E a propósito de Bernardo
Santareno...
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«A todos os
pescadores bacalhoeiros portugueses, que têm o riso claro e feroz, que sempre
ocultam nos olhos um aceno da morte, que todos os dias, naturalmente, fazem
milagres de força, que, se a pesca adrega de ser boa, cantam e bailam sozinhos,
como os meninos e os loucos... que são tipos perfeitos da raça.»
Estas
palavras de Bernardo Santareno testemunham, pelo seu vigor, o profundo
conhecimento e admiração pelos homens que enfrentavam os mares longínquos da
pesca do bacalhau. Num livro de crónicas, de nítido recorte poético,
publicado em 1959, Santareno, ou o médico, António Martinho do Rosário
(1920-1980), reúne as suas impressões de viagem, resultantes de duas campanhas
em que participou na frota bacalhoeira portuguesa. A primeira, em 1957, a bordo
do arrastão David Melgueiro; e a
segunda, em 1958, a bordo do Senhora do
Mar e do navio-hospital Gil Eanes.
A temática
da pesca do bacalhau servirá ainda para escrever a peça O
Lugre, publicada e encenada pelo Teatro Nacional, ainda em 1959. Mas
Santareno já se havia estreado como dramaturgo com uma peça polémica, A
Promessa, onde a mundividência dos pescadores também está presente com as
suas crenças e valores, a explosão dos seus conflitos, denunciando bem os
caminhos que a escrita teatral do autor irá pesquisar. Santareno procurará
exactamente problematizar os interstícios de um certo viver português, que o
levam a focar o mundo rural e urbano, com o objectivo claro de contribuir para a
construção de um teatro português, que se inspira nas raízes do seu povo,
mas se quer dimensionar numa perspectiva moderna, crítica e inovadora.
Do vigor das
suas personagens transparece um teatro de matriz poética, sem deixar de estar
comprometido com um sentido de transformação social e política. António
Marinheiro, O Duelo, O Judeu, Português Escritor..., O Punho são apenas
exemplos de outras tantas leituras propostas por Santareno, uma viagem a várias
dimensões por um território a explorar, e que compete a cada um de nós
descobrir.
Ana
Paula Medeiros
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