nascia uma fábrica...
DO TRABALHO NASCEU, COM TRABALHO CRESCEU
POR LUÍS BERNARDO ROLO
*
Não é sem uma ponta de emoção que tomamos a
pena para de algum modo nos debruçarmos, por pouco que seja, sobre o
passado histórico da nossa antiga Empresa.
A maior parte de nós nela se formaram no
tempo e aos poucos, técnica, sentimentos pessoais, conhecimentos
adquiridos, enfim, pessoas e acontecimentos se foram caldeando vida
fora, de modo a formarem um todo quase indissociável.
Foram os melhores anos da nossa vida, quando
muito tínhamos para dar e muito demos. Todos. Foi uma vida de muitos,
passada e vivida na Marinha Baixa de Cacia, desde os tempos em que, por
inexistência de «casa», se trabalhava a coberto de um simples beiral,
prolongamento das primeiras barracas que no seu interior viram
desdobrar-se – pela primeira vez – os desenhos do empreendimento.
Nascia uma fábrica corporizando uma Empresa
antes firmada no papel.
A vontade e querer de todos quantos a ela o
seu contributo deram haviam de torná-la, ao longo do tempo, sempre
maior.
Projectada pelo finlandês Eng.º Kaarlo
Amperla, foi sob a superintendência de finlandeses que se mirou e
«provou» a primeira pasta no verão quente de 1953. E foi com os
finlandeses que Cacia deu os primeiros passos na indústria que mais
tarde tão bem havia de «manejar».
Um agradecimento é devido. Aqui fica.
Da pequena produção de 114 toneladas por
dia, considerada ao tempo a expressão da capacidade mínima rentável até
às 700 toneladas diárias que hoje se esperam após arranque dos novos
equipamentos, que distância vai!
«Bodas de Prata» de uma unidade fabril! São
25 anos de canseira, de trabalho árduo, talvez nem sempre justamente
compensado, de alegrias e tristezas mas em que, acima de tudo, como
indelével substrato de constância, permanecia o espírito de entreajuda,
de harmonia plena e, porque não dizê-lo, de amizade entre todos.
E é o impulso aqui alicerçado que origina a
força imparável que leva Cacia ao longo da sua vida a muscular-se
primeiro e ultrapassar depois, as fronteiras do seu pequeno mundo.
Desenvolve a sua própria tecnologia.
Trabalhos de muito mérito são levados a cabo no seu laboratório Central.
Relatórios de circunstância e pormenor atestam bem o merecimento dos
mesmos. Lá estão na Biblioteca. Não são apenas históricos, têm
actualidade plena.
Com profundidade se estuda a utilização de
novos tipos de fibra para a produção de celulose.
Pela primeira vez no mundo, fora da
Austrália, o eucalipto é tratado pelo processo alcalino. Após longo e
detalhado estudo laboratorial é lançada a primeira cozedura industrial a
4 de Janeiro de 1957.
Ninguém ajudara Cacia! Até mesmo os
consultores ingleses eram de parecer contrário. Seria utópico, no seu
dizer, utilizar tal fibra para a oferecer a mercados exigentes!
A experiência vinga. Como consequência do
trabalho pioneiro, pôde assistir-se a um desenvolvimento espectacular da
indústria de celulose em Portugal, que oferta agora à exportação, uma
fibra de alta competição no domínio das folhosas, o que não
poderia acontecer com o pinho no das coníferas.
Novas empresas vieram depois processar o
eucalipto nos mesmos moldes: em Portugal, Angola, Espanha, Marrocos,
etc.
Pensa agora, Cacia, em expandir-se e quer
fazê-lo por si própria também. Cria o Gabinete de Estudos, desenvolve o
projecto, planifica actuações, visita o mundo procurando dele tirar as
suas últimas inovações técnicas, adquire sofisticado equipamento,
procede à sua montagem!
São mãos portuguesas que põem em marcha as
novas máquinas, são postos de trabalho que se criam, são divisas que
entram. Tinha crescido Cacia e mais tarde fá-lo-ia de novo!
No campo da assistência técnica muito se fez
também.
Uma equipa de trabalhadores cobrindo os
diversos sectores fabris parte para Pontevedra e ali «arranca» a nova
fábrica da Empresa Nacional de Celulosas administrada pelo Instituto
Nacional de Indústrias de Espanha. Estávamos em 1961. Esta colaboração e
assistência prolongar-se-ia pela primeira metade de 1962. Ainda hoje os
dirigentes espanhóis falam com muita simpatia e apreço da qualidade do
serviço prestado.
/ 13
/
Em 1964 vem a Socel. Técnicos e operadores
de máquinas, recentemente admitidos nesta Empresa, permanecem largo
tempo em Cacia, para treino. Mais tarde e intercalando-os, numerosa
equipa «Caciense» parte para Setúbal. Ao longo de alguns meses, após
planificação e trabalho árduo, uma nova unidade é lançada em marcha
passando da fase de estaleiro a «mar aberto» de competição. Cem mil
novas toneladas de pasta de boa qualidade são agora oferecidos ao
mercado europeu.
Mas não nos quedaremos por aqui.
Em 1965 é prestada assistência técnica à
Companhia de Celulose do Ultramar Português. Está em causa o aumento de
capacidade das suas instalações fabris do Alto Catumbela das 70
toneladas para as 140 toneladas diárias. Do ante-projecto inicial se
passa à fase de inquérito.
Daqui, à redacção das fórmulas contratuais
para a compra do equipamento adequado. Depois, e finalmente, um arranque
confiante e eficiente conduzido por mãos firmes de trabalhadores que
antes o foram de Cacia!
A Administração da C. C. U. P. quis mostrar
a sua satisfação inserindo no Relatório do ano de 1966 um agradecimento
especial que reza assim:
«Dirigimos, por isso, o nosso agradecimento,
cumprindo-nos testemunhá-lo com particular relevo, à Companhia
Portuguesa de Celulose, pela valiosa assistência técnica que nos
proporcionou».
Por volta de Maio de 1966, surge na Empresa
um duplo pedido de colaboração por parte da Compagnie Française des
Forges de Ia Loire, adjudicatária principal na construção da fábrica
jugoslava de Sremska-Mitrovica. Este pedido referia a assistência
técnica às operações de fabrico de papel no que respeitava
particularmente a instrumentação e ainda a arbitragem do conflito
surgido então entre as empresas francesa e jugoslava. Com efeito, os
jugoslavos recusavam o pagamento de 2 milhões de dólares aos franceses
enquanto determinados consumos específicos estabelecidos em contrato
prévio não fossem atingidos. Particularmente, tratava-se de exagerado
consumo de sulfato de sódio por tonelada de pasta de papel e anormal
gasto de vapor no Branqueamento.
Aceite, por ambas as partes, a arbitragem de
uma empresa portuguesa, foi com satisfação que vimos, ao fim de algum
tempo de trabalho, ter efectividade total, a aceitação do nosso parecer,
pelo que o diferendo se considerou resolvido.
Vem a seguir a Celangol – Celuloses de
Angola, S. A. R. L. Pede assistência técnica que é acordada.
Estabelece-se o princípio de que esta assistência seria mais tarde
generalizada. A contratação eventualmente a firmar, estabeleceria
condições de treino dos seus trabalhadores em Cacia e superintendência
dos nossos no lançamento de mais uma unidade fabril. Da fase
concretizada de consulta junto dos projectistas Parsons & Whittemore,
escalar-se-iam os degraus seguintes.
O destino, porém, quis que assim não fosse,
pelo menos em relação a Angola.
Neste conjunto de pontos, aqui singelamente
deixados, perpassa toda a história de uma empresa que se firmou e
afirmou por si própria, na virtude de quantos a ela se devotaram e deram
o seu contributo. E foram todos.
Do trabalho nasceu, com trabalho cresceu e
se fez gente, na senda do trabalho continuará por certo para exemplo de
muitos.
Parabéns. Felizes «Bodas».
L. B. R.
_______________________________________________
* Engenheiro Químico, Adjunto do Conselho de
Gerência da PORTUCEL.
|