Se
formos ao dicionário, a palavra relaxada aparece como desalinhada,
negligente, que evidencia desmazelo; ou distendida, frouxa,
descontraída; ou ainda repousada, descansada, dissoluta.
Não
imagino as minhas patrícias com aquela quantidade de adjectivos
referidos. A uma ou outra poderá assentar a palavra, que tem um certo
sentido pejorativo, mas, na generalidade, acredito que tal não acontece.
O
termo reporta ao século 16 e não tem nada a ver com o actual
significado. Podem, portanto, as patrícias estar descansadas.
Nas
naus de “quinhentos”, quando os portugueses rumavam às Índias Orientais,
naquele século de viagens marítimas inseguras e tormentosas, viajaram
também mulheres, enfrentando igualmente os caprichos dos oceanos.
Uma
das provas que centenas de mulheres portuguesas andaram nas naus da
Índia, existe na documentação da Inquisição de Goa. E isto porque também
elas sofrerem as diatribes do então designado de Santo Ofício. Dizia-se,
talvez ironicamente, que “foi detectado que o corpo feminino ardia tão
bem como o masculino” (?!).
A
epopeia dos descobrimentos não foi só feito masculino. As mulheres
também estiveram lá e por lá deixaram as suas cinzas.
De
entre aquelas que a Inquisição queimou, ou seja nas “relaxadas” como
então se dizia, sendo o maior grupo a embarcar constituído por
cristãs-novas, trinta e oito viajantes femininas das naus da Índia foram
relaxadas nas fogueiras da Inquisição entre 1567 e 1579.
Às
condenadas era perguntado se queriam morrer como cristãs. A resposta
afirmativa conferia-lhes o direito (?!) a serem garrotadas antes de
expostas ao fogo. As cinzas eram removidas três dias depois,
aguardando-se que tudo estivesse devidamente consumido pelo fogo. Em Goa
as cinzas eram lançadas ao rio Mandovi.
Foi
em 1567 que a primeira portuguesa foi queimada (relaxada). De entre as
trinta e oito passageiras das naus relaxadas na Índia, constam 6
“alentejanas do alto”. Da minha terra natal, Elvas, tiveram “direito a
esse conforto” três, precisamente Isabel Alvares, viúva, em 1574;
Leonor Ferrão, casada, em 1575 e Constança Mendes, viúva, em 1576, as
duas primeiras em Goa e a terceira em Baçaim. A primeira alentejana a
“relaxar” seria no entanto Catarina da Orta, casada, de Castelo de Vide,
em 1569. Ainda em 1574, caberia a vez a Francisca Coelho, casada, de
Vila Viçosa, completando-se o naipe em 1577, com Guiomar Fernandes,
viúva, de Estremoz, estas três “relaxadas” em Goa.
O
“relaxamento” destas patrícias do século 16, ou acompanhavam igual
tratamento dos seus homens, ou o complementavam quando já na situação de
viúvas. Isto mesmo era referido numa carta que o inquisidor de Goa,
Bartolomeu da Fonseca, dirigiu ao rei D. Sebastião, em 1578,
“envergonhando-se” porque “sempre com as mãos no fogo, tinha tirado
vidas, tinha desfeito casais”.
Foi,
portanto, a própria tenebrosa Inquisição de Goa que acabou por nos dar
aquilo que os historiadores ignoraram – a identidade de portuguesas
viajantes nas naus da Índia.
Nota final: socorremo-nos de um artigo de Fina d’Armada, de Outubro de
1997, no semanário “Expresso”. |