A Fragata "D.
FERNANDO II E GLÓRIA", o último navio de guerra exclusivamente à vela da
Marinha Portuguesa e também a última "Nau" a fazer a chamada "carreira
da índia", verdadeira linha militar regular que, desde o século XVI e
durante mais de 3 séculos, fez a ligação entre Portugal e aquela antiga
colónia — foi o último navio que os estaleiros do antigo Arsenal Real de
Marinha de Damão construíram para a nossa Marinha.
A fragata fundeada em Ponta Delgada, nos Açores, em Agosto de 1878,
no decurso da sua última viagem levando a bordo aspirantes da Escola
Naval. |
Sob a
supervisão do Guarda-Marinha construtor Naval Gil José da Conceição, foi
encarregado da sua construção o mouro Yadó Semogi e nela participaram
operários portugueses e indianos. O casco foi construído com madeira de
teca proveniente de Nagar-Aveli e, após o lançamento à água, em 22 de
Outubro de 1843, foi rebocado para Goa, onde aparelhou a galera. A sua
construção importou em 100.630 mil réis. |
A Fragata
recebeu o nome de "D. FERNANDO II E GLÓRIA", não só em homenagem a D.
Fernando Saxe Coburgo Gota, marido da Rainha D. Maria II, mas também por
ter sido entregue à protecção de Nossa Senhora da Glória, de especial
devoção entre os goeses.
O navio foi
preparado para receber 50 bocas de fogo, sendo 28 na bateria (coberta) e
22 no convés.
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Características
principais do navio
Comprimento fora a fora |
86,75 m |
Boca no convés |
12,80 m |
Pontal na tolda |
9,27 m |
Imersão a vante |
5,79 m |
Imersão a ré |
6,40 m |
Altura do centro
vélico acima da flutuação |
19,42 m |
Superfície do velame |
2052,2 m2 |
Superfície da secção mestra
mergulhada |
51,7 m2 |
Tonelagem |
1849,16 Ton |
Fundo forrado a cobre |
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A lotação do
navio variava consoante a missão a desempenhar, indo do mínimo de 145
homens na viagem inaugural ao máximo de 379 numa viagem de
representação.
As suas
qualidades náuticas e de habitabilidade foram objecto de acalorada
polémica nos meios navais portugueses da época. No entanto, a maioria
dos especialistas que sobre elas se pronunciaram com objectividade,
evidenciaram as boas qualidades marinheiras, a facilidade de manobra e o
desafogo das instalações, aspecto este de importância numa época em que
ainda se faziam viagens, sem escala, de 3 meses, com 650 pessoas a
bordo, incluindo passageiros.
De entre esses
especialistas, destacam-se o Almirante Joaquim Celestino Soares e o
Comandante António Marques Esparteiro, ilustres historiadores navais; o
primeiro, ainda no século XIX, provou que o navio não era inferior aos
do seu tempo sob qualquer aspecto, tendo afirmado que "não há outro de
vela mais formoso nem de melhores qualidades náuticas"; corroborando
esta afirmação, aquele ilustre oficial de Marinha referiu o facto de a
construção da "D. FERNANDO" ter seguido os planos da airosa e bela
fragata "Duquesa de Bragança", navio que os ingleses copiaram quando
esteve em doca seca, e por ela construíram muitos; mais recentemente, o
segundo, Comandante Marques Esparteiro, deu razão às apreciações que
sobre o mesmo navio foram feitas por Celestino Soares.
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Câmara do
Comandante. |
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Aspecto da
bateria. |
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A viagem
inaugural, de Goa para Lisboa, teve lugar em 1845 com largada em 2 de
Fevereiro e chegada ao Quadro dos Navios de Guerra, no Tejo, em 4 de
Julho. Desde então, foi utilizado em missões de vários tipos até
Setembro de 1865, data em que substituiu a Nau Vasco da Gama, como
Escola de Artilharia, tendo ainda, em 1878, efectuado uma viagem de
instrução de Guarda-Marinhas aos Açores, que foi a sua última missão no
mar, onde teve a oportunidade de salvar a tripulação da barca americana
"LAURENCE BOSTON" que se incendiara.
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Durante os 33
anos em que navegou, percorrendo cerca de 100 mil milhas,
correspondentes a quase 5 voltas ao mundo, a "D. FERNANDO", como era
conhecida, provou ser um navio resistente e de grande qualidade, tendo
efectuado numerosas viagens à Índia, a Moçambique e a Angola para levar
àqueles antigos territórios portugueses unidades militares do Exército e
da Marinha e, até, colonos e degredados, estes últimos normalmente
acompanhados de familiares. Chegou até a levar emigrantes políticos
espanhóis para os Açores. |
A fragata depois da
transformação para servir como Escola de Artilharia Naval. |
De entre as
missões que lhe foram confiadas, destacam-se a participação como
navio-chefe de uma força naval na ocupação de Ambriz, em Angola, que em
1855 se revoltara por instigação da Inglaterra, e, ainda, a colaboração
na colonização de Huíla em que, como navio de guerra, teve a insólita e
curiosa missão de transportar ovelhas, cavalos e éguas do Cabo da Boa
Esperança para Moçâmedes (Angola). Colaborou, ainda, com o grande
sertanejo António Silva Porto, transportando, em 1855, os seus 13
pombeiros da ilha de Moçambique para Benguela, depois destes terem
completado a travessia de África, de Benguela à Costa de Moçambique.
Numa das viagens que fez da índia para Lisboa, escreveu uma página de
epopeia, ao sobreviver a um temporal, em que andou desarvorada, no
Oceano Índico. Diversas personalidades da época navegaram na "D.
FERNANDO": a Imperatriz do Brasil, Duquesa de Bragança, a segunda mulher
de D. Pedro IV e sua filha, Princesa Maria Amélia, enteada daquele e
noiva do
/ pág. 18 / Imperador Maximiliano do México, que seguiram
de Lisboa para o Funchal na infrutífera esperança de esta última
recuperar a saúde muito abalada. Augusto de Castilho, brilhante oficial
de Marinha, alto funcionário ultramarino e diplomata, que tomara parte
na ocupação de Ambriz e, em 1861, seguiu na "D. FERNANDO" de Lisboa para
Goa; e ainda diversos Governadores-Gerais de Angola e Moçambique, que no
navio seguiram para aqueles territórios a fim de assumirem os seus altos
cargos. Também a bordo deste navio foi julgado, em 1926, em conselho de
guerra, o Coronel João de Almeida, herói dos Dembos, acusado de
rebelião. Em 1889 sofreu profundas alterações para melhor servir como
Escola de Artilharia Naval, substituindo-se a antiga e airosa mastreação
por três deselegantes mastros inteiriços, com vergas de sinais e
construindo-se dois redutos a cada bordo para colocação de peças de
artilharia modernas, para instrução. Esta utilização cessou em 1938,
data em que passou a servir de Navio-Chefe das Forças Navais do
Continente, baseadas no Tejo.
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A fragata depois da
transformação para servir como Escola de Artilharia Naval. |
Em 1940, depois
de ter sido considerado que já não se encontrava em condições de ser
utilizado pela Marinha, iniciou uma nova fase da sua vida, passando a
servir como sede da "Obra Social da Fragata D. Fernando", criada para
recolher rapazes oriundos de famílias de fracos recursos económicos, que
ali recebiam instrução escolar e treino de marinharia, facilitando,
assim, o seu ingresso nas marinhas de guerra, do comércio e de pesca.
Foi nesta
função que, em 1963, um violento incêndio a destruiu em grande parte.
Neste último período, no ano de 1957, recebeu a bordo a visita do
Príncipe Filipe de Edimburgo, por ocasião da vinda a Portugal da Rainha
de Inglaterra, Isabel II.
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A fragata encalhada, alquebrada e
abandonada após o incêndio em 1963. (imagem
a cores) |
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