O Comércio do Sal de Aveiro
até meados de XVII
– Relações comerciais com o
Norte da Europa e Galiza
Inês Amorim
O nosso objectivo é desenhar as rotas do sal de Aveiro no
mercado externo, atribuindo uma periodização ao desenvolvimento e
afirmação de tal actividade, dentro do tempo anunciado, ou seja, até
meados de XVII.
Quando no séc. XIV aumenta e se regulariza a produção do
sal na Europa, com especialização geográfica e traçado dos circuitos
internacionais, o litoral português destaca-se com os
salgados de Aveiro e Tejo.
(1) E Virgínia Rau
considera um conjunto de factores responsáveis da preferência pelo sal
português nos mercados do Norte da Europa: «a luta travada entre a Liga
Hanseática e os Neerlandeses pelo predomínio do Mar do Norte, a evolução
e aperfeiçoamento da pesca e salgação do arenque, o desenvolvimento das
pescarias do bacalhau, o incremento da indústria
neerlandesa da refinação do sal, a expansão do comércio
marítimo português»,
(2) mas sem
dúvida «os períodos de crise da salicultura francesa»,
(3) quer seja a
Guerra dos Cem Anos, quer o lançamento de impostos (gabelle générale),
quer ainda as más colheitas de sal na costa atlântica francesa.
Acrescenta ainda V. Rau que o sal, juntamente com o vinho, azeite e
frutas, foram a moeda de troca que a economia portuguesa usou para
atingir as matérias-primas do Norte (cereais, madeiras, metais,
alcatrão, breu), assim como mercadorias manufacturadas (tecidos de lã,
aprestos navais, munições, etc.).
No séc. XIV, Aveiro impunha-se em relação aos portos do
Norte. Seria frequente a cabotagem do Vouga ao Douro e
daqui para os portos franceses.
(4) Mas a Aveiro iam
moradores de localidades à volta do Porto, que a
cidade, pretendendo dominar o mercado do sal em todo o Norte, se opunha.
(5)
Inclusivamente, por determinação municipal na vila e seu termo,
evitava-se que os mercadores do Porto comprassem
marinhas em Aveiro. (6)
Mas os interesses comerciais da vila registam-se em diferentes momentos:
em 1361, nos capítulos gerais das cortes de Elvas, e em 1434 nas Cortes
de Santarém. Na primeira data queixam-se os povos do estabelecimento
duma postura que a gente de Aveiro estabelecera entre si que o sal se
fizesse só nos meses de Julho e Agosto, resultando o
encarecimento para o consumidor.
(7) Em 1434, num dos
capítulos gerais enviados às Cortes de Lisboa pelo concelho de Aveiro,
expunha que na vila e comarca, Esgueira, Vagos, Ílhavo,
/ 10 /
Vila de Moinho e outros lugares, estava estatuído que as marinhas se
mantivessem cobertas de água até finais de Maio. Mas alguns fidalgos e
escudeiros recorriam a El-Rei D. Afonso, obtendo
alvarás de licença para utilizarem as marinhas antes do tempo fixado.
(8) Buscavam
assim os proprietários nobres antecipar-se a fim de
venderem o seu sal em melhores condições.
(9) Finalmente, nas
cortes de Évora, em 1481, a vila de Aveiro, onde vinham galegos e outros
estrangeiros», defendeu os interesses da sua exportação de sal, livre de
quaisquer taxas, e protestavam contra o constrangimento de serem
obrigados a enviar os seus agentes com o sal ou outras mercadorias;
ainda reclamavam contra os oficiais da coroa que contrariavam o costume
seguido pelos donos das marinhas de fretarem por procuração navios para
carregarem o seu sal, rogando autorização para poderem
fretar «quaees quer nauyos asy como se faz em todallas partes do mundo».
(10)
As poucas estatísticas existentes para o séc. XVI da
exportação do sal de Aveiro indicam quatro aspectos fundamentais:
1 – as intensas relações comerciais de Aveiro com a
Feitoria da Flandres, Antuérpia, e cidades constelares, Arnemuidam e
Midelburgo;
2 – a oferta única de sal;
3 – a existência duma marinha mercante significativa;
4 – um grupo profissional de homens de Aveiro à frente de
embarcações provenientes de outros portos.
Vejamos as estatísticas:
– tomando os 208 navios entrados em Arnemuidem em
1528-29, verificou-se que alguns tinham como ponto de partida: 44 de
Aveiro, 34 de Viana, 33 de Vila do Conde, 17 de
Setúbal, 16 de Lisboa, 12 do Porto e 7 de Faro;
(11)
– em 1552, entraram no mesmo porto 71 barcos com sal, dos
quais 4 de Portugal sem indicação da proveniência, 32 do sul da Espanha,
25 de Lisboa, e 10 de Aveiro. Ao comando de 19 navios portugueses
estavam 9 de Aveiro, 7 de Lisboa, 4 do Porto e 1 de Zurara, e desses 19,
16 chegavam carregados de sal, cabendo aos de Aveiro o
exclusivo transporte de tal mercadoria;
(12)
Este relacionamento comercial com Antuérpia e portos
circundantes será interrompido nos finais do séc. XVI, com a
transformação de Amesterdão, mais a Norte, como o principal porto
distribuidor de cereais, madeiras e linhos vindos do Báltico. Antuérpia
é esmagada pela intolerância religiosa e política de
Espanha, perdendo o seu tráfego internacional, herdado agora pela
Holanda. (13) As
escápulas internacionais passam agora a ser os Países Baixos, Alemanha e
Báltico. Este tráfego caracteriza-se pelas viagens triangulares: os
navios vêm da Holanda a Lisboa onde carregam sal, especiarias e por
vezes vinho que levam a Dantzig, nas planícies da
Polónia, donde trazem o precioso trigo e pez.
(14) A estatística
dos barcos dessa proveniência que atravessaram o estreito de Sund entre
1557 e 1657 mostra o predomínio dos holandeses com 47937, enquanto
Portugal com 8712 vem bastante depois da França com 18463. Entretanto,
no que diz respeito aos navios carregados em Portugal, no mesmo período,
Setúbal vem à frente com 6788, seguido de Lisboa com 1 473, e finalmente
Aveiro regista 447. Saliente-se que depois de ter atingido um máximo de
68 embarcações, igual número para Setúbal, e metade para Lisboa, no ano
de 1603, Aveiro deixou de ter qualquer significado no
transporte de mercadorias pelo estreito de Sund.
(15)
Quais os factores para este afastamento das rotas do
Báltico, e predominância de Setúbal? A mim afiguram-se três razões
fundamentais:
1 – primeira, várias e repetidas vezes apontada, será o
factor geográfico e geológico, a avanço do cordão litoral das areias que
apertava a barra cada vez mais, impedindo a entrada de navios de porte;
2 – segunda, e que me parece significativa, Aveiro estava
fora dos circuitos comerciais das costas africanas e orientais, sem
qualquer outra actividade senão o sal e sempre o sal;
3 – finalmente, parece-me que a proximidade da Galiza e a
união dinástica favoreceram a relação preferencialmente com o porto de
Aveiro a partir de finais do séc. XVI, ou seja factores geográficos e
políticos.
A partir dos finais do séc. XVI, o comércio internacional
estava definitivamente nas mãos dos holandeses, e estes preferiram
Lisboa-Setúbal; um exemplo: as contas da companhia de navegação de
Adriaen van Adrichem, relativas aos anos de 1569 a 1597, referem que, em
20 viagens directas para oeste, se contam 2 para portos franceses, 2
para portos espanhóis e 16 para portos portugueses, 14
para Lisboa-Setúbal e 2 para Aveiro.
(16)
A partir da união dinástica, Filipe II irá usar o
abastecimento do sal aos Países Baixos e aos transportadores holandeses
como arma económica com fins políticos, promovendo arrestos de barcos,
como aconteceu com o embargo em 1595 que paralisou cerca de 450 navios
em portos portugueses, ou ainda, por alvará de 1601, o lançamento dum
novo imposto de 220 reais sobre cada moio de sal que saísse para fora do
Reino para lá dos 200 já até aí pagos e do direito do consulado,
exceptuando o sal para consumo interno do reino e o levado por terra
para Castela e por mar para os reinos de Galiza.
(17) Uma parte do
sal de Setúbal passou a ser desviada para os portos da Galiza, Astúrias
e Biscaia, e sobretudo quando, em 15 de Novembro de 1601, Filipe II
autorizava o tesoureiro geral do sal dos reinos de
Castela a poder tirar por mar 400.000 fangas de sal durante 8 anos.
(18)
/
11 /
Ora os holandeses começam a singrar para as ilhas de Cabo
Verde, assim como demandavam o sal francês; e os contemporâneos
apercebem-se dos prejuízos causados à economia portuguesa, atribuindo à
elevação dos direitos de exportação o afastamento dos nossos melhores
compradores, e mesmo abaixamento dos preços do sal.
(19) Em 1609,
desiludido com a luta travada com os rebeldes holandeses, Filipe II
assina uma trégua com as Províncias Unidas por 12
anos, propiciando o reabastecimento em Portugal.
(20) Em 1617 andava
arrendado a André Lopes Pinto o direito do sal que saía dos portos de
Setúbal, Lisboa e Aveiro, por 30 contos, sendo voz
corrente que trazia grandes lucros ao arrendatário.
(21) A 9 de Abril
de 1621 termina a trégua dos 12 anos, e uma carta
régia determina que os holandeses fossem novamente tratados como
inimigos. (22) O
contrabando vai ser a alternativa, mas a exportação portuguesa está
restringida. No entanto as necessidades económicas peninsulares,
sobretudo a falta de cereais, impõem a concessão de
salvo-condutos e passaportes, trazendo a Portugal os grandes
transportadores neerlandeses.
(23)
Entretanto a Galiza e as Astúrias tornaram-se igualmente
pontos de escoamento da produção portuguesa. Os sucessivos contratos
demonstram-no:
– o alvará de 25 de Junho de 1624 isentava do direito de
220 reais as 400.000 fangas de sal que se exportariam
para a Galiza e Astúrias por conta da coroa de Castela;
(24)
– a provisão de 13 de Julho do mesmo ano autorizava o
saque das salinas de Portugal, de 400.000 fangas por ano no espaço de
dez anos, lançando mesmo de coacção se necessária.
(25) Aveiro
exemplifica este facto:
«Eu EI Rei faço saber a vós juiz de fora da Comarca de
Castela com Martim de Bolivar (cujo cessionário e o licenciado Dom João
Sapata de Ia Torre) da renda e direitos de sal para provimento dos
partidos do Reino da Galiza e Principado das Astúrias se pôs por
condição que para as quatrocentas mil fanegas de sal que podem tirar
cada ano do meu Reino de Portugal, as justiças dele fariam embargar os
navios e caravelas que fossem necessários para navegar o sal; e porque
convém que na provisão dele não haja dilação, e Martim de Bolivar cumpra
o arrendamento, hei por bem e vos mando que embargueis os navios e
caravelas por o levarem a Galiza e Astúrias, e isto durante o
arrendamento com que não sejam os navios e caravelas dos estrangeiros,
senão dos naturais desse meu Reino de Portugal que não estiverem
aprestados ou aprestando-se para as conquistas dele, ou para servirem em
minhas armadas, dando fiança a que não derrotarão a outra alguma parte,
e irão em direitura a Galiza e Astúrias, e trarão certidão dos oficiais
a que tocar de como lá fizeram a entrega e descarga do
sal que levaram [...] Madrid, 22 de Setembro de 1625»;
(26)
– por volta de Janeiro de 1633, Filipe IV dava ordem para
se poder tirar do Reino, livres de direitos, até 400.000 fanegas para as
Províncias de Galiza e Astúrias, e o alvará de 19 de Setembro do mesmo
ano declarava que tal provimento seria posto em administração sob a
superintendência do Secretário de Estado Diogo Soares, ficando o Doutor
Estêvão de Foios em Aveiro, e o Doutor Francisco de Carvalho em Setúbal,
ambos sujeitos
/ 12 /
à Jurisdição de Castela. E outros alvarás se sucedem
em 1634, 36, 38 e 39.
(27)
Parece-me pois que Aveiro nunca viu diminuir a sua
produção, e, embora não se conheçam livros de Alfândega para todo este
período (só na última década de XVII), é muito provável que a produção
não bastasse à procura por duas razões fundamentais de foro técnico:
1. enquanto nas marinhas de Setúbal 1 m2 se superfície
cristalizadora precisa de 1,5 a 1,6 m2, em Aveiro 1m2
precisa de 8 a 10 m2 de superfície cristalizadora,
(28) ou seja, o
alto nível da produção atingido em Setúbal era 5 a 6 vezes maior do que
em Aveiro;
2. interligada com a anterior, as perturbações da Barra
com submersão de marinhas traduz-se naturalmente num abaixamento da
produção, mas que não está quantitativamente provado para o séc. XVII.
Depois da Restauração, durante 20 anos os diplomatas
portugueses esforçaram-se por negociar um tratado de paz com a Holanda,
enquanto esta oscilava entre a paz na Europa, porque precisava do sal de
Setúbal, e a guerra nas restantes partes do Império
Português.
(29)
E em Aveiro o que se passa entretanto? A acreditar nos
dados relativos às trocas económicas entre o Porto e a Galiza, de 1640 a
1668, a guerra e depravações substituíram o intercâmbio comercial, e nos
períodos de afrouxamento da guerra o contrabando
retomaria ligeiramente as actividades.
(30) Este período
poderia ter afectado realmente a procura do sal em Aveiro, se
considerarmos ser a Galiza a principal escápula. E esta, desenvolvendo
cada vez mais a actividade do pescado fresco ou salgado que começa mesmo
a chegar aos portos portugueses de Entre Douro e Minho
até mesmo a Aveiro, (31)
necessitava de reatar o abastecimento do sal português.
O tratado de paz com a Holanda (1669) é conhecido pela
abordagem feita por Virgínia Rau, demonstrando que o sal de Setúbal
representou um papel de primeira importância e serviu para
garantir a posse dos nossos domínios em África, América e
Oriente, sobressaindo a notável produção daquele em
relação a Lisboa e Aveiro.
(32)
Porém, em Dezembro de 1668, surge num Livro de Notário de
Aveiro um contrato de obrigação que refere a compra de
sal pelo Reino de Galiza e Astúrias a Aveiro.
(33) Salienta-se
este documento por desconhecermos qualquer referência a tal contrato, e
por ter sido escolhida esta vila para o registar - o que atesta em minha
opinião representar este porto um papel fundamental em relação ao
mercado galego, contrariando a historiografia tradicional local que
insiste na decadência de Aveiro. Uma leitura atenta releva os seguintes
aspectos:
– escritura feita a 30/12/1668, na vila de Aveiro e
pousadas de João de Magalhães, uma das partes interessadas;
– da outra parte Dom Fradique de Almeida e Castro,
vivendo em Aveiro, mas natural da cidade da Corunha, Reino da Galiza,
como procurador de seu irmão Dom Manuel de Almeida Castro, da Vila de
Pontedume do mesmo Reino;
– refere o contrato estabelecido por D. Manuel de Castro
com D. Bartolomeu Montezinos, Tesoureiro e Administrador Geral das
salinas do Reino de Galiza e Principado das Astúrias, por escritura de
13 de Outubro de 1668, na Vila de Ponte Vedra, em que o primeiro se
encarrega de providenciar o abastecimento de algumas cidades da Galiza
em quantidade de 50.000 fanegas de sal, por duas etapas: 1. até finais
de Dezembro de 1668, 22.000 fanegas, 2. durante os meses de Abril, Maio
e Junho, as restantes 28.000 fanegas. As vilas e cidades referidas são
as seguintes: Ponte Vedra 18.000 fanegas de sal, Redondela 8.000, Vigo
4.000, Pobla 4.000, Vila Garcia 6.000, Muros 4.000 e Boucas 2.000;
– o contrato feito em três partes iguais, João de
Magalhães de Aveiro, Dom Fradique de Castro e Dom Manuel de Castro, da
Galiza, com perdas e ganhos por conta dos três, competindo a João de
Magalhães carregar o sal em Portugal, Aveiro, Lisboa, Setúbal, Figueira
ou em qualquer outro porto, fretar os barcos necessários e enviá-los
para a Galiza acompanhados de respectivas cartas de fretamento. Dom
Fradique e Dom Manuel, encarregar-se-iam de cobrar o dinheiro da entrega
das fanegas de sal e pagariam aos mestres das embarcações;
– para assegurar o contrato, João de Magalhães havia já
recebido a importância de 779.038 réis de boa moeda portuguesa que viria
a ser completada até ao final do contrato;
– todas as perdas e ganhos seriam divididos
equitativamente.
Da leitura de tal documento apercebemo-nos dos seguintes
aspectos:
1 – a constituição de sociedades prontas a estabelecerem
um rápido escoamento e abastecimento de produtos fundamentais;
2 – as próprias cidades e vilas (Vigo, Ponte Vedra, etc.)
a procurarem o seu próprio sustento sobretudo depois do colapso da
dinastia espanhola;
3 – a ausência por parte da Galiza (e praticamente de
toda a Espanha na época), de embarcações que encaminhassem o sal;
4 – o pagamento feito em moeda portuguesa, depois de
terem sido cambiados em Lisboa os dobles espanhóis, a João de Magalhães,
enquanto que entre Dom Fradique e Dom Manuel se estabelecem preços em
bilhão, moeda de cobre, atesta aquilo que é conhecido para a época, ou
seja, a prata só serve para as transacções com o
estrangeiro
/ 13 /
com altas cotações, e a de cobre usada internamente;
(34)
5 – o quantitativo da exportação, 50.000 fanegas
(35),
corresponderia aproximadamente a 200.000 alqueires, ou melhor, por ser
medição própria do sal e passível de estudo comparativo, entre 3571,5 a
3125 moios (36) conforme os cálculos, o que significa um esforço
anual de 1600 moios aproximadamente. Se acreditarmos, pelos dados
conhecidos, que dez anos mais tarde a produção média
de Aveiro era de 290, 3 moios
(36) constata-se a
impossibilidade de abastecimento por Aveiro, mas pelo menos a produção
desta estava encaminhada;
6 – porém o contratador português vivia em Aveiro e foi
escolhida esta vila para registar o contrato, o que poderia significar a
sua importância relativamente a este produto no contexto do comércio
marítimo no Noroeste de Portugal.
As conclusões finalmente:
1 – Não foi Aveiro que entrou em decadência nos finais do
séc. XVI, mas foi o eixo Lisboa-Setúbal que aumentou a sua produção;
2 – Com a união dinástica muito provavelmente Aveiro
acentuou as suas relações comerciais com a Galiza;
3 – A Restauração terá abalado os contactos, mas o
contrabando permitiu a manutenção das relações, e a prová-lo estará a
facilidade com que se operam contratos, logo que as tréguas se assinam;
4 – Os factores político-económicos alteram as grandes
rotas comerciais, e Lisboa tem para oferecer às novas potências
marítimas uma variedade de produtos que Aveiro não possui;
5 – Parece-me pois que as explicações até hoje delineadas
de um determinismo dos efeitos nefastos do aperto da barra do Vouga não
são suficientes para se falar em «decadência»;
6 – Antes de mais será preferível questionar as séries
contínuas dos livros da Alfândega para o séc. XVIII, e descobrir as
coordenadas em que se encontra a produção do sal em Aveiro.
Inês Amorim
_______________________________
NOTAS
(1)
– GODINHO, V. Magalhães, Os Descobrimentos e a Economia Mundial, vaI. 4,
Lisboa, Editorial Presença, 1983, págs. 137-138.
(2)
– RAU, Virgínia, Estudos sobre a História do sal português, Lisboa,
Editorial Presença, 1984, pág. 281.
(3)
– Id., Ibid., pág. 286.
(4)
– Id., Ibid., pág. 99.
(5)
– Id., Ibid., pág. 100.
(6)
– GODINHO, V. Magalhães, o.c., pág. 138.
(7)
– RAU, Virgínia, a.c., pág. 106.
(8)
– Id., Ibid., pág. 107.
(9)
– GODINHO, V. Magalhães, o.c., pág. 138.
(10)
– RAU, Virgínia, o.c., págs.
122-123.
(11)
– Id., Ibid., pág. 132.
(12)
– Id., Ibid., pág. 134.
(13)
– Id., Ibid., pág. 138.
(14)
– GODINHO, V. Magalhães, o.c., pág. 144.
(15)
– RAU, Virgínia, o.c., pág. 208.
(16)
–
Id., Ibid., págs. 150-151.
(17)
–
Id., Ibid., págs. 163.
(18)
–
Id., Ibid., págs. 164.
(19)
–
Id., Ibid., págs. 173.
(20)
–
Id., Ibid., págs. 177.
(21)
–
Id., Ibid., págs. 178.
(22)
–
Id., Ibid., págs. 179.
(23)
–
Id., Ibid., págs.
186.
(24)
– Id., Ibid., págs. 181.
(25)
–Id., Ibid., págs. 182.
(26)
– Milenário de Aveiro, voI. 2, Aveiro, edição da Câmara Municipal, 1959,
pág. 87. A grafia foi actualizada para melhor compreensão do texto.
(27)
– RAU, Virgínia, a.c., pág. 190.
(28)
– Id., Ibid., pág. 45.
(29)
– Id., Ibid., págs.
237 e 286.
(30)
– OLIVEIRA, Aurélio de –,
GARCIA LOMBARDERO, Jaime –
Alguns dados em torno das relações económicas entre o
Porto - sua região e a Galiza na época moderna, in "Revista de
História», voI. 2, Porto, Centro de História da Universidade do Porto,
pág. 130.
(31)
– Id., Ibid., pág. 135.
(32)
– RAU, Virgínia, o.c., págs. 289-290.
(33)
– Arquivo Distrital de Aveiro, Secção Notarial, Aveiro, n.º 11, foI. 80v
a 82, em 30 de Dezembro de 1668.
(34)
– TUNON DE LARA, M., dir. de, História de Espanha, voI. 5, Barcelona,
Labor, 1982, pág. 243.
(35)
– VITERBO, Sousa, Elucidário das palavras termos e frases..., voI. 2,
Porto, Livraria Civilização, 1966, pág. 250. Na palavra fanga: "praça ou
lugar público onde o pão se vendia por uma medida, que ainda hoje se usa
[em 1798 pelo menos, data da 1.ª edição] chamada fanega que consta de
quatro alqueires de medida corrente».
(36)
– SERRÃO, Joel
–
dir, Dicionário de História de Portugal, voI. 5, Porto, Livraria
Figueirinhas, 1979, pág. 71, sob o título "Pesos e Medidas»,
considera-se o moio grande entre 56 a 64 alqueires, a partir do qual
estabelecemos o valor apresentado.
APÊNDICE
Transcrição do documento contido no Livro de Notário de
Aveiro, Custódio Gomes Camão, n. 11, foI. 80v a 82, de 30 de Dezembro de
1668 (*)
«Saibam quantos este instrumento de contrato e obrigação
virem que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e
seiscentos e sessenta e oito aos trinta dias do mês de Dezembro do dito
ano nesta nobre e notável vila de Aveiro e pousadas de João de Magalhães
morador nesta dita vila reconhecido de mim tabelião pelo próprio assim
nomeado de que dou fé e onde ele estava presente de uma parte e da outra
Dom Fradique de Almeida e Castro agora assistente nesta dita vila e
vizinho da cidade da Corunha, Reino de Galiza, como procurador bastante
de seu irmão Dom Manuel de Almeida Castro, vizinho da vila de Pontedeume
do mesmo Reino de Galiza. Logo pelo dito Dom Fradique de Castro foi dito
perante mim tabelião e testemunhas ao diante assinadas que ele em nome
do dito seu irmão Dom Manuel de AImeida e Castro e como seu procurador
estava concertado e contratado com o dito João de Magalhães pela maneira
seguinte: que porquanto o dito Dom Manuel de Castro fez assento de
contrato com Dom Bartolomeu Montezinos Tesoureiro e Administrador Geral
das salinas do Reino de Galiza e Principado de Astúrias, segundo carta
de uma escritura que fez Francisco Domingues Tenerio escrivão, vizinho
da Vila de Ponte Vedra aos treze dias do mês de Outubro de mil e
seiscentos e sessenta e oito, em que o dito Dom Manuel de Castro a
prover cinquenta mil fanegas de sal de palia carregada no dito Reino de
Galiza, as vinte e duas mil fanegas desde o dito dia que se fez a
escritura até ao fim de Dezembro de mil seiscentos e sessenta e oito nos
Alflins (**) que cita a dita escritura que são na maneira
seguinte: oito mil fanegas a Vila de Ponte Vedra, quatro mil aos de
Redondela, duas mil aos de Vigo, duas mil aos de Pobla, três mil aos de
Vila Garcia, duas mil aos de Muros e as mil restantes aos de Boucas, que
em todas fazem as ditas vinte e duas mil fanegas […]. E as outras vinte
e oito mil fanegas restantes ao cumprimento das ditas cinquenta mil
fanegas que era o que continha o assento nos meses de Abril, Maio e
Junho que vêm do ano de mil e seiscentos e sessenta e nove postas e
providas nos Alflins (**) seguintes: nos de
Ponte Vedra dez mil fanegas, nos de Redondela, quatro mil, nos de Vigo
duas mil, nos de Pobla duas mil, nos de Vila garcia três mil, nos de
Muros duas mil, nos de Boucas mil, e nos de Corcobias e Laxe (?) quatro
mil que em todas fazem as ditas vinte e oito mil fanegas, todas elas
postas e providas nos ditos Alflins por conta e risco do dito Dom Manuel
de Castro, e por cada uma se obriga o dito Dom Bartolomeu Montezinos
pagar ao dito Dom Manuel de Castro a razão de oito reales e meio de
bilhão e com outras condições e qualidades que contém a dita escritura
de contrato. E por o dito Dom Fradique de Castro em nome do dito seu
irmão em virtude do seu poder g9ral que tem se contratou e ajustou com o
dito João de Magalhães e o sobredito com o dito Dom Fradique de Castro
em que o dito contrato e assento que tinha feito o dito seu irmão
/ 15 /
Dom Manuel de Castro seu irmão com o dito Dom Bartolomeu Montezinos com
as condições e cláusulas que contém que corresse por conta e risco de
todos três o dito contrato a terça parte por conta do dito Dom Manuel de
Castro, outra terça parte por conta do dito João de Magalhães tudo isto
a perda e ganâncias por conta de todos os três com condição que o dito
João de Magalhães se obriga de correr com a remissão e compra de sal
neste Reino, para remeter as partes do dito Reino de Galiza segundo vai
declarado atrás e todas as embarcações necessárias para o transporte do
dito sal há-de fretar e ajustar o dito João de Magalhães o mesmo sal
necessário para elas em Aveiro, Lisboa, Setúbal, Figueira ou na parte
onde melhor convenha por conta de todos pelo menor que se puder de que
há-de ter o dito João de Magalhães conta e razão por menor de tudo para
dá-la aos ditos Dom Manuel e Dom Fradique de Castro quando lhe for
pedido e para maior declaração remeterá em cada embarcação carta conta e
(...) que nela fizer, juntamente um conhecimento dos que firmarem, os
mestres das embarcações. E os ditos Dom Manuel e Dom Fradique de Castro
hão-de ter obrigações de cuidar de cobrar no dito Reino de Galiza as
quantidades de maradividis que devam cobrar pelas fanegas de sal que se
entregarem e o mesmo para darem satisfação aos mestres das embarcações
que levarem o dito sal na conformidade das cartas de fretamento que
fizer o dito João de Magalhães sem de uma e outra parte haja omissão nem
descuido algum em cumprir o que vai declarado com declaração e condição
que ainda que o dito assento que fez o dito Dom Manuel de Castro ao dito
Dom Bartolomeu Montezinos cinquenta mil reales de bilhão e para que
tivesse o dito Dom Manuel satisfação pontual se acrescentou nas ditas
cinquenta mil fanegas de contrato um real mais em cada fanega do qual
contrato sabia muito bem e o reconhecia o dito João de Magalhães. E o
dito João de Magalhães para a conta da compra do dito sal que há-de
remeter confessou haver recebido de Dom Fradique de Castro setecentos e
setenta e nove mil e trinta e oito réis deste Reino de Portugal os
mesmos que somaram e montaram trezentos e sessenta e uma dobras de
Espanha, cada uma de quatro pacatas que se trocaram em Lisboa a razão de
dois mil cento e cinquenta e oito réis cada uma a qual dita quantia se
obriga o dito João de Magalhães a fazer boa aos ditos Dom Manuel e Dom
Fradique de Castro à conta das compras que fizer da dita compra de sal.
E com mais declaração que o dito Dom Fradique de Castro em nome de seu
irmão Dom Manuel de Castro se obriga de que antes do mês de Abril do ano
que vem se seiscentos e sessenta e nove será obrigado a pôr em poder do
dito João de Magalhães as ditas duas terças partes do dinheiro que pode
importar o sal que faltar de prover para o cumprimento do dito contrato
das cinquenta mil fanegas e o mesmo o que importar a terça parte do dito
João de Magalhães do sal que tiver remetido até à futura desta ao dito
Reino por conta do dito contrato havendo levado dias em paz as
embarcações sendo caso que a pessoa que trouxer o dito dinheiro remetido
ao dito João de Magalhães em nome do dito Dom Manuel de Castro e Dom
Fradique de Castro lhe suceda algum risco perda ou dano será por conta
de todos três e nesta conformidade qualidade e condição deste contrato
se obrigava o dito Dom Fradique de Castro em seu nome e do dito seu
irmão por sua pessoa e bens de fazer bem uma terça parte do dito
contrato e que tudo ele será por conta e risco de todos três a perda e
ganâncias. E nesta forma o dito João de Magalhães acertou este contrato
com as condições e qualidades conteúdas e declaradas neste contrato e se
obrigava a cumpri-lo e a guardá-lo na forma dele por sua pessoa e bens
presentes e futuros e que remeterá as ditas cinquenta mil fanegas de sal
ao dito Reino de Galiza, aos tempos assinalados não perdendo ocasião do
tempo inclusas as embarcações de sal que já tem remetidas o dito João de
Magalhães ao dito Dom Manuel de Castro assim desta vila de Aveiro como
de Lisboa, Setúbal e Figueira desde o primeiro de Novembro (?) deste
presente ano até à futura desta, e o que faltar ao cumprimento desta
escritura e satisfação dele será obrigado a pagar todas as perdas e
danos que por isso houver, o que tudo um e outro se obrigavam a cumprir
e guardar como nela se contém sem dúvida nem embargo algum em fé e
testemunha de verdade assim o outorgaram e de tudo mandaram fazer este
instrumento nesta nota aonde assinou o dito Dom Fradique e o dito João
de Magalhães de que concederam os três lados necessários sendo a tudo
testemunhas presentes António Cardoso de Afonseca, e Felipe Gomes
Alfaiate, moradores nesta dita vila e reconhecidos de mim tabelião que
todos assinaram aqui...».
(*)
– Na transcrição actualizou-se a grafia e a pontuação para melhor
compreensão do conteúdo. Não se alterou, porém, a redacção do texto.
Este documento é precedido (foI. 78v a 80v. do mesmo Livro) duma
procuração por parte de Dom Fradique de Castro a seu irmão Dom Manuel de
Castro que não consideramos importante transcrever.
(**)
– Corresponde a «alfoli», celeiro público ou armazém de sal (in
Diccionario de la Lengua Española, Tomo I, 20.ª edição, Madrid, Real
Academia Española, 1984, pág. 64).
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