Diz uma
famosa cantiga, interpretada por um não menos famoso cantor francês,
que o importante é a rosa. Quanto a mim, de entre as flores, não é
ela a única importante, apesar de todas as suas variedades, cores e
simbolismos. Na minha frente tenho um campo enorme, a perder de
vista, repleto de flores, em variedades tantas que não consigo
identificar, tão pequenino eu me sinto e tão grande é a minha
ignorância; mas não tenho qualquer tipo de dúvida de que tão
importantes são umas quanto as outras, tanto na beleza das cores e
do formato como na diversidade dos odores e no resultado da sua
singularmente rica e estranha mistura.
É evidente,
que em situações especificas e para um qualquer fim definido, o ser
humano, em variadas ocasiões, escolhe uma flor ou um conjunto delas,
atribuindo-lhe este ou aquele significado, boa parte das vezes
simplesmente porque ouviu dizer que era assim, e, sem dúvida, sempre
ao jeito dos comerciantes da especialidade, que alimentam a situação
conforme as suas vantagens e conveniências (mais uma vez, também
aqui, a figura invisível/ impalpável/intocável do mercado...).
Por isso,
apesar da fantástica beleza que se expõe perante mim, e do
inebriante da sua mistura de cheiros, bem como do cravo vermelho que
trago na botoeira (cá está outra vez o simbolismo em acção...),
inconscientemente, eu hoje seleccionei o lírio roxo. Acontece que,
da berma do caminho, de entre as ervas, ele, no topo do seu caule
vertical (tomara que todos os homens tivessem assim a coluna...) me
chamou a atenção na sua natural e elaborada simplicidade.
Muito
embora em justiça, todas e cada uma das flores, de per si, sejam de
uma beleza única, todavia o lírio roxo, no desenho e na cor das suas
pétalas, na forma como estão distribuídas, a já falada verticalidade
do seu caule e o incomum do seu quase inexistente odor, bem como a
sua, hoje, raridade, emocionaram-me e, por isso, retirei a mão que
se preparava para o colher.
Depois,
levantando a vista, reparei que também nas árvores, ali
relativamente perto, as flores (o candeio) despontavam
aumentando-lhe o rude encanto. E, em fundo, existiam também os sons:
o canto dos pássaros, o som de um qualquer chocalho muito ao longe,
o discreto murmúrio do movimento das plantas provocado pelo cúmplice
e suave vento, bem como outros sons não identificáveis, pelo menos
por mim, mas que compunham/enchiam os vãos entre uns e outros.
E, de
repente, talvez por no momento o meu pensamento estar concentrado
nos sons, veio-me à memória o espantoso da variedade de sentimentos
há pouco sentidos na, por enquanto, característica praça central de
Mourão: as vozes fortes dos homens entoavam cantigas de grupo. Foram
uma, outra e outra e mais tantas outras (até cantaram o meu lírio
roxo do campo), carregadas de beleza, de dura história, de
sentimento, de saber e cultura popular, e, também, de muito
simbolismo, pois este desfile de corais alentejanos, modesto, mas
com o povo na rua, deveras interessado, boa parte dele de cravo
vermelho em punho ou na lapela, comemorava o aniversário da
revolução do 25 de Abril de 1974, o dia em que tudo mudou, o dia em
que todas as esperanças e sonhos eram admissíveis.
Depois de
um dia destes, tão cheio, a abarrotar, não é difícil concluir que,
nos seus vários estádios, de facto, o importante é a beleza.
Já agora,
em jeito de nota de rodapé, e porque falamos de beleza, atrevo-me a
apelar a todos os Alentejanos e amigos da cultura da região dos
largos horizontes que ajudem, na medida das suas possibilidades, nem
que seja somente pressionando os autarcas que elegeram, na luta pela
classificação do Canto Alentejano como património imaterial da
humanidade, tendo em conta que ele, sem a menor sombra de dúvida, é
um dos belos e importantes pilares dessa mesma cultura.
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