CACIA – 1955 / 1969

O PAPEL DE JORNAL

POR CARLOS VALENTE *

 

Muito se tem falado de papel de jornal. Justificar-se-á o fabrico deste tipo de papel no nosso País? – Este um ponto sobre que nos parece útil apresentar algumas contribuições.

E lembrar-se-á a generalidade das pessoas que já se fabricou, em escala industrial, durante mais de um decénio, papel de jornal no nosso País? Lembrar-se-ão os técnicos ligados à indústria de pastas celulósicas e de papel? Sabê-lo-á a geração nova de trabalhadores de CACIA? Sabê-lo-á a generalidade dos técnicos e trabalhadores da novíssima PORTUCEL? Lembrar-se-ão ou saberão que foi em CACIA? – É também para relembrar esse mais que decénio de actividade no fabrico de papel de jornal, nas Instalações Fabris da COMPANHIA PORTUGUESA DE CELULOSE, que nos abalançámos, nestas bodas de prata, a debater o assunto.

Tema, pois, segundo julgamos, muito oportuno e que permitirá, além do mais, relembrar um período de intenso trabalho – de muito trabalho, de alta dedicação, de muita acção, iniciativa e criatividade afirmamos – de todos os que por esse tempo aqui exerceram a sua actividade.

Antes da recolha de testemunhos que nos propusemos fazer junto de alguns técnicos que mais dedicadamente labutaram nessa altura em CACIA (muitos ainda aqui a trabalhar, outros em diferentes paragens, mas que ao seu trabalho nesta Fábrica devem toda a sua formação e valor), permitam-nos que introduzamos a matéria.

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O fabrico de papel de jornal iniciou-se em CACIA em Março de 1955. Em 1957 arrancou o fabrico de pasta mecânica de pinho – tipo de pasta que, como se sabe, entra na composição deste papel em alta percentagem.

O papel de jornal tem uma vida fugaz. É o suporte gráfico de um meio de comunicação escrito que pouco mais dura que 24 horas. Exige-se-lhe, pois, para além dum mínimo de qualidades, para impressão e manuseamento, o mais baixo custo. Daí a necessidade de incorporação de uma matéria-prima fibrosa minimamente capaz mas muito barata – a pasta mecânica ou outra afim incorporando a quase totalidade dos componentes da madeira de que deriva.

As produções de pasta mecânica e de papel de jornal foram, desde 1955, tal como exposto no Quadro 1. Os máximos de fabrico registados foram pois:

– de papel de jornal: 20710 t em 1957

– de pasta mecânica: 6461 t em 1964

Vários outros tipos de papéis se produziram, nesse período, na mesma instalação e máquina de papel, preenchendo a respectiva capacidade máxima: papéis de impressão mecânica («jornal melhorado», impressão-revista e obra-de-livro), papéis kraft puros de várias gramagens e papéis pesados diversos para caixas de cartão canelada. Os fabricos de papéis de jornal e de impressão mecânica foram abandonados em 1969 e o de pasta mecânica em 1968.

O fabrico desta pasta e papel sempre foi condicionado e limitado por quatro factores principais: a baixa qualidade da pasta mecânica fabricada do Pinus pinaster, a reduzida dimensão do mercado nacional, o elevado custo da electricidade e os preços de «dumping» no mercado europeu deste papel.

A madeira de que dispúnhamos, o pinho bravo, quer pelo reduzido comprimento das fibras, quer pela sua constituição e teor em resinas, não permitia obter pasta mecânica de qualidade satisfatória. É certo que a instalação de pasta mecânica – antiquada e pelo processo «stone groundwood» – não proporcionava o melhor e mais adequado tratamento. Por estes motivos, a composição corrente do papel de jornal nunca ultrapassou os 30 % de pasta mecânica nacional, com 50 % de pasta mecânica estrangeira importada. O restante da composição era de pastas químicas (pinho e eucalipto semibrancos), também fabricados em Cacia. / 60 /


A dimensão do mercado não permitia um fabrico continuadamente longo, para beneficiar da economia da escala. Essa exiguidade nunca permitiu também mais altos voos, inclusivamente que se pusesse a hipótese de modernização ou lançamento de unidade independente.

O elevado custo da energia eléctrica, com tarifas não apropriadas ao fabrico em causa (em 1970 era 4 a 5 vezes superior ao preço vigorando noutros países), tinha uma incidência de 30 % no custo.

Finalmente, os preços artificiais praticados pelos fabricantes europeus permitiam a importação a cotações iguais ou inferiores às do custo obtido em Cacia.

Por tudo isto a COMPANHIA PORTUGUESA DE CELULOSE decidiu abandonar este fabrico na data atrás referida – 1969.

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Registemos ainda breves considerações sobre o consumo de papel no nosso País.

Os Quadros 2 e 3 dão-nos a posição das produções e importações, classificadas no que se pode chamar papéis-cultura (jornal e todos os tipos de papéis de escrita e impressão) e papéis-desenvolvimento (kraft, ondulado, «Iiners», «tissue», papéis de embalagem e embrulho e cartões). O critério de classificação é obviamente compreensível.

É de entender que, quanto mais baixo for o consumo de papéis-cultura em relação ao total consumido, menor será logicamente o nível sócio-económico de um povo, pois que a predominância do consumo se dirige ao desenvolvimento económico de base.

Vê-se pelos quadros apresentados o seguinte:

1. Tem-se dado um aumento progressivo na produção mais importação de papéis-desenvolvimento. Nos anos de 1975 e 1976 parece ter havido uma quebra.

2. O total de papéis-cultura foi em 1973 e 1974 somente cerca de 15 % a 17 % do total de papéis produzidos mais importados.

3. Mostramo-nos quase auto-suficientes nestes tipos de papéis-desenvolvimento, pois que a importação tem sido relativamente reduzida.

4. A importação de papéis-cultura é quase só devida ao papel de jornal.

5. O consumo de papel de jornal (aceitando que a importação é praticamente igual ao consumo) teve variações aumentativas e diminutivas no nível de 30 000 t a 40 000 t anuais.

6. O aumento de preço dos papéis foi notável nos últimos anos.

O consumo português de papéis (todas os tipos) situa-se em cerca de 40 kg anuais per capita. A evolução deverá ser para um aumento progressivo e marcado / 61 /

A estabilidade do consumo de papel de jornal nos últimos anos é todavia um facto que talvez possamos classificar de anómalo. Significará «estagnação da cultura» na época de crise vivida imediatamente antes de Abril de 1974 e desta data até agora? Sem dúvida que esta evolução anómala, mesmo que episódica, não encoraja a extrapolação visando projectos industriais de dimensão técnica e económica apropriada.

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Recolhamos, o que é mais importante, os depoimentos de três técnicos que estiveram ligados ao fabrico de papel de jornal em Cacia. Apresentamo-los primeiro:

Eng.º Júlio Ferreira Lopes (JPL) –

Ingressou na C. P. de Celulose em 1952. Foi Chefe de Serviços e, a partir de 19161, Director da Produção de Papéis e Embalagens da Companhia. Em 1967 foi encarregado da elaboração do projecto da INAPA, em colaboração com o Eng.º Rui Ribeiro, no Gabinete de Estudos da C. P. C. (com ele trabalhando também os Eng.os J. Freitas Mimoso, Sá Nogueira e Orlando Santos. Em 1968 assumiu a responsabilidade da direcção da INAPA, onde hoje é Director-Geral e Administrador. O Eng.º J. Ferreira Lopes foi, sem sombra de dúvida ou qualquer favor, o técnico mais qualificado, zeloso, dedicado, dinâmico e criativo de toda a equipa da Fábrica de Papel de Cacia.

José Domingues (JD) e Florindo Ramos (FR) – Actuais Encarregado-Geral e Adjunto de Encarregado da Fábrica de Papel de Cacia. Viveram intensamente todo o período de fabrico de papel de jornal (1955 a 1961), contribuindo – eles e muitos dos seus próximos colaboradores – para os êxitos obtidos.


COMO APARECEU O PAPEL DE JORNAL EM CACIA

CV – Começando pelo Ferreira Lopes a primeira pergunta é esta: O que levou a fabricar ou como apareceu o papel de jornal em Cacia?

JFL – Em primeiro lugar suponho – a memória já nos trai um pouco e não tenho, de momento, elementos escritos ao meu dispor – que a fabricação de papel de jornal era uma imposição do alvará de licenciamento.

Já nesse tempo as autoridades responsáveis tinham em mente libertar-se dos condicionalismos resultantes do abastecimento exclusivo, através da importação, de tão importante veículo de informação pública.

Em segunda lugar, considerações de ordem comercial determinaram a produção do papel de jornal para preencher a capacidade da máquina de papel, não totalmente ocupada com as papéis kraft.

Recordo-me que a fábrica de sacos e cartão canelado não tinha ainda entrado em funcionamento e que a nossa principal cliente era a Empresa de Cimentos de Leiria.

Encetávamos também os primeiros passos no caminho da exportação sendo de realçar, neste aspecto, a boa ajuda que recebemos da firma H. H. Pegg, nosso primeiro cliente no estrangeiro.

 / 62 / CV – Porque acaba de falar em ajuda e dado que não havia, segundo julgo, qualquer experiência em Portugal do fabrico deste tipo de papel, como foi possível iniciá-lo e lançá-lo em Cacia?

JFL – Sem dúvida, e em primeiro lugar, graças à colaboração que recebemos dos técnicos da Reed, fábrica inglesa com quem foi estabelecido em 1954 um contrato de assistência técnica para o fabrico de papel em Cacia.

Em segundo lugar, e aqui também não tenho dúvidas, à capacidade de assimilação, brio profissional e pundonor dos operários portugueses que formavam as equipas de Cacia.

Compreende, não só o fabrico à escala industrial do papel de jornal era novidade no nosso País como também não havia qualquer experiência com máquinas do porte da de Cacia. Daí a necessidade de uma boa «muleta» que felizmente os nossos amigos ingleses puseram à nossa disposição em condições muita vantajosas.

Recordo, desses tempos, o velho Sr. Watsan, tão grande no papel como no humor – e não só britânico – a Warburtan – mais conhecido pelo «chefe inglês» que baniu do vocabulário da fábrica a palavra amanhã – o Craig, o Mike orelhudo, etc.

Mas, se estes excelentes e experimentados técnicos lançaram as raízes, o fruto não tardaria frutificado se não houvesse recebido os cuidados dos nossos briosos profissionais. A eles se deve a continuação da obra.


AS COMPOSIÇÕES E AS MATÉRIAS PRIMAS

CV – O Florindo Ramos chefiava à altura toda a Secção de Preparação da Fábrica de Papel. Quer dizer-nos quais as composições mais representativas do papel que se fabricou?

FR – 80 % de pasta mecânica e 20 % de pasta química. De pasta mecânica, utilizava-se 50% estrangeira e 30 % nacional (CPC) , e de pasta química, 15% de pinho e 5 % de eucalipto semi-branqueadas.

A pasta mecânica, que era fabricada na nossa Empresa, começou a ser consumida em Outubro de 1957. Começou-se com 10 % e durante bastante tempo fizeram-se experiências no intuito de se conseguir um máximo de utilização desta pasta: concluiu-se não ser possível consumir-se mais de 30 % sem dar «chatices» com alcatrão e quebras.

A pasta semi-branqueada de eucalipto começou a ser utilizada no fabrico de jornal só em Julho de 1959 – 5 % somente – a título experimental. Tentou-se muitas vezes aumentar até 10 %, mas também se acabou por concluir que mais de 5 % originava muito mais quebras na máquina de papel.

CV – Ora, quanto à utilização de matérias-primas nacionais. . .

JFL – O principal constituinte da papel de jornal é, com efeito, a pasta mecânica e esta não se fabricava em Portugal na altura em que se lançou o fabrico daquele. Foi por isso necessário recorrer à importação.

Para o outro constituinte, a fibra que dá resistência ao papel, quer durante a passagem nas rotativas de impressão, foi escolhida a pasta kraft semi-branqueada de pinho. Nessa altura os fabricantes de papel de jornal utilizavam quase que exclusivamente a pasta ao bissulfito e esta não se produzia em Cacia.

Ainda no ano do arranque do papel de jornal se fizeram as primeiras tentativas de fabrico de pasta mecânica nacional a partir do nosso pinheiro, como se refere no preâmbulo desta entrevista.

Porém, a pouca aptidão da nossa madeira para o «processo da mó» e o «primitivismo» da instalação não permitiram obter uma pasta que substituísse integralmente a importada.

A utilização da pasta mecânica de Cacia nunca ultrapassou, como acaba de dizer o Florindo Ramos, em exploração regular, os 30 %.

Na entanto, gastaria de focar aqui um pormenor conhecido de bem poucos – Cacia chegou a fabricar papel de jornal, só com matérias-primas nacionais: pasta mecânica, pastas semi-branqueadas de pinha e eucalipto e sobras de jornais.

Não seria um papel de 1.ª qualidade, mas chegou a ser impresso... sem reclamações./ 63 /

Agora em que tanto se fala do fabrico de papel de jornal em Portugal e em que aparecem «ideias inovadoras» sobre a utilização dos recursos nacionais, esta tentativa, velhinha de 20 anos, poderá trazer algum contributo para os estudos a realizar.

CV – Na composição do papel de jornal entram cargas, vários aditivos, tais como corantes, brancos de azulagem, brancos ópticos, hidrossulfito de sódio, etc.

FR – No papel de jornal era utilizado o caulino como carga. Agentes de branqueio não eram necessários, a não ser os corantes e mesmo esses não eram usados com a intenção de dar ao papel maior reflectância ou brancura, mas corrigir as tonalidades. Chegámos a fabricar papel de jornal de três tipos, que só diferiam na cor, tipo Norte, tipo Sul e tipo França: tipo Norte para os jornais do Norte, tipo Sul para os jornais do Sul e tipo França, papel que era exportado para França. Usavam-se normalmente, os corantes Violeta, Victoria Blue, Rhodamine e até Orange e Auramina, o que indica que era uma questão de tonalidade e não de brancura que se pretendia dar ao papel.

Os produtos que mencionou foram só utilizados para branqueio noutros papéis, como por exemplo, Impressão Revista e Obra Livro.


O COMPORTAMENTO E PROBLEMAS NA MÁQUINA

CV – Da parte do José Domingues, como responsável mais directo pela Máquina de Papel, pretendia que referisse o comportamento desta em relação com as matérias-primas de que dispúnhamos.

JD – Devo dizer que esta máquina tinha e tem algumas deficiências, sendo as principais o sistema de depuração e a caixa de chegada, já substituídas em Setembro de 1964; tais deficiências são fruto da tecnologia daquela época.

Quanto ao comportamento da máquina, ele tem sido excelente, não tendo havido problemas de grande vulto. Contudo, ao longo destes 25 anos e pesem as beneficiações sofridas pela máquina, tem sido tarefa difícil para todo o pessoal ligado à produção, consegui com assaz persistência aumentar a qualidade dos papéis e a velocidade da máquina para se obterem os melhores resultados.

CV – É claro que a Máquina de Papel e seu comportamento dependem directamente da preparação que se dá à massa.

FR – Quanto à refinação para o fabrico de papel de jornal, houve um problema que foi resolvido com uma alteração ao sistema de circulação de pasta nos refinadores. Algumas vezes, mesmo depois dessa alteração, sucedia aparecerem aglomerados de fibras no papel, principalmente visto à transparência, que eram provenientes da pasta queimada e enrijecida pelo sol, quando os fardos estavam muito tempo expostos em parque. Havia certa dificuldade em eliminar essa anomalia dando carga aos refinadores, pelo facto de o grau de refinação da pasta mecânica ser muito alto, e a fibra muito frágil, como sabe.

Nos papéis kraft é que tínhamos algumas dificuldades em conseguir uma refinação ideal, para certos tipos de papel, só com os refinadores Jordan. Em 1963, com a aquisição de dois pré-refinadores e dois refinadores de discos duplos, essas dificuldades foram eliminadas.

CV – O problema do «pitch» ou alcatrão, José Domingues, como se apresentou e foi controlado?

JD – O alcatrão tinha origem na pasta mecânica que se usou, como já foi dito, em cerca de 80 %. Tivemos grandes problemas com aquele produto, que se desenvolvia com a temperatura, aparecendo em vários pontos da teia da Máquina de Papel, tapando a malha e provocando, assim, furos de pequena dimensão no papel. Porém, dada a delicadeza que exigia o fabrico deste papel, não tínhamos no princípio outro processo que não fosse o de parar a máquina e com escovas e petróleo limpar completamente a teia. Para reduzir este problema passámos depois a usar o TAMOL e o aluminato de sódio. Estes dois produtos davam certo resultado para pastas pouco resinosas, como sejam as pastas estrangeiras (derivadas do abeto) por nós usadas. O problema agravou-se quando começámos a usar alguma da nossa pasta / 64 / mecânica C. P. C. que, como o sabemos, era obtida do nosso pinho, que é bastante resinoso. As instalações eram rudimentares e não tinham condições convenientes para fabricar este tipo de pasta. Os principais defeitos da nossa pasta mecânica eram a irregularidade de grau de refinação e a fraca depuração.

CV – O fabrico de papéis kraft apresenta problemas muito diferentes, não é assim?

JD – Sim. Estes papéis são bem diferentes, não só na sua composição fibrosa, como também na sua utilização. São papéis que exigem tratamentos muito diferenciados, pois enquanto que para o papel kraft a nossa preocupação constante é procurar de um modo geral obter um elevado índice de resistência, para os papéis de Impressão Revista e Jornal as atenções vão para uma boa formação, opacidade, espessura e acabamento da máquina ou supercalandrado. Assim as condições de equipamento da máquina, especialmente teias e feltros, têm que ter características ligeiramente diferentes das usadas no fabrico de papel de jornal; de contrário, surgem problemas de condução e qualidade.

CV – E o que dizer quanto aos acabamentos exigidos pelo papel de jornal?

JD – O papel de jornal e o Impressão Revista, assim como qualquer outro tipo de papel, eram normalmente passados à calandra da máquina com 3 entradas, para se obter um ligeiro acabamento. Dado que esse acabamento não satisfazia as condições exigidas pelos papéis em causa, em especial o I. R., nós passámo-los à supercalandra, obtendo-se o chamado papel supercalandrado. Como o papel de jornal não exigia tanto acabamento, procurou-se adaptar a calandra da máquina com rolos para o passar com 5 ou 7 entradas, procurando assim um acabamento intermédio entre o fabrico com 3 entradas, que era o M. F. e supercalandrado, mas na realidade este objectivo nunca se alcançou visto que outros problemas surgiram motivados pela própria calandra.


EM 1958 O PAPEL DE JORNAL DE CACIA FOI CONSIDERADO ENTRE OS CINCO MELHORES EM FRANÇA

CV – Que aceitação teve o papel de jornal de Cacia e como reagiram os consumidores nacionais, Ferreira Lopes?

JFL – De princípio bastante mal e não havia defeito de que não acusassem o papel de Cacia. A descrença habitual em tudo o que é feito por nós portugueses, a acomodação a hábitos já velhos e o receio de se perderem interesses adquiridos, tudo levou a uma campanha pouco simpática em relação ao novo produto de Cacia. Foi necessário fazer uma certa «publicidade» à volta de encomendas de jornal que entretanto exportámos para a África do Sul e França para que os impressores portugueses começassem a acreditar no papel de Cacia.

Vencida esta «crise de dentição» o papel impôs-se, tanto interna como externamente, ao ponto de, em 1958, ter sido considerado entre os cinco melhores papéis de jornal que apareceram em França.

Este país comprou-nos largas centenas de toneladas em que se incluíram papéis cor-de-rosa e verdes destinados à impressão de periódicos não diários de grande tiragem e aceitação popular.

Relembro ainda que Cacia forneceu durante bastantes anos uma variedade de papel de jornal – impressão revista – em que era impresso o então chamado Diário do Governo e que sempre recebeu boas referências da Imprensa Nacional.


CAUSAS DO ABANDONO

CV – E, na sua opinião, quais as causas do abandono deste fabrico em Cacia?

JFL – Não poderei ser muito completo nesta informação visto que, justamente, no ano em que o fabrico de jornal e impressão foi abandonado em Cacia, fui destacado para a INAPA e portanto não assisti ao «enterro» do que foi, quanto a mim, uma das melhores realizações da C. P. C. / 65 /

Além do aspecto de progresso e independência que representa para um país – grande ou pequeno – dispor sem necessidade de terceiros, dos meios de divulgação, perdeu-se, com a cessação do fabrico de papel de jornal, toda uma aprendizagem e uma técnica, difícil de adquirir e que colocaram os nossos trabalhadores em condições de ombrear com especialistas estrangeiros na matéria.

Tivemos ocasião de ouvir, por mais de uma vez, referências elogiosas aos nossos homens e o próprio Sr. Warburton, sempre exigente, nos disse no dia da sua partida: «Dê os meus parabéns a todo o pessoal da fábrica de papel. De princípio julguei que sem o auxílio de estrangeiros nunca seria possível fabricar jornal em Portugal. Reconheço que me enganei e você tem aqui uma equipa de 1.ª qualidade.»

Mas voltando ao tema da pergunta. Julgo que considerações de ordem comercial, prevalecentes ao tempo e a reestruturação levada a efeito na fábrica de Cacia, teriam determinado o abandono do papel de jornal. E foi pena.


MUITAS INTERROGAÇÕES SOBRE A VIABILIDADE DESTE FABRICO. OUTRAS SOLUÇÕES ADAPTADAS À REALIDADE DO NOSSO PAIS?

CV – E para finalizar, Ferreira Lopes, qual a sua opinião sobre a viabilidade ou não do fabrico deste papel em Portugal?

JFL – Pois não é verdade que assim já aconteceu há mais de 20 anos? E que, sem ser uma actividade altamente rendosa, acabava por se equilibrar economicamente quando não estava sujeita a pressões de «dumping» ou preços artificiais?

Impõe-se que a actual situação de dependência exclusiva do estrangeiro seja modificada e que volte a produzir-se em Portugal papel de jornal.

Não é possível instalar unidades de viabilidade económica à escala internacional, de 150000 t de produção anual que equivalem a 4 ou 5 vezes o consumo nacional?

Não dispomos de matérias-primas clássicas que originam produtos de alta qualidade?

Haverá escassez de energia eléctrica a "preços adequados?

Não é viável um investimento da ordem dos 2,5 milhões de contos para dispor de uma fábrica ao estilo moderno desde a entrada da madeira à saída do papel?

Talvez todas estas interrogações tenham resposta negativa. Talvez, mas cabe ainda no domínio das realidades pensar em soluções mais de acordo com a nossa dimensão e capacidade técnica.

Para produzir 40 a 50 000 t de papel de jornal não é necessário um investimento de 2,5 milhões de contos, nem equipamento altamente sofisticado da última geração, nem utilizar exclusivamente pasta de abeto nórdico.

Haverá talvez soluções técnicas e até económicas que se adaptem melhor à realidade do nosso País. Para as encontrar e concretizar é necessário no entanto boa vontade, espírito de iniciativa e sacrifício de interesses pessoais em favor do bem geral do País.

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Registados estes depoimentos, umas palavras mais informando do estado a nível oficial, deste problema.

Pelo Decreto-Lei n.º 533/74, de 30-10-74, foi aberto concurso para uma fábrica de papel de jornal e estabelecido um prazo para entrega de propostas até 27 de Fevereiro do ano seguinte. Em Abril de 1975, um grupo de oito empresas do sector industrial de celulose apresentou um estudo da firma finlandesa de projectistas JAAKKO POYRY & Co. Estes consultores chegaram à conclusão de que a rentabilidade do investimento seria muito baixa, pela que as empresas ligadas ao projecto informaram o Governo de que somente com garantias quanto aos preços da madeira e da energia poderia a mesma ser viável. Essas garantias não foram, entretanto, prestadas.

Pouco depois foi criada a PORTUCEL e, através do Decreto-Lei º 554-A/76, considerada esta a única empresa autorizada a fabricar papel de jornal em Portugal. Dado o teor deste Decreto-Lei, e na perspectiva de se conseguir um empréstimo do Governo norueguês, a M. I. T. decidiu que fosse retomado o assunto, o que aconteceu. Todavia, perante a baixa rentabilidade prevista para o investimento, foi decidido estudar a hipótese de participação num investimento espanhol a levar a efeito pelas ENCE e PAPELERA ESPAÑOLA, a qual prevê a utilização da pasta semibranca de pinho a fornecer pela PORTUCEL e/ou de alguma madeira de pinho portuguesa para transformar em pasta mecânica. Nada ainda foi resolvido a este respeito, segundo nos informam.

Sabemos ainda que o eng.º Alberto Frazão, à altura fazendo parte da Comissão Administrativa da ex-C. P. C., propôs que a solução a dar a este problema fosse obtida por outra via: a realização do empreendimento e investimento da fábrica de papel de jornal em Portugal com a participação financeira de outros países da orla mediterrânica, importadores deste tipo de papel, eventualmente interessados numa colaboração deste tipo.

Em presença pois de três posições. A da eng.º Ferreira Lopes, tenda em vista um esforço interno para produzir este tipo de papel, evitando-se a importação, saída de divisas e situação de dependência externa. A posição oficial de instalação de fábrica independente, moderna e de alta capacidade. Finalmente, as hipóteses de colaboração com outras países também importadores de papel de jornal.

Cacia, 2 de Junho de 1978.

C. V.

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* Engenheiro Químico. Director do Centro de Produção Fabril – CACIA

 

 

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