Companhia obrigou-se a fornecer gratuitamente ao Estado e ao Município a terça parte da água de que dispõe; mas como essa quantidade não basta para atender às necessidades públicas, o governo e a câmara municipal pagam o excesso, mas por um preço mais baixo do que os consumidores particulares. No ano pretérito o excesso pago pelo primeiro importou em 150.000$000 réis e pela segunda em 179.942$450 réis.

Até 31 de Dezembro de 1905, as despesas extraordinárias da Companhia elevavam-se a 6.329.655$609 réis. As despesas ordinárias no ano pretérito foram de 492.555$619 réis e as receitas de 827.144$711 réis.

Provam estes números que, descontando mesmo os gastos com a amortização do capital empregado, a situação da Companhia é bastante próspera, o que dá direito ao público a alimentar a esperança de que num breve prazo a água lhe seja fornecida por um preço inferior ao actual, que é bastante elevado, atendendo às exigências cada vez maiores da higiene moderna.

Clichés de A. Lima.


 

 

04-07-2020