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Boletim n.º 13-14 - Ano VII - 1989


Estátua de Santa Joana

 

A Diocese de Aveiro, num calendário que contemplava a comemoração festiva dos 25 anos de D. Manuel de Almeida Trindade como Bispo de Aveiro (1987), dos 50 anos da restauração da Diocese (1988) e dos 500 anos da morte da Princesa Santa Joana (1990), previra a inauguração de uma estátua da Padroeira numa das praças da cidade, preferindo o lugar fronteiro ao secular Mosteiro de Jesus. A data escolhida foi o dia 10 de Dezembro, por coincidir com o aniversário da mesma Diocese.

Na presença de muitas centenas de pessoas, da Banda Amizade, de associações religiosas e de outras, e com a participação do Governador Civil de Aveiro, do Prof. Celso dos Santos representando a Câmara Municipal, de alguns vereadores e de outras entidades, o Bispo de Aveiro descerrou e benzeu a estátua, em bronze, então doada à Cidade e ao Município Aveirense. O custo do monumento foi coberto por uma campanha pro-movida pela Irmandade de Santa Joana, a que aderiram pessoas, colectividades, empresas e paróquias de toda a Diocese; a Câmara Municipal, por seu turno, tomou à sua conta o desenho e a construção do pedestal e o arranjo envolvente.

O Prof. Celso dos Santos proferiu, no acto da inauguração, as seguintes palavras:

– «Este acto a que estamos a assistir e em que estamos a participar tem, a meu ver, significativa importância para a nossa Cidade. A Diocese de Aveiro e a Irmandade de Santa Joana Princesa acabam de oferecer a Aveiro, através da sua Câmara Municipal, a estátua da Padroeira, nos termos constantes do protocolo assinado há pouco.

A Diocese tomou a iniciativa de mandar executar uma estátua de Santa Joana, que logo a mencionada Irmandade acarinhou, abrindo uma subscrição pública para custear a despesa. Como era de esperar, a ideia tomou corpo entre os Aveirenses.

O Sr. Bispo de Aveiro, em carta de 16 de Maio passado, comunicou oficialmente à Câmara Municipal este louvável propósito, e logo apontou a data da sua inauguração para este dia 10 de Dezembro, por ser a véspera do quinquagésimo primeiro aniversário da restauração da Diocese; esse acontecimento constituiria simultaneamente o primeiro acto público das comemorações do quinto centenário da morte da Princesa.

Tendo presente a deliberação do Executivo Municipal de 25 de Maio de 1987, no sentido de colaborar activamente no programa das referidas celebrações, Sua Ex.ª Rev.ma sugeriu então que a Câmara Municipal não só tomasse à sua conta o desenho e a construção do respectivo pedestal e o arranjo envolvente, mas também, na escolha do local da sua implantação, fosse considerada esta praça por ter sido aqui, no secular Mosteiro de Jesus, onde a Princesa se recolheu, viveu e faleceu e onde repousam os seus restos mortais. / 52 /

Na reunião ordinária, que se realizou a 22 de Maio, o teor do mencionado ofício foi considerado pela Edilidade, que deliberou apoiar esta iniciativa concreta da Diocese, em ordem à escolha do local, à construção do pedestal, ao arranjo da iluminação e à execução de outros trabalhos. Agiu-se assim, por antecipadamente se saber que se ia ao encontro das aspirações da maior parte dos Aveirenses, que por um lado vêem na Augusta Filha do Rei Africano a celeste Patrona de Aveiro e da sua Região e, por outra parte, a consideram Alguém que, com a sua presença e com a sua memória, foi e é factor de progresso e incentivo para a luta pessoal pelos imperativos da consciência e pelos autênticos direitos e valores humanos perante os vícios e atractivos da hodierna sociedade de consumo, que tantas vezes escraviza em vez de libertar.

Não é a primeira vez que o Município Aveirense homenageia Santa Joana. Para só relembrar os últimos anos, além da sua colaboração positiva nas festas anuais, foram as celebrações do quinto centenário do seu nascimento em 1952, foram as solenidades do quinto centenário da sua vinda para Aveiro em 1972, foi a reposição do feriado municipal no seu dia próprio em 1978, foi a publicação do livro «A Princesa Santa Joana e a sua Época», com a primeira edição em 1981 e a segunda edição em 1988, foi a execução das estatuetas em «biscuit» e em barro vermelho em 1983. Decerto que não se ficará por aqui no preito devido a Santa Joana e a outras Figuras de A veiro, porque é útil e torna-se necessário que recordemos os nossos antepassados e a nossa história, para não perdermos a nossa própria identidade e a nossa maneira de ser e de estar no mundo. Esquecê-los seria ingratidão e ficaria empobrecido o conhecimento da nossa Terra e das nossas Gentes.

A Câmara Municipal, representando a população de Aveiro e os seus sentimentos, agradece a oferta generosa da Diocese e da Irmandade de Santa Joana Princesa e, como é e será seu dever, procurará dar ainda maior dignidade a esta praça, para que ela seja um nó de enquadramento condigno aos monumentos que estão aqui implantados».

O Bispo de Aveiro, usando da palavra, disse:

– «A homenagem pública a pessoas que, em tempos passados, se celebrizaram pela sua vida e pela sua acção – estão sempre neste número os santos – não é tanto uma glorificação histórica das mesmas pessoas, mas mais um serviço que se presta à comunidade a que estiveram ligadas.

Estou certo de que, ao colocarmos na praça pública a imagem da Princesa Santa Joana, esta gloriosa figura da história aveirense fica, de imediato, mais próxima de todos – da cidade, da Diocese, enfim, dos que por aqui passarem para conhecerem ou reverem a beleza ímpar de Aveiro e da sua Ria.

A cultura contemporânea, sem menosprezar a importância da palavra, privilegia hoje muito mais a linguagem da imagem visível. Por esta estátua, exposta ao olhar de todos, sentiremos que a filha do nosso Rei Afonso V, uma jovem que concretizou a sua opção definitiva e incondicional por Deus, Seu verdadeiro Senhor, na sua opção por Aveiro, passou a fazer parte da nossa vida, desde o longínquo século XV, continuando assim hoje e amanhã, um amanhã sem termo. A actualização histórica daqueles cuja vida ultrapassou as leis da morte, torna-nos seus contemporâneos e faz-nos participar, generosamente, do seu rico património espiritual.

Todos nós estamos e estaremos sempre dependentes daqueles que nos precederam. É esta uma lei inegável da nossa vida e do nosso agir humano. Dos que nos precederam no tempo recebemos a vida, o modo de viver, de sentir e de agir, a fé e o testemunho que a torna eloquente e viva, o mundo de valores que nos norteiam, a cultura como património chamado a crescer. Uma pessoa ou um povo que esquece, menospreza ou nega o seu passado, e aqueles que nele fizeram a história que nos afecta, será sempre uma pessoa ou um povo órfão e só, sem presente com razões, nem futuro com horizontes; será, no mínimo, uma / 53 / pessoa ou um povo, subsidiário inútil e inconsequente do imediato e do sem sentido.

De há anos que vimos sonhando alto esta iniciativa que nos é dado agora concretizar. Não é tanto uma dívida que se paga, mas mais uma necessidade a que se dá resposta. Não é um gasto supérfluo ou um acontecimento inútil. É mais uma oportunidade de humanização, um sinal de renovada reconciliação com o passado, um marco indicativo para um futuro que necessita de alma quando tanto sonhamos e nos empenhamos em caminhos de progresso.

É verdade que o túmulo da Santa Princesa, jóia artística e património espiritual de inestimável valor, é já um monumento que, permanentemente, nos fala dela. Não falta, nunca faltará em Aveiro, quem vá junto dele, movido pela fé ou impelido pelo coração de aveirense agradecido, para ouvir a voz eloquente do seu silêncio e, partir depois, com mais fé, mais coragem, mais determinação. Porém, a rua e praça pública, porque são o palco normal e necessário da vida dos homens, e também o foram dos santos, podem e devem, por isso mesmo, constituir o lugar normal do apelo aos valores e aos comportamentos que dignificam o homem na sua labuta diária e no seu relacionamento social. Deste modo, a rua, a praça e o jardim de todos, devem aparecer como espaço digno e respeitoso do acolhimento, da relação, da convivência de todos. Para isso, podem também ajudar no esforço, que a cada um é devido, os sinais públicos que convidam a olhar para o Alto, que são estímulo ao despertar das energias de bem que estão dentro de cada um de nós, que são, pelo que significam e pelo que dizem, verdadeiros correctores de atitudes, ocasião de confronto com certos modelos de vida, apelo a valores que não envelhecem, indicadores serenos de rumos novos e certos na vida.

Os muitos jovens que por aqui passam diariamente não podem passar desatentos, frente ao testemunho de uma jovem que soube escolher e que se soube comprometer com total liberdade na sua opção vital.

As mulheres de Aveiro, que vêem agora na nossa cidade a primeira manifestação pública a uma mulher, não podem deixar de estar atentas à sua valorização, à sua capacidade de coisas grandes, ao cultivo e à exigência de respeito pela sua dignidade.

Diocese e Município deram-se as mãos neste serviço e neste dom à comunidade aveirense. Abrimos deste modo significativo as Comemorações do V Centenário da Padroeira da Igreja Diocesana e da Cidade. Chegaremos, querendo Deus, ao ponto mais alto das comemorações, em 12 de Maio de 1990 e, pelo caminho, não faltarão iniciativas que levem a Princesa Santa Joana ao coração dos aveirenses, da cidade e da Diocese, e que a tornam igualmente mais conhecida e apreciada como portuguesa e como cristã pela nação a que pertence e que, às vezes, não parece muito propensa para conhecer, amar e seguir os seus maiores.

Por termos podido concretizar com êxito, desde este momento, esta iniciativa feliz que a todos nos honra, quero agradecer à Câmara Municipal pelo que já fez e fará ainda; à Irmandade de Santa Joana, por ter liderado este esforço de sensibilização e de generosidade que permitirá custear a estátua; a todos quantos já contribuíram ou a isso se dispõem, fazendo que este monumento seja mais de todos e menos só de alguns; agradecer, por fim, a quantos quiseram estar aqui nesta hora, por terem entendido o alcance da iniciativa.

Que Santa Joana Princesa, com cujo patrocínio contamos e que nos deve como nossa Padroeira, possa agora dizer-nos aqui, em plena rua e de modo mais directo, que na vida dos homens, ontem como hoje, Deus é o maior, só Ele basta e, sem Ele, o homem nunca conseguirá desvendar e entender a sua verdadeira grandeza e dignidade.

Santa Joana Princesa optou ser para sempre de Deus, sem jamais deixar de ser de Aveiro. Que todos os aveirenses, seguindo na sua feliz peugada, encontremos no seu testemunho, um estímulo ao nosso compromisso de nos empenharmos, sempre mais unidos e solidários, no maior bem da comunidade humana e na verdadeira renovação da comunidade eclesial».
 

 

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