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Boletim n.º 13-14 - Ano VII - 1989


O Convento de Jesus
Fausto Ferreira

 

(À minha filha Maria Celeste

e ao meu genro José Barbosa)

 

Na sessão da Câmara Municipal de Aveiro de 5 de Março de 1874, o seu Presidente, Agostinho Duarte Pinheiro e Silva, informou que a última religiosa dominicana que ainda existia no «Real Convento de Jesus», de Aveiro, a Prioresa D. Maria Henriqueta Osório Barbosa (ou Maria Henriqueta dos Anjos Barbosa Osório), natural de Ovar mas da família do Visconde de Almeidinha, da Casa do Terreiro (hoje local onde se encontra o edifício do Governo Civil), havia falecido em 2 daquele mês pelo que, ao abrigo do Art.º 11 da Lei de 4 de Abril de 1861, o Convento de Jesus seria considerado extinto e, portanto, o edifício e todos os seus pertences tornar-se-iam propriedade da Fazenda Nacional.

Na mesma acta foi registado um voto de pesar pelo falecimento daquela religiosa.

A Câmara, apercebendo-se dos prejuízos que causaria à cidade a perda do imóvel e, por conseguinte, desta casa de recolhimento e de tradição histórica e religiosa, que sempre a prestigiaram, alegava, também, existir dentro das suas paredes, o túmulo da Princesa Santa Joana que deveria pertencer à cidade, e expôs ao Governo, nesta mesma data, a petição que a seguir se transcreve, dirigida ao deputado pelo círculo de Aveiro, o Conselheiro José Dias Ferreira:

 

«Senhor!

Desde o dia 2 do corrente que o Real Mosteiro de Jesus, d'esta Cidade, pertencente à Ordem Dominicana, se acha compreendido nas disposições da lei de 4 de Abril de 1861, pelo falecimento da última religiosa professa, que n'elle vivia.

Este Convento, Senhor, mereceu sempre o maior respeito dos habitantes d'esta Cidade pelas altas virtudes das que o habitavam, e pelas memórias históricas que a elle se prendem.

Alli viveu e morreu como Santa a Sereníssima Princesa Dona Joana, filha do Senhor Rei Dom Affonso V e suas cinzas n'elle existem guardadas em precioso tumulo de mosaico, justamente considerado como um dos mais estimados monumentos que tem o Reino. / 22 /

Fecharem-se inteiramente as portas d'aquella casa onde ainda habitam 30 senhoras entre recolhidas, educandas e criadas, algumas d'avançada idade, outras sem família nem parentes a quem recorram, faria grave violência aos sentimentos de todos os moradores d'Aveiro, e seria malbaratar um capital, que pode vantajosamente ser aproveitado em benefício da instrução e da caridade.

Por Provisão do Princepe Regente o Senhor D. João, de 12 de Fevereiro de 1807, foi obrigado o Senado e Camara d'Aveiro a tomar sob a sua protecção a festividade e procissão, que no dia 12 de Maio de cada anno se faz no referido convento em honra da Santa Princesa, «devendo assistir com suas insígnias principais e praticar o mesmo que nas outras festas e procissões reaes se pratica».

É este um título, Senhor, com que esta Câmara Municipal se abona no pedido que respeitosamente vai fazer a Vossa Magestade:

O Convento está extincto.

Mas póde no lugar d'elle surgir um estabellecimento de educação como já existem outros em outras Cidades do Reino.

O edifício é de fabrica modesta e está em grande parte muito deteriorado.

Não servia para outra applicação, e vendido em hasta publica daria apenas o preço dos materiais.

Mas pode bem utilisar-se para aquelle fim, e talvez por muitos annos sem reparos dispendiosos. Poderão servir de mestras as proprias senhoras que já o habitam, e cuja competencia, posto que provada, haveria meios de legalmente conhecer.

A utilidade d'um estabellecimento d'esta ordem, n'uma terra como Aveiro onde escasseiam, como em quase todas as da provincia, os meios de educação para o sexo feminino escusa demonstrar-se.

Não approveitaria só a Cidade, approveitaria também ao Districto.

Não seria educação brilhante a que elle poderia proporcionar, mas educação moral, fundada em principios de severa virtude, tendo simultaneamente a illustrar e a desenvolver a intelligencia e a formar a mulher de familia.

É esta talvez de todas as educações a mais proveitosa e a mais necessária.

Se o Governo de Vossa Magestade não julga conveniente proceder directamente e por iniciativa própria a esta fundação, a Camara pede que lhe seja concedido o Convento para n'elle instituir uma casa semelhante ou analoga a que o Municipio do Porto sustenta no largo de S. Lasaro, com o tittulo de recolhimento de orphãas e d'outros que sob diversas formas existem no paiz, e alem d'isso pode uma subvenção annual, pelo averbamento d'inscripções, ou Por qualquer outro meio que melhor se julgue, que venha em auxilio da exiguidade dos seus recursos, e seja exclusivamente destinada a prover ás despesas d'uma instituição, que ao mesmo tempo que é de interesse local, tem incontestavel utilidade publica.

O art.º 11 da citada lei de 4 de d'abril de 1861 determinando «que todos os bens que nos termos della, constituiram propriedade ou dotação d'algum Convento que for supprimido na conformidade dos canones, serão exclusivamente applicados á manutenção d'outros estabelecimentos de piedade e instrução e á sustentação do culto e clero» tem applicação obvia ao caso presente.

É um estabellecimento de educação que vai fundar-se sobre os alicerces rasos d'uma instituição monastica derrocada.

Pela extinção do Convento percebe o Estado uma avultada somma que elle possuia em inscrições, e ainda em bens por desamortisar.

Não se augmenta, pois, com o pedido da Camara a despesa publica.

Da-se o destino que a lei designou aos redditos provenientes d'essa extinção.

E nem todos seriam precisos para o fim que se indica, porque uma parte d'elles seria bastante para habilitar a Camara para a fundação que pretende.

A superintendencia d'este estabellecimento d'instrucção, quando mesmo á Camara pertença fundal-o, inutil parece tambem dizer, que ficaria inteira ao Estado nos termos da legislação vigente, e a Camara aceitaria, nem podia deixar de aceitar, todas as condições que a este respeito se lhe imposessem, para regularidade do ensino, e completo aproveitamento dos fins da instrução.

A egreja e o tumulo da Santa Princesa, é justo que pertençam á Cidade – a Camara por consequencia que a respeita –.

Nem sequer duvida a Camara que Vossa Magestade completando o pensamento do Augusto Avô de Vossa Magestade D. João VI haja por bem conceder-lhe.

As alfaias do culto pertencentes ao Convento, e principalmente as que servem na festividade de 12 de Maio, a Camara igualmente as pede, com a condição expressa de não poderem ser distrahidas ou applicadas a outro uso ou fim, sob pena de volverem, ou o valor dei Ias, á posse do Estado.

Senhor!

Esta Camara Municipal interprete dos seus municipes espera que Vossa Magestade Se Digne acolher benignamente a sua supplica e Haja por bem deferir-lhe.

Aveiro em sessão de 5 de Março de 1874.»

 

Na mesma data seguiu um pedido, a EI Rei D. Luís, das recolhidas do Real Convento de Jesus em número de 20 e, ainda, outro a S. Majestade a Rainha, Senhora D. Maria Pia, como se seguem: / 23 /

«Senhor!

É entre lágrimas e suspiros, que, prostradas aos pés de Vossa Magestade, vamos humildemente pedir uma graça, que o bondoso coração de Vossa Magestade nos anima a pedir.

Acaba de baixar á sepultura a ultima religiosa do Real Mosteiro de Jesus d'esta cidade.

Nós, abaixo assignadas, recolhidas n'este Real Mosteiro, ficamos na posição mais infeliz, que imaginar se póde, se por ventura formos obrigadas a deixarmos esta casa, que nos tem servido de abrigo e amparo.

Umas de nós estão n'uma edade avançada, outras n'uma edade inexperiente.

Umas e outras, sem meios ou sem familia, terão de soffrer os horrores da fome, e talvez algumas os d'uma posição vergonhosa.

Muitos dos Augustos Antecessores de Vossa Magestade protegeram e honraram esta casa desde a sua fundação. O Senhor D. Affonso V lhe lançou a primeira pedra, o Senhor D. João II lhe fez doações e deu privilegios como o fizeram os Senhores D. Manuel, D. João III, D. João IV e D. João V. A Princeza Santa Joana, filha do Senhor D. Afonso V, aqui se recolheu e aqui jazem as suas reliquias em magnifico sarcophago, obra a expensas do Senhor D. Pedro II.

A magnificencia das festividades que se teem feito na egreja d'este Real Mosteiro; as muitas virtudes, imitadas por todas as Religiosas até á ultima que baixou á sepultura; a caridade, que sempre n'esta casa foi exercida; as muitas tradições historicas, que enobrecem este Mosteiro, são motivos mais que poderosos para que Vossa Magestade ordene a conservação d'este Mosteiro como recolhimento ou como casa de educação e ensino.

É esta a graça, que humildemente pedimos a Vossa Magestade. Duvidar de que Vossa Magestade a conceda, seria duvidar da bondade do Coração de Vossa Magestade.

Senhor!

Quando a Augusta Mãe de Vossa Magestade visitou este mosteiro, dignou-se declarar que, em quanto viva fosse, sempre a Sua mão se recusaria a assinar o decreto, que o extinguisse. Vossa Magestade, herdeiro do trono da Senhora D. Maria II, não poderá tambem deixar de ser o herdeiro das virtudes, que ornaram aquelle coração magnanimo, e assim não sanccionará o que Ella não sanccionaria.

Além das razões apontadas para que Vossa Magestade nos attenda, ha muitas, que longo fôra ennumerar, mas acima de todas falla o nosso pranto, a nossa dôr e a nossa saude, por deixarmos estas paredes, se Vossa Magestade não attender o nosso humilde rogo.

         E.R.M.

Aveiro 5 de março de 1874»

 

"Senhora!

Vertendo as mais sentidas lagrimas e com o coração trespassado de dôr, vamos implorar o valimento de Vossa Magestade, para que nos proteja n'uma pretensão, cuja graça já imploramos do Magnanimo Esposo de Vossa Magestade.

Nós abaixo assignadas, recolhidas no Real Mosteiro de Jesus d'esta cidade d'Aveiro, somos obrigadas a deixarmos esta casa, visto que a ultima religiosa acaba de baixar á sepultura. As nossas lagrimas fallam mais, que as nossas vozes. / 24 /

Não temos coragem de deixar estes tectos que, por tanto tempo, nos protegeram e abrigaram.

Muito esperamos do magnanimo e religioso coração do Esposo de Vossa Magestade; entretanto ninguem melhor do que Vossa Magestade póde interessar-se pela nossa sorte. O coração da mulher é sempre mais sensivel; e nós, infelizes mulheres, privadas de meios e de protecção, sem familia nem amparo, a ninguem melhor poderiamos recorrer, do que a Vossa Magestade, que, como pessoa do nosso sexo póde melhor attender ao nosso humilde rogo, comprehender a nossa dôr e interessar-se por nós.

Ah! se Vossa Magestade presenciasse as nossas lagrimas, se o nosso pranto pudesse ir banhar os pés de Vossa Magestade, certas ficariamos de que Vossa Magestade tocaria em nosso favor o coração do terno, benigno e compassivo Esposo de Vossa Magestade. Mas não será preciso tanto.

Senhora! Já pedimos a Sua Magestade EI Rei, que nos conserve n'este Mosteiro, fundando-se aqui um recolhimento, ou uma casa de educação e ensino. A bondade de Sua Magestade EI Rei póde tudo em nosso favor, mas se a ternura de uma Esposa póde muito no coração d'um Esposo, póde tambem Vossa Magestade interessar-se por nós, pedindo a Sua Magestade EI Rei nos conceda o que tanto desejamos.

A nossa petição a Sua Magestade EI Rei é fundada principalmente nas tradicções, que honram e enobrecem esta casa; a petição que dirigimos a Vossa Magestade não tem argumentos possiveis, porque o pranto e a saudade nos embargam as palavras. Compadeça-se, pois, Vossa Magestade d'estas infelizes, attenda ao nosso humilde rogo; peça por nós a Sua Magestade EI Rei. É de joelhos e banhadas em pranto, que pedimos a Vossa Magestade se amercêe de nós. Se não fôr deferida a nossa humilde supplica, nós no mundo, e sem amparo, morreremos de saudade, de miséria, e talvez de vergonha...

Se de Vossa Magestade conseguirmos o que esperamos, mostraremos a nossa gratidão rogando a Deus pelos preciosos dias de Vossa Magestade e pelos dias do Esposo e filhos de Vossa Magestade.

E.R.M.

Aveiro 6 de março de 1874»

(seguem-se as mesmas assinaturas da petição anterior)

 

Estas duas últimas representações foram redigidas por Rangel de Quadros.

Ainda em 8 de Março foi dirigida a El-Rei D. Luís novo requerimento do povo de Aveiro com 750 assinaturas pedindo a conservação da casa de educação e ensino, como se segue:

«Senhor!

No meio de geral consternação, que opprime os corações dos Aveirenses, o povo d'esta Cidade vem aos pés de Vossa Magestade implorar uma graça, que o magnanimo coração de Vossa Magestade lhes dá direito a pedir.

A ultima religiosa do Real Mosteiro de Jesus d'esta Cidade acaba de baixar á sepultura. Muitos e poderosos são os motivos, por que o povo d'Aveiro se anima a pedir a Vossa Magestade a conservação d'aquelle Mosteiro, já como casa de educação, já como recolhimento. N'aquella casa existe um grande numero de recolhidas, que ali se teem conservado ou por falta de meios ou por vocação. Se por ventura se fecharem aquellas portas, muitas recolhidas, sem familia, sem meios, ou já em edade avançada ou ainda enexperiente, terão de soffrer os horrores da fome ou estender a mão á caridade. Bem poucas são as casas, que, como aquella, estão azadas para um collegio de educação, ou para recolhimento de pessôas, que querem fugir ao bulicio do mundo, ou sejam desfavorecidas da fortuna.

Aquelle Mosteiro tem incontestáveis direitos á sua conservação. / 25 /

Muitas são as tradições historicas e religiosas, que o enobrecem.

O Senhor D. Affonso V lhe lançou a primeira pedra; o Senhor D. João II o honrou algumas vezes com a sua presença, visitar a Sua Augusta Irmã, a Princeza Santa Joanna; no dia 23 de Maio de 1852 a Augusta Mãe de Vossa Magestade e tambem Vossa Magestade visitaram este mosteiro; finalmente alli repousam em magnifico sarcophago, feito por ordem do Senhor D. Pedro II e a expensas suas, as reliquias da Princeza Santa Joana, modêlo de virtudes e penhor sagrado, de que Aveiro tão justamente se ufana.

A virtude das fundadoras d'esta casa, virtudes imitadas e seguidas até hoje por todas as senhoras alli existentes, tanto professas como recolhidas; a magnificencia da sua egreja, bem como do resto do edificio; o respeito e devoção, que inspiram as festividades alli feitas; as tradições historicas já apontadas, bem como outras muitas, que longo fôra ennumerar, são motivos mais que suffecientes, para que Vossa Magestade se digne ordenar a conservação d'aquelle Mosteiro, já como recolhimento, já como casa de educação e ensino.

E. R. M.

Aveiro, 8 de março de 1874»

 

Em sessão da Câmara de 23 de Maio, do mesmo ano, foi lido um ofício, com data de 18, do Governador Civil do Distrito, Dr. Manuel José Mendes Leite, natural de Aveiro, que acompanhava uma cópia de outro de 16 do Ministro da Justiça, no qual mandava aquela autoridade informar a Câmara e as recolhidas no extinto Convento de Jesus, de Aveiro, que havia sido suspensa a venda do edifício em face das representações recebidas.

Nesta mesma sessão o seu Presidente, Agostinho Duarte Pinheiro e Silva, e todos os vereadores congratularam-se com a decisão acertada tomada pelo Governo de Sua Majestade.

Foi resolvido responder que, pela leitura do citado ofício, concluía-se que o Governo, anuindo às representações atrás transcritas e a outras também apresentadas, quis que o edifício onde se encontrava o túmulo de Santa Joana Princesa, um dos mais valiosos monumentos da Cidade e do País, não fosse demolido, ratificando o pedido feito, para que aquela casa lhe fosse entregue a fim de a destinar a um recolhimento de educação do sexo feminino, aproveitando-se «os elementos já existentes e o merecimento de virtudes e instrução das recolhidas que nele se conservam e foram do extinto Convento e isto se dignasse S. Ex.ª levar ao conhecimento de Sua Magestade.»

Mais solicitava, ainda, ao Governador Civil que empregasse todos os esforços no sentido de lhe serem entregues os paramentos e alfaias do culto que pertenceram ao extinto Convento com prioridade às que servem nas festividades de Santa Joana cujas festas a Câmara manda celebrar, já há muito tempo, e tem a obrigação de nela se incorporar por Régia Provisão de 12 de Fevereiro de 1807.

Embora as alfaias do culto e paramentos não possam ser-lhe entregues, definitivamente, o sejam como depósito, sendo proposto um voto de louvor ao deputado pelo círculo de Aveiro, Conselheiro José Dias Ferreira, pela forma como apoiou a pretensão da Câmara e das recolhidas.

A fim de justificar mais e reforçar a pretensão pensou-se na organização de uma Irmandade.

Em 4 de Março de 1877, após diversas reuniões preparatórias, convocou-se uma Assembleia Geral onde foram apresentados os 6 capítulos, divididos em 51 parágrafos, dos Estatutos da «Irmandade de Santa Joana», que foram aprovados por unanimidade e cujas assinaturas, em número de 110, foram reconhecidas pelo tabelião Arnaldo Augusto Álvares Fortuna, em 16 do mesmo mês.

A mesa eleita era constituída pelas seguintes personalidades:

Presidente – Agostinho Duarte Pinheiro e Silva

Vogais – João Augusto Marques Gomes e Joaquim Gonçalves

Tesoureiro – António Rodrigues Soares

Secretário – Francisco Vitorino Barbosa de Magalhães

/ 26 /

Imediatamente todos os aveirenses de representação na Cidade se inscreveram naquela Irmandade com a finalidade de zelar pelo túmulo de Santa Joana Princesa, da conservação da igreja do extinto convento e do seu culto e todas as alfaias e jóias.

Em 26 o secretário do Governo Civil, Adriano Augusto Resende Murteira, aprovou, por despacho, os Estatutos.

Em 7 de Abril foram aprovados pelo Vigário Geral, Manuel Baptista da Cunha, mais tarde nomeado Arcebispo de Braga.

Encontrada, que foi, uma feliz evolução para a causa que tanto preocupava a população de Aveiro, em 30 de Março de 1877 foi autorizado à Irmandade recém-criada, o uso da igreja do Convento, do coro inferior, da sacristia, da capela de Nossa Senhora da Assunção, do órgão e dependências e foram-lhe entregues as alfaias, paramentos, jóias da Princesa Santa Joana e outros objectos de culto com o compromisso de fecharem a pedra e cal todas as comunicações com o Convento – o que se não concretizou por este ter sido transformado em colégio de educação feminina por Portaria de 22 ou 23 de Maio de 1877 tomando o nome de «Colégio de Santa Joana Princesa».

Como regente do Colégio foi nomeada a antiga recolhida ou pupila, D. Leonor Angélica Cardoso de Lemos, senhora de esmerada educação.

Em 3 de Junho, por decreto especial do Governo, o templo de Jesus foi entregue à Irmandade de Santa Joana Princesa, tendo esta, então, obtido o título e as honras de «Real».

De uma série de artigos que, na juventude, Agostinho Duarte Pinheiro e Silva, publicou nos jornais "Campeão do Vouga" e "Aurora" não posso deixar de transcrever o último:

«Tempo houve em que o convento de Jesus foi opulento e mimoso dos bens de fortuna, em que os pingues rendimentos que lhe provinham das egrejas, que apresentava, dos muitos disimos e foros que percebia lhe proporcionavam uma sustentação quasi faustuosa. Hoje, porém, d'essa prosperidade passada apenas lhe resta a recordação.

Foros, decimas e privilegios arrebatou-lhos a nova reforma ecclesiastica; a sua decadencia manifestou-se em tudo, até nas solemnidades do culto religioso que outrora se faziam ali com todo o luxo e ostentação; até na festividade solemne da «Santa Princesa», no dia 12 de maio, antigamente celebrada com triduo e com todo o explendor e magnificência, para que eram chamados os melhores oradores, e a que assistia o antigo senado da cidade, que foi suprimida por muitos annos, em quanto uma camara verdadeiramente ociosa, se não prontificou a fazer a expensas suas o que em outro tempo só era feito à custa da communidade.

Mas d'este estado, sem duvida, lamentavel, passará o convento de Jesus ainda a um outro mais lamentavel, se os governos não lançarem em breve um olhar de compaixão para este e semelhantes estabelecimentos, de cuja conservação tantas vantagens resultam á religião e á sociedade. Até aqui uma prestação bem que diminuta, paga pelo thesouro, tem affectado a indigencia e a miseria dos seus muros, mas se a liberdade da profissão continuar a ser defendida, que será feito d'esta casa, quando o tempo aluir os poucos e debeis esteios que a amparam?

Quem sabe?... tempo virá talvez em que as aves nocturnas façam retumbar, com seus lugubres pios, as mesmas abobadas sob que hoje só se escutam himnos suaves de religião e piedade!...

Talvez dentro em pouco os lugares que hoje excitam o respeito e a veneração, poluidos e profanados, só provoquem a dor e a saudade; e os monumentos que nós agora admiramos, em breve caidos ao abandono, deem abrigo nas suas cornijas de marmore aos ninhos dos pássaros!

Esperamos que não seja assim. Ainda um dia – e que temos fé em breve, um governo lançará um olhar bondoso às instituições monasticas, que ainda se conservam. Os argumentos produzidos contra ellas ha muito que devem ser tidos pelo que valem. A sua base é tão absurda, como odiosas as suas conclusões. Deffender à innofensiva donzella a liberdade de seguir os impulsos do coração, que ambiciona o retiro e a solidão, não será uma intolerancia, indigna d'um pais livre!

São estes os votos que formamos ao concluir esta memoria. Oxalá elles se realisem. Oxalá que nós vejamos ainda a repovoar, a florescer essas casas tão proximas a serem abaladas pelo camartelo do tempo, ao passo que d'ellas proveem tantos exemplos salutares, tantas vantagens á sociedade. Hoje, em que a corrupção tem introduzido em tudo e em todas as instituições a sua funesta influencia, não será agradavel ver surgir, e elevarem-se arvores tão mimosas cobrindo com sua benefica sombra tudo o que as rodeia?»

E assim não se perdeu o MOSTEIRO DE JESUS.

         Fausto Ferreira

Obras consultadas:

Actas da Câmara Municipal de Aveiro

Apontamentos Históricos Rangel de Quadros

A Real Irmandade de S.ª Joana Princesa Amaro Neves

O Mosteiro de Jesus de Aveiro Domingos Maurício Gomes dos Santos
 

 

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