a celulose de cacia

E A RIQUEZA FLORESTAL

QUE A RODEIA

POR ENG.º ERNESTO GOES *

 

 

 

 

 

Quando se pensou instalar a 1.ª fábrica de celulose, pelo processo do sulfato (kraft) em Portugal, utilizando a madeira de pinho (pinheiro bravo), muitas vozes se levantaram para afirmarem que essa fábrica (a de Cacia) iria delapidar o património florestal, fazendo na região uma verdadeira clareira.

Ora esses receios partiam, sem dúvida, de bases muito precárias, pois só mais tarde, em 1965, e por pressão minha no Grupo de Trabalho para a criação de fábricas de Celulose em Portugal, no âmbito da Comissão de Desenvolvimento Económico da EFTA, em 1963, se elaborou o 1.° inventário florestal a nível nacional, que nos deu com maior exactidão as possibilidades de produção do pinhal e eucaliptal do País.

Por esse inventário e posteriores actualizações parcelares por distritos, verificou-se que o pinhal português permitiria uma muito maior sobrecarga, sem defraudar o património produtivo.

Além do anterior consumo da indústria de serração, que julgo manter-se nos mesmos níveis, e que é presentemente da ordem de 2 500 000 m3, e o da Celulose de Cacia, que era de 250000 st., o pinhal português veio a suportar, sem «pestanejar», mais os seguintes consumos:

Novas Celuloses – 1 600 000 st

Aglomerados       –    250 000 st

__________

1 850 000 st

 

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Segundo elementos de inventários oficiais, o pinhal português ainda permite mais, em virtude do consumo ainda não ter atingido o máximo da possibilidade, conforme elementos que se apresentam:

Possibilidade – 670 000 m3/c.c.

Estimativa dos consumos:

m3/c.c.

Serrações. . . . . . . . . . . . . . 2 600 000

Celuloses. . . . . . . . . . . . . . 1 900 000

Aglomerados. . . . . . . . . . . .   250 000

Outros. . . . . . . . . . . . . . . .  1 200 000

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5 950 000

Deste modo deverá haver teoricamente, um saldo anual da ordem de 750000 m3/c.c.. No entanto, julgo que há que ponderar e analisar melhor os elementos existentes e completá-los, se acaso for necessário, de modo a não passarmos de oito de há 25 anos, para oitenta no momento presente.

Igualmente não queremos deixar de apontar que a Celulose de Cacia, que fora concebida para consumir apenas madeira de pinho, em resultado de ensaios efectuados pelos técnicos desta Fábrica, passou, a partir de 1957, a consumir também madeira de eucalipto, pois até esse momento julgava-se não ser possível utilizar esta madeira (de cortes de eucaliptais em talhadia) em pastas do tipo kraft.

Em virtude desta descoberta, que só dignifica a excepcional equipa técnica da Celulose de Cacia, pôde-se generalizar em todo o Mundo a utilização do eucalipto em celulose, e desta forma o fomento desta cultura florestal teve enorme impulso, em que Portugal não ficou alheio. Por estas razões e também porque em Portugal existem condições ecológicas excepcionais para a cultura de E. globulus a área de cultura desta espécie duplicou em 10 anos.

Regressando outra vez ao temor de que a Celulose de Cacia viria a devastar em sua volta todas as áreas florestais, não queremos deixar de assinalar, que esse fenómeno não se deu, conforme elementos que a seguir se apresentam.

Considerando apenas o distrito de Aveiro que é, sem dúvida, aquele de maior taxa de arborização do País, e neste aspecto a localização da fábrica é a ideal, pela análise de 2 inventários efectua dos, um em 1965 e outro em 1977, que a seguir se apresentam, verifica-se que a área florestal não diminuiu, até pelo contrário.

INVENTÁRIO DE 1965

Pinhal bravo

 

Povoamentos puros ....................  44238 ha

Povoamentos mistos dominantes  62975 ha

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Total ............ 107213 ha

 

Eucaliptal


Povoamentos puros..................... 11 343 ha

Povoamentos mistos dominantes 11 598 ha

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Total .............. 22 941 ha


INVENTÁRIO DE 1976

Pinhal bravo

 

Povoamentos puros ................... 50 100 ha

Povoamentos mistos dominantes 51 200 ha

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Total .............  101 300 ha

 

Eucaliptal

 

Povoamentos puros .....................18 600 ha

Povoamentos mistos dominantes 11 900 ha

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Total ............. 30 500 ha
 

Pelos elementos apresentados verifica-se que a área florestal teve um ligeiro aumento, observando-se contudo um pequeno decréscimo do pinhal em favor do eucaliptal, fenómeno esse que se tem verificado na generalidade, no País, e que convém evitar, por meio duma melhor estruturação da exploração do pinhal (em parte através do cooperativismo florestal), de estímulos vários e de regras legislativas controladoras.

Não queremos deixar de assinalar a grande importância que têm os povoamentos mistos, que duma maneira geral são consociações de pinheiro bravo e eucalipto (E. globulus) em várias cambiantes, normalmente com dominância do pinheiro bravo.

Julgo que esta consociação sob vários pontos de vista é salutar, pois mesmo os defensores acérrimos da silvicultura clássica (caso do ilustríssimo Eng.º Agrónomo Ribeiro Teles), com algumas limitações, também a defendem, por entrar no jogo a «resinosa» e a «folhosa», que em conjunto se completam.

Esta consociação resulta principalmente porque estas duas espécies encontram no distrito de Aveiro, assim como em toda a faixa litoral a norte do Mondego, excepcionais condições ecológicas, para coabitarem como verdadeiros irmãos; por outro lado esta / 57 / consociação coaduna-se perfeitamente com a estrutura fundiária, da pequena propriedade ou minifúndio, em que a exploração florestal normalmente é feita para suprir faltas, constituindo assim o património florestal um verdadeiro «mealheiro» ou «caixa económica».

Também não queremos deixar de focar a importância da riqueza florestal do distrito de Aveiro, onde se situa a fábrica de Cacia, e a sua produtividade, como fonte de abastecimento das celuloses e outras indústrias.

O distrito de Aveiro tem uma taxa de arborização de 48 %, sendo sem dúvida o mais arborizado do País, pois os seguintes são:

Coimbra ...   ...   ...   47,6 %

Viseu...   ...   ...   ...  41,2 %

Porto...   ...   ...   ...  40,5 %

As produções anuais de madeira de pinho e eucalipto do distrito de Aveiro, segundo estudos e estimativas efectua dos são da ordem de:

Pinho ...   ...   ...   500000 m3/c.c.

Eucalipto ...   ...   600000 m3/c.c.

No que respeita ao eucalipto considerou-se também a produção dos povamentos mistos dominados de eucaliptos, que ocupam 49500 ha (ou sejam povoamentos mistos de pinheiros e eucaliptos, com dominância daqueles).

É de salientar que este distrito é de longe o mais arborizado com eucaliptos, cujo crescimento médio anual é da ordem de 15 m3fanofha, produzindo só por si 20 % da madeira de eucalipto do País.

Deste modo, a produção de eucalipto do distrito chega praticamente para o consumo das 2 celuloses existentes (Cacia e Caima); no que respeita ao pinho, se considerarmos que as celuloses consomem cerca de 40 % da produção do pinhal, para Cacia, bastar-lhe-á apenas o distrito de Aveiro e metade do de Viseu.

Ora, por estes elementos, poder-se-á verificar, sem margem para grandes erros, que a Celulose de Cacia, no que respeita a abastecimento de madeiras está excepcionalmente bem localizada, podendo obter toda a madeira que necessita num raio de acção muito pequeno, o mesmo não acontecendo com algumas das outras celuloses, principalmente com a de Via na, que para se poder abastecer tem que ir até aos distritos de Vila Real, Bragança, Viseu e Guarda.

Por último, se bem que o distrito de Aveiro seja dos mais ricos do País e que tenha um ordenamento agrícola quase perfeito (agro-florestal), no entanto, mesmo assim ainda subsistem 21 900 ha de incultos, que em relação a 1965 só foram arborizados 1 600 ha (que é em grande parte o acréscimo verificado na área florestal), o que consideramos muito pouco ou insignificante. Ora, neste sentido, há que dar um maior impulso à arborização dos incultos, que mesmo no distrito de Aveiro, ainda apresenta um valor muito elevado.

Lisboa, 2 de Maio de 1978.

E. G.

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Engenheiro Silvicultor. Director do Centro de Produção Florestal da PORTUCEL

 

 

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