David Paiva Martins, Aradas. Um olhar sobre a primeira metade do século XX (Da Junta de Parochia à Junta de Freguesia). 1ª ed., Aradas, Junta de Freguesia de Aradas, 2008, 268 pp.

3 – A República

A República foi implantada em Portugal pela revolução de 5 de Outubro de 1910. Entretanto, a nossa Junta de Paróquia só reuniu, em sessão extraordinária, no dia 19 desse mês. Eis o que diz a acta dessa reunião:

 

 “Aos dezanove dias do mês de outubro do Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil nove centos e dez, pelas duas horas da tarde, na sachristia da egreja parochial, comparecendo o Reverendo Parocho Antonio dos Santos Pato, em virtude d’um officio do regedor da parochia desta freguesia d’Arada, concelho d’Aveiro, a fim de dar posse aos membros da nova Comissão Parochial, nomeados, segundo o mesmo regedor affirmou, nomeados pelo excellentissimo Governador Civil, do Distrito d’Aveiro, declarando serem os presentes cidadãos Alberto João Rosa, José Nunes d’Anna Junior, Amandio Ribeiro da Rocha e Jorge da Silva, e João d’Oliveira Gamellas que não compareceu, o presidente lhes deu posse.

 

Em seguida, procedeu-se à eleição do presidente e vice-presidente, por escrutinio secreto, e foi eleito para presidente, entrando na urna quatro votos, sahindo eleito para presidente João d’Oliveira Gamellas e vice-presidente, digo com quatro votos, e vice-presidente Alberto João Rosa com dois, tendo José Nunes d’Anna Junior um voto e Amandio Ribeiro da Rocha, um voto.

 

Constituída a Comissão por esta forma, tomou o logar da presidencia o vogal mais velho José Nunes d’Anna Júnior, e resolveram por unanimidade que as suas sessões, para o futuro, sejam feitas de quinze em quinze dias, pelas duas horas da tarde, tendo logar a primeira no dia vinte e trez do corrente, numa sala d’escola masculina de Verdemilho.

 

O vogal Amandio Ribeiro da Rocha propos e por todos foi approvado, mandar um telegrama de felicitações ao excellentissimo Ministro do Interior.

 

Resolveram mais que as suas deliberações se tornassem publicas por meio de editaes, affixados nos locais publicos e do costume da freguesia. E não havendo mais de que tratar, o presidente encerrou a sessão, mandando lavrar esta acta que vão assignar, depois de lida por mim Julio Alfredo Lourenço Catharino, secretario da Junta, a qual escrevi e assigno”.

 

 

 

A reunião seguinte foi em 23 de Outubro de 1910. Na indicação da data, no início da acta, refere-se que se trata do “anno de mil nove centos e dez, primeiro da República Portugueza”. Além dos vogais que tomaram posse na sessão anterior, compareceu João d’Oliveira Gamellas, que tomou posse do cargo de presidente, para que fora eleito na sessão anterior.

 

 

A Junta decidiu demitir o antigo secretário, Júlio Alfredo Lourenço Catharino, “como tinha pedido”, e nomeou para esse cargo o cidadão Joaquim Rei Netto. Nomeou para “thesoureiro” da Junta o vogal Amândio Ribeiro da Rocha, em substituição de José João Ascenso, que foi exonerado. Deliberou também a Junta que o orçamento para 1911, que fora “confeccionado” pela Junta cessante, fosse retirado de reclamação até que a Junta se inteirasse das necessidades mais urgentes da freguesia e que isto se fizesse constar por edital.

 

“Mais deliberou a Junta representar ao Governo da República sobre a necessidade urgente de estabelecimento d’um distribuidor rural.”

 

 

Afinal, em vez de se realizarem numa sala da escola masculina de Verdemilho, como tinham deliberado no acto de posse, as sessões da Junta continuaram a ser feitas na sacristia da Igreja Paroquial. Às sessões, começou a assistir (e também a assinar as actas) o regedor, Manuel Ferreira Borralho.

 

 

Em 27 de Outubro de 1910 a Junta reuniu de novo, em sessão extraordinária, em que o presidente convidou os ex-secretário e tesoureiro a “prestarem à Junta contas do que em seu poder conservavam pertencente a esta Junta”. Deliberou também reunir novamente em sessão extraordinária no dia 30 desse mesmo mês, a fim de verificarem a existência dos objectos constantes do inventário da Junta e “tomar conhecimento de queixas que há contra o sacristão desta freguesia”.

 

 

Na sessão extraordinária de 30 de Outubro de 1910, havendo queixas contra o sacristão, a Junta decidiu abrir uma sindicância e suspendê-lo enquanto ela era feita. Convidou o pároco a escolher outro sacristão – o que ele recusou, dizendo que ninguém mais lhe merecia confiança. Como não conseguiram chegar a acordo com o pároco, a Junta nomeou para sacristão António Bartolomeu Ramos da Maia, a quem a Junta reconhecia qualidades para bom desempenho do cargo. Quanto ao inventário, a Junta decidiu prosseguir com os trabalhos na próxima sessão.

 

 

É evidente que, nesta altura, com a queda da Monarquia e o advento da República, começaram a vir ao de cima uma série de problemas, que temos de levar à conta da luta política, mas que afectaram muito a vida social. Isso nota-se claramente nas actas da Junta de Paróquia. São conflitos que vão demorar anos a acalmar. Vejamos:

 

 

Na sessão ordinária de 6 de Novembro de 1910, “A Junta considerando que nas gerencias passadas se tem cometido varias irregularidades de bastante gravidade para administração dos bens da parochia e não querendo de forma alguma ser solidaria nesses abusos deliberou que se representasse às instancias superiores a fim de ser feita uma sindicancia aos actos dessas gerências a contar do anno de mil nove centos e quatro a esta data.

 

A Junta deliberou deferir o requerimento verval do cidadão José d’Almeida Vidal em que pedia para que no orçamento ordinario desta Junta fosse descripta uma verba destinada a distribuição d’um bôdo aos pobres d’esta freguesia comemorando a data gloriosa da proclamação da Republica em Portugal.

 

 Continuando na revisão do inventario dos bens da freguesia, foi inscripto nelle um engenho de ferro de tirar agua puxado a rêz, com trinta alcatruzes no cadeado que se acha colocado no pôço existente no baldio parochial situado a sul da Egreja. Foi tambem descripto no inventario uma bomba de madeira com emenda argolada de ferro colocada no mesmo pôço; mais foi descripta uma thesoura de aparar buxo, cinco bandeirolas de madeira pintada com alvados de ferro que servira nos alinhamentos dos caminhos parochiaes”.

 

 

 

Seguiu-se a sessão ordinária de 20 de Novembro de 1910 em que a Junta aprovou o orçamento para 1911. Além disso, o presidente apresentou uma proposta para que se regularizasse o modo de tocar os sinais a defuntos “ a fim de se evitarem muitas irregularidades, explorações e abusos que em tal serviço se vem praticando há um tempo a esta data”.

 

Depois de várias discussões, essa proposta ficou para resolver na sessão seguinte.

 

Então, segundo o que a acta descreve, “Pelo vogal Alberto João Rosa foi dito que: considerando que a Junta de Parochia d’esta freguesia em mil novecentos e seis fez doação ilegal do baldio do Outeirinho ao parocho d’esta freguesia terreno que se achava plantado de oliveiras e onde se realizava um mercado mensal, arrancando elle as oliveiras e anexando à residência servindo-se das mesmas oliveiras para postes de vedação do mesmo terreno com arame de espinhos.

 

Considerando que tal terreno é de extrema necessidade a esta Junta para benefício da parochia, não só porque serve de inteste a muitas propriedades cujos proprietarios se podem delle assenhoriarem por força de alinhamento e dahi resultando ao thesouro parochial avultado rendimento, mas tambem delle não  carece o parocho referido visto nesta freguesia haver um bom passal que o parocho deu de renda por não precisar delle;

 

Considerando que nenhuma lei autorizava ou autoriza as Juntas de Parochia a disporem gratuitamente do seu pertence à freguesia, antes todas devem zelar e não findar ou diminuir a riqueza parochial em proveito de quem quer que seja com menosprezo dos direitos dos comparochianos e das leis;

 

Nestes termos propunha que desde já a Junta desanexasse da casa da residencia parochial o referido terreno e se anule para todos os efeitos todas as actas que autorizaram aquela anexação tudo isto sem prejuizo das deliberações que de futuro se possam tomar à cerca da legalidade ou ilegalidade da construção da dita casa”.

 

Esta proposta foi aprovada por unanimidade.

 

 
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