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Boletim n.º 18 - Ano IX - 1991

Aveiro recupera azulejos antigos

 

Sensibilizar a população para a importância do azulejo no seu aspecto cultural, histórico e artístico e, por isso, alertar para a necessidade de continuar a preservá-lo enquanto património que, reunido, constituirá um dos embriões do futuro Museu de Cerâmica, é o objectivo de um grupo de gentes aveirenses ligadas a um projecto que luta contra o avanço do tempo.

No sentido de não deixar que as mudanças arquitectónicas desnudem as nossas casas dos azulejos, tão tradicionais na região, e para que ninguém se esqueça do rico património que possuímos nesta área, os Serviços de Cultura da Câmara Municipal de Aveiro encetaram um trabalho de recolha azulejar.

Numa mudança de atitude, começaram a incentivar os artistas e industriais, tendo tomado a seu cuidado a recolha de um espólio que, «mesmo sem ser dos mais ricos do país, já permite ajuizar sobre a variedade e a quantidade da azulejaria, a sua evolução técnica e a riqueza plástica do Aveiro de outros tempos».

O trabalho surge, decerto, no seguimento das alterações profundas de que Aveiro tem sido alvo, sacrificando um dos elementos mais significativos, quer pela sua fragilidade enquanto «acessório» da arquitectura, «mas sobretudo porque na história da Arte Portuguesa não era reconhecido como produto artístico de valor».

Directamente responsável por todo este trabalho, o Vereador do Pelouro da Cultura, Prof. Celso dos Santos, refere que «era nossa intenção, desde há muito tempo, dar a conhecer aos munícipes parte do espólio azulejar que, por aquisição, oferta ou recolha, tem vindo a incorporar a colecção de azulejos da Câmara».

Duas pessoas activamente entregues ao trabalho dos azulejos são o Dr. Emanuel Cunha e D. Paula Cardoso, que fizeram nascer do nada uma iniciativa que conta já sete anos.

Guardados numa sala que não tem as condições necessárias para a sua permanência, os azulejos estão a ser recuperados, reconstruídos, catalogados e inventariados para, posteriormente, serem levados para um armazém próprio e, de quando em quando, expostos ao público.

O processo de recolha é diverso, podendo estes provir de ofertas, serem adquiridos pela própria Câmara, ou então recuperados de casas que vão ser demolidas – o que, devido ao crescimento urbano, se torna cada vez mais frequente.

Após a recolha, os dois elementos responsáveis, especialmente D. Paula Cardoso, que está mais vocacionada para este trabalho específico, / 32 / procuram retirar ao azulejo a camada de «estuque» que muitas vezes ainda traz consigo, processo que normalmente demora muito tempo. Assim que o azulejo se encontrar em condições mínimas, são encetados os trabalhos de identificação e acabamentos, que passam pela colocação de uma moldura num dos protótipos de padrão. «Será positivo contemplar a variedade de padronagem, distinta em cada época, na sua riqueza de policromia, e a partir daí tentar recriar vastas superfícies do casario aveirense, revestido e adornado por estas e tantas outras placas de azulejo».

A cunhagem dos azulejos possibilita a identificação da fábrica e, desta forma, a época aproximada da sua produção. Mas, muitas vezes, ou devido à degradação do azulejo ou por motivos de fabrico vários, algumas peças não têm cunhagem, o que impede o reconhecimento do fabricante.

 

Os nomes que fizeram a história

 A seguir ao nascimento da Fábrica da Fonte Nova, é constituída a Fábrica dos Santos Mártires que, depois de transferida para as proximidades da Fonte Nova, passa a designar-se Fábrica Aleluia.

«Estas unidades tinham uma produção muito variada, que ia desde a faiança decorativa e utilitária até aos azulejos, reflectindo características peculiares do mercado local e regional».

Outras unidades, que nasceram e se especificaram no fabrico de produtos de barro vermelho para a construção, foram as Fábricas de Jerónimo Pereira Campos, depois a Empresa Cerâmica da Fonte Nova, a Empresa de Louças de Aveiro e Empresa Olarias Aveirense, se bem que, a Fábrica Aleluia e a Fábrica do Outeiro, em Águeda, assumam a hegemonia do fabrico de azulejos na região, num contexto económico, social e cultural bem diverso.

Carregada de tradições cerâmicas, Aveiro tem um património incalculável de peças de cerâmica, nomeadamente azulejos.

Em jeito de amostragem da dimensão deste património, pode-se dizer que os azulejos, atirados sistematicamente para a «vala comum», se tivessem sido aproveitados, «poderiam, de certeza, atapetar todas as praças públicas da cidade».

Como nos disse Emanuel Cunha, este património «é de inestimável valor, não tanto pela sua importância monetária, mas essencialmente pelo valor cultural, histórico e artístico que lhe está adjacente.»

Pegando novamente nos processos de tratamento dos azulejos, após a sua total reabilitação e possível identificação, é feita uma ficha própria para cada painel, onde estão impressas informações como a origem, a data (aproximada, quando não for possível a sua total identificação), a fábrica, as cores e, se possível, o autor do motivo.

Neste momento, esta «equipa» de interessados no património azulejar da região conseguiu já preparar muitos painéis de azulejos, estando ainda muitos outros por tratar e identificar.

Um trabalho considerado por eles difícil e demorado, mas que, «caso não existisse, estas peças estariam condenadas para sempre e o património municipal seria empobrecido e esquecido».

Para além dos azulejos, o espólio integra também alguns pratos: os responsáveis estão a pensar juntar-lhes alguns outros elementos, como sejam, as chaminés aveirenses, recuperadas de casas «condenadas», cadeiras trabalhadas, telhas tradicionais e esculturas, que irão a médio ou a longo prazo integrar o futuro Museu de Cerâmica de Aveiro.

Numa procura de «documentos vivos» do historial das indústrias cerâmicas da região, existe quem considere este trabalho de uma extraordinária importância, que «não se confina apenas às necessidades de preservação patrimonial, mas é condição primeira do estudo dos mais variados / 33 / aspectos destes azulejos, num claro entendimento de que a história da arte é, antes de mais, história da cultura».

Durante este ano, os Serviços de Cultura receberam ou incorporaram cerca de 100 exemplares de azulejos diferentes.

Uma iniciativa que o Prof. Celso dos Santos refere como sendo útil para «mostrar a diversidade da padronagem que, ao longo de várias décadas, foi produzida em algumas fábricas e aplicada, quer em revestimentos (exteriores e interiores), quer em decoração de casas entretanto demolidas ou recuperadas», para além do aspecto inerente da sensibilização das gentes de Aveiro para a importância do património azulejar, foi a recente exposição de azulejos, realizada em Maio passado.

Esta mostra pretendeu, desde já, demonstrar a Aveiro que os azulejos não estão esquecidos e num objectivo, mais profundo, incentivar indústrias e artistas desta área, para que continuem a produzir azulejos e que alarguem os padrões agora usados, que o Vereador da Cultura considera «indiferentes ao interior ou exterior», mesmo que, para isso, recorram a imitações do passado que, como a afluência à exposição comprova, são ainda de actual e extraordinária beleza e elegância.

O Dr. Emanuel Cunha e D. Paula Cardoso, que não tencionam parar este trabalho, acentuam que «devemos sempre continuar a actividade iniciada e procurar mais coisas novas para enriquecer o património aveirense».

Documentos vivos do desenvolvimento regional «É nossa preocupação fazer uma colecção do património municipal azulejar», diz o Prof. Celso dos Santos e refere que «a demolição de algumas casas não deve fazer morrer os azulejos».

Como somos uma região forte em cerâmica, quer ela seja artística ou utilitária, o Vereador acredita numa «prática viva do uso dos azulejos, mantendo desta forma as tradições da região que com a nova arquitectura se desvanecem cada vez mais».

Neste capítulo, acrescenta que «o moderno está a sobrepor-se ao tradicional, nas zonas históricas de Aveiro, como o erguer de edifícios que fogem ao planeamento do local»; aqui assumem-se como responsáveis os Serviços Técnicos da Câmara que, conforme refere aquele Vereador, «não andam muito atentos às formas de construção na parte antiga da cidade».

O Dr. Amaro Neves, investigador histórico bastante ligado ao azulejo, chega a dizer acerca deste assunto que, «nesta acção devastadora, a Câmara de Aveiro tenha tido grande responsabilidade, não cuidando da sua preservação, e não tenha incentivado novas aplicações».

O Prof. Celso dos Santos, de alguma forma defendendo a posição do seu Pelouro, sustenta que «os Serviços de Cultura têm já interferido, por diversas vezes, no andamento das coisas» e que «é necessário fazer ouvir a voz da Cultura, através dum aconselhamento aos Serviços Técnicos».

De maneira a construir «uma ponte entre a arquitectura moderna e o emprego estético do azulejo, pelo menos na cidade de Aveiro», refere o Vereador que os Serviços de Cultura vão procurar estabelecer um diálogo entre industriais cerâmicos, artistas e associações de defesa do património, através dum encontro ou seminário, «a realizar dentro de pouco tempo».

Mas, em termos mais correctos e precisos, foi-nos adiantado pelo responsável do Pelouro da Cultura que, já no início do próximo ano, se vai realizar uma nova exposição de azulejos, «embora seja difícil tratá-los e identificá-los; o trabalho vai continuar.»

Num futuro ainda um pouco longínquo, fica apontado o destino destes azulejos aveirenses antigos, ou seja, o Museu de Cerâmica de Aveiro.

(Do "DIÁRIO DE AVEIRO", 15-11-1991)


 

 

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