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Sessão de Lançamento do Livro
8 de Fevereiro de 2003

NOTA PREAMBULAR


Nos últimos anos da década de oitenta, o Círculo Experimental de Teatro de Aveiro (CETA) levou a efeito uma série de iniciativas (espectáculos de teatro, exposições, debates, colóquios) sobre a região de Aveiro, “as suas terras e as suas gentes”. Na realização daqueles eventos colaboraram destacadas figuras da cultura aveirense. Os espectáculos de teatro basearam-se em textos inéditos de conceituados autores, entre os quais Mário Castrim.

Natural de Ílhavo, onde passou a infância, conhecedor profundo desta região, pela qual nutria especial afecto e onde contava muitos amigos, Mário Castrim tinha também uma relação antiga com o CETA, cuja actividade acompanhava com interesse, havendo já colaborado nas suas iniciativas, por diversas ocasiões. Por tudo isso, e particularmente pela sua qualidade de escritor de reconhecido talento, foi então convidado a escrever uma peça de teatro para ser apresentada no âmbito do referido ciclo de espectáculos.

Com a generosidade que o caracterizava, acedeu prontamente ao “desafio”. À medida que ia produzindo os textos – que no seu conjunto constituem a peça de teatro que intitulou “Contar e Cardar” – remetia-os ao CETA para serem tratados no aspecto cénico.

O espectáculo, baseado nesses textos inéditos de Mário Castrim, foi apresentado ao público, no Teatro de Bolso do CETA, em Junho de 1990. O autor esteve presente na estreia e foi com indisfarçável prazer que assistiu à exibição da peça, encenada por Jorge Pinto, conhecido actor e encenador portuense.

Foi certamente com sacrifício da vida pessoal que, no curto espaço de cerca de dois meses, produziu os deliciosos textos de “Contar e Cardar”. Durante esse período, deslocou-se várias vezes a Aveiro, para acompanhar a encenação do espectáculo, sempre a suas expensas, sem aceitar qualquer compensação pelo trabalho.

O menos que se poderia fazer era publicar a obra. Foi o que logo ocorreu aos dirigentes e amigos da colectividade. Contudo, os anos foram passando sem que alguém, decididamente, se empenhasse nessa tarefa. Mas a ideia nunca foi posta de parte por alguns de nós que havíamos participado na produção daquele espectáculo.

Em meados do corrente ano de 2002, na “Tertúlia João Sarabando”, falou-se de Mário Castrim. Sabíamos do seu desejo de um dia se juntar a nós, no convívio em memória do amigo e saudoso João. Veio à conversa a peça de teatro que ele escrevera para o CETA em 1990. De novo se afirmou a intenção de a publicar. Resolvemos “deitar mãos à obra”.

Contactámos Mário Castrim. Encontrámo-nos com ele, por alturas duma sua deslocação a Aveiro. Uma manhã, no hotel onde ficara hospedado, mostrámos-lhe os textos por ele dactilografados, há mais de 12 anos, em folhas A4, com timbre do “Diário de Lisboa”. Manifestámos-lhe o desejo de os ver publicados.

Foi com evidente satisfação que aderiu aos nossos propósitos e logo se ofereceu para fazer a revisão dos textos com a possível brevidade. No dia seguinte, pela manhã, já nos comunicava que esse trabalho estava feito.

Voltámos a encontrar-nos. Devolveu-nos os textos que tinha revisto integralmente, durante a noite, corrigindo alguns primores de redacção que o seu rigor e brio pessoal exigiam duma obra a publicar. E mais uma vez demonstrou a sua simpatia e generosidade, vincando sempre que não queria obter quaisquer proventos com a publicação do livro, prontificando-se a abdicar dos seus direitos de autor em favor do CETA.

Desse encontro guardamos emotivas recordações. Foi um privilégio podermos conversar demoradamente com o distinto jornalista, o arguto crítico de televisão, o engenhoso criador de histórias e novelas para crianças e jovens, o operário da escrita que brincava com as palavras, o cidadão de fortes convicções e nobres ideais, empenhado na luta pela construção duma sociedade mais justa e fraterna, em suma, o Homem extremamente sensível e culto que admirávamos desde a nossa juventude. O seu corpo franzino, debilitado pela doença e pela idade, escondia uma grande força interior, um gosto pela vida que lhe transparecia no sorriso calmo e no olhar vivo e atento. Ao invés do que as suas críticas de jornalista, irónicas e contundentes, mas sinceras e imparciais, poderiam deixar supor a quem com ele não privava, estávamos perante uma pessoa delicada, de trato afável.

Se já admirávamos Castrim, homem culto e cidadão exemplar, agora também estimávamos Mário, o amigo. Retemos o que nos disse, interrogando: "Haverá no mundo coisa melhor do que a amizade?"

Passámos a trabalhar na composição gráfica do livrinho (como carinhosamente o Mário se lhe referia). Em fins de Julho ficou praticamente pronto. Faltava apenas que ele o visse e desse a opinião sobre a capa e o aspecto final.

Quando tínhamos em perspectiva marcar um novo encontro, fomos surpreendidos com a notícia do seu internamento hospitalar, por força de doença grave. Ficámos a aguardar que o seu estado de saúde melhorasse, para obtermos o seu acordo e avançar com a publicação. A esposa, a escritora Alice Vieira, transmitiu-nos a vontade do Mário de lhe enviarmos o livro para ele ver. Era o que íamos fazer, quando fomos abalados com a notícia da sua morte.

O Mário não chegou a ver o “livrinho” publicado, como gostaria, e isso deixa-nos magoados. Mas, em sua memória, não podemos nem queremos deixar de o fazer. Com o consentimento dos herdeiros, tudo o que escreveu com denodado carinho para os amigos do CETA vai ser finalmente publicado.

O Mário estará sempre entre nós.

António Poiares Bastos

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