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Em 1920, deflagrou uma "guerra" entre os comerciantes de
vidros de Lisboa e os fabricantes da Marinha Grande, facto que levou a ser
presente uma exposição ao Ministro do Comércio onde se denunciavam as
fábricas de, já há alguns anos, virem a conceder aos comerciantes de vidros
estabelecidos naquela vila favoritismos e condições especiais, que os
colocavam em situação de praticarem concorrência desleal aos seus colegas de
Lisboa. Como forma de protesto, alguns comerciantes da capital deixaram de
comprar às fábricas da Marinha Grande entre as quais a Nacional Fábrica de
Vidros e de tal modo isto se processou que esta fábrica passa por grandes
dificuldades com acumulação de encargos, tendo sido estes solvidos pelo
Estado.
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1924
– Fábrica de Vidros Nossa Senhora de
La-Salette, Ld.ª. (pág. 45) |
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/ 46 / Existia em
Lisboa nessa época, a firma Sociedade de Indústria Vidreira, Ld.ª, que se
dedicava à comercialização de vidro como armazenista e pelo motivo citado,
esta firma enveredou pela indústria vidreira, recorrendo para isso à
construção de uma fábrica e constituição de uma sociedade para a sua
exploração. Assim, surgiu no lugar de Bustelo, a Fábrica de Vidros Nossa
Senhora de La-Salette, Ld.ª, a que o povo da região cognominou de Fábrica
Nova.
Antes, porém, de me debruçar sobre a escritura da sua
constituição, abordarei a constituição de duas firmas comerciais que fizeram
parte daquela sociedade - Godinho, Ld.ª e Saraiva, Ld.ª Assim, no dia 8 de
Junho de 1921, no cartório notarial de Eduardo Ribeiro da Cunha,
compareceram como outorgantes José Maria de Castro e Lemos, proprietário da
Quinta do Côvo e aí residente, Dr. Arnaldo Ferreira da Silva Guimarães,
advogado, casado, residente em Oliveira de Azeméis e Dr. António Correia
Godinho, médico-veterinário, solteiro, maior, residente no lugar da Estrada,
freguesia de Pindelo, que subscreveram uma escritura de constituição de uma
sociedade por quotas, com a denominação de Godinho, Ld.ª, com sede em
Oliveira de Azeméis e com o objectivo de aquisição de bens relativos à
indústria vidreira. O capital social de cinco mil escudos foi repartido
pelos sócios Castro e Lemos e Dr. Silva Guimarães com quotas de mil
trezentos e oitenta e oito escudos e oitenta e oito centavos a cada um deles
e ao Dr. Godinho ficou pertencendo uma quota de dois mil duzentos e vinte e
dois escudos e vinte e quatro centavos, tendo sido realizado dez por cento
de cada quota. Foi nomeado gerente o sócio Dr. António Correia Godinho,
tendo-lhe sido dado poderes para subscrever em nome da sociedade uma quota
de dezoito mil escudos na sociedade a constituir Fábrica de Vidros Nossa
Senhora de La-Salette, Ld.ª.
Na mesma data e cartório notarial, foi subscrita uma
outra escritura de constituição de uma sociedade por quotas, sob a firma
Saraiva, Ld.ª, com sede em Oliveira de Azeméis, com o objectivo também de
aquisição de bens relativos à indústria do vidro. O capital social de cinco
mil escudos foi dividido pelos sócios José Luiz Saraiva, casado, mecânico,
com uma quota de três mil quatrocentos e sessenta e um escudos e cinquenta e
quatro centavos, Alberto Meunier, solteiro, maior, gravador de vidro,
Jacinto de Sousa, casado, pedreiro e Manuel de Oliveira
/ 47 / Aruella,
casado, pedreiro, todos residentes em Bustelo, com uma quota de quinhentos e
doze escudos e oitenta e dois centavos, cada um, de que foram realizados dez
por cento de cada quota. Foi nomeado gerente José Luiz Saraiva, tendo-lhe
também sido dado poderes para subscrever em nome da sociedade uma quota de
dezanove mil e quinhentos escudos na sociedade a constituir Fábrica de
Vidros Nossa Senhora de La-Salette, Ld.ª.
Ainda na mesma data e cartório notarial, os outorgantes
Pereira Pimentel, Ld.ª, na qualidade de gerente da Sociedade Indústria de
Vidraria, Ld.ª, representadas pelo seu gerente Eng. Henrique César Pereira
Pimentel, casado, residente em Lisboa, Dr. António Correia Godinho, em
representação da firma Godinho, Ld.ª e José Luiz Saraiva, representando a
sociedade Saraiva, Ld.ª, subscreveram uma escritura notarial, por terem
acordado,
"... Constituir uma sociedade comercial por quotas, que
adopta a denominação de Fábrica de Vidros Nossa Senhora de La-Salette, Ld.ª,
com sede principal em Lisboa e fábrica no lugar de Bustelo, freguesia de São
Roque, concelho de Oliveira de Azeméis, com o objectivo do exercício da
indústria do vidro e seu comércio. O capital social é de cento e cinquenta e
dois mil e quinhentos escudos, dividido em três quotas: uma de cento e
quinze mil escudos, subscrita pelo primeiro outorgante, outra de dezoito mil
escudos, subscrita pelo segundo outorgante e outra de dezanove mil e
quinhentos escudos subscrita pelo terceiro outorgante; a quota do primeiro
outorgante é constituída por quarenta mil escudos em dinheiro, uma colecção
de moldes em ferro para a fabricação de artigos de vidro, no valor de
cinquenta mil escudos, uma colecção de máquinas para a indústria do vidro,
no valor de quinze mil escudos, telhas e tijolos na importância de dez mil
escudos, que serão entregues à medida das necessidades para a construção da
fábrica; a quota do sócio Godinho, Ld.ª é toda em dinheiro, devendo entrar
em caixa /
48 / à medida que for exigido e a quota do sócio Saraiva,
Ld.ª é em dinheiro, que será realizada anualmente pela sua parte nos lucros.
A sociedade será representada por um gerente, que será o primeiro
outorgante, que desde já delega os seus poderes no segundo outorgante,
quanto a operações sociais realizadas na fábrica, pertencendo-lhe ainda a
fiscalização e direcção do escritório, podendo delegar os seus poderes em
Manuel Correia da Silva Lima e ao terceiro outorgante caberá a direcção
técnica da fábrica e oficinas, desde que seja efectuada por pessoa de
confiança da sociedade. A remuneração do gerente é determinada no fim de
cada ano e de harmonia com os lucros obtidos, assim como a dos
representantes do segundo e terceiro outorgantes, podendo ambos levantar
mensalmente da caixa a quantia que em acta for deliberado..."
Subscritas as escrituras notariais da constituição das
sociedades comerciais Godinho, Ld.ª, Saraiva, Ld.ª e Fábrica de Vidros Nossa
Senhora de La-Salette, Ld.ª, foi autenticado no mesmo cartório um contrato
de arrendamento do terreno, onde viria a ser edificada a aludida fábrica de
vidros. Intervieram José Maria de Castro e Lemos na qualidade de senhorio,
já que o terreno fazia parte da sua propriedade e o Eng. Henrique César
Pereira Pimentel, como representante da inquilina – Fábrica de Vidros Nossa
Senhora de La-Salette, Ld.ª. Desse contrato de arrendamento consta, como
principal clausulado, que foram dados de arrendamento catorze mil e quatro
metros quadrados de terreno, no sítio da Portaria, no lugar de Bustelo, pelo
prazo de vinte anos, expirando esse prazo no dia trinta e um de Maio de mil
novecentos e quarenta; a renda acordada foi de cento e cinquenta escudos por
ano, mas podendo ser aumentada anualmente, com a percentagem que o senhorio
entendesse, até ao limite máximo de cinquenta por cento da renda que
estivesse em vigor, obrigando-se a arrendatária a instalar na casa do
senhorio iluminação eléctrica, conduzindo para aí a respectiva energia a
fornecer gratuitamente sempre que tivesse em laboração a máquina que a
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produzisse. À inquilina foi dada autorização para construir no terreno
arrendado as necessárias edificações para a instalação da fábrica de vidros
de qualquer tipo e ainda a utilizar-se das águas de uma mina que existia a
sul do terreno arrendado; no caso da sociedade arrendatária ser dissolvida
por acordo dos seus sócios ou por liquidação judicial, o senhorio tomaria
posse do prédio com todas as benfeitorias que aí tivessem sido feitas,
obrigando-se a pagar à inquilina, por essas benfeitorias a importância de
trinta mil escudos.
A fábrica, instalada em próprias e sólidas edificações de
alvenaria, como o atesta o corpo central da sua fachada, ainda existente e
bem equipada, suplantando mesmo em algumas secções o que existia nas
fábricas concorrentes, começou a laborar em 1922, mas por período de tempo
bem curto, pois em 1924 cessou para sempre a actividade, por razões a que
não devem ser estranhas a mais que comprovada impreparação e falta de
vocação dos candidatos a industriais vidreiros que proliferaram no concelho
de Oliveira de Azeméis e à concorrência das fábricas de vidros "A Bohémia",
de Bustelo, do Côvo, do Cereal e ainda das fábricas da Marinha Grande. |