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I. Introdução
Sendo o Património, em
todas as suas vertentes, uma das bandeiras do Almanaque
Alentejano, damos aqui continuidade ao tema da avifauna
(presente no Alentejo), numa lógica de divulgação e estímulo à
defesa do nosso património natural. Como tal, deixamos alguns
apontamentos sobre uma ave igualmente em risco, um pequeno falcão
bem conhecido das populações rurais das planícies alentejanas,
denominado francelho ou peneireiro-das-torres. |
Peneireiro-das-torres.
(imagem extraída da Wikipedia) |
II.
Identificação/Características/Comportamento
Muito parecido com o
peneireiro vulgar, todavia um pouco mais pequeno, bico mais fraco e com
garras claras. O macho adulto é castanho avermelhado, com tons azulados
na cabeça, cauda e asa, peito bege com pintas negras. As fêmeas
apresentam o dorso salpicado de preto e a cauda com faixas preto
acastanhadas bem visíveis. Têm entre 28 e 33 cm de comprimento
(entendido como a distância entre a ponta do bico e a ponta da cauda,
com a ave esticada) e 60 a 72 cm de envergadura (distância entre uma e
outra ponta das asas, com estas estendidas naturalmente), podendo pesar
até cerca de 200 gramas.
Vive em terreno aberto, em
áreas de cultivo extensivo de sequeiro, alimentando-se sobretudo de
insectos, mas também de alguns vertebrados, como os ratos do campo,
lagartixas e pequenos pássaros, estes frequentemente capturados em voo.
Gafanhotos, escaravelhos,
centopeias, etc., estão entre as presas preferidas, tornando o
peneireiro-das-torres um bom predador de eventuais pragas das culturas
e, assim, bem útil à agricultura.
O peneirar (em
regra a uma altura por volta dos 10 metros) tem por objectivo a pesquisa
do solo, permanecendo imóvel no ar, com as asas abertas e flutuantes,
cauda contraída – daí a designação.
Encontra-se na parte sul
da Península Ibérica e ao longo da região mediterrânica (sul da Europa,
norte de África) até à Ásia Menor, estendendo-se ainda a outras regiões
asiáticas (agrícolas ou de estepe).
É monogâmico, nidificando
colonialmente nos telhados e paredes de edifícios velhos e abandonados,
igrejas, escarpas, aproveitando as cavidades para fazer os ninhos. Após
a postura dos ovos (3 a 5), que ocorre por volta de Abril/Maio, estes
são incubados pelo casal ao longo de quase um mês, sendo que a fêmea não
abandona o ninho, onde é alimentada pelo macho. As crias nascem cobertas
de penugem branca, com 3 semanas possuem já pequenas penas e com cerca
de um mês começam a voar. São ainda alimentadas durante mais uns quinze
dias, deixando em seguida a colónia onde nasceram.
Os peneireiros-das-torres
fazem-se ouvir em especial nos locais de reprodução, emitindo uma série
de notas em geral mais rápidas e chilreantes do que as do peneireiro
vulgar (semelhantes a um “quiquiquiqui”:..), soltando ainda um
som cacarejante e rouco, algo áspero (tchak-tchak-tchak…). Os
juvenis pedem com uma espécie de gritos prolongados e pouco agradáveis,
chamando assim a atenção dos progenitores.
Trata-se de uma ave
migradora, cuja partida e chegada ocorrem relativamente cedo, saindo
(para o continente africano) em Julho ou Agosto, e regressando
geralmente em Fevereiro.
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Peneireiro-das-torres
(imagem de Lesser Kestrels in Wikipedia) |
III. Uma espécie em
perigo/Factores de ameaça/Medidas de protecção
Sendo outrora uma das aves
de rapina mais comuns na Europa, o peneireiro-das-torres tem vindo a
sofrer um generalizado e significativo declínio populacional. No
continente europeu existirão somente entre 12 a 17 mil casais, sendo que
em Portugal, onde foi estimado um número próximo dos 700 casais em
meados do século passado, essa existência foi diminuindo notoriamente,
rondando os 200 casais no final do século.
Passou, deste modo, a ser
considerada uma ave globalmente ameaçada, alertando organismos e
entidades dedicadas à protecção da Natureza, o que, de par com uma
progressiva tomada de consciência das populações, tem conduzido à tomada
de medidas visando a contenção e, se possível, a inversão desta
tendência. Como causas deste tão expressivo decréscimo populacional
podemos apontar, por um lado, a eliminação de muitos locais de
nidificação (em resultado da recuperação e restauro de monumentos e
edifícios antigos, onde procriavam) e, por outro, a redução de áreas de
alimentação, devido a alterações de práticas agrícolas, que diminuíram a
presença das suas principais presas (menores áreas de rotação entre o
cereal e o pousio, aumento do regadio, florestação, instalação de
culturas permanentes, etc.).
Face a tão negativo
panorama que, a longo prazo, põe em causa a sobrevivência desta e de
outras aves estepárias, a situação passou a ser alvo de maior atenção
por parte das entidades responsáveis, motivando o surgimento de medidas
orientadas para o seu combate.
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Em Portugal, citaremos o
essencial da actuação da LPN (Liga para a Protecção da Natureza) nesta
matéria. Para além de diversas medidas de gestão do habitat do
peneireiro-das-torres e outras de natureza agro-ambiental
(compatibilizando práticas agrícolas com a conservação das espécies),
desenvolveu entre 2002 e 2005 o projecto “Recuperação do
Peneireiro-das-torres em Portugal”, financiado a 75% pelo programa
“Life-Natureza” da União Europeia. |
Imagem de casal
telhado da autoria de Nuno Lecoq. (In Web) |
Este projecto teve como
principal objectivo garantir, a longo prazo, a conservação da espécie no
nosso País.
Centrou-se naturalmente no
Alentejo, em 3 Zonas de Protecção Especial para Aves (ZPE), onde se
concentram mais de 80% destas aves – as ZPE de Castro Verde, de longe a
mais importante, do Vale do Guadiana (Mértola) e de Campo Maior, esta
última com um efectivo quase residual e em risco de desaparecimento.
Como principais acções
realizadas, poderemos citar:
•
Melhoramento de estruturas
que albergam colónias e construção de outras novas
– torres e paredes de nidificação, com cavidades próprias para o
efeito – e colocação de caixas-ninho ou potes em barro (mais duráveis)
nas paredes e telhados (salienta-se que a disponibilização de novos
locais para os ninhos foi coroada de êxito, verificando-se desde cedo
taxas de ocupação interessantes, mesmo por parte de outras aves que
também necessitam de cavidades para nidificar);
•
Promoção da cultura
extensiva de cereais e de medidas agro-ambientais
(através de contratos com os agricultores com vista à gestão dos
terrenos), potenciando uma maior disponibilidade alimentar;
•
Vigilância e monitorização
das colónias,
acompanhando a sua evolução;
•
Recolha e recuperação de
crias debilitadas,
com posterior libertação;
•
Sensibilização ambiental,
particularmente nas camadas jovens. Reflectindo, de algum modo, a
eficácia destas acções, verificou-se na presente década um progressivo
aumento dos efectivos e do número de colónias de peneireiros-das-torres,
abrindo a esperança da sua real e sustentada recuperação, com regresso a
muitos dos locais onde mantinham uma presença regular.
Que todas as entidades
ligadas a esta temática (em particular na Agricultura e Ambiente) não
descurem a sua atenção e apoio às espécies vulneráveis e em risco – eis
uma reivindicação que nos parece inteiramente consensual.
E que as novas gerações,
melhor preparadas e mais receptivas a todas estas questões, prossigam e
ampliem os passos já dados, no sentido de uma cada vez maior protecção e
equilíbrio da Natureza. |