Há tempos, o meu filho mais velho, que já não
reside em Aveiro desde 1990, disse-me que a nossa cidade está
muito diferente em relação aos tempos da sua infância e
juventude.
Então o que direi eu, que cá nasci, em 1936,
quando esta capital de distrito não tinha abastecimento de água
à população, nem rede de saneamento público e as ruas eram todas
em macadame, só ocorrendo as necessárias actualizações, nos anos
50, quando era presidente da câmara o dr. Álvaro Sampaio, como
eu já escrevi neste jornal.
Mas mesmo sem recuar, sempre, tanto no tempo,
acontece, também comigo, deparar com alterações, sendo algumas
de tal monta que, por vezes, até me surpreendem. Assim, de
seguida, irei abordar algumas dessas diferenças, em vários
sectores.
URBANISMO
No passado mês de Setembro, tive de levar uns
relatórios médicos, efectuados na Clínica Briosa e Gala, para o
Hospital da Luz, antiga Cliria. Entrei na avenida dr. Lourenço
Peixinho, pela rua eng.º Oudinot, e vi-me numa artéria, de que
só reconheci as casas, apesar de lá ter trabalhado entre 1959 e
1970, quando o Posto dos Serviços de Turismo esteve instalado
perto do Automóvel Clube de Portugal. E só consegui sair da
avenida, não por onde queria, mas pela rua eng.º Silvério
Pereira da Silva, indo ter à zona da Ponte de Pau, num local,
onde, a última vez que lá tinha estado, tinha sido quando lá
estava instalada a Feira de Março, após ter saído do Rossio.
Então, entrei numa urbanização com grandes edifícios, que só
tinha visto do outro lado do canal da Fonte Nova, no meio dum
trânsito intensíssimo, de pára-arranca, navegando à bússola,
dado que os carros, que me precediam, tomavam mais do que um
sentido. E, até de lá sair, fui pensando:”Então tu que te
gabavas de conhecer a tua terra, até ao mais ínfimo beco, e que,
em 1983, fizeste um Roteiro de Aveiro, sentado à secretária, só
com um mapa mudo e fichas, agora, que até estás a ver o edifício
da Câmara Municipal, estás perdido?”
UNIVERSIDADE
Não há dúvida que “vale mais uma imagem do que
mil palavras”, foi o que me ocorreu, quando vi uma fotografia
aérea recente da Universidade de Aveiro. E isto, porquanto eu
estava farto de saber que, há muito tempo, a Universidade tinha
ultrapassado os limites territoriais do concelho de Aveiro, e
algumas das suas instalações já se situavam em terras
ilhavenses. Mas saber, por ouvir dizer, é uma coisa, e ver uma
Cidade Universitária, que começa em Aveiro, junto à Ria, na rua
da Pega, e já vai na Coutada de Ílhavo, é outra muitíssimo
maior.
E a minha admiração assumiu um grau muitíssimo
elevado, na medida em que, em 1975, quando me matriculei na
novel Universidade da minha cidade, as instalações escolares,
Ciências e Letras, só ocupavam algumas salas do CET, numa
transversal da rua Mário Sacramento. Nos anos seguintes, já
estivemos instalados em edifícios, construídos para o efeito,
junto da Cadeia. Como não queria ser professor do ensino
secundário, após o 3.º ano, pedi a minha transferência para a
Universidade de Coimbra, onde terminei a licenciatura; porém, a
de Aveiro é, como agora se diz, a minha universidade do coração.
Actualmente, a Universidade de Aveiro é
frequentada por, aproximadamente, 17 000 alunos, dos quais 9%
são estrangeiros, provindos de 93 países e está classificada
entre as primeiras quinhentas a nível mundial. Assim, estão de
parabéns não só todos os que contribuíram para o seu rápido e
sustentado desenvolvimento, mas também aqueles que com ela
sonharam e se bateram para que fosse uma realidade.
Não quero terminar este capítulo, sem referir um
facto que passa despercebido à maior parte dos aveirenses.
Aveiro possuía, nas suas igrejas, um rico património
arquitectónico de interiores, todavia, no que respeitava ao de
exteriores, era pobre. Agora, a partir dos anos oitenta, pode
gabar-se de ter edifícios de quase todos os actuais grandes
arquitectos portugueses, na sua cidade universitária.
POPULAÇÃO
O facto de Aveiro ser a capital de distrito da
região centro com maior crescimento populacional (3,1%) e de já
ter ultrapassado os 80 000 habitantes não me surpreende, na
medida em que quase bastariam os números universitários para
justificar estes progressos, logo, não me surpreendendo, não
poderá ser tema deste artigo. Há outras coisas muito menos
importantes, mesmo banais, que continuam a chamar a minha
atenção, entre as quais irei referir algumas.
Quando eu andava no 2.º ano do liceu, tive um
colega cabo verdeano, chamado Kress que, salvo erro, vivia com
uma família aveirense, na rua das Tomásias. Para além dele, na
cidade, só me lembro de, nesses tempos, haver outra africana,
chamada Cristina, que residia, também, no bairro da Beira Mar.
Por essa altura, estrangeiros residentes, recordo-me, apenas, da
esposa do dr. Vieira Resende e de uma outra senhora, também
francesa, que vendia bilhetes na Auto Viação Aveirense, na rua
Clube dos Galitos. E ouvir falar uma língua estrangeira, só aos
espanhóis, principalmente, na Páscoa, e aos franceses, no verão.
Hoje, o difícil é andar na rua sem encontrar pessoas de raça
negra, e eu, que me faço entender em quatro línguas e reconheço
o italiano, passo frequentemente por pessoas a dizerem coisas
para mim incompreensíveis. Como é evidente, para esta situação,
contribui muitíssimo o termos, na Universidade, os tais
estudantes de noventa e três países.
Outro aspecto que me apraz registar, no que
respeita a população aveirense, é o aumento do seu grau de
afabilidade e amabilidade. E digo isto, porque, cada vez, tem
sido mais frequente cruzar-me com pessoas, que não conheço,
porém, não só me cumprimentam com um sorriso, mas também dão o
lado de dentro dos passeios para eu passar, chegando ao ponto de
sair para a faixa de rodagem, em locais mais apertados;
acontece, até, que, muitas vezes, me abrem a porta de entrada ou
saída; e isto passa-se mesmo com senhoras e contra a minha
vontade. Uma coisa curiosa, é que se estabelecermos duas
escalas, uma da amabilidade e outra etária, e se compararmos as
suas evoluções simultâneas, nesta matéria, veremos que existe
uma coincidência quase perfeita.
GEOLOGIA
Nos últimos tempos, tem-me parecido que se está a
acentuar o desnível entre a Glória e a Vera Cruz. E,
considerando que a zona da beira ria não pode estar a baixar,
caso contrário verificar-se-ia uma subida do nível das águas e
as consequentes inundações, só me resta concluir que algum
fenómeno geológico poderá estar a elevar a altitude da Glória.
E o que me levou a chegar esta conclusão, não foi
ter utilizado um altímetro ou qualquer outro instrumento de
medida de altitude, mas o facto de me parecer que, pouco a
pouco, a avenida 5 de Outubro e as ruas Batalhão de Caçadores 10
(Corredora) e Coimbra (Costeira) se tem vindo a tornar, nos
últimos tempos, mais longas e, muito especialmente, mais
íngremes, pelo menos, cada vez, demoro mais tempo e faço mais
esforço para as subir, mau grado ter vindo a utilizar uma
bengala como auxiliar de ascensão. Dado que se trata de uma
hipótese baseada em dados meramente empíricos, caberá aos
geólogos ou gerontólogos – ou lá como é que se chamam os
especialistas nestas matérias – verificar se a minha teoria tem
bases de sustentação científica.
31-12-2022
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