CACIA – 1955 / 1969
O PAPEL DE JORNAL
POR CARLOS VALENTE *
Muito se tem falado de papel de jornal.
Justificar-se-á o fabrico deste
tipo de papel no nosso País? – Este um ponto sobre que nos parece útil
apresentar algumas contribuições.
E lembrar-se-á a generalidade das pessoas que já se fabricou, em escala
industrial, durante mais de um decénio, papel de jornal no nosso País?
Lembrar-se-ão os técnicos ligados à indústria de pastas celulósicas e
de papel? Sabê-lo-á a geração nova de trabalhadores de CACIA? Sabê-lo-á a
generalidade dos técnicos e trabalhadores da novíssima PORTUCEL?
Lembrar-se-ão ou saberão que foi em CACIA? – É também para relembrar
esse mais que decénio
de actividade no fabrico de papel de jornal, nas Instalações Fabris da
COMPANHIA PORTUGUESA DE CELULOSE, que nos abalançámos, nestas bodas de
prata, a debater o assunto.
Tema, pois, segundo julgamos, muito oportuno e que permitirá, além do
mais, relembrar um período de intenso trabalho – de muito trabalho, de
alta dedicação, de muita acção, iniciativa e criatividade afirmamos –
de todos os que por esse tempo aqui exerceram a sua actividade.
Antes da recolha de testemunhos que nos propusemos fazer junto de
alguns técnicos que mais dedicadamente labutaram nessa altura em CACIA
(muitos ainda aqui a trabalhar, outros em diferentes paragens, mas que
ao seu trabalho nesta Fábrica devem toda a sua formação e valor),
permitam-nos que introduzamos a matéria.
*
O fabrico de papel de jornal iniciou-se em CACIA em Março de 1955. Em
1957 arrancou o fabrico de pasta mecânica de pinho – tipo de pasta que,
como se sabe, entra na composição deste papel em alta percentagem.
O papel de jornal tem uma vida fugaz. É o suporte gráfico de um meio de
comunicação escrito que pouco mais dura que 24 horas. Exige-se-lhe,
pois, para além dum mínimo de qualidades,
para impressão e manuseamento, o mais baixo custo. Daí a necessidade de
incorporação de uma matéria-prima fibrosa minimamente capaz mas muito
barata – a pasta mecânica ou outra afim
incorporando a quase totalidade dos componentes da madeira de que
deriva.
As produções de pasta mecânica e de papel de jornal foram, desde 1955,
tal como exposto no Quadro 1. Os máximos de fabrico registados foram
pois:
– de papel de jornal: 20710 t em 1957
– de pasta mecânica: 6461 t em 1964
Vários outros tipos de papéis se produziram, nesse período, na mesma instalação e máquina de papel, preenchendo a respectiva capacidade máxima:
papéis de impressão mecânica («jornal melhorado», impressão-revista e
obra-de-livro), papéis kraft puros de várias gramagens e papéis
pesados diversos para caixas de cartão canelada. Os fabricos de papéis
de jornal e de impressão mecânica foram abandonados em 1969 e o de
pasta mecânica em 1968.
O fabrico desta pasta e papel sempre foi condicionado e limitado por
quatro factores principais: a baixa qualidade da pasta mecânica
fabricada do Pinus pinaster, a reduzida dimensão do mercado nacional, o
elevado custo da electricidade e os preços de «dumping» no mercado
europeu deste papel.
A madeira de que dispúnhamos, o pinho bravo, quer pelo reduzido
comprimento das fibras, quer pela sua constituição e teor em resinas,
não permitia obter pasta mecânica de qualidade satisfatória. É certo que
a instalação de pasta mecânica – antiquada e pelo processo «stone
groundwood» – não proporcionava o melhor e mais adequado tratamento.
Por estes motivos, a composição corrente do papel de jornal nunca
ultrapassou os 30 % de pasta mecânica nacional, com 50 % de pasta
mecânica estrangeira importada. O restante da composição era de pastas
químicas (pinho e eucalipto semibrancos), também fabricados em Cacia.
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A dimensão do mercado não permitia um fabrico continuadamente longo,
para beneficiar da economia da escala. Essa exiguidade nunca permitiu
também mais altos voos, inclusivamente que se pusesse a hipótese de
modernização ou lançamento de unidade independente.
O elevado custo da energia eléctrica, com
tarifas não apropriadas ao
fabrico em causa (em 1970 era 4 a 5 vezes superior ao preço vigorando
noutros países), tinha uma incidência de 30 % no custo.
Finalmente, os preços artificiais praticados pelos fabricantes europeus
permitiam a importação a cotações iguais ou inferiores às do custo
obtido em Cacia.
Por tudo isto a COMPANHIA PORTUGUESA DE CELULOSE decidiu abandonar
este fabrico na data atrás referida – 1969.
*
Registemos ainda breves considerações sobre
o consumo de papel no nosso
País.
Os Quadros 2 e 3 dão-nos a posição das produções e importações,
classificadas no que se pode chamar papéis-cultura (jornal e todos
os
tipos de
papéis de escrita e impressão) e papéis-desenvolvimento (kraft,
ondulado, «Iiners», «tissue», papéis de embalagem e embrulho e cartões).
O critério de classificação é obviamente compreensível.
É de entender que, quanto mais baixo for o consumo de
papéis-cultura
em relação ao total consumido, menor será logicamente o nível sócio-económico de um povo, pois que a predominância do consumo se
dirige ao desenvolvimento económico de base.
Vê-se pelos quadros apresentados o
seguinte:
1. Tem-se dado um aumento progressivo na produção
mais importação de papéis-desenvolvimento. Nos anos de 1975 e 1976 parece
ter havido uma quebra.
2. O total de papéis-cultura foi em
1973 e 1974 somente cerca de 15 % a 17 % do total de papéis produzidos mais importados.
3. Mostramo-nos quase auto-suficientes nestes tipos de
papéis-desenvolvimento, pois que a importação tem sido relativamente
reduzida.
4. A importação de papéis-cultura é quase só devida
ao papel de jornal.
5. O consumo de papel de jornal (aceitando que a importação é
praticamente igual ao consumo) teve variações aumentativas e
diminutivas no nível de 30 000 t a 40 000 t anuais.
6. O aumento de preço dos papéis
foi notável nos últimos anos.
O consumo português de papéis (todas os tipos) situa-se em cerca de 40
kg anuais per capita. A evolução deverá ser para um aumento progressivo
e marcado
/ 61
/
A estabilidade do consumo de papel de jornal nos últimos anos é
todavia um facto que talvez possamos classificar de anómalo.
Significará «estagnação da cultura» na época de crise vivida
imediatamente antes de Abril de 1974 e desta data até agora? Sem dúvida
que esta evolução anómala, mesmo que episódica, não encoraja a
extrapolação visando projectos industriais de dimensão técnica e
económica apropriada.
*
Recolhamos, o que é mais importante, os depoimentos de três técnicos que
estiveram ligados ao fabrico de papel de jornal em Cacia.
Apresentamo-los primeiro:
– Eng.º Júlio Ferreira Lopes (JPL) –
Ingressou na C. P. de Celulose em 1952. Foi Chefe de Serviços e, a partir
de 19161, Director da Produção de Papéis e Embalagens da Companhia. Em
1967 foi encarregado da elaboração do projecto da INAPA, em colaboração
com o Eng.º Rui Ribeiro, no Gabinete de Estudos da C. P. C. (com ele
trabalhando também os Eng.os J. Freitas Mimoso, Sá Nogueira e Orlando
Santos. Em 1968 assumiu a responsabilidade da direcção da INAPA, onde
hoje é Director-Geral e Administrador. O Eng.º J. Ferreira Lopes foi,
sem sombra de dúvida ou qualquer favor, o técnico mais qualificado,
zeloso, dedicado, dinâmico e criativo de toda a equipa da Fábrica de
Papel de Cacia.
– José Domingues (JD) e Florindo Ramos (FR) – Actuais Encarregado-Geral
e Adjunto de Encarregado da Fábrica de Papel de Cacia. Viveram
intensamente todo o período de fabrico de papel de jornal (1955 a
1961), contribuindo – eles e muitos dos seus próximos colaboradores – para os êxitos obtidos.
COMO APARECEU O
PAPEL DE JORNAL EM CACIA
CV – Começando pelo Ferreira Lopes a primeira pergunta é esta: O que
levou a fabricar ou como apareceu o papel de jornal em Cacia?
JFL – Em primeiro lugar suponho – a memória já nos trai um pouco e
não
tenho, de momento, elementos escritos ao meu dispor – que a fabricação
de papel de jornal era uma imposição do alvará de licenciamento.
Já nesse tempo as autoridades responsáveis
tinham em mente libertar-se dos condicionalismos resultantes do
abastecimento exclusivo, através da importação, de tão importante
veículo de informação pública.
Em segunda lugar, considerações de ordem comercial determinaram a
produção do papel de jornal para preencher a capacidade da máquina
de papel, não totalmente ocupada com as papéis kraft.
Recordo-me que a fábrica de sacos e cartão
canelado não tinha ainda
entrado em funcionamento e que a nossa principal cliente era a Empresa
de Cimentos de Leiria.
Encetávamos também os primeiros passos no caminho da exportação sendo de
realçar, neste aspecto, a boa ajuda que recebemos da firma H. H. Pegg,
nosso primeiro cliente no estrangeiro.
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62 / CV – Porque acaba de falar em ajuda e dado que não havia, segundo julgo,
qualquer experiência em Portugal do fabrico deste tipo de papel, como
foi possível iniciá-lo e lançá-lo em Cacia?
JFL – Sem dúvida, e em primeiro lugar, graças à colaboração que
recebemos dos técnicos da Reed, fábrica
inglesa com quem foi estabelecido em 1954 um contrato de assistência
técnica para o fabrico de papel em Cacia.
Em segundo lugar, e aqui também não tenho dúvidas, à capacidade de
assimilação, brio profissional e pundonor dos operários portugueses
que formavam as equipas de Cacia.
Compreende, não só o fabrico à escala industrial do papel de jornal era
novidade no nosso País como também não havia qualquer experiência com
máquinas do porte da de Cacia. Daí a necessidade de uma boa «muleta» que
felizmente os nossos
amigos ingleses puseram à nossa disposição em condições muita
vantajosas.
Recordo, desses tempos, o velho Sr. Watsan, tão grande no
papel como no humor – e não só britânico – a
Warburtan – mais conhecido pelo «chefe inglês» que baniu do vocabulário
da fábrica a palavra amanhã – o Craig, o Mike orelhudo, etc.
Mas, se estes excelentes e experimentados técnicos lançaram as raízes,
o fruto não tardaria frutificado se não houvesse recebido os cuidados
dos nossos briosos profissionais. A eles se deve a continuação da obra.
AS COMPOSIÇÕES E AS MATÉRIAS PRIMAS
CV – O Florindo Ramos chefiava à altura toda a Secção de Preparação da
Fábrica de Papel. Quer dizer-nos quais as composições mais representativas do papel que se fabricou?
FR – 80 % de pasta mecânica e 20 % de pasta química. De pasta mecânica,
utilizava-se 50% estrangeira e 30 % nacional (CPC) , e de pasta
química, 15% de pinho e 5 % de eucalipto semi-branqueadas.
A pasta mecânica, que era fabricada na nossa Empresa, começou a ser
consumida em Outubro de 1957.
Começou-se com 10 % e durante bastante tempo fizeram-se experiências no
intuito de se conseguir um máximo
de utilização desta pasta: concluiu-se não ser possível consumir-se
mais de 30 % sem dar «chatices» com alcatrão e quebras.
A pasta semi-branqueada de eucalipto começou a ser utilizada no fabrico
de jornal só em Julho de 1959 – 5 % somente – a título experimental. Tentou-se muitas vezes aumentar
até 10 %, mas também se acabou por
concluir que mais de 5 % originava
muito mais quebras na máquina de papel.
CV – Ora, quanto à utilização de matérias-primas nacionais. . .
JFL – O principal constituinte da papel de
jornal é, com efeito, a
pasta mecânica e esta não se fabricava em Portugal na altura em que se
lançou o fabrico daquele. Foi por isso necessário recorrer à importação.
Para o outro constituinte, a fibra que dá resistência ao papel, quer
durante a passagem nas rotativas de impressão, foi escolhida a pasta
kraft
semi-branqueada de pinho. Nessa altura os fabricantes de papel de jornal
utilizavam quase que exclusivamente a pasta ao bissulfito e esta não
se produzia em Cacia.
Ainda no ano do arranque do papel de jornal se fizeram as primeiras
tentativas de fabrico de pasta
mecânica nacional a partir do nosso pinheiro, como se refere no
preâmbulo desta entrevista.
Porém, a pouca aptidão da nossa madeira para o «processo da mó» e
o «primitivismo»
da instalação não permitiram obter uma pasta que substituísse
integralmente a importada.
A utilização da pasta mecânica de Cacia nunca ultrapassou, como acaba de
dizer o Florindo Ramos, em exploração regular, os 30 %.
Na entanto, gastaria de focar aqui
um pormenor conhecido de bem poucos – Cacia chegou a fabricar papel de
jornal, só com matérias-primas nacionais: pasta mecânica, pastas
semi-branqueadas de pinha e eucalipto e sobras de jornais.
Não seria um papel de 1.ª qualidade, mas chegou a ser impresso... sem
reclamações./
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Agora em que tanto se fala do fabrico de papel de jornal em Portugal e
em que aparecem «ideias inovadoras» sobre a utilização dos recursos
nacionais, esta tentativa, velhinha de 20 anos, poderá trazer algum
contributo para os estudos a realizar.
CV – Na composição do papel de jornal entram cargas, vários aditivos,
tais como corantes, brancos de azulagem, brancos ópticos, hidrossulfito
de sódio, etc.
FR – No papel de jornal era utilizado o caulino como carga. Agentes de
branqueio não eram necessários, a
não ser os corantes e mesmo esses não eram usados com a intenção de dar
ao papel maior reflectância ou brancura, mas corrigir as tonalidades.
Chegámos a fabricar papel de jornal de três tipos, que só diferiam na cor,
tipo Norte, tipo Sul e tipo França: tipo Norte para os jornais do Norte,
tipo Sul para os jornais do Sul e tipo França, papel que era exportado
para França. Usavam-se normalmente, os corantes Violeta, Victoria Blue,
Rhodamine e até Orange e Auramina, o que indica que era uma questão de
tonalidade e não de brancura que se pretendia dar ao papel.
Os produtos que mencionou foram só utilizados para branqueio noutros
papéis, como por exemplo, Impressão
Revista e Obra Livro.
O COMPORTAMENTO
E PROBLEMAS NA MÁQUINA
CV – Da parte do José Domingues, como responsável mais directo pela Máquina de Papel, pretendia que
referisse o comportamento desta em relação com as matérias-primas de que
dispúnhamos.
JD – Devo dizer que esta máquina tinha e tem algumas deficiências, sendo
as principais o sistema de depuração e a caixa de chegada, já
substituídas em Setembro de 1964; tais deficiências são fruto da
tecnologia daquela época.
Quanto ao comportamento da máquina, ele tem sido excelente, não
tendo havido problemas de grande
vulto. Contudo, ao longo destes 25 anos e pesem as beneficiações
sofridas pela máquina, tem sido tarefa difícil para todo o pessoal
ligado à produção, consegui com assaz persistência aumentar a
qualidade dos papéis e a velocidade da máquina para se obterem os
melhores resultados.
CV – É claro que a Máquina de Papel e seu comportamento dependem
directamente da preparação que se dá à massa.
FR – Quanto à refinação para o fabrico de papel de jornal, houve um
problema que foi resolvido com uma alteração ao sistema de circulação de
pasta nos refinadores. Algumas vezes, mesmo depois dessa alteração,
sucedia aparecerem aglomerados de fibras no papel, principalmente visto
à transparência, que eram provenientes da pasta queimada e enrijecida
pelo sol, quando os fardos estavam muito tempo expostos em parque. Havia
certa dificuldade em eliminar essa anomalia dando carga aos refinadores,
pelo facto de o grau de refinação da pasta mecânica ser muito alto, e a
fibra muito frágil, como sabe.
Nos papéis kraft é que tínhamos algumas dificuldades em conseguir uma
refinação ideal, para certos tipos
de papel, só com os refinadores Jordan. Em 1963, com a aquisição de
dois pré-refinadores e dois refinadores de discos duplos, essas
dificuldades foram eliminadas.
CV – O problema do «pitch» ou alcatrão,
José Domingues, como se apresentou e foi controlado?
JD – O alcatrão tinha origem na pasta mecânica que se usou, como já foi
dito, em cerca de 80 %. Tivemos
grandes problemas com aquele produto, que se desenvolvia com a
temperatura, aparecendo em vários pontos da teia da Máquina de Papel,
tapando a malha e provocando, assim, furos de pequena dimensão no papel.
Porém, dada a delicadeza que exigia o fabrico deste papel, não tínhamos
no princípio outro processo que não fosse o de parar a máquina e com
escovas e petróleo limpar completamente a teia. Para reduzir este
problema passámos depois a usar o TAMOL e o aluminato de sódio. Estes
dois produtos davam certo resultado para pastas pouco resinosas, como
sejam as pastas estrangeiras (derivadas do abeto) por nós usadas. O
problema agravou-se quando começámos a usar alguma da nossa pasta
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mecânica C. P. C. que, como o sabemos, era obtida do nosso pinho, que é
bastante resinoso. As instalações eram rudimentares e não tinham
condições convenientes para fabricar este tipo de pasta. Os principais
defeitos da nossa pasta mecânica eram a irregularidade de grau de
refinação e a fraca depuração.
CV – O fabrico de papéis kraft apresenta problemas muito diferentes, não
é assim?
JD – Sim. Estes papéis são bem diferentes, não só na sua composição
fibrosa, como também na sua utilização. São papéis que exigem
tratamentos muito diferenciados, pois enquanto que para o papel kraft a
nossa preocupação constante é procurar de um modo geral obter um elevado
índice de resistência, para os papéis de Impressão Revista e Jornal as
atenções vão para uma boa formação, opacidade, espessura e acabamento
da máquina ou supercalandrado. Assim as condições de equipamento da
máquina, especialmente teias e feltros, têm que ter características
ligeiramente diferentes das usadas no fabrico de papel de jornal; de
contrário, surgem problemas de condução e qualidade.
CV – E o que dizer quanto aos acabamentos exigidos pelo papel de jornal?
JD – O papel de jornal e o Impressão Revista, assim como qualquer outro
tipo de papel, eram normalmente passados à calandra da máquina com 3
entradas, para se obter um ligeiro acabamento. Dado que esse acabamento
não satisfazia as condições exigidas pelos papéis em causa, em especial
o I. R., nós passámo-los à supercalandra, obtendo-se o chamado papel
supercalandrado. Como o papel de jornal não exigia tanto acabamento,
procurou-se adaptar a calandra da máquina com rolos para o passar com 5
ou 7 entradas, procurando assim um acabamento intermédio entre o fabrico
com 3 entradas, que era o M. F. e supercalandrado, mas na realidade este
objectivo nunca
se alcançou visto que outros problemas surgiram motivados pela própria
calandra.
EM 1958 O PAPEL DE JORNAL DE CACIA FOI CONSIDERADO ENTRE OS CINCO
MELHORES EM FRANÇA
CV – Que aceitação teve o papel de jornal de Cacia e como reagiram os
consumidores nacionais, Ferreira Lopes?
JFL – De princípio bastante mal e não havia defeito de que não acusassem
o papel de Cacia. A descrença habitual em tudo o que é feito por nós
portugueses, a acomodação a hábitos já velhos e o receio de se perderem
interesses adquiridos, tudo levou a uma campanha pouco simpática em
relação ao novo produto de Cacia. Foi necessário fazer uma certa
«publicidade» à volta de encomendas de jornal que entretanto
exportámos para a África do Sul e França para que os impressores
portugueses começassem a acreditar no papel de Cacia.
Vencida esta «crise de dentição» o papel impôs-se, tanto interna como
externamente, ao ponto de, em 1958,
ter sido considerado entre os cinco melhores papéis de jornal que
apareceram em França.
Este país comprou-nos largas centenas de toneladas em que se incluíram
papéis cor-de-rosa e verdes destinados à impressão de periódicos não
diários de grande tiragem e aceitação popular.
Relembro ainda que Cacia forneceu durante bastantes anos uma variedade
de papel de jornal – impressão revista – em que era impresso o então
chamado Diário do Governo e que sempre recebeu boas referências da
Imprensa Nacional.
CAUSAS DO ABANDONO
CV – E, na sua opinião, quais as causas do abandono deste fabrico em
Cacia?
JFL – Não poderei ser muito completo nesta informação visto que,
justamente, no ano em que o fabrico de jornal e impressão foi abandonado
em Cacia, fui destacado para a INAPA e portanto não assisti ao
«enterro» do que foi, quanto a mim, uma das melhores realizações da C.
P. C.
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Além do aspecto de progresso e independência que representa para um país
– grande ou pequeno – dispor sem necessidade de terceiros, dos meios de
divulgação, perdeu-se, com a cessação do fabrico de papel de jornal,
toda uma aprendizagem e uma técnica, difícil de adquirir e que colocaram
os nossos trabalhadores em condições de ombrear com especialistas
estrangeiros na matéria.
Tivemos ocasião de ouvir, por mais de uma vez, referências elogiosas aos
nossos homens e o próprio Sr. Warburton, sempre exigente, nos disse no
dia da sua partida: «Dê os meus parabéns a todo o pessoal da fábrica de
papel. De princípio julguei
que sem o auxílio de estrangeiros nunca seria possível fabricar jornal
em Portugal. Reconheço que me enganei e você tem aqui uma equipa de 1.ª
qualidade.»
Mas voltando ao tema da pergunta. Julgo que considerações de ordem
comercial, prevalecentes ao tempo e a reestruturação levada a efeito na
fábrica de Cacia, teriam determinado o
abandono do papel de jornal. E foi pena.
MUITAS INTERROGAÇÕES
SOBRE A VIABILIDADE DESTE FABRICO. OUTRAS SOLUÇÕES ADAPTADAS À REALIDADE DO NOSSO PAIS?
CV – E para finalizar, Ferreira Lopes, qual a sua opinião sobre a
viabilidade ou não do fabrico deste papel em Portugal?
JFL – Pois não é verdade que assim já aconteceu há mais de 20 anos? E
que, sem ser uma actividade altamente rendosa, acabava por se equilibrar
economicamente quando não estava sujeita a pressões de «dumping» ou
preços artificiais?
Impõe-se que a actual situação de dependência exclusiva do estrangeiro
seja modificada e que volte a produzir-se em Portugal papel de jornal.
Não é possível instalar unidades de viabilidade económica à escala
internacional, de 150000 t de produção anual que equivalem a 4 ou 5
vezes o consumo nacional?
Não dispomos de matérias-primas clássicas que originam produtos de alta
qualidade?
Haverá escassez de energia eléctrica a "preços adequados?
Não é viável um investimento da ordem dos 2,5 milhões de contos para
dispor de uma fábrica ao estilo moderno desde a entrada da madeira
à saída do papel?
Talvez todas estas interrogações tenham resposta negativa. Talvez, mas
cabe ainda no domínio das realidades pensar em soluções mais de acordo
com a nossa dimensão e capacidade técnica.
Para produzir 40 a 50 000 t de papel de jornal não é necessário um
investimento de 2,5 milhões de contos, nem equipamento altamente
sofisticado da última geração, nem utilizar exclusivamente pasta de
abeto nórdico.
Haverá talvez soluções técnicas e até económicas que se adaptem melhor à
realidade do nosso País. Para as encontrar e concretizar é necessário no
entanto boa vontade, espírito de iniciativa e sacrifício de interesses
pessoais em favor do bem geral do País.
*
Registados estes depoimentos, umas palavras mais informando do estado a
nível oficial, deste problema.
Pelo Decreto-Lei n.º 533/74, de 30-10-74,
foi aberto concurso para uma
fábrica de papel de jornal e estabelecido um prazo para entrega de propostas
até 27 de Fevereiro do ano seguinte. Em Abril de 1975, um grupo de oito empresas do sector industrial de celulose apresentou um
estudo da firma finlandesa de projectistas JAAKKO POYRY & Co. Estes consultores chegaram à conclusão de que a rentabilidade
do investimento seria
muito baixa, pela que as empresas ligadas ao projecto informaram o Governo de que somente com garantias
quanto aos preços da madeira e da
energia poderia a mesma ser viável. Essas garantias não foram,
entretanto, prestadas.
Pouco depois foi criada a PORTUCEL e, através do Decreto-Lei
º 554-A/76, considerada esta a única
empresa autorizada a fabricar papel de jornal em Portugal. Dado o teor
deste Decreto-Lei, e na perspectiva de se conseguir um empréstimo do Governo norueguês, a M. I. T. decidiu que fosse
retomado o assunto, o
que aconteceu. Todavia, perante a baixa rentabilidade prevista para o
investimento, foi decidido estudar a hipótese de participação num
investimento espanhol a levar a efeito pelas ENCE e PAPELERA ESPAÑOLA,
a qual prevê a utilização da pasta semibranca de pinho a fornecer pela
PORTUCEL e/ou de alguma madeira de pinho portuguesa para transformar em
pasta mecânica. Nada ainda foi resolvido a este respeito, segundo nos informam.
Sabemos ainda que o eng.º Alberto Frazão, à altura fazendo parte da
Comissão Administrativa da ex-C. P. C., propôs que a solução a dar a este
problema fosse obtida por outra via: a realização do empreendimento e
investimento da fábrica de papel de jornal em Portugal com a
participação financeira de outros países da orla mediterrânica,
importadores deste tipo de papel, eventualmente interessados numa colaboração deste
tipo.
Em presença pois de três posições. A da
eng.º Ferreira Lopes, tenda em
vista um esforço interno para produzir este tipo de papel, evitando-se
a importação, saída de divisas e situação de dependência externa. A
posição oficial de instalação de fábrica independente, moderna e de
alta capacidade. Finalmente, as hipóteses de colaboração com outras
países também importadores de papel de jornal.
Cacia, 2 de Junho de 1978.
C. V.
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* Engenheiro Químico. Director do Centro de Produção
Fabril – CACIA
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