Aurélio Guerra, Indústria Vidreira no concelho de Oliveira de Azeméis. Subsídios para a sua história. Maio, 1991/1994, 104 pp.

O autor na perspectiva de um historiador (1)

Filho, neto e bisneto de vidreiros da Marinha Grande, Aurélio de Oliveira Guerra nasceu em 9 de Fevereiro de 1919.

Seu pai, Augusto de Oliveira Guerra (1879-1941), era filho de Aniceto de Oliveira Guerra, oficial de vidro da Real Fábrica de Vidros. No início do século, o jovem Augusto parte com outros companheiros de trabalho para Oliveira de Azeméis, onde se tornaria uma figura de relevo na história da indústria vidreira dessa cidade, como, de resto, o presente estudo mostra de forma eloquente. Em 1904, Augusto de Oli­veira Guerra casa com Emília Maria Brandão, filha de António Pereira Moia, tamanqueiro, de Cidacos, freguesia de Oliveira de Azeméis.

Como o próprio Aurélio Guerra tanto gosta de dizer, nasceu na fábrica fundada por seu pai, a Fábrica de Vidros Progresso, mais co­nhecida como Fábrica do Cercal por se situar no lugar do mesmo nome, na freguesia de Santiago de Riba-UI, concelho de Oliveira de Azeméis. Nasceu, pois, no Vidro. Parecia, por isso, destinado a ser vi­dreiro.

O tempo de menino de escola passa-os entre os livros e a fábrica, mais na fábrica que na escola. A sua paixão era o vidro. Com o 5.º ano de liceu incompleto e apenas dezasseis anos de idade, parte para a Bélgica pela mão de seu viajado irmão Manuel, catorze anos mais ve­lho e com a ajuda de uma família belga. Fixa-se em Charleroi e aí frequenta a École lndustrielle Supérieur, onde conclui os dois primeiros anos do curso de Technicien Verrier. No pouco tempo que ali residiu continua a manifestar um grande interesse pelo desporto e pela música. Em 1937 toma-se membro da Fédération des Sociétés Belges de Patinages à Roulettes, apoiante do Olympic Club Charleroi, membro do Sporting Club Charleroi e sócio do Jazz Club de Belgique.

Em 1938, regressa a Portugal. Seu pai havia cedido a quota ao Centro Vidreiro. A 2.ª Guerra Mundial estava no seu começo, e a indústria do vidro iniciava uma fase nova e decisiva em Portugal. Aurélio Guerra vai trabalhar como encarregado num armazém, em Coimbra, onde se demora cerca de dois anos.

Ele que integrara a primeira equipa de Hóquei de Oliveira de Azeméis, fundada por  CELÁ, veste a camisola do Atlético de Coimbra.

Nesta cidade, Aurélio Guerra obteria, ainda, autorização para iniciar a instrução de pilotagem na Escola de Aviação «Bissaya-Barreto», de Carlos e Vítor Gallo. Da sua caderneta de voo constam cerca de 120 aterragens e 12 horas de voo.

Em 1944 casa, em Esgueira, Aveiro, com D. Marília Picado da Rocha Oliveira Guerra, voltando a envolver-se no negócio de vidros, em Oliveira de Azeméis. Em 1946 é Director da União Desportiva Oliveirense, agremiação fundada em 1922.

No entanto, em 1950, a convite de familiares da esposa abala para África, fixando-se no Dondo, no distrito de Manica Sofala. Trabalha durante mais de quinze anos, na Companhia de Cimentos de Moçambique, do Grupo Champallimaud, como Chefe da Secção de Controlo Fabril e Estatística. Dali, parte para Vila Pery, como gerente comercial ligado ao ramo automóvel, vindo a exercer, depois, as funções de agente de uma empresa de materiais de construção.

Regressa a Portugal em 1975, tendo exercido, antes de se reformar, as funções de secretário do Cine-Teatro Avenida, em Aveiro.

Conheci-o já aposentado, numa mesa do Arquivo Distrital de Aveiro, sentado, em silêncio, inventariando de forma criteriosa e ho­nesta, tudo o que ali houvesse sobre o fabrico do vidro em Oliveira de Azeméis. Vi-o correr para outros arquivos em busca de documentos que dessem sentido às escrituras e registos que foi metodicamente reunindo. Entra em arquivos públicos e privados. Conhece (ou revê), então, um significativo número de pessoas: vidreiros, familiares de vi­dreiros já desaparecidos, historiadores, e familiares seus, próximos e distantes — os Órfão, os Neto, os Roldão, os Abreu, os Guerra, etc.

Ouve histórias, regista-as e deixa-se fascinar pelas belas peças dos vidreiros da sua terra natal. Calcorreia feiras em busca de velharias de cristal ou vidro vulgar. Chama a atenção para a importância de um valioso património industrial que se perde. Lamenta o esquecimento a que foram votados todos os que fizeram de Oliveira de Azeméis um importante centro vidreiro do País. Interessa-se pelo percurso individual de vidreiros como Francisco Miller. Reúne fotografias sobre as fábricas, os seus patrões e os seus operários. Constrói genealogias, estuda a bibliografia disponível sobre o vidro em Portugal.

Ouvi-lhe as dúvidas e as certezas sobre os percursos do vidro na sua terra. E fui lendo, com muito interesse e agrado, os artigos que, semana a semana, o “Correio de Azeméis” lhe foi publicando. O estudo que agora se dá a ler é, na verdade, uma versão corrigida desses tex­tos, onde a memória e a história se esclarecem mutuamente.

Trata-se, pois, de um importante e decisivo contributo para a história do vidro em Portugal. Aurélio de Oliveira Guerra fixa definiti­vamente a cronologia de alguns dos mais decisivos marcos da história da produção industrial do vidro em Oliveira de Azeméis, entre o final do séc. XIX e nas primeiras décadas do actual.

Depois do trabalho dele tudo será mais fácil!

 

Manuel Ferreira Rodrigues

 
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(1) - Texto de Manuel Ferreira Rodrigues, inserido na publicação A Indústria Vidreira no concelho de Oliveira de Azeméis. Subsídios para a sua história, Col. Estudos e Documentos n.º 4, publicado pelo Museu Santos Barosa da Fabricação do Vidro, Marinha Grande, Julho de 1997.


 

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