Biblioteca Municipal de
Aveiro
Desde o dia 18 de Junho que
Aveiro dispõe de um novo edifício para a Biblioteca Municipal,
inaugurado pelo Secretário de Estado da Cultura, Dr. Santana Lopes.
Precedida por uma "Parada Infantil" alusiva ao livro, a cerimónia
realizou-se durante a tarde daquele dia, na presença das entidades
locais, com visita guiada, sessão solene no respectivo auditório,
entrega de prémios do concurso de desenhos e textos sobre a Biblioteca,
lançamento da brochura editada pela Câmara Municipal "Associações
Culturais do Concelho de Aveiro", e concerto pela Orquestra de Câmara de
Aveiro.
O imóvel, que foi totalmente
reconstruído e adaptado, conservando-se a sua traça arquitectónica
exterior, começou por ter sido a Caixa Económica de Aveiro e a Delegação
do Banco de Portugal e, ultimamente, recebeu a Escola do Magistério
Primário Particular; as obras importaram em mais de duzentos mil contos.
Sobre a concretização desta
obra, o Presidente da Edilidade diria que o sonho surgira em 1988;
vencidas as dificuldades do percurso, conseguiu-se que a cultura esteja
também no centro de Aveiro, onde as pessoas se movimentam. "Aveiro, que
tem caminhado para outros sectores, designadamente os da indústria e do
comércio, – afirmou o Dr. José Girão Pereira – não esquecerá as suas
raízes culturais e animar-se-á ainda mais para a realidade do livro".
O Dr. Santana Lopes, no uso
da palavra, manifestou a esperança de que "nenhuma comunidade nem nenhum
país vencerão ou enfraquecerão a cultura portuguesa, que marca a nossa
identidade nacional de oito séculos... desde que continuemos a apostar
numa luta calma, sem atropelos, nas bibliotecas, nos museus e noutros
centros culturais".
O programa da inauguração
prolongou-se por toda a semana, com variadas conferências e com visitas
guiadas. No último dia, 25 de Junho, foi o lançamento do livro do Dr.
Vasco Branco "A Cidade Salgada" – a que nos referimos noutro local.
HISTÓRIA DA BIBLIOTECA
MUNICIPAL
O texto que se transcreve foi publicado na brochura "Guia do
Utilizador", que a Câmara Municipal de Aveiro editou e que se ficou a
dever à coordenação da Dra. Madalena Pinheiro e com "design" de João
Portugal. Porque o julgamos de grande interesse para o conhecimento da
história da nossa Biblioteca, aqui o deixamos à disposição dos leitores:
Uma das consequências da
Revolução Liberal foi a difusão do conhecimento e da cultura ao nível
geral da população, provocando uma verdadeira explosão de bibliotecas
por todo o país. Aveiro, apesar dos nomes sonantes da política liberal,
naturais da cidade ou do seu concelho, "acordou" tardiamente para a
realização deste velho anseio das suas gentes.
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Mas esse desejo existia, e a
confirmá-lo está a acta da sessão ordinária da Câmara de 22 de Fevereiro
de 1910; entre vários assuntos tratados nessa reunião camarária, está o
da criação da Biblioteca Pública /.../, incluindo-se para o seu início
no próximo orçamento a verba que se julgou necessária. Mas a ideia não
foi avante, por certo devido à fase instável que se seguiu ao 5 de
Outubro desse mesmo ano.
Assim, só se encontram novas
referências a esse assunto no dia 11 de Outubro de 1923 e nestes termos:
"Criar uma biblioteca municipal, dando plenos poderes ao presidente para
adquirir livros, arranjar casa e fazer tudo o que necessário for para a
rápida efectivação deste indispensável e útil melhoramento, fazendo
incluir no orçamento a quantia de doze contos destinados à compra de
livros, mobiliário e mais despesas, e autorizando-o a assinar quaisquer
contratos respeitantes a este assunto; nomear bibliotecário o cidadão
Manuel Gaspar, casado, empregado municipal, dando-lhe a remuneração
mensal de 150$00 pelos serviços que terá de prestar na mesma biblioteca
municipal". Encontramos a confirmação desta iniciativa no "Livro de
actas das sessões da Câmara Municipal de Aveiro", no dia 7 de Novembro
desse ano: 'Tornando-se absolutamente necessária a criação da Biblioteca
Pública Municipal a instalar nesta cidade e tendo-se proporcionado a
ocasião de adquirir para o início desta biblioteca uma livraria que
estava em boas condições para o fim desejado, resolveu a Comissão
Executiva, na sua sessão de 2 de Outubro último, fazer a criação da
biblioteca e aquisição dos livros, pelo que pedia à Câmara que aprovasse
a resolução tomada, se assim o entendesse". O que foi feito por
unanimidade.
Mas só em 1927 será
inaugurada. Refere a acta de 19 de Maio desse ano que, "tendo o Senhor
Presidente informado que a Biblioteca Pública Municipal se encontra em
condições de ser aberta ao público /.../, o acontecimento terá lugar no
dia 23 desse mês e ano". Seguem-se o regulamento e o horário do seu
funcionamento.
Ficou instalada na antiga
Casa do Despacho da Santa Casa da Misericórdia, a quem a Edilidade
pagava uma renda. Diz a "Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira"
que o seu fundo bibliográfico inicial era proveniente da colecção do
professor do liceu Dr. Alexandre Ferreira da Cunha, a que se teriam
seguido outras importantes doações, tal como a da família de José
Luciano de Castro, em 1948.
A imprensa local da época
fez eco dessa inauguração. "O Povo de Aveiro", de modo lacónico:
"Biblioteca Municipal – É caso para dar os parabéns ao Sr. Presidente da
Câmara e à cidade". Já "O Democrata" do dia 21 anunciava o evento para
23 e fazia referência aos seus 3.500 volumes e ao seu horário
provisório, classificando esta medida camarária como "um importante
melhoramento, da máxima utilidade para os que pretendem aprender,
estudando".
Na edição de 18 de Junho,
volta o articulista a elogiar "as faculdades de trabalho e de iniciativa
do Dr. Lourenço Peixinho, presidente da Comissão Administrativa da
Câmara", e passa a descrever as várias secções do catálogo, incluindo os
periódicos e o Livro Antigo. E, em 5 de Novembro, voltaria ao mesmo
tema, afirmando que "não se pode exigir mais nem melhor numa terra de
tão poucos recursos como a nossa".
Dando uma vista de olhos aos
relatórios anuais da Gerência do Município de A veiro a partir de 1942,
nota-se uma preocupação constante com este sector; já em 1943 começavam
as queixas e lamentações, reclamando-se novas instalações numa
insistência permanente: "É necessário procurar instalações mais
adequadas para a Biblioteca Municipal, tornando-a num autêntico centro
cultural /.../". É de admirar a intuição e o alargamento de ideias sobre
aquilo que deveria ser uma biblioteca, dando uma certa dinâmica
inovadora a uma organização considerada ainda hoje, e por alguns, como
tendência estática.
As queixas repetem-se
anualmente, ora pelo desinteresse da população pela cultura, ora pelas
más condições de leitura. E sugestões também não faltam - todas elas
provisórias e precárias. Chega a ser pungente o desabafo do relator em
1952: "Dá-nos a impressão de que a opinião pública se encontra
divorciada da nossa biblioteca e nem dela se lembra".
Mas em 1963 surge a grande
notícia: "Foi lida e aprovada a minuta do contrato a celebrar com o sr.
Arq. Fernando Luís Meneses de T. e Távora para a elaboração dos
ante-projecto, projecto e fiscalização de obras da construção do
edifício destinado ao Turismo, Finanças e Fazenda Pública, Serviços
Culturais e Biblioteca" (Acta da reunião de 7 de Junho de 1963).
O edifício acabaria por ser
inaugurado apenas a 16 de Maio de 1970, vindo satisfazer as necessidades
culturais da época, como provam os dados estatísticos referentes aos
anos de 1970-72: – De 425 leitores e 486 obras requisitadas na primeira
data, sobe-se para 3.716 leitores e 5.070 obras em 1971, e depois 4.962
utilizadores e 6.499 obras solicitadas em 1972. Nestes vinte e três anos
os serviços prestados ao público pela Biblioteca Municipal, apesar de
todas as carências e defeitos que se lhe reconhecem, foram
significativos.
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Mas, o desenvolvimento
sócio-económico da população do Concelho, que proporcionou a uma grande
quantidade de jovens o acesso à educação, a diminuição do analfabetismo,
assim como o mais fácil acesso aos novos desenvolvimentos tecnológicos,
foram factores que contribuíram para o aumento da procura de informação
na Biblioteca Municipal de Aveiro. O número de utilizadores aumentou
consideravelmente, tornando as instalações existentes acanhadas e sem
possibilidades de responder de modo satisfatório às novas necessidades.
Em 1987, através do
Decreto-Lei n.º 71 de 11 de Fevereiro, foi criado o Instituto Português
do Livro e da Leitura, entidade tutelada pela Secretaria de Estado da
Cultura, que tinha como competências desenvolver um projecto de
implantação de uma rede de bibliotecas nas sedes dos concelhos,
repartindo as responsabilidades com os Municípios através da celebração
de contratos-programa.
A Autarquia Aveirense,
sensibilizada para a necessidade de criar um novo serviço de leitura
pública que proporcionasse, de uma forma mais eficaz, toda a informação
aos seus habitantes, decidiu candidatar-se a este programa da S.E.C.
Adquiriu-se um edifício com uma óptima localização, construído numa
traça arquitectónica própria de uma época, no qual tinham estado
anteriormente instalados os serviços do Banco de Portugal, a Escola do
Magistério Primário e mais tarde as sedes das associações culturais da
cidade. Os serviços de arquitectura da Câmara Municipal de A veiro,
coordenados pela Arquitecta Diamantina Galacho, fizeram um notável
aproveitamento do edifício, projectando um espaço funcional e
esteticamente ajustado às novas exigências.
A introdução de uma fachada
envidraçada pretendeu dar transparência ao edifício, facilitando o
diálogo entre o exterior e o interior e permitindo que as imagens
reflectidas pudessem criar uma relação de cumplicidade com o transeunte.
O espaço interior conjuga áreas nobres de tectos rendilhados a estuque
com planos ritmados de colunas, que nos projectam através da fachada
para o exterior. A parte central do edifício é envolvida com toda a
sumptuosidade por uma clarabóia gigante.
Após aprovação por parte do
I.P.L.L. do projecto apresentado pela Autarquia Aveirense em 27 de
Dezembro de 1988, consolidaram-se os princípios de concretização da
construção da nova biblioteca de leitura pública através da celebração
de um contrato-programa entre a Câmara Municipal de Aveiro e o I.P.L.L.
A reconstrução iniciou-se e, apesar de algumas vicissitudes em todo o
seu processo, emergiu lentamente um novo edifício, respeitando o
programa-tipo para as bibliotecas da rede de leitura pública, isto é, a
construção de uma BM2.
Os fundos documentais foram
actualizados. O quadro de pessoal foi rentabilizado, proporcionando a
todos os funcionários cursos de especialização na área de
biblioteconomia e documentação. Assim, conjugando os traços e os espaços
arquitectónicos principais do edifício com as directrizes aconselhadas
pelo I.P.L.L., surgiram átrios, salas polivalentes, secção de adultos,
secção infantil, áreas de gestão e serviços.
A B.M.A. impõe-se-nos hoje
como um dos principais equipamentos culturais que a Autarquia oferece a
todo o Concelho de Aveiro. Pretende ter os seus serviços baseados no
Manifesto da Unesco sobre a Biblioteca Pública, conjugando os valores da
informação, da cultura e do lazer.
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HOMEM CHRISTO E A INSTRUÇÃO
«Há dias contava-me um amigo
que ouvira um sermão de um padre jesuíta numa povoação vizinha da cidade
de Aveiro. O jesuíta, muito inteligentemente, aconselhava, do púlpito,
homens e mulheres, a que mandassem os filhos às escolas. Muito
inteligentemente mostrava aos outros as vantagens enormes do ensino
elementar. Muito inteligentemente dizia-lhes que Deus não dera ao homem
só a palavra falada, mas também a palavra escrita, e que era ser grato a
Deus, e honrá-lo, aprender a ler e a escrever, porque a palavra escrita
é que verdadeiramente distinguia os homens dos irracionais. (...)
Donde se conclui que
defender o analfabetismo não é uma questão de partido ou de religião,
mas uma questão de estupidez e nada mais. Quem é inteligente defende a
instrução do povo, seja crente ou ateu, seja conservador ou seja
revolucionário. Quem é estúpido, combate-a.
Jesus, filho de Deus, sabia
ler e escrever. Nas feiras vendem-se estampas representando Santa Ana a
ensinar a Virgem a ler. Ofende, pois, Deus, a Virgem e Jesus, renega a
religião e ultraja a própria Igreja todo aquele quadrúpede que, (...) em
nome das crenças divinas, lança o ódio sobre a Escola.»
"O Povo de Aveiro", Abril de
1930; vd. Agitada Vida de Homem Christo, vol. I pgs. 92-93). |
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