COMO PRINCIPIOU MARIA VON LOSCH,

CONHECIDA POR MARLENE DIETRICH

POR CHRISTIAN KOESSLER, SEU ANTIGO PRECEPTOR

Existe uma fotografia de Marlene Dietrich em criança, representando-a sobre uma cadeira pesada e esculpida, segurando-se com as pequeninas mãos ao espaldar, vestidinha de branco e oferecendo o aspecto duma pequena muito ajuizada, excelente dona de casa no futuro. Era digna filha do capitão de cavalaria Von Losch. Os Von Losch pertencem à velha nobreza branden-burguesa, mas parece que um novo elemento se lhes misturou quando a filha do oficial superior, uma vez saída do liceu, decidiu consagrar-se ao estudo da música e entrar no Conservatório de Weimar. A sorte decidiu porém o contrário. O deslocamento de um pulso obrigou Marlene a renunciar à música.

Há entretanto um «agente de ligação» entre a carreira musical de Marlene Dietrich e a sua carreira cinematográfica. Queremos referir-nos a Hugo Von Hofmansthal. Compreende-se facilmente que fosse este poeta músico quem introduzisse no teatro essa rapariga apaixonada pela música. Para se consolar do acidente que lhe havia feito abandonar a sua arte preferida, Marlene consagrou-se a estudar o papel da ingénua da peça de Hugo Von Hofmansthal «O louco e a morte». Como todas as jovens que sonham subir ao tablado, Marlene tornou-se uma frequentadora assídua do curso de teatro de Reinhardt, e encontrava-se aí num dia de exames, na expectativa dum milagre. As provas estavam já a terminar quando, descendo a escada, apareceu um simpático ancião de compridas barbas. Vendo junto da porta a loira rapariga com um livro debaixo do braço, perguntou-lhe, intrigado: – Que faz aqui? – Queria apresentar-me a exame – respondeu Marlene. – Quem a recomenda? – Ninguém, porque não tenho relações. – Está bem, suba e diga que vai da parte do sr. Kahane.

Kahane, que morreu há alguns anos, era um dramaturgo de nome e um dos mais íntimos colaboradores de Reinhardt. Foi munida desta preciosa recomendação que Marlene se apresentou diante do júri, composto por Berthold Held e Albert Heine.

Recitou o papel da ingénua de «O louco e a morte». – Perfeito! – exclamou Heine entusiasmado. – Aproveite-se. Embora o seu colega se mostrasse um pouco mais reservado, os dois homens acabaram por concordar e a sentença foi a seguinte: ... –«Condenada» a um período de aprendizagem junto do ilustre professor Daniel...

 

Uma expressão magnífica de Marlene no «Anjo Azul».


Mas antes de se tornar artista, Marlene tornou-se esposa e mãe. Um dia – ainda ela era apenas no teatro uma simples discípula – um produtor cinematográfico pediu ao director da escola onde Marlene se iniciava na arte dramática que lhe enviasse duas discípulas para fazerem papéis de mulheres de costumes fáceis. A escolha recaiu sobre Grete Mosheirn e Marlene Dietrich. Isto foi para a filha do oficial uma cartada decisiva. Esse momento não foi certamente o da inauguração da sua carreira de «star», mas devia proporcionar-lhe ensejo para encontrar um esposo encantador, o produtor Hudi Siebold.

Marlene passou a noite a idealizar e realizar um extravagante vestido de brocado verde, e foi com esta ousada toilette, os formosos cabelos de ouro sabiamente desgrenhados e um monóculo na órbita esquerda que se apresentou no dia seguinte no estúdio. Esta Lola-Lola primeira maneira não conquistou ainda o mundo, mas fez uma outra conquista não menos preciosa e não tardou que se tornasse a senhora Siebold, e em breve a feliz mamã da encantadora Heibede.

Mas o ambiente familiar não fez com que Marlene renunciasse nem às luzes da ribalta nem às dos projectores eléctricos. Entretanto, não lhe confiam de começo senão papéis insignificantes e os críticos mal lhe conhecem o nome. Não tarda, porém, que comecem a notar Marlene. Quase simultaneamente, alcança a sua primeira vitória no ecrã com «A mulher que se deseja», filme com que, encarnando pela primeira vez a mulher fatal, entra, enfim, no seu domínio privado.

Evidentemente nem tudo são rosas na carreira duma artista. Mas na vida de cada estrela de cinema há um momento inesquecível, um momento que tem mais de conto de fadas do que de realidade. A carreira de Marlene conheceu este instante único.

Joseph Von Sternberg, o célebre «metteur-en-scène» da Ufa, propôs-se adaptar ao ecrã o romance de Heinrich Mann «O professor Unrat». Foram distribuídos os papéis, excepto o da personagem Lola-Lola. Uma noite Sternberg dirige-se ao Teatro de Berlim para observar como trabalha Albers, ao qual deseja confiar um papel no Anjo Azul. Chama-lhe a atenção uma pequena actriz, que acaba por o conquistar, deslumbrado.

– «Quem é?» – pergunta ele. – «É Marlene Dietrich» – respondem-lhe.

Reina no estúdio uma grande efervescência. Sternberg convidou para um pequeno ensaio Marlene, pede-lhe para cantar qualquer coisa e aguarda com os olhos fitos no castão da sua bengala. Marlene avança hesitante... O operador dá à manivela implacavelmente. Canta a primeira cena sentimental que lhe acode ao espírito. – «É maravilhoso!» – exclama Joseph Sternberg. Marlene julga-se ridícula e chora nervosamente. Em seguida, a sua rival mais temível, também candidata ao papel de Lola-Lola, passa por sua vez diante do aparelho. A aprovação parece unânime. Mas Sternberg declara a sua vontade: – «Fico com Marlene».

Desde esse dia Marlene Dietrich e Joseph Sternberg trabalham juntos em Hollywood. O entendimento entre a vedeta e o «metteur-en-scène» é tão completo que ambos parecem ter adoptado a mesma mascote: a gata que figura em todos os filmes de Marlene Dietrich. Mas não deixam de, igualmente, ter inimigos comuns. A América não é apenas a pátria dos arranha-céus, é também a do falso puritanismo. Vê-se em Marlene uma rapariga sem pudor, a Lola-Lola de coxas impudicamente desnudadas, a sedutora desavergonhada. O divórcio súbito de Sternberg não passaria de uma simples coincidência?... Numerosas ligas femininas tomam posições contra a amorosa loira e a favor da esposa abandonada. Ninguém na América está ao abrigo deste género de escândalos... Nem os maiores... Nem mesmo Charlie Chaplin.

Mas o marido e a filha de Marlene vêm juntar-se à vedeta em Hollywood. E a senhora von Sternberg tem que reconhecer ela mesma que Marlene não é essa amorosa dos pés à cabeça, cujo desporto favorito consiste em roubar os maridos das outras.

Mal havia Marlene triunfado deste primeiro obstáculo, quando lhe foi preciso sustentar uma nova luta ao lado de Sternberg. Marlene é uma artista que se não limita a tomar conta dos seus papéis; vai até estudar o cenário, a tomar parte na organização do roteiro, na escolha da partitura musical. Quando surgiu um conflito entre o «metteur-en-scène» e os produtores americanos, cujas concepções artísticas eram muito divergentes, Marlene tomou o partido de Sternberg. Os potentados de Hollywood chamaram a atenção da vedeta para o facto de uma ruptura com a sua sociedade cinematográfica lhe tornar impossível todo o trabalho, naquela região, enquanto durasse o contrato. Mas a decisão de Marlene estava tomada. Conservou-se solidária com o seu director de cena. Os dois artistas não hesitaram em desafiar, confiados unicamente no seu talento, a poderosa indústria cinematográfica de Hollywood. Como da sua luta contra os zelosíssimos defensores da virtude, Marlene saiu vitoriosa desta guerra contra os reis do filme.

Por último, também Hitler tentou triunfar da vontade da orgulhosa vedeta. Mas esta rejeitou as ofertas do ditador, dando assim prova de maior energia que muitos homens do Estado; europeu.

Christian Koessler

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