Estátua de Santa Joana
A Diocese de Aveiro, num calendário que contemplava a
comemoração festiva dos 25 anos de D. Manuel de Almeida Trindade como
Bispo de Aveiro (1987), dos 50 anos da restauração da Diocese (1988) e
dos 500 anos da morte da Princesa Santa Joana (1990), previra a
inauguração de uma estátua da Padroeira numa das praças da cidade,
preferindo o lugar fronteiro ao secular Mosteiro de Jesus. A data
escolhida foi o dia 10 de Dezembro, por coincidir com o aniversário da
mesma Diocese.
Na presença de muitas centenas de pessoas, da Banda
Amizade, de associações religiosas e de outras, e com a participação do
Governador Civil de Aveiro, do Prof. Celso dos Santos representando a
Câmara Municipal, de alguns vereadores e de outras entidades, o Bispo de
Aveiro descerrou e benzeu a estátua, em bronze, então doada à Cidade e
ao Município Aveirense. O custo do monumento foi coberto por uma
campanha pro-movida pela Irmandade de Santa Joana, a que aderiram
pessoas, colectividades, empresas e paróquias de toda a Diocese; a
Câmara Municipal, por seu turno, tomou à sua conta o desenho e a
construção do pedestal e o arranjo envolvente.
O Prof. Celso dos Santos proferiu, no acto da
inauguração, as seguintes palavras:
– «Este acto a que estamos a assistir e em que estamos a
participar tem, a meu ver, significativa importância para a nossa
Cidade. A Diocese de Aveiro e a Irmandade de Santa Joana Princesa acabam
de oferecer a Aveiro, através da sua Câmara Municipal, a estátua da
Padroeira, nos termos constantes do protocolo assinado há pouco.
A Diocese tomou a iniciativa de mandar executar uma
estátua de Santa Joana, que logo a mencionada Irmandade acarinhou,
abrindo uma subscrição pública para custear a despesa. Como era de
esperar, a ideia tomou corpo entre os Aveirenses.
O Sr. Bispo de Aveiro, em carta de 16 de Maio passado,
comunicou oficialmente à Câmara Municipal este louvável propósito, e
logo apontou a data da sua inauguração para este dia 10 de Dezembro, por
ser a véspera do quinquagésimo primeiro aniversário da restauração da
Diocese; esse acontecimento constituiria simultaneamente o primeiro acto
público das comemorações do quinto centenário da morte da Princesa.
Tendo presente a deliberação do Executivo Municipal de 25
de Maio de 1987, no sentido de colaborar activamente no programa das
referidas celebrações, Sua Ex.ª Rev.ma sugeriu então que a
Câmara Municipal não só tomasse à sua conta o desenho e a construção do
respectivo pedestal e o arranjo envolvente, mas também, na escolha do
local da sua implantação, fosse considerada esta praça por ter sido
aqui, no secular Mosteiro de Jesus, onde a Princesa se recolheu, viveu e
faleceu e onde repousam os seus restos mortais.
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Na reunião ordinária, que se realizou a 22 de Maio, o
teor do mencionado ofício foi considerado pela Edilidade, que deliberou
apoiar esta iniciativa concreta da Diocese, em ordem à escolha do local,
à construção do pedestal, ao arranjo da iluminação e à execução de
outros trabalhos. Agiu-se assim, por antecipadamente se saber que se ia
ao encontro das aspirações da maior parte dos Aveirenses, que por um
lado vêem na Augusta Filha do Rei Africano a celeste Patrona de Aveiro e
da sua Região e, por outra parte, a consideram Alguém que, com a sua
presença e com a sua memória, foi e é factor de progresso e incentivo
para a luta pessoal pelos imperativos da consciência e pelos autênticos
direitos e valores humanos perante os vícios e atractivos da hodierna
sociedade de consumo, que tantas vezes escraviza em vez de libertar.
Não é a primeira vez que o Município Aveirense homenageia
Santa Joana. Para só relembrar os últimos anos, além da sua colaboração
positiva nas festas anuais, foram as celebrações do quinto centenário do
seu nascimento em 1952, foram as solenidades do quinto centenário da sua
vinda para Aveiro em 1972, foi a reposição do feriado municipal no seu
dia próprio em 1978, foi a publicação do livro «A Princesa Santa Joana e
a sua Época», com a primeira edição em 1981 e a segunda edição em 1988,
foi a execução das estatuetas em «biscuit» e em barro vermelho em 1983.
Decerto que não se ficará por aqui no preito devido a Santa Joana e a
outras Figuras de A veiro, porque é útil e torna-se necessário que
recordemos os nossos antepassados e a nossa história, para não perdermos
a nossa própria identidade e a nossa maneira de ser e de estar no mundo.
Esquecê-los seria ingratidão e ficaria empobrecido o conhecimento da
nossa Terra e das nossas Gentes.
A Câmara Municipal, representando a população de Aveiro e
os seus sentimentos, agradece a oferta generosa da Diocese e da
Irmandade de Santa Joana Princesa e, como é e será seu dever, procurará
dar ainda maior dignidade a esta praça, para que ela seja um nó de
enquadramento condigno aos monumentos que estão aqui implantados».
O Bispo de Aveiro, usando da palavra, disse:
– «A homenagem pública a pessoas que, em tempos passados,
se celebrizaram pela sua vida e pela sua acção – estão sempre neste
número os santos – não é tanto uma glorificação histórica das mesmas
pessoas, mas mais um serviço que se presta à comunidade a que estiveram
ligadas.
Estou certo de que, ao colocarmos na praça pública a
imagem da Princesa Santa Joana, esta gloriosa figura da história
aveirense fica, de imediato, mais próxima de todos – da cidade, da
Diocese, enfim, dos que por aqui passarem para conhecerem ou reverem a
beleza ímpar de Aveiro e da sua Ria.
A cultura contemporânea, sem menosprezar a importância da
palavra, privilegia hoje muito mais a linguagem da imagem visível. Por
esta estátua, exposta ao olhar de todos, sentiremos que a filha do nosso
Rei Afonso V, uma jovem que concretizou a sua opção definitiva e
incondicional por Deus, Seu verdadeiro Senhor, na sua opção por Aveiro,
passou a fazer parte da nossa vida, desde o longínquo século XV,
continuando assim hoje e amanhã, um amanhã sem termo. A actualização
histórica daqueles cuja vida ultrapassou as leis da morte, torna-nos
seus contemporâneos e faz-nos participar, generosamente, do seu rico
património espiritual.
Todos nós estamos e estaremos sempre dependentes daqueles
que nos precederam. É esta uma lei inegável da nossa vida e do nosso
agir humano. Dos que nos precederam no tempo recebemos a vida, o modo de
viver, de sentir e de agir, a fé e o testemunho que a torna eloquente e
viva, o mundo de valores que nos norteiam, a cultura como património
chamado a crescer. Uma pessoa ou um povo que esquece, menospreza ou nega
o seu passado, e aqueles que nele fizeram a história que nos afecta,
será sempre uma pessoa ou um povo órfão e só, sem presente com razões,
nem futuro com horizontes; será, no mínimo, uma
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pessoa ou um povo, subsidiário inútil e inconsequente do imediato e do
sem sentido.
De há anos que vimos sonhando alto esta iniciativa que
nos é dado agora concretizar. Não é tanto uma dívida que se paga, mas
mais uma necessidade a que se dá resposta. Não é um gasto supérfluo ou
um acontecimento inútil. É mais uma oportunidade de humanização, um
sinal de renovada reconciliação com o passado, um marco indicativo para
um futuro que necessita de alma quando tanto sonhamos e nos empenhamos
em caminhos de progresso.
É verdade que o túmulo da Santa Princesa, jóia artística
e património espiritual de inestimável valor, é já um monumento que,
permanentemente, nos fala dela. Não falta, nunca faltará em Aveiro, quem
vá junto dele, movido pela fé ou impelido pelo coração de aveirense
agradecido, para ouvir a voz eloquente do seu silêncio e, partir depois,
com mais fé, mais coragem, mais determinação. Porém, a rua e praça
pública, porque são o palco normal e necessário da vida dos homens, e
também o foram dos santos, podem e devem, por isso mesmo, constituir o
lugar normal do apelo aos valores e aos comportamentos que dignificam o
homem na sua labuta diária e no seu relacionamento social. Deste modo, a
rua, a praça e o jardim de todos, devem aparecer como espaço digno e
respeitoso do acolhimento, da relação, da convivência de todos. Para
isso, podem também ajudar no esforço, que a cada um é devido, os sinais
públicos que convidam a olhar para o Alto, que são estímulo ao despertar
das energias de bem que estão dentro de cada um de nós, que são, pelo
que significam e pelo que dizem, verdadeiros correctores de atitudes,
ocasião de confronto com certos modelos de vida, apelo a valores que não
envelhecem, indicadores serenos de rumos novos e certos na vida.
Os muitos jovens que por aqui passam diariamente não
podem passar desatentos, frente ao testemunho de uma jovem que soube
escolher e que se soube comprometer com total liberdade na sua opção
vital.
As mulheres de Aveiro, que vêem agora na nossa cidade a
primeira manifestação pública a uma mulher, não podem deixar de estar
atentas à sua valorização, à sua capacidade de coisas grandes, ao
cultivo e à exigência de respeito pela sua dignidade.
Diocese e Município deram-se as mãos neste serviço e
neste dom à comunidade aveirense. Abrimos deste modo significativo as
Comemorações do V Centenário da Padroeira da Igreja Diocesana e da
Cidade. Chegaremos, querendo Deus, ao ponto mais alto das comemorações,
em 12 de Maio de 1990 e, pelo caminho, não faltarão iniciativas que
levem a Princesa Santa Joana ao coração dos aveirenses, da cidade e da
Diocese, e que a tornam igualmente mais conhecida e apreciada como
portuguesa e como cristã pela nação a que pertence e que, às vezes, não
parece muito propensa para conhecer, amar e seguir os seus maiores.
Por termos podido concretizar com êxito, desde este
momento, esta iniciativa feliz que a todos nos honra, quero agradecer à
Câmara Municipal pelo que já fez e fará ainda; à Irmandade de Santa
Joana, por ter liderado este esforço de sensibilização e de generosidade
que permitirá custear a estátua; a todos quantos já contribuíram ou a
isso se dispõem, fazendo que este monumento seja mais de todos e menos
só de alguns; agradecer, por fim, a quantos quiseram estar aqui nesta
hora, por terem entendido o alcance da iniciativa.
Que Santa Joana Princesa, com cujo patrocínio contamos e
que nos deve como nossa Padroeira, possa agora dizer-nos aqui, em plena
rua e de modo mais directo, que na vida dos homens, ontem como hoje,
Deus é o maior, só Ele basta e, sem Ele, o homem nunca conseguirá
desvendar e entender a sua verdadeira grandeza e dignidade.
Santa Joana Princesa optou ser para sempre de Deus, sem
jamais deixar de ser de Aveiro. Que todos os aveirenses, seguindo na sua
feliz peugada, encontremos no seu testemunho, um estímulo ao nosso
compromisso de nos empenharmos, sempre mais unidos e solidários, no
maior bem da comunidade humana e na verdadeira renovação da comunidade
eclesial».
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