Aveiro recupera azulejos
antigos
Sensibilizar a população para a importância do azulejo no
seu aspecto cultural, histórico e artístico e, por isso, alertar para a
necessidade de continuar a preservá-lo enquanto património que, reunido,
constituirá um dos embriões do futuro Museu de Cerâmica, é o objectivo
de um grupo de gentes aveirenses ligadas a um projecto que luta contra o
avanço do tempo.
No sentido de não deixar que as mudanças arquitectónicas
desnudem as nossas casas dos azulejos, tão tradicionais na região, e
para que ninguém se esqueça do rico património que possuímos nesta área,
os Serviços de Cultura da Câmara Municipal de Aveiro encetaram um
trabalho de recolha azulejar.
Numa mudança de atitude, começaram a incentivar os
artistas e industriais, tendo tomado a seu cuidado a recolha de um
espólio que, «mesmo sem ser dos mais ricos do país, já permite ajuizar
sobre a variedade e a quantidade da azulejaria, a sua evolução técnica e
a riqueza plástica do Aveiro de outros tempos».
O trabalho surge, decerto, no seguimento das alterações
profundas de que Aveiro tem sido alvo, sacrificando um dos elementos
mais significativos, quer pela sua fragilidade enquanto «acessório» da
arquitectura, «mas sobretudo porque na história da Arte Portuguesa não
era reconhecido como produto artístico de valor».
Directamente responsável por todo este trabalho, o
Vereador do Pelouro da Cultura, Prof. Celso dos Santos, refere que «era
nossa intenção, desde há muito tempo, dar a conhecer aos munícipes parte
do espólio azulejar que, por aquisição, oferta ou recolha, tem vindo a
incorporar a colecção de azulejos da Câmara».
Duas pessoas activamente entregues ao trabalho dos
azulejos são o Dr. Emanuel Cunha e D. Paula Cardoso, que fizeram nascer
do nada uma iniciativa que conta já sete anos.
Guardados numa sala que não tem as condições necessárias
para a sua permanência, os azulejos estão a ser recuperados,
reconstruídos, catalogados e inventariados para, posteriormente, serem
levados para um armazém próprio e, de quando em quando, expostos ao
público.
O processo de recolha é diverso, podendo estes provir de
ofertas, serem adquiridos pela própria Câmara, ou então recuperados de
casas que vão ser demolidas – o que, devido ao crescimento urbano, se
torna cada vez mais frequente.
Após a recolha, os dois elementos responsáveis,
especialmente D. Paula Cardoso, que está mais vocacionada para este
trabalho específico,
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procuram retirar ao azulejo a camada de «estuque» que muitas vezes ainda
traz consigo, processo que normalmente demora muito tempo. Assim que o
azulejo se encontrar em condições mínimas, são encetados os trabalhos de
identificação e acabamentos, que passam pela colocação de uma moldura
num dos protótipos de padrão. «Será positivo contemplar a variedade de
padronagem, distinta em cada época, na sua riqueza de policromia, e a
partir daí tentar recriar vastas superfícies do casario aveirense,
revestido e adornado por estas e tantas outras placas de azulejo».
A cunhagem dos azulejos possibilita a identificação da
fábrica e, desta forma, a época aproximada da sua produção. Mas, muitas
vezes, ou devido à degradação do azulejo ou por motivos de fabrico
vários, algumas peças não têm cunhagem, o que impede o reconhecimento do
fabricante.
Os nomes que fizeram a história
A seguir ao nascimento da Fábrica da Fonte Nova, é
constituída a Fábrica dos Santos Mártires que, depois de transferida
para as proximidades da Fonte Nova, passa a designar-se Fábrica Aleluia.
«Estas unidades tinham uma produção muito variada, que ia
desde a faiança decorativa e utilitária até aos azulejos, reflectindo
características peculiares do mercado local e regional».
Outras unidades, que nasceram e se especificaram no
fabrico de produtos de barro vermelho para a construção, foram as
Fábricas de Jerónimo Pereira Campos, depois a Empresa Cerâmica da Fonte
Nova, a Empresa de Louças de Aveiro e Empresa Olarias Aveirense, se bem
que, a Fábrica Aleluia e a Fábrica do Outeiro, em Águeda, assumam a
hegemonia do fabrico de azulejos na região, num contexto económico,
social e cultural bem diverso.
Carregada de tradições cerâmicas, Aveiro tem um
património incalculável de peças de cerâmica, nomeadamente azulejos.
Em jeito de amostragem da dimensão deste património,
pode-se dizer que os azulejos, atirados sistematicamente para a «vala
comum», se tivessem sido aproveitados, «poderiam, de certeza, atapetar
todas as praças públicas da cidade».
Como nos disse Emanuel Cunha, este património «é de
inestimável valor, não tanto pela sua importância monetária, mas
essencialmente pelo valor cultural, histórico e artístico que lhe está
adjacente.»
Pegando novamente nos processos de tratamento dos
azulejos, após a sua total reabilitação e possível identificação, é
feita uma ficha própria para cada painel, onde estão impressas
informações como a origem, a data (aproximada, quando não for possível a
sua total identificação), a fábrica, as cores e, se possível, o autor do
motivo.
Neste momento, esta «equipa» de interessados no
património azulejar da região conseguiu já preparar muitos painéis de
azulejos, estando ainda muitos outros por tratar e identificar.
Um trabalho considerado por eles difícil e demorado, mas
que, «caso não existisse, estas peças estariam condenadas para sempre e
o património municipal seria empobrecido e esquecido».
Para além dos azulejos, o espólio integra também alguns
pratos: os responsáveis estão a pensar juntar-lhes alguns outros
elementos, como sejam, as chaminés aveirenses, recuperadas de casas
«condenadas», cadeiras trabalhadas, telhas tradicionais e esculturas,
que irão a médio ou a longo prazo integrar o futuro Museu de Cerâmica de
Aveiro.
Numa procura de «documentos vivos» do historial das
indústrias cerâmicas da região, existe quem considere este trabalho de
uma extraordinária importância, que «não se confina apenas às
necessidades de preservação patrimonial, mas é condição primeira do
estudo dos mais variados
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aspectos destes azulejos, num claro entendimento de que a história da
arte é, antes de mais, história da cultura».
Durante este ano, os Serviços de Cultura receberam ou
incorporaram cerca de 100 exemplares de azulejos diferentes.
Uma iniciativa que o Prof. Celso dos Santos refere como
sendo útil para «mostrar a diversidade da padronagem que, ao longo de
várias décadas, foi produzida em algumas fábricas e aplicada, quer em
revestimentos (exteriores e interiores), quer em decoração de casas
entretanto demolidas ou recuperadas», para além do aspecto inerente da
sensibilização das gentes de Aveiro para a importância do património
azulejar, foi a recente exposição de azulejos, realizada em Maio
passado.
Esta mostra pretendeu, desde já, demonstrar a Aveiro que
os azulejos não estão esquecidos e num objectivo, mais profundo,
incentivar indústrias e artistas desta área, para que continuem a
produzir azulejos e que alarguem os padrões agora usados, que o Vereador
da Cultura considera «indiferentes ao interior ou exterior», mesmo que,
para isso, recorram a imitações do passado que, como a afluência à
exposição comprova, são ainda de actual e extraordinária beleza e
elegância.
O Dr. Emanuel Cunha e D. Paula Cardoso, que não tencionam
parar este trabalho, acentuam que «devemos sempre continuar a actividade
iniciada e procurar mais coisas novas para enriquecer o património
aveirense».
Documentos vivos do desenvolvimento regional «É nossa
preocupação fazer uma colecção do património municipal azulejar», diz o
Prof. Celso dos Santos e refere que «a demolição de algumas casas não
deve fazer morrer os azulejos».
Como somos uma região forte em cerâmica, quer ela seja
artística ou utilitária, o Vereador acredita numa «prática viva do uso
dos azulejos, mantendo desta forma as tradições da região que com a nova
arquitectura se desvanecem cada vez mais».
Neste capítulo, acrescenta que «o moderno está a
sobrepor-se ao tradicional, nas zonas históricas de Aveiro, como o
erguer de edifícios que fogem ao planeamento do local»; aqui assumem-se
como responsáveis os Serviços Técnicos da Câmara que, conforme refere
aquele Vereador, «não andam muito atentos às formas de construção na
parte antiga da cidade».
O Dr. Amaro Neves, investigador histórico bastante ligado
ao azulejo, chega a dizer acerca deste assunto que, «nesta acção
devastadora, a Câmara de Aveiro tenha tido grande responsabilidade, não
cuidando da sua preservação, e não tenha incentivado novas aplicações».
O Prof. Celso dos Santos, de alguma forma defendendo a
posição do seu Pelouro, sustenta que «os Serviços de Cultura têm já
interferido, por diversas vezes, no andamento das coisas» e que «é
necessário fazer ouvir a voz da Cultura, através dum aconselhamento aos
Serviços Técnicos».
De maneira a construir «uma ponte entre a arquitectura
moderna e o emprego estético do azulejo, pelo menos na cidade de
Aveiro», refere o Vereador que os Serviços de Cultura vão procurar
estabelecer um diálogo entre industriais cerâmicos, artistas e
associações de defesa do património, através dum encontro ou seminário,
«a realizar dentro de pouco tempo».
Mas, em termos mais correctos e precisos, foi-nos
adiantado pelo responsável do Pelouro da Cultura que, já no início do
próximo ano, se vai realizar uma nova exposição de azulejos, «embora
seja difícil tratá-los e identificá-los; o trabalho vai continuar.»
Num futuro ainda um pouco longínquo, fica apontado o
destino destes azulejos aveirenses antigos, ou seja, o Museu de Cerâmica
de Aveiro.
(Do "DIÁRIO DE AVEIRO", 15-11-1991)
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