INHA caído nas unhas de um
onzeneiro um desgraçado lavrador. Por boas ou más que fossem as
colheitas, o lavrador ficava sempre na mesma pobreza; ao passo que o
onzeneiro enriquecia. Por fim, quando já não tinha um ceitil de seu,
o lavrador foi ter com o onzeneiro e disse-lhe assim:
– Por mais que se esprema uma pedra,
não há meio de lhe arrancar pinga de água. Assim estou eu. E visto
que de mim não podes tirar coisa que valha, vê se me ensinas o
segredo de enriquecer.
– Amigo – redarguiu o onzeneiro com ar
de piedade – a riqueza vem de Ram. Pede-lha a ele.
– Obrigado. É o que vou fazer –
replicou o ingénuo lavrador.
E vai, arranjou três bolos que lhe
chegassem para a jornada, e pôs-se a caminho em cata de Ram.
A primeira pessoa que encontrou foi um
brâmane, a quem deu um dos bolos, pedindo que lhe ensinasse o
caminho para ir ter com Ram; mas o brâmane guardou o bolo e seguiu
por ali fora sem dar palavra. Daí a pouco o lavrador encontrou um
jogue muito devoto, a quem deu outro bolo, sem receber em troca o
mais leve auxílio. Por fim, topou com um pobre homem que estava
sentado à sombra de uma árvore, e, como visse que ele tinha fome, o
caridoso lavrador deu-lhe o último bolo, sentou-se ao lado dele a
descansar e travaram ambos conversa.
– Aonde vais tu? – perguntou o pobre.
– Ora! Tenho que andar! Vou à procura
de Ram – respondeu o lavrador – Com certeza que não poderás dizer-me
se vou por bom caminho.
– Talvez que possa – disse o pobre,
sorrindo – Ram sou eu. Que queres tu de mim?
Então o lavrador contou a história
toda. Ram compadeceu-se dele, fez-lhe presente de um búzio, e
ensinou-o a tocar nele de uma certa maneira, acrescentando:
– Lembra-te bem! Quando desejares seja
o que for, basta que sopres desta maneira no búzio, e será
satisfeito o teu desejo. Mas vê lá! Acautela-te com o onzeneiro,
porque nem os feitiços estão à prova das suas manhas!
Voltou o lavrador muito contente para
a sua aldeia. O espertalhão do onzeneiro logo ficou com a pedra no
sapato, e disse lá consigo:
– Alguma coisa boa aconteceu a este
pateta, para ele estar assim de cabeça no ar.
/ 165 / E vai daí foi logo a casa do
lavrador, a dar-lhe parabéns pela sua fortuna, com palavras tão
astuciosas, como de quem estava informado de tudo, que dali a nada
estava o lavrador a contar-lhe o sucedido – tudo, afora o segredo de
soprar no búzio, porque, com toda a sua parvoíce, não foi tão tolo
que chegasse a ensinar-lho.
Mas o onzeneiro fez logo protesto de
apanhar o búzio, a mal ou a bem, e, como era um maroto que não se
prendia com bagatelas, esperou por ensejo propício, e furtou o
búzio.
Assoprou, tornou a assoprar, quase que
deitou os bofes pela boca fora, e nada. Palpitou-lhe que aquilo era
pantominice do lavrador. Mas como estava resolvido a conseguir o que
desejava, foi outra vez ter com o lavrador, e disse-lhe com todo o
desplante:
– Olha lá, quem furtou o búzio fui eu.
É certo que não me serve de nada. Mas como tu não o tens em teu
poder, claro é que de nada também te serve. Por conseguinte, nada
adiantaremos, a não ser fazendo um contrato. Prometo restituir-te o
búzio e deixar que te sirvas dele à tua vontade, mas com uma
condição, que é esta: quanto ganhares com ele, ganho eu o dobro.
– Recuso! – Exclamou o lavrador. Assim
voltávamos ao que era dantes.
–
Qual história! – replicou o astucioso onzeneiro. – Tu sempre ficas
com a tua parte. Não sejas como cão de fila, que nem come nem deixa
comer. Em tu tendo o que precisas, que te importa a ti que eu seja
rico ou seja pobre?
Finalmente, por mais que lhe custasse
fazer o mais leve benefício a um usurário, o lavrador não teve
remédio senão ceder e, daí por diante, qualquer coisa que ele
ganhasse pelo poder do búzio, ganhava o onzeneiro o dobro. E tanto e
tanto se ralava com isto o lavrador que não havia nada que lhe desse
alegria.
Até que, num certo ano, veio uma seca
terrível; seca foi ela que as searas do lavrador queimaram-se todas
à míngua de chuva. Então ele soprou no búzio, e pediu um poço para
as regar. Dito e feito. Apareceu o poço, mas ao maldito onzeneiro
surdiram logo dois, dois belos poços novinhos e cheiinhos de água.
Era demais! O lavrador já não podia suportar aquela situação; tanto
aparafusou, tanto aparafusou, que afinal ocorreu-lhe uma ideia
excelente. Agarrou no búzio, soprou com toda a força e bradou: –
Ram, desejo ficar cego de um olho.
Num abrir e fechar de olhos, viu-se
com efeito o lavrador sem um deles, mas ao mesmo tempo o onzeneiro
ficou cego dos dois. E quando procurava encaminhar-se por entre os
dois poços, caiu num deles, e afogou-se.
Mostra esta verdadeira história como
um lavrador conseguiu uma vez levar a melhor de um usurário, mas
para isso teve de perder um olho.
|