Em Aveiro, nunca se jogou Andebol
de 11. Eu só tive duas curtíssimas experiências nessa
modalidade, num dos campos de treino do Estádio Nacional, quando
estive a frequentar um curso para treinador de Andebol de 7, nas
instalações do INEF (Instituto Nacional de Educação Física) da
Cruz Quebrada, em Setembro de1958.
A principal diferença entre o 11
e o 7, era que, no primeiro, não havia limite para o número de
dribles, enquanto que, no segundo, nos primeiros tempos, só era
permitido um drible; assim, a progressão máxima consistia em 3
passos, 1 drible e mais três passos. No que respeita à direcção
dos jogos, havia só um árbitro, auxiliado por dois bandeirinhas
que se colocavam junto das balizas e tinham por função assinalar
ao árbitro não só os golos, mas também as violações das áreas,
por atacantes e defesas. Uma outra diferença, consistia nas
sanções disciplinares que podiam ser de 2 ou 5 minutos ou
definitivas (expulsão).
A então chamada Variante de 7,
mas que se veio rapidamente a afirmar como a mais importante,
acabando por ser a única, apareceu, em Aveiro, em meados da
década de cinquenta, na Base Aérea 5, em São Jacinto, e veio,
para a cidade, pela mão de dois militares daquela Unidade.
O, então, sargento Joaquim Duarte
trouxe a equipa da BA 5, da qual era treinador, para o Sport
Clube Beira Mar, na qual já jogava o civil aveirense e atleta
beiramarense noutras modalidades, Luís António Vicente Ferreira
Gamelas, porque fazia parte do pessoal civil, como pintor, e
nela passou a alinhar Domingos José Barreto Cerqueira que já
tinha jogado futebol no clube.
Rui Lebre, também sargento,
formou uma equipa, o CICA (Comércio e Indústria Clube de
Aveiro), de que foi treinador e jogador.
Esta equipa não existiu durante
muito tempo, mas creio que disputou, com o Beira Mar, o primeiro
jogo realizado em Aveiro, com vitória dos aurinegros.
Clube dos Galitos –
No 1.º plano, da esquerda para a direita: Mário Fonseca,
Diamantino Dias e José Valente. No 2.º plano, pela mesma ordem:
Augusto Charneira, António Charneira, José Pauseiro e Gonçalo
Pinto.
O Clube dos Galitos criou,
também, uma Secção de Andebol, em 1955, mas no primeiro ano não
entrou em competições. Nas seis épocas em que disputou o
campeonato distrital, obteve um terceiro lugar, dois segundos e
um primeiro. O primeiro treinador foi o professor de Educação
Física, na Escola Comercial, Ribeiro da Costa, e a equipa
realizou o primeiro jogo, de índole particular, contra o Vilanovense, de Vila Nova de Gaia, tendo perdido.
Na cidade, chegou a haver uma
outra colectividade com Andebol, mas nunca passou do escalão de
juniores: o Clube do Povo de Esgueira.
Numa primeira fase, o único
recinto utilizado por todas as preditas equipas, excepto o
Esgueira, para treinos e jogos, era o rinque do Parque, situado
junto das ladeiras do Hospital. Acontecia, porém, que lá
treinavam e jogavam, também, as seguintes formações dos Galitos:
Hóquei em Patins (seniores e escolas) e Basquetebol (juvenis,
juniores, seniores e equipa feminina). Houve uma época, em que o
Andebol dos Galitos só lá podia treinar das 21H00 às 22H30, dois
dias por semana.
Por outro lado, o campo
destinava-se, principalmente, como muitos outros no País, ao
Hóquei, pelo que as suas dimensões eram exíguas para o Andebol,
especialmente, no que respeita à largura, pelo que a linha de 6
metros, delimitadora da área de baliza, não ia até à linha de
fundo, o que facilitava imenso o trabalho das defesas,
provocando resultados muito escassos. Remates à linha, quase que
só em contra ataque.
No que respeitava à iluminação,
só havia nove lâmpadas, três a meio campo e outras tantas nas
zonas dos 9 metros, as quais não iluminavam grande coisa, mas,
em compensação, atraíam nuvens de mosquitos – micro-vampiros que
infestavam o Parque e se vinham banquetear nas nossas pernas,
braços, pescoços e caras, porque fatos de treino era luxo de que
não desfrutávamos.
Para completar o panorama das
instalações, falarei dos balneários. Situavam-se, longe do
rinque, no rés-do-chão da eufemisticamente chamada Casa de Chá
do Parque e dos chuveiros só saíam dois tipos de água: fria e
gelada. Aliás, isto era normalíssimo. A primeira vez que tomei
banho de água quente, depois de um jogo – e, antes do Andebol,
já tinha feito duas épocas como júnior, no Basquetebol do
Galitos –, foi no Pavilhão de São João da Madeira, num encontro
Galitos x Estrela e Vigorosa, para a Taça de Portugal de
Andebol.
Mais tarde, o Beira Mar construiu
um campo, no local onde tinha sido a sua Piscina, na Malhada da
Pêga. No princípio, o piso era de terra batida, depois foi
cimentado, acabando por ser construído um Pavilhão, devorado, há
uns tempos, por uma “futebolite” anémica, mas insaciável.
Note-se que os pisos em terra
batida eram frequentes no Distrito: Beira Mar, Grupo Atlético
Vareiro, Avanca, Paramos e Sporting Clube de Espinho.
Aproveito a ocasião para contar
um acontecimento, relacionado com os campos deste género, o qual
ilustra o pouco interesse com que alguns dirigentes de clubes
importantes encaravam o Andebol. Quando eu era treinador do
Beira Mar, antes de um jogo decisivo com Grupo Atlético Vareiro
– se ganhássemos seríamos campeões –, pedi aos seccionistas que
nos arranjassem botas de futebol, não só para que os jogadores
tivessem melhor aderência, mas também porque os andebolistas do
GAV, em casa, jogavam de chuteiras com travessas, e, por vezes,
como é normal no decorrer de um jogo em que há muito contacto
pessoal, principalmente, junto às áreas, calcavam os
adversários, calçados com sapatilhas, aleijando-os. E, como é
óbvio, se os pisões não fossem casuais, constituíam uma grande
vantagem. Vieram umas botas dos juniores, em mau estado; o
guarda do campo armou-se em sapateiro, pregou umas tachas, tirou
pitons, inventou travessas e, recorrendo a algumas meias de
encher, fomos jogar com elas. Ganhámos. Quando chegámos a
Aveiro, já passaria da meia noite, parámos defronte do Clube, do
outro lado da rua, e vimos que, à porta da sede, estavam dois
antigos directores e o Presidente em exercício, pessoas que não
identifico, porque já faleceram. Lembro-me que vinha num carro
com o Domingos Cerqueira e um outro jogador chamado Sequeira,
que era o dono da viatura. Aproveito a oportunidade para deixar
ficar registado que, nesses tempos, as deslocações eram, salvo
raríssimas excepções, feitas em automóveis dos seccionistas, de
familiares dos atletas ou de amigos da modalidade. Atravessámos
a rua para dar a boa nova e, quando chegámos junto das
supracitadas pessoas, o Presidente proferiu, em tom
interrogativo, exclamativo: “Então vocês foram jogar com as
botas do Beira Mar?!”. Após o termos elucidado, assertiva,
enfaticamente e em vernáculo, de quem eram as
botas, retirámos-nos sem nada
mais dizer. Todavia, no treino de terça-feira, foi deliberado o
seguinte:
– se o Presidente aparecesse num
treino, pô-lo-íamos na rua;
– se fosse assistir a um jogo,
ser-lhe-ia apresentado o seguinte dilema: ou ele saía do recinto
ou a equipa do campo;
– todas as equipas, em vez de
gritarem, antes dos jogos, o tradicional “Beira Beira .. Mar!”,
passariam a entoar “Malhada, Hip Hip Hip! Hurra!”.
O Presidente nunca apareceu, mas
o “Malhada” passou a ser o clube incitado.
Enquanto fui jogador dos Galitos,
joguei contra o Beira Mar, CICA, Illiabum, Escola Livre
(Oliveira de Azeméis), Vilanovense, Senhora da Hora, Estrela e
Vigorosa, Académico do Porto, Salgueiros, Futebol Clube do
Porto, Belenenses e Benfica.
Participei num jogo de promoção
do Andebol, em Ílhavo, entre duas equipas do Galitos, e noutro,
também de propaganda da modalidade, em Avanca, ficando este
último gravado na minha memória, por causa de um pormenor
curioso. O campo ficava encostado a uma Estação de Serviço e, no
final do encontro, para tomarmos banho, subimos por uma escada
de mão encostada à parede, descemos, ou pela mesma ou por outra
colocada do outro lado, e tomámos banho com as mangueiras de
lavar os carros, mas à tabela seca, esguichando contra a parede,
porque, directamente, o jacto de água aleijava.
Na época de 1960/61, comecei a
fazer uma equipa de juniores nos Galitos, mas o Clube deliberou
extinguir a Secção.
Na época de 1962/63, para minha
surpresa, porque toda a gente sabia da minha forte ligação aos
Galitos e a rivalidade entre os dois Clubes, na modalidade,
tinha sido muito grande, fui convidado para treinar o Beira Mar,
porque o sargento Joaquim Duarte tinha sido mobilizado para a
uma comissão de serviço em África. Aceitei e treinei várias
equipas do Clube, até 1969/70, as quais ganharam vários
Campeonatos Distritais e Regionais, nas categorias de Juvenis,
Juniores e Seniores.
A nível nacional, julgo que uma
equipa de juvenis ficou em segundo lugar e outra de juniores em
terceiro.
Individualmente, três
jogadores, Mário Aguiar (guarda-redes), Carlos Madureira
(lateral esquerdo) e Henrique Matos (extremo esquerdo)
integraram a Selecção do Norte de Sub 23 que defrontou a
Selecção do Sul do mesmo escalão etário, em encontros que tinham
por finalidade escolher a Seleccão Nacional que iria disputar a
Taça Latina. No primeiro jogo, disputado no Pavilhão de São João
da Madureira, em 1968, a equipa nortenha venceu por 23-12, tendo
os atletas beiramarenses contribuído com 14 golos: 9 de
Madureira e 5 de Matos. Surpreendentemente, Carlos Madureira, o
melhor lateral esquerdo português, na sua classe etária, não foi
chamado à Selecção, porquanto, segundo lhe foi dito pelos
responsáveis federativos, estava a cumprir serviço militar. Esta
explicação foi pouco convincente, na medida em que todos os
atletas, de todas as modalidades, que estivessem na mesma
situação, tinham de pedir uma autorização para poderem jogar, a
qual se obtinha facilmente.
Nesses anos, os campeonatos
regionais de seniores eram disputados por: S.C. de Espinho,
Paramos, Escola Livre, Sanjoanense, Grupo Atlético Vareiro,
Amoníaco (Estarreja), Beira Mar e Académica de Coimbra. De
início, os dois primeiros classificados tinham acesso a uma
eliminatória do Campeonato Nacional Zona Norte, contra equipas
do Porto, jogando os primeiros com os segundos.
Enquanto fui treinador do Beira
Mar, participámos, algumas vezes, nas eliminatórias do
campeonato nacional de seniores e, em juvenis e juniores, creio
que disputámos, sempre ou quase sempre, os campeonatos regionais
e nacionais contra equipas do Porto, Coimbra, Lisboa e Setúbal,
se bem que isto, por vezes, levantasse problemas, dos quais vou
dar a conhecer um, que, hoje, seria não só impensável, mas
caricato, se é que já não o era na altura.
Houve uma época, ainda não havia
juvenis, em que os seniores e juniores se tinham apurado para os
nacionais, mas só havia uma bola digna de tal nome. A outra
estava tão estragada e deformada que nenhum árbitro a
consideraria apta para ser utilizada num jogo. Qual foi a
solução encontrada para não se passar pela vergonha de dizermos
que não tínhamos bola, quando as duas equipas jogavam ao mesmo
tempo e em lugares diferentes? A que ficava em casa ficava com a
bola; a outra levava a bola medicinal e pedia uma emprestada, ao
adversário, para o aquecimento, dizendo que o nosso roupeiro se
tinha enganado, quando tinha posto a bola no cesto dos
equipamentos.
Treinei, também, equipas do Liceu
José Estêvão, femininas e masculinas, e não só quando lá dei
aulas de Educação Física. Uma delas, de vanguardistas
masculinos, foi finalista num Campeonato Nacional, tendo ficado
em segundo lugar. Se não me engano, perdemos a final, nos livres
de 7 metros. Como professor, nunca privilegiei o Andebol, mas
aproveitei para meter o bicho no corpo a muitos alunos, alguns
dos quais vieram a fazer carreira nos clubes.
Uma outra equipa de que fui
treinador, como não podia deixar de ser, foi a da minha entidade
patronal, o Município de Aveiro, no campeonato da antiga FNAT
(Federação Nacional para Alegria no Trabalho).
Para além de jogador e treinador,
fui, também, árbitro, mas só dirigi um jogo. Talvez na época de
1961/62, Américo Pimenta, Presidente da Associação de Desportos
de Aveiro, da qual fui membro do Conselho Técnico, convenceu-me
a arbitrar um Académica de Coimbra x S.C, de Espinho, que
terminou empatado. Foram meus auxiliares José Ferreira Pauseiro
e Armindo Faustino Rodrigues Teto.
Vou terminar este texto – para a
elaboração do qual não consultei documentos, valendo-me quase
que só da minha memória, daí que admito que o mesmo possa conter
algumas imprecisões –, com uma peripécia que me aconteceu, após
ter abandonado o Andebol. Depois dos problemas que levaram à
saída de jogadores do Beira Mar para o São Bernardo, já eu não
era treinador do Clube, fui ver um Beira Mar x Benfica. A
diferença de nível era enorme: o Benfica tinha-se reforçado e
tinha uma meia distância poderosíssima e o Beira Mar tinha
sofrido uma importante sangria e estava muitíssimo debilitado. A
certa altura, um jogador dos encarnados ia em contra-ataque,
isolado, em direcção à baliza do lado dos balneários do
Pavilhão, e foi placado, por trás, por um adversário. O árbitro
portuense Edgar apitou, apontou para os 7 metros e deve ter
dito, como era seu hábito:”Sem ninguém à frente.” Uns
fulanos, que estavam à minha frente, armaram um grande
estardalhaço, porque o árbitro não poderia marcar penálti, dado
que, diziam eles, a falta tinha sido feita a meio do meio campo
e não dentro da área (entre os 9 e os 6 metros). Tentei
explicar-lhe que o árbitro tinha razão e, como resposta, um
deles perguntou-me se era a primeira vez que eu ia ao Andebol,
porque, pelos vistos, não percebia nada daquilo. Respondi-lhe
que não era a primeira, mas que seria a última, porque nunca
mais ninguém me chamaria ignorante na matéria.
Beira Mar – Equipas
de seniores e juniores campeãs distritais em 1968. As camisolas
dos juniores são lisas
E, durante muitos anos, cumpri a
promessa. Só voltei a ver jogar Andebol federado, em Portugal,
muitos anos depois, quando o meu neto Gonçalo e a irmã gémea
Cristiana jogavam no São Bernardo.
Agora, que os meus netos já não
jogam, só na Televisão e no sofá caseiro e unicamente com a
minha mulher nas imediações, porque essa, não percebendo nada
daquilo, não discute comigo se é ou não penálti, que, aliás, é
coisa que não existe no Andebol, pois essa penalidade é chamada
de 7 metros.
6 de Setembro de 2020
Diamantino Dias |