Habituei-me a ver em
Luís Jordão um indivíduo frontal e fraterno, que deu a cara e o coração
pelo Alentejo e por um país novo, que infelizmente apodreceu depressa,
no baile de máscaras da pós-revolução.
Na sua prosa
encontrei sempre um alentejano solidário e leal à sua génese, à
terra-mãe, e aos sonhos que ainda hoje gosta de partilhar à mesa das
sílabas e dos sabores, deliciosa mesa da amizade e das palavras mais
dignas e consequentes.
Enquanto muitos
trataram de se fazer à vidinha, ele permaneceu, resistindo à traiçoeira
ingratidão e à ignorância arrogante dos que conspiraram um mundo
moderno, cujo horizonte não ultrapassa a dimensão do umbigo.
Faz já algum tempo
que o Luís me ofereceu duas mãos cheias de poesia, desafiando-me a
escrever um prefácio para estas "Palavras Ajuntadas".
Aceitei fazer a
viagem a um passado de pesadelo, que ele e tantos de nós, dessa geração
agrilhoada, suportámos, idealizando o tempo novo, da libertação.
Há uma tristeza
desmedida, lusitana, que transborda nestes versos chorados em forçado
exílio.
Em vez do Alentejo,
da charneca mar de calor, há uma África de sofrimento que o mar da baía
de Luanda separa.
Em vez da mulher
amada do doce sorriso e de Tejo mais azul surge uma paisagem escura,
estranha e misteriosa, a sombra ameaçadora da guerra, e não é em vão que
verbos como "vomitar", "destoar", "nublar", "chorar" e "atormentar"
aparecem nestes textos, que são páginas de uma descida aos infernos.
São versos incisivos,
ásperos gritos de uma esperança inocente, enredada em teias de dor,
poemas de uma simplicidade lancinante, libelo acusatório contra a morte
da paz, para que nunca mais aconteça.
E contudo pertencemos
a um planeta onde a vergonha nos é servida maquiavelicamente como
espectáculo, à hora da sopa, dia após dia, pelo que estes poemas de Luís
Jordão se mantêm actuais.
Deste livro que li
duma assentada, sem me conseguir alhear do percurso angustiante de
milhares de jovens, condenados à pantanosa e armadilhada realidade de um
tempo injusto, destaco os poemas "Baía de Luanda", "Pai", "Verde
Destoante" e "Fim de Página", pela magoada beleza com que retratam a
alma de um rapaz português, obrigado a enfrentar os caminhos do absurdo
e os cornos do mais indesejado destino.
Realizada a intensa
viagem, apercebemo-nos da irremediável contaminação da melancolia.
Verificando o
quotidiano mediático, as discursatas, a demagogia, as feridas tantas da
cavalgada insana da humanidade, apetece perguntar: – Onde está a
democracia que sonhámos?
Quão longe me soa o
verso de Ary "Isto vai, camaradas, isto vai". Dá vontade de chamar Mário
Sacramento: "Não me obriguem cá a voltar!"
Em nome dos nossos
mártires, em nome da nossa terra, é preciso agradecer a respiração deste
alentejano corajoso, de seu nome Luís Jordão, que entre nostalgia e
mágoa tornou a provar, desta vez com "Palavras Ajuntadas" como
truculento, afinal pode rimar com ternurento. |