Escrever ou falar sobre
eventos alentejanos de objectivos concretos é, neste momento, dar de
frente com o Instituto Politécnico de Beja (IPBeja) e, sem dúvida,
deparar com a professora Ana Paula Figueira, coordenadora de duas
iniciativas que, sem preconceito, adjectivo de importantes para a
região: o projecto “em.cantos” a decorrer até Julho de 2010; e as
“Conversas tertulianas”, que cumpriram o seu ciclo e proporcionaram, na
minha perspectiva, a raiz madura para a concepção da nova realização,
cuja primeira sessão foi concretizada dia 4 de Setembro, na Cuba.
A ideia estruturante do
projecto “em.cantos”, conforme as palavras de Ana Paula Figueira, com
quem estive à conversa, “nasceu de forma simples”. E, abreviando os
antecedentes, direi apenas que decorriam ainda as “Conversas tertulianas”
e já havia quem incentivasse a coordenadora a prosseguir.
No entanto, se a primeira
iniciativa estava muito centralizada na cidade de Beja, o novo projecto,
conforme a sua mentora, “merecia expandir-se” até ao concelho… ao
distrito… à região… e, eventualmente, na minha óptica, ao País.
O desafio devia, então,
“consumar-se”, mas em moldes diferentes dos do seu predecessor. Isto é,
pelo menos, o que depreendo das palavras de Ana Paula Figueira, que
sublinha a importância de debater “temas de interesse concelhio e
regional, em locais pouco utilizados para tal efeito e até pouco
divulgados, como é o caso de algum património histórico edificado
(igrejas, museus, ruínas, etc.).
Ora, foi tomando por base
esta premissa que nasceu o nome genérico “em.cantos” ou seja, “em
diversos cantos”.
Para Ana Paula Figueira,
coordenadora da iniciativa, começava aqui a busca de parceiros, pois
este projecto só assumiria o seu amplo objectivo se “integrador e
conjunto”; se primasse pelo envolvimento de todos; se fosse um
contributo para a “preservação e valorização do património histórico e
cultural”; se tornasse visíveis as “potencialidades de uma zona do País,
particularmente, desfavorecida e carenciada”.
A procura e o
desdobramento de contactos cedo deram frutos. O resultado foi o
envolvimento de muitos, consubstanciado numa efectiva parceria entre 14
concelhos do Distrito, o Governo Civil, o próprio IPBeja, vários órgãos
de comunicação regionais, associações e cidadãos despertos para as
características da vasta área territorial que ocupam e para a riqueza
dos seus recursos. Mas também, como refere a coordenadora: “…para a
necessidade de projectos de desenvolvimento, que ajudem a inverter a
desertificação e o abandono das terras… ou estimulem o investimento na
agricultura, na indústria e no turismo”.
“Encantos do cante
alentejano”
A primeira sessão de
“em.cantos” decorreu no dia 4 de Setembro, em Cuba e foi dedicada aos
“Encantos do cante alentejano”.
O espaço escolhido para a
sua concretização foi a Igreja do Carmo, onde numa das paredes laterais
é possível ver um “retábulo fingido”, como se explicou na altura, que
integra na sua composição um enorme São Cristóvão, que transporta às
costas o Menino, pequeno e rolicinho, sem dúvida, a necessitar de
intervenção reconstrutiva urgente.
Na sessão, como
intervenientes e participantes estiveram, entre os populares que
esgotaram a lotação da igreja, Francisco Manso (produtor e realizador de
cinema, autor do documentário “Canto a vozes”), Paulo Lima
(antropólogo); padre António Cartageno (responsável pela recolha e
recuperação do canto popular religioso do Baixo Alentejo), Janita Salomé
(cantor e compositor), José Francisco Colaço Guerreiro (dirigente e
responsável da Cortiçol-Cooperativa e Observatório do Cante); Pedro
Mestre (animador e construtor de instrumentos tradicionais alentejanos
e, recentemente, envolvido no projecto piloto “Cante Alentejano nas
Escolas”); Joaquim Soares (director da MODAAssociação do Cante
Alentejano); António Duro (artista plástico, conhecido pela forma
humorística como retrata o cante alentejano e a forma do cantar).
Feitas as apresentações, a
moderadora deu início ao debate que, nas suas palavras, visava
“enfatizar o presente e o futuro” desta tradição identitária. E, com
isto, digo eu, contornar pela positiva a questão da origem ou origens do
cante alentejano. Este, um aspecto que do ponto de vista do mero
observador permitiu, sem ser de forma conclusiva, avaliar problemas do
presente e projectar, para mais adiante, novos caminhos. A proposta foi
inteligente, pois debater esta forma de cantar, quase sempre redunda na
exposição de diferentes teses sobre as suas origens, que, em boa
verdade, apontam caminhos de estudo, susceptíveis de aprofundamento, mas
que, até ao momento, olhadas individualmente não contêm a explicação,
mas antes uma panóplia de explicações que carecem de comprovativos
documentais.
Seja como for, não posso
deixar de me perguntar se será mais importante encontrar o momento
originário do cante, que aprofundar caminhos para a sua projecção no
futuro?
A resposta cabal para
isso, confesso, ainda não a adquiri. Creio, no entanto, ter deparado com
ideias pertinentes sobre o muito que se poderá fazer para projectar
dignamente o cante alentejano no futuro, nomeadamente, nas intervenções
de Pedro Mestre, que partilhou as suas vivências e a sua experiência
junto das crianças, que têm aderido de forma entusiástica ao projecto
piloto “Cante Alentejano nas Escolas”.
Pedro Mestre falou ainda
da “importância dos avós” na transmissão do gosto por esta tradição, um
aspecto que diz: “Não está a acontecer”.
Na sua intervenção, José
Francisco Colaço Guerreiro considerou “premente debater o cante
alentejano” e sublinhou, que a “proliferação de grupos corais pode
iludir a realidade tanto em termos da qualidade mas também da vitalidade
do cante alentejano”.
Na sua perspectiva há que
“encarar o cante como um património vivo; como algo que ainda não está
só na memória”, pois como realçou: “O cante ainda faz parte do dia-a-dia
das pessoas de forma natural e espontânea”. Assim, segundo este
responsável do Observatório do Cante, “para que os grupos se renovem é
necessário alargar a experiência que se está a fazer em Almodôvar, que
passa pela introdução do ensino do cante nas escolas.
É de pequenino que se cria
empatia com o cante alentejano e o Pedro Mestre que começou nos
Carapinhas, um grupo infantil de Castro Verde é disso exemplo”.
Da intervenção do cantor e
compositor, Janita Salomé quero relevar nestas páginas, à laia de
conclusão, a citação que retirou da obra “Missão Cumprida”, padre
Marvão, Beringel, 1988, onde se lê: «(…) O Alentejo precisava de abrir
as suas portas à aventura, sair de si mesmo, ouvir outros cantes, outras
vozes, sem deixar os seus, já se vê. Pegá-los à terra outra vez? Não
será fácil. Só com um Alentejo arejado, aberto para a vida. E ele há-de
surgir. Mas não tenhamos dúvidas: o Alentejo de outros tempos
envelheceu, como tudo, e morreu. Ressuscitá-lo outra vez seria pura
ilusão. Que as virtudes dos nossos antepassados, toda a sua gloriosa
tradição seja vivida e cantada ainda, no seu lindo cantochão, estamos de
acordo. Mas tenho para mim que até ele, o seu majestoso e misterioso
canto, evoluirá embora dentro dos moldes que o identificam com a nossa
índole e a nossa história (…)».
Deixemos então o cante e
avancemos.
Ora, bem, por imperativos
de publicação deste almanaque, neste preciso momento em que vos dou
conta de tão importante e incontornável iniciativa termina a segunda
sessão de “em.cantos”, esta já em Almodôvar, onde a actualidade se
impôs.
O local escolhido foi o
Convento da Senhora da Conceição que viu debater o tema “O Parque Eólico
de Almodôvar: Repercussões Sociais, Económicas e Expectativas de
Futuro”.
Na base da escolha, entre
outros aspectos, estiveram factos inegáveis, como a existência de nove
parques de energias “limpas” no distrito de Beja ou a instalação da
maior central fotovoltaica do mundo na Amareleja.
Em Alvito, no seu Castelo,
as atenções recaíram no património histórico edificado. Aí, os
presentes, partindo dos seus saberes, defenderam estes vestígios de
outros tempos, estas memórias resistentes, estes exemplos ainda reais do
caldeirão de culturas que fomos no passado e que desejamos preservar
para o futuro.
O tema “Fronteira e
Território: Desafios e Riscos” é obviamente aquele que, ninguém duvida,
se adequa a Barrancos.
A sua proximidade com o
povo de Encinasola, em Espanha, com quem reconhecidamente tem fortes
ligações culturais, conduz à reflexão e lança o desafio para a
compreensão das particularidades da zona raiana. Este será apenas um
passo de muitos mais. O fenómeno requer estudo e poderá contribuir para
encontrar e aprofundar trajectórias ou projectos de desenvolvimento e,
claro, de combate ao isolamento.
Aqui, poderei dizer que
encerram os debates de 2009, mas em Janeiro de 2010, eles estão de
volta.
Debates até 2010
Logo no dia 29… em Castro
Verde, o fim de tarde será dedicado ao tema “A Conservação da
Biodiversidade: Oportunidades e Constrangimentos para uma Gestão
Sustentável do Território”. Este, um “em.cantos” de grande pertinência,
sobretudo, quando já ninguém põe em causa a pressão humana como a maior
ameaça para as espécies e os ecossistemas.
Isto é, para a
biodiversidade. E, neste quadro, não tenhamos ilusões, a nossa vida
depende da diversidade biológica.
É, por isso urgente que
cada comunidade, cada país, encontre os mecanismos adequados à
conservação e à utilização racional da diversidade biológica, um
património de toda a humanidade.
Agir de forma sustentada
será, então, uma mais valia para o ser humano e para o desenvolvimento
das sociedades.
Na mesma linha de
preocupações iremos encontrar o debate agendado para 26 de Fevereiro, em
Aljustrel, sobre “Gestão e Exploração Sustentada dos Recursos
Geológicos: Passado, Presente e Futuro das Minas de Aljustrel”.
Uma vez mais, o que aqui
está em causa, ou se se quiser, o que daqui se extrai é a necessidade de
conceber uma estratégia de desenvolvimento do sector, que seja
equilibrada, racional e sustentável.
Ferreira do Alentejo, no
dia 26 de Março, acolherá a sessão dedicada à “Modernidade e
Empreendedorismo: os Casos da Herdade do Vale da Rosa e da Quinta de S.
Vicente”, o mote para falar, entre outras matérias, de novas tecnologias
e competitividade.
O “Rio Guadiana: Um
Recurso Natural Estratégico” tem conversa marcada para 30 de Abril, em
Mértola. O seu peso social, económico e patrimonial em ambas as margens
justifica aqui as preocupações e as reflexões de quem defende que o
Guadiana carece de ser verdadeiramente gerido como um recurso partilhado
por espanhóis e portugueses.
Afinal as acções de uns e
outros têm repercussões e impactos.
O debate “A Valorização
dos Produtos Regionais: o Caso da Carne de Porco Alentejano” tem
realização no dia 14 de Maio, em Ourique.
Não é novidade para
ninguém que, durante décadas, os produtos agrícolas e agro-alimentares
locais e tradicionais foram esquecidos e desvalorizados e que, ao invés,
em pouco anos, adquiriram elevado interesse, assumindo mesmo um papel
relevante no desenvolvimento de muitas zonas rurais, designadamente, nas
mais fragilizadas ou desfavorecidas. O prestígio do porco preto
alentejano granjeado além fronteiras é disso um bom exemplo.
Moura, no dia 28 de Maio,
receberá o “em.cantos” dedicado ao “Marketing das Cidades ou a Afirmação
do Local no Global”.
A este propósito
depreendo, obviamente, interpretando as palavras de Ana Paula Figueira,
que na base desta reflexão estará a necessidade de potenciar e projectar
no global as actividades locais e regionais de forma a que cada
comunidade obtenha o máximo de benefícios económicos e sociais, sem
abdicar das suas especificidades, da sua identidade.
Para Odemira (11 de
Julho), o Alentejo dos contrastes tem encontro marcado.
O tema “Um Alentejo de
Gentes de Mar e Terra: a Sua Promoção e Valorização Turísticas” levará à
colação as diferenças desta vasta região, bem como, as suas reais
potencialidades.
“A Gastronomia Alentejana:
a Sua Promoção e Valorização Turísticas” encantará os convidados e o
público no dia 25 de Junho, em Serpa.
A discussão não andará
longe do vasto património gastronómico do Alentejo e abrirá, certamente,
o apetite para, por exemplo, umas migas ou um ensopadinho de borrego e,
porque não, que já será tempo dele, para um gaspacho, tudo regado com
bom vinho.
E, para finalizar, um
docinho conventual, cujo cardápio é vasto e faz crescer água na boca e,
quem sabe, de parceria com o café, um licor de poejo.
Na Vidigueira, a 9 de
Julho, “A Trilogia Mediterrânica: o Pão, o Azeite e o Vinho”, três
pilares da actividade e da alimentação alentejana e portuguesa de
reconhecidas propriedades.
Nesta altura, já estará em
preparação a última sessão de “em.cantos” agendada para 23 de Julho, em
Beja, onde se desconstruirá o princípio da “interioridade do interior”.
E, desconstruirá porque a urgência de encontrar caminhos levará para o
debate ideias e perspectivas de “combate”.
O intuito é projectar a
reconstrução do interior, destruindo a interioridade, através de
estratégias de inclusão e mobilização, seja dos indivíduos seja das
comunidades. |