Sérgio
Paulo Silva, Um santo lavado com vinho. Breve memória do meu S. Paio, 1ª ed., Estarreja, 2004,
48 págs. |
Ali na Soalheira, num tempo cheio de rumores do equinócio
após o Verão, o povo celebrava nas areias o padroeiro. Pregara na capela
e seguira debaixo do pálio até ao mar, erguera para as águas a custódia
e com ela traçara uma cruz, benzendo o mar.
(...) Só contrafeito, e a pedido do padre Gabriel, aceitara
tomar parte nas cerimónias, não ignorava, sabia bem, que não serviam
senão para tapar, como a cobertura de um bolo de anos, o irromper da
alma pagã do povo em quem nem dois mil anos bastantes para lhes
desarreigar a devoção à Natureza. Até à borda de água se arrastavam as
criaturas, vindas das serras e das terras marinhoas, nem os monstros
ficavam em casa, não os tínhamos visto duma banda e doutra da estrada?
Apressara o passo, quase fechara os olhos, mas aos ouvidos não lhe
deixavam de chegar os gemidos de uns, as imprecações de outros, de
mistura com descantes ao desafio, toques de violas e pandeiros, o
estridor das gaitas e o estralejar dos foguetes.
Joaquim Lagoeiro in "Mar Vivo"
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