Mas antes de se
tornar artista, Marlene tornou-se esposa e mãe. Um dia – ainda
ela era apenas no teatro uma simples discípula – um produtor
cinematográfico pediu ao director da escola onde Marlene se
iniciava na arte dramática que lhe enviasse duas discípulas para
fazerem papéis de mulheres de costumes fáceis. A escolha recaiu
sobre Grete Mosheirn e Marlene Dietrich. Isto foi para a filha
do oficial uma cartada decisiva. Esse momento não foi certamente
o da inauguração da sua carreira de «star», mas devia
proporcionar-lhe ensejo para encontrar um esposo encantador, o
produtor Hudi Siebold.
Marlene passou a noite a idealizar e realizar um extravagante
vestido de brocado verde, e foi com esta ousada toilette, os
formosos cabelos de ouro sabiamente desgrenhados e um monóculo
na órbita esquerda que se apresentou no dia seguinte no estúdio.
Esta Lola-Lola primeira maneira não conquistou ainda o mundo,
mas fez uma outra conquista não menos preciosa e não tardou que
se tornasse a senhora Siebold, e em breve a feliz mamã da
encantadora Heibede.
Mas o ambiente familiar não fez com que
Marlene renunciasse
nem às luzes da ribalta nem às dos projectores eléctricos.
Entretanto, não lhe confiam de começo senão papéis
insignificantes e os críticos mal lhe conhecem o nome. Não
tarda, porém, que comecem a notar Marlene. Quase simultaneamente,
alcança a sua primeira vitória no ecrã com «A mulher que se
deseja», filme com que, encarnando pela primeira vez a mulher
fatal, entra, enfim, no seu domínio privado.
Evidentemente nem tudo são rosas na carreira duma artista. Mas
na vida de cada estrela de cinema há um momento inesquecível, um momento que tem mais de conto de fadas
do que de realidade. A carreira de Marlene conheceu este
instante único.
Joseph Von Sternberg,
o célebre «metteur-en-scène» da Ufa,
propôs-se adaptar ao ecrã o romance de Heinrich Mann «O professor Unrat». Foram distribuídos os papéis, excepto
o da personagem Lola-Lola. Uma noite Sternberg dirige-se ao
Teatro de Berlim para observar como trabalha Albers, ao qual
deseja confiar um papel no Anjo Azul. Chama-lhe a atenção uma
pequena actriz, que acaba por o conquistar, deslumbrado.
–
«Quem é?» – pergunta ele. – «É Marlene Dietrich» – respondem-lhe.
Reina no estúdio uma grande efervescência. Sternberg convidou
para um pequeno ensaio Marlene, pede-lhe para cantar qualquer
coisa e aguarda com os olhos fitos no castão da sua bengala.
Marlene avança hesitante... O operador dá à manivela implacavelmente. Canta a primeira cena sentimental que lhe acode
ao espírito. – «É maravilhoso!» – exclama Joseph Sternberg.
Marlene
julga-se ridícula e chora nervosamente. Em seguida, a sua rival
mais temível, também candidata ao papel de Lola-Lola, passa por
sua vez diante do aparelho. A aprovação parece unânime. Mas
Sternberg declara a sua vontade: – «Fico com Marlene».
Desde esse dia
Marlene Dietrich e Joseph Sternberg trabalham
juntos em Hollywood. O entendimento entre a vedeta e o «metteur-en-scène» é tão completo que ambos parecem ter adoptado a
mesma mascote: a gata que figura em todos os filmes de Marlene Dietrich. Mas não deixam de, igualmente, ter inimigos comuns. A
América não é apenas a pátria dos arranha-céus, é
também a do falso puritanismo. Vê-se em Marlene uma rapariga sem
pudor, a Lola-Lola de coxas impudicamente desnudadas, a sedutora
desavergonhada. O divórcio súbito de Sternberg não passaria de
uma simples coincidência?... Numerosas ligas femininas tomam
posições contra a amorosa loira e a favor da esposa abandonada.
Ninguém na América está ao abrigo deste género de escândalos...
Nem os maiores... Nem mesmo Charlie Chaplin.
Mas o marido e a filha de
Marlene vêm juntar-se à vedeta em
Hollywood. E a senhora von Sternberg tem que reconhecer ela
mesma que Marlene não é essa amorosa dos pés à cabeça, cujo
desporto favorito consiste em roubar os maridos das outras.
Mal havia Marlene triunfado deste primeiro obstáculo, quando lhe
foi preciso sustentar uma nova luta ao lado de Sternberg.
Marlene é uma artista que se não limita a tomar conta dos seus
papéis; vai até estudar o cenário, a tomar parte na organização
do roteiro, na escolha da partitura musical. Quando surgiu um
conflito entre o «metteur-en-scène» e os produtores americanos,
cujas concepções artísticas eram muito divergentes, Marlene
tomou o partido de Sternberg. Os potentados de Hollywood
chamaram a atenção da vedeta para o facto de uma ruptura com a
sua sociedade cinematográfica lhe tornar impossível todo o
trabalho, naquela região, enquanto durasse o contrato. Mas a
decisão de Marlene estava tomada. Conservou-se solidária com o
seu director de cena. Os dois artistas não hesitaram em
desafiar, confiados unicamente no seu talento, a poderosa
indústria cinematográfica de Hollywood. Como da sua luta contra
os zelosíssimos defensores da virtude, Marlene saiu vitoriosa
desta guerra contra os reis do filme.
Por último, também Hitler tentou triunfar da vontade da
orgulhosa vedeta. Mas esta rejeitou as ofertas do ditador, dando
assim prova de maior energia que muitos homens do Estado;
europeu.
Christian Koessler |