A República foi implantada em Portugal pela revolução de 5 de
Outubro de 1910. Entretanto, a nossa Junta de Paróquia só reuniu, em
sessão extraordinária, no dia 19 desse mês. Eis o que diz a acta dessa
reunião:
“Aos dezanove dias do mês de outubro do Anno do Nascimento
de Nosso Senhor Jesus Christo de mil nove centos e dez, pelas duas horas
da tarde, na sachristia da egreja parochial, comparecendo o Reverendo
Parocho Antonio dos Santos Pato, em virtude d’um officio do regedor da
parochia desta freguesia d’Arada, concelho d’Aveiro, a fim de dar posse
aos membros da nova Comissão Parochial, nomeados, segundo o mesmo
regedor affirmou, nomeados pelo excellentissimo Governador Civil, do
Distrito d’Aveiro, declarando serem os presentes cidadãos Alberto João
Rosa, José Nunes d’Anna Junior, Amandio Ribeiro da Rocha e Jorge da
Silva, e João d’Oliveira Gamellas que não compareceu, o presidente lhes
deu posse.
Em seguida, procedeu-se à eleição do presidente e
vice-presidente, por escrutinio secreto, e foi eleito para presidente,
entrando na urna quatro votos, sahindo eleito para presidente João
d’Oliveira Gamellas e vice-presidente, digo com quatro votos, e
vice-presidente Alberto João Rosa com dois, tendo José Nunes d’Anna
Junior um voto e Amandio Ribeiro da Rocha, um voto.
Constituída a Comissão por esta forma, tomou o logar da
presidencia o vogal mais velho José Nunes d’Anna Júnior, e resolveram
por unanimidade que as suas sessões, para o futuro, sejam feitas de
quinze em quinze dias, pelas duas horas da tarde, tendo logar a primeira
no dia vinte e trez do corrente, numa sala d’escola masculina de
Verdemilho.
O vogal Amandio Ribeiro da Rocha propos e por todos foi
approvado, mandar um telegrama de felicitações ao excellentissimo
Ministro do Interior.
Resolveram mais que as suas deliberações se tornassem
publicas por meio de editaes, affixados nos locais publicos e do costume
da freguesia. E não havendo mais de que tratar, o presidente encerrou a
sessão, mandando lavrar esta acta que vão assignar, depois de lida por
mim Julio Alfredo Lourenço Catharino, secretario da Junta, a qual
escrevi e assigno”.
A reunião seguinte foi em 23 de Outubro de 1910. Na indicação
da data, no início da acta, refere-se que se trata do “anno de mil nove
centos e dez, primeiro da República Portugueza”. Além dos vogais que
tomaram posse na sessão anterior, compareceu João d’Oliveira Gamellas,
que tomou posse do cargo de presidente, para que fora eleito na sessão
anterior.
A Junta decidiu demitir o antigo secretário, Júlio Alfredo
Lourenço Catharino, “como tinha pedido”, e nomeou para esse cargo o
cidadão Joaquim Rei Netto. Nomeou para “thesoureiro” da Junta o vogal
Amândio Ribeiro da Rocha, em substituição de José João Ascenso, que foi
exonerado. Deliberou também a Junta que o orçamento para 1911, que fora
“confeccionado” pela Junta cessante, fosse retirado de reclamação até
que a Junta se inteirasse das necessidades mais urgentes da freguesia e
que isto se fizesse constar por edital.
“Mais deliberou a Junta representar ao Governo da República
sobre a necessidade urgente de estabelecimento d’um distribuidor rural.”
Afinal, em vez de se realizarem numa sala da escola masculina
de Verdemilho, como tinham deliberado no acto de posse, as sessões da
Junta continuaram a ser feitas na sacristia da Igreja Paroquial. Às
sessões, começou a assistir (e também a assinar as actas) o regedor,
Manuel Ferreira Borralho.
Em 27 de Outubro de 1910 a Junta reuniu de novo, em sessão
extraordinária, em que o presidente convidou os ex-secretário e
tesoureiro a “prestarem à Junta contas do que em seu poder conservavam
pertencente a esta Junta”. Deliberou também reunir novamente em sessão
extraordinária no dia 30 desse mesmo mês, a fim de verificarem a
existência dos objectos constantes do inventário da Junta e “tomar
conhecimento de queixas que há contra o sacristão desta freguesia”.
Na sessão extraordinária de 30 de Outubro de 1910, havendo
queixas contra o sacristão, a Junta decidiu abrir uma sindicância e
suspendê-lo enquanto ela era feita. Convidou o pároco a escolher outro
sacristão – o que ele recusou, dizendo que ninguém mais lhe merecia
confiança. Como não conseguiram chegar a acordo com o pároco, a Junta
nomeou para sacristão António Bartolomeu Ramos da Maia, a quem a Junta
reconhecia qualidades para bom desempenho do cargo. Quanto ao
inventário, a Junta decidiu prosseguir com os trabalhos na próxima
sessão.
É evidente que, nesta altura, com a queda da Monarquia e o
advento da República, começaram a vir ao de cima uma série de problemas,
que temos de levar à conta da luta política, mas que afectaram muito a
vida social. Isso nota-se claramente nas actas da Junta de Paróquia. São
conflitos que vão demorar anos a acalmar. Vejamos:
Na sessão ordinária de 6 de Novembro de 1910, “A Junta
considerando que nas gerencias passadas se tem cometido varias
irregularidades de bastante gravidade para administração dos bens da
parochia e não querendo de forma alguma ser solidaria nesses abusos
deliberou que se representasse às instancias superiores a fim de ser
feita uma sindicancia aos actos dessas gerências a contar do anno de mil
nove centos e quatro a esta data.
A Junta deliberou deferir o requerimento verval do cidadão
José d’Almeida Vidal em que pedia para que no orçamento ordinario desta
Junta fosse descripta uma verba destinada a distribuição d’um bôdo aos
pobres d’esta freguesia comemorando a data gloriosa da proclamação da
Republica em Portugal.
Continuando na revisão do inventario dos bens da freguesia,
foi inscripto nelle um engenho de ferro de tirar agua puxado a rêz, com
trinta alcatruzes no cadeado que se acha colocado no pôço existente no
baldio parochial situado a sul da Egreja. Foi tambem descripto no
inventario uma bomba de madeira com emenda argolada de ferro colocada no
mesmo pôço; mais foi descripta uma thesoura de aparar buxo, cinco
bandeirolas de madeira pintada com alvados de ferro que servira nos
alinhamentos dos caminhos parochiaes”.
Seguiu-se a sessão ordinária de 20 de Novembro de 1910 em que
a Junta aprovou o orçamento para 1911. Além disso, o presidente
apresentou uma proposta para que se regularizasse o modo de tocar os
sinais a defuntos “ a fim de se evitarem muitas irregularidades,
explorações e abusos que em tal serviço se vem praticando há um tempo a
esta data”.
Depois de várias discussões, essa proposta ficou para
resolver na sessão seguinte.
Então, segundo o que a acta descreve, “Pelo vogal Alberto
João Rosa foi dito que: considerando que a Junta de Parochia d’esta
freguesia em mil novecentos e seis fez doação ilegal do baldio do
Outeirinho ao parocho d’esta freguesia terreno que se achava plantado de
oliveiras e onde se realizava um mercado mensal, arrancando elle as
oliveiras e anexando à residência servindo-se das mesmas oliveiras para
postes de vedação do mesmo terreno com arame de espinhos.
Considerando que tal terreno é de extrema necessidade a esta
Junta para benefício da parochia, não só porque serve de inteste a
muitas propriedades cujos proprietarios se podem delle assenhoriarem por
força de alinhamento e dahi resultando ao thesouro parochial avultado
rendimento, mas tambem delle não carece o parocho referido visto nesta
freguesia haver um bom passal que o parocho deu de renda por não
precisar delle;
Considerando que nenhuma lei autorizava ou autoriza as Juntas
de Parochia a disporem gratuitamente do seu pertence à freguesia, antes
todas devem zelar e não findar ou diminuir a riqueza parochial em
proveito de quem quer que seja com menosprezo dos direitos dos
comparochianos e das leis;
Nestes termos propunha que desde já a Junta desanexasse da
casa da residencia parochial o referido terreno e se anule para todos os
efeitos todas as actas que autorizaram aquela anexação tudo isto sem
prejuizo das deliberações que de futuro se possam tomar à cerca da
legalidade ou ilegalidade da construção da dita casa”.
Esta proposta foi aprovada por unanimidade. |