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Boletim n.º 11 - Ano VI - 1988

Breve história do "ISCA"

Por Dr. Orlando de Oliveira

Ainda hoje estão por explicar as manifestações oníricas, mas a verdade é que os sonhos existem.

Os problemas da juventude estavam (ainda estão) tão vivamente arreigados em mim que posso dizer sem exagero que passei toda a vida a sonhar, isto é, a arquitectar projectos de realizações que beneficiassem os jovens aveirenses.

O meu sonho grande era o de que houvesse em Aveiro um aparelho escolar que proporcionasse todas as oportunidades possíveis aos jovens estudantes, de modo a que eles tivessem à sua disposição todos os tipos de escolas e cursos onde pudessem conquistar a bagagem necessária para triunfar na luta pela vida, na qual venceriam tanto melhor quanto mais bem apetrechados estivessem esses estudantes.

Para um pobre mortal como eu, a transformação desse sonho em realidade era praticamente impossível, mas parcelei o todo e alguma coisa se conseguiu com umas tantas dessas parcelas:

a) – Quanto ao liceu, edifício inicialmente com a forma de U, consegui parcialmente a sua transformação em H, isto é, ampliação da ala sul. Não tive o mesmo êxito para a ala norte.

b) – Em colaboração com o Dr. Armando Rocha, ao tempo Director-Geral dos Desportos, edificou-se o Pavilhão Gimno-Desportivo em terrenos do liceu e, neste capítulo, o Engenheiro Alberto Branco Lopes e os Professores Dr.ª Maria Helena Silva, Dr.ª Idália Sá Chaves e José Jorge Sá Chaves deram uma preciosa achega quando se elaborou um primoroso trabalho académico cuja finalidade era a de se tentar a criação de um Instituto de Educação Física em Aveiro. O trabalho foi feito graças, principalmente, à muita dedicação e competência da professora Dr.ª Idália Sá Chaves, mas não se pôde ir mais além. Foi um sonho gorado, à espera de que, mais tarde ou mais cedo, aparecesse um realizador mais feliz, como me parece que vai acontecer, segundo adiante se verá.

c) – Sonhei com a Universidade e sujeitei-me a que me censurassem e chamassem nomes pouco apetecíveis por considerarem e classificarem esse sonho como utópico. Afinal, em 1973, a Universidade nascia por Decreto de 11 de Agosto e já hoje, passados 14 anos, é uma Escola florescente, bem projectada e bem enraizada no meio aveirense.

d) – Do mesmo modo, e com a ajuda do então Governador Civil, Dr. Vale Guimarães, evitou-se o desaparecimento da Escola do Magistério Primário.

Aveiro é o Berço da Liberdade como lhe chamou Marques Gomes, mas não é apenas isso é / 26 / a capital de um distrito cheio de virtudes e de capacidades operativas, principalmente nos domínios industriais que fizeram dele o 32 distrito português economicamente mais valioso.

Sabe-se que os jovens de constituição física e estrutura psíquica normais têm geralmente como predominante uma de duas tendências ou a especulativa ou a de aplicação prática.

Por isso, e numa organização inteligente do ensino, foram postos no trajecto desses mesmos jovens dois tipos de ensino secundário liceal e técnico. Visto assim o problema, tudo está correcto e o aluno, uma vez terminado o ensino primário, escolheria, destes dois, aquele para que se sentisse mais vocacionado.

Infelizmente, esta ideia, lógica e correcta, foi erradamente transposta para a prática corrente, pensando-se que para o ensino liceal seguiriam os alunos ricos e para o técnico os menos favorecidos na escala social. Daqui resultou o apagamento do ensino técnico e a criação do ensino unificado. Mas isto são contas doutro rosário.

A verdade é que, dentro do vasto campo do Ensino Técnico, em grau mais elevado do que o secundário, havia em Lisboa e no Porto Escolas denominadas Institutos Médios, um Comercial e outro Industrial.

Os jovens escolares residentes ou naturais de Lisboa e Porto tinham melhores possibilidades de frequentar esses Institutos; os das outras localidades só o podiam fazer se se deslocassem para uma das duas capitais.

Evidentemente que este facto era uma aberração e provocava desejos de o contrabalançar com atitudes compensatórias, proporcionando igualdade de oportunidades a todos os jovens portugueses.

Vivendo nós em Aveiro, distrito com largas capacidades no campo industrial, como já se disse, a exigirem correspondências nos campos comercial e administrativo, sentíamos que a nossa juventude estava fartamente desamparada. Acarinhávamos portanto no nosso espírito a ideia de criar em Aveiro um Instituto Comercial e um Instituto Industrial.

Ponderados os factos, optámos por iniciar os trabalhos pelo Instituto Comercial, por ser muito menos oneroso.

Estudou-se o problema.

 

O que era afinal um Instituto Comercial?

Em 1947, quando os Institutos Comerciais e Industriais do Porto e de Lisboa ou o ensino neles ministrado contava com cerca de um século de existência, foi publicado em separata do Boletim da Direcção-Geral do Ensino Técnico Elementar e Médio um detalhado relatório sobre a situação desse Ensino nos dois níveis, elementar e médio.

Apoiados nesse relatório, diremos o que vai seguir-se.

A finalidade específica dos Institutos Comerciais é preparar os quadros dos auxiliares imediatos da gerência das explorações económicas de diversos tipos. Aí podem, sem dúvida, chegar os diplomados mais hábeis das escolas de grau inferior (elementares), como alguns que se muniram com um diploma universitário, mas nunca daí ascenderão ao plano directivo e de supervisão a que naturalmente poderiam aspirar.

Uma vez que sem dificuldade se encontra a zona própria de actividade correspondente a este grau de ensino comercial, entende-se que deve ser conservado, tanto mais que tem a justificá-lo cerca dum século de existência, e não foi julgado inútil na época em que era ministrado na mesma escola que conferia o diploma de curso superior.

A esta razão geral podem juntar-se outras. As necessidades de formação escolar das técnicas de comércio, nos nossos dois maiores centros mercantis, não podem ser atendidas exclusivamente pelas escolas comerciais. Tanto assim é que o seu professorado e muitos dos que utilizam o trabalho dos seus diplomas solicitam a ampliação dos objectivos de ensino dessas escolas.

À maior complexidade de administração das grandes empresas, que se localizam de preferência em Lisboa e Porto, corresponde muito naturalmente uma escola de grau mais elevado. As empresas de grande porte constituem naturalmente minoria. Por isso um instituto em cada uma daquelas duas cidades parece bastar.

Encerrar o actual instituto do Porto, como muitos preconizam, seria reduzir a nível largamente desproporcionado com as exigências do meio o ensino comercial ali ministrado.

O sistema tem vícios, mas, fundamentalmente, o maior deles provém da função preparatória atribuída até agora aos institutos comerciais. Mais uma razão, pois, para suprimir esta função preparatória, o que permite reduzir a 3 anos o curso de contabilistas, sem qualquer prejuízo para as suas finalidades profissionais.

Tanto o Instituto de Lisboa como o do Porto eram estabelecimentos com largas e boas tradições, com vida já longa a justificar o bom nome feito com os tempos, em que o último Regulamento era o constante do Decreto n2 38 231, de 23 de Abril de 1951.

Por ele se sabia que o objectivo dos Institutos Comerciais era o de preparar contabilistas e técnicos para os serviços das alfândegas e auxiliares da administração. Para isso, leccionavam-se neles 3 cursos:

a) – Contabilista;

b) – Perito aduaneiro;

c) – Correspondente em línguas estrangeiras.

O ensino seria paralelo ao do 32 ciclo liceal e os diplomados com o Curso de Contabilista poderiam / 27 / ingressar no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, nos Cursos de Administração Militar e Naval e estavam legalmente habilitados para peritos dos Tribunais de Comércio, chefes de contabilidade dos serviços da Fazenda e Contabilidade do Ultramar, administradores de falências e funções análogas.

Como se verifica, estes Institutos preparavam alunos para óptimas situações práticas, o que tornava ainda mais aliciante o propósito de instalar um em Aveiro, colocando esta cidade e a sua população em condições idênticas às dos habitantes de Lisboa e Porto.

Uma unidade industrial tem dois sectores bem distintos, embora interligados o sector técnico e o administrativo. Qual deles o mais valioso Se, por um lado, é preciso fabricar bem, isto é, produzir mercadorias de boa qualidade para terem aceitação no mercado, por outro, a instituição tem que ser bem administrada, com gerência competente e eficiente.

Estas ideias correspondiam (e correspondem) a dois tipos de Escolas que, no momento do sonho, se chamavam respectivamente Instituto Industrial e Instituto Comercial e se acantonavam no Ministério da Educação num departamento conhecido com a designação de Ensino Médio, ou seja um grau de ensino situado entre o elementar e o superior.

Apenas no Porto e em Lisboa havia tais Escolas repetimos, e por aqui, por Aveiro, sentia-se a necessidade da sua existência, pelas razões já apontadas da pujança industrial do distrito.

Assim se pensava, assim se sonhava. Mas... como realizar o sonho

Havia ao tempo um colégio de fama em Oliveira de Azeméis de que era proprietário o Senhor António de Almeida, homem de larga iniciativa como vamos ver. Éramos (e somos) amigos e ele costumava abeirar-se de mim sempre que o apoquentava qualquer problema. Foi assim que um belo dia de 1964 ele me procurou para saber o que eu pensaria da possível criação e instalação de um Instituto de Ensino Comercial Médio no distrito de Aveiro, de preferência em Oliveira de Azeméis ou em Aveiro.

Prontamente lhe respondi que estávamos ambos de acordo quanto à necessidade da existência desse Ensino Médio no distrito de Aveiro, mas eu entendia que, dadas as características e o valor industrial do distrito, eram necessários dois Institutos, um Comercial e outro Industrial. Quanto à localização, Oliveira de Azeméis era muito próximo do Porto, e Aveiro tinha a vantagem de ser a capital distrital e ter já portanto um certo número de condições favoráveis que outras localidades não possuíam.

Mais me informou o Senhor António de Almeida que estava acobertado pelo Senhor Leonardo Nunes Pereira, homem de Loureiro (Oliveira de Azeméis), possuidor de fartos capitais e disposto a colaborar nesta iniciativa.

Aclaravam-se deste modo as premissas condicionantes de uma boa solução para problema tão importante e tão promissor para a juventude aveirense.

Ponderou-se que, embora se pretendessem os dois Institutos, era prudente começar pelo Comercial por este ter menos exigências de instalações e técnicas. Uma vez instalado este, e com êxito, abalançar-nos-íamos ao Industrial.

Assim se pensou e assim se fez. Nasceu o Instituto Comercial de Aveiro.

Arranjou-se uma casa com um mínimo de condições, na Rua João Mendonça, onde ainda hoje está instalado, comprou-se mobiliário numa fábrica de Avanca e requereu-se superiormente o Alvará do Estabelecimento, para o que comparecemos em Lisboa, no Gabinete do Sub-Secretário de Estado da Educação, o Presidente da Câmara Municipal de Aveiro, Engenheiro Agrónomo Henrique Álvaro Pires de Mascarenhas, o Senhor Almeida e eu próprio, aonde entregámos um requerimento depois de expormos verbalmente a nossa pretensão.

Passados alguns dias, tínhamos em nosso poder a comunicação do deferimento respectivo. Estavam reunidos os elementos necessários para iniciarmos o trabalho escolar, faltando apenas encarar o problema do pessoal docente, do pessoal administrativo e do pessoal auxiliar.

Para o pessoal docente, recorri à Dr.ª Armanda Simões Encarnação Dias, licenciada em Matemática, para exercer as funções de directora; além dela, escolhi alguns professores liceais das disciplinas correspondentes aos programas dos Institutos (Decreto N.º 38 231, de 23-4-1951), alguns licenciados em direito do Instituto Nacional do Trabalho, alguns economistas que trabalhavam em Aveiro, e Dr. Frederico de Moura, licenciado em Medicina e em História.

O nosso Instituto (particular) encontrou sérias dificuldades da parte do Instituto do Porto do qual estávamos dependentes porque os professores desta Escola eram profissionais altamente qualificados, cheios de prestígio que punham em dúvida a possibilidade de nós, em Aveiro, conseguirmos um grupo de professores à altura de com eles emparceirar, ideia esta que apenas começou a esfumar-se no fim do ano, quando os nossos alunos foram ao Porto prestar as suas provas de exame.

A instalação do Instituto em Aveiro tinha sido precedida de um estudo demográfico que nos dava as probabilidades de auto-suficiência financeira. Foi uma frustração esse estudo porque a afluência de alunos à nova escola foi desoladoramente fraca. O Estabelecimento de Ensino era particular e havia que pagar as despesas; o referido estudo previa que uma propina de cerca de 500$00 mensais seria suficiente para o efeito, mas os alunos prováveis fizeram as contas doutra forma. Estavam numa idade / 28 / em que uma das suas grandes aspirações era a libertação da tutela paterna e, nesse tempo, por pouco mais de 500$00 mensais arranjava-se no Porto ou em Lisboa uma pensão para estudantes. Era fácil portanto convencer os pais de que pouco se lucrava em frequentar o Instituto de Aveiro e esse pouco era amplamente compensado pelo prestígio e alta competência dos professores dos Institutos do Porto e Lisboa.

Foi assim que o trabalho escolar em Aveiro se iniciou com frequência irrisória, o que causou avultado prejuízo financeiro no final do primeiro ano de funcionamento.

Tentou-se o segundo ano com mais disciplinas, mais professores, mais avultadas despesas. De novo a frequência do 1.º ano foi muito baixa e começou a prever-se futuro pouco ambicioso para uma Escola que parecia ser tão necessária em Aveiro.

Eu tinha o encargo de orientar toda a vida do Instituto, sem qualquer remuneração e, como ao tempo era Vereador Camarário, ia dando conhecimento ao Colégio Municipal da precária situação financeira.

Estes factos vinham já do tempo do Engenheiro Henrique de Mascarenhas que exercera a presidência camarária até 3 de Abril de 1965 e agora, com o Dr. Artur Alves Moreira na presidência, começava a encarar-se a possibilidade de a Câmara comprar a Escola, mantê-la como municipal e tentar a sua passagem a oficial.


16-12-1968 VISITA MINISTERIAL A AVEIRO – Após visita feita ao Instituto Médio do Comércio, Sua Excelência o Ministro da Educação Nacional, escuta alguns esclarecimentos dados pela respectiva Directora, na presença do Presidente da Câmara (Dr. Artur Alves Moreira) e do Governador Civil (Dr. Francisco do Vale Guimarães)


Foi assim que, na acta da sessão camarária de 5 de Abril de 1965, ficou exarado que a Câmara deliberou corroborar as diligências já efectuadas pela Presidência respeitantes à instalação, nesta cidade, de um estabelecimento de ensino particular para o ensino comercial de grau médio (Instituto Comercial).

O problema ia-se repetindo com agravamento da situação financeira e voltou a ser abordado na sessão da Câmara, de 10 de Abril de 1967, de cuja acta consta que O Presidente informou a Câmara das diligências feitas, pessoalmente, do que se passou junto do Senhor Subsecretário de Estado da Administração Escolar, referente à actual situação do Instituto Médio do Comércio de Aveiro.

E tudo assim continuou por mais um ano, até que, como consta do Relatório das actividades camarárias de 1968, no capítulo “Instrução”: “Como nota relevante de actuação nesta rubrica da Instrução, há que mencionar a aquisição, por parte da Câmara, do Instituto Médio do Comércio, pela Importância de 260 contos, e, ainda, o dispêndio de 186 contos com o seu funcionamento e manutenção. Tal facto se deve à Intenção de não deixar acabar, na nossa cidade, tão meritório estabelecimento de ensino que se Instituiu por Iniciativa particular, antes, mantê-lo até que, superiormente, seja decidido oficializar-se, como tudo leva a crer depois das afirmações feitas pelo Senhor Ministro da Educação Nacional, Dr. José Hermano Saraiva, aquando da visita de S. Ex.ª a Aveiro, em 16 de Dezembro do ano em consideração.”

Há que realçar e louvar esta atitude da Câmara de então e o do seu Presidente, Dr. Artur Alves Moreira, que deste modo concorreram deliberadamente para que se tornasse definitiva a instalação, em Aveiro, de tão valioso instrumento para a criação de proficientes auxiliares das actividades / 29 / comerciais e industriais do riquíssimo distrito de Aveiro. Honra lhes seja!

Tanto mais que, como vamos ver, veio a acontecer posteriormente a oficialização da Escola. Assim, Aveiro veio a ficar mais rica em instituições escolares e a dispor no seu meio de um estabelecimento que não teria sem a iniciativa referida.

Com efeito, em 1971, três anos depois de a Câmara comprar o Instituto, este recebia o Estatuto de Secção do Instituto Comercial do Porto. A Câmara deve ter investido durante esses 3 anos cerca de 500 contos que passaram a dar bom rendimento imediato, quer na valorização dos alunos, quer nos aumentos de ordem social, professores e empregados administrativos e auxiliares.

Deixou de ser Directora a Dr.ª Armanda Simões Dias e foi nomeado subdirector da Secção o Dr. Joaquim José da Cunha, que foi destacado do Instituto do Porto para a Secção de Aveiro.

É de salientar ainda que a frequência começou a aumentar porque as propinas passaram a custar muito menos, dando-se assim um passo importante em benefício da nova Escola.

Relembrando os sentimentos que então povoaram o meu pensamento, vou transcrever o que escrevi e foi publicado em Litoral de 28 de Agosto de 1971.

«Dada a circunstância de eu então associar a qualidade de edil à de professor, e movido por dois grandes amores – o de contribuir para valorizar os estudantes e o de desejar engrandecer Aveiro – resolvi apresentar o assunto nas actividades camarárias, exibindo como grande argumento o facto de considerar como mais fácil conseguir-se que o Governo ajudasse a libertar-se a Câmara dum eventual encargo com um Instituto já existente, do que criar uma Escola nova, Isto é, sem ver na base um sacrifício valioso já feito pela Câmara.

Foi o caso de se esgrimir com o coração e o pensamento cheios de razões e amores válidos. E a verdade é que, mais pela força dessas razões e desses amores do que pela da oratória que nunca quis nada comigo, a Câmara foi total e rapidamente compreensiva, adquirindo a Instituição em crise.

Assim praticou um acto de alto significado político e de autêntico fomento de promoção humana.

Fez-se a sementeira e a terra era úbere, embora tivessem que passar alguns anos e gastar bom dinheiro para aflorar à superfície o primeiro rebento da planta que, precisamente por ser de germinação difícil, traz consigo a simpática promessa de ser forte e umbrosa.

Posto Isto, e porque nada mais me cabia, recolhi ao meu silêncio de anacoreta, sem nada mais saber do que se passava. Mas os homens bons e devotados estavam no seu posto a trabalhar e faziam-no em silêncio como convém.

Que se passaria entre a Câmara, o Governo Civil e o Governo Eu nada conhecia mas, como homem da rua, aguardava serenamente o momento propício para lançar os foguetes do regozijo e para ouvir talvez, aqui ou além, o estoiro das garrafas do festivo espumoso.

E, de repente, violento estremeção me acordava do sonho embalador e ternamente apetecido, para que eu soubesse da transformação do Instituto particular em Instituto oficial.

Enquanto não pode ser totalmente Independente, será Secção do Instituto Comercial do Porto, mas Isso é apenas uma questão de pormenor sem Interesse de facto é um Instituto oficial, onde os alunos pagam uma Insignificância e onde todos os actos têm a chamada oficial do Estado e o correspondente valor legal.

Chegada a hora dos hossanas aos que dirigem e comandam, forme-se o cortejo apropriado e demos ao acontecimento o valor de um grande passo em frente, com rumo ao futuro de Aveiro.

Bendito o sacrifício camarário, agora nobremente compensado! E que ele sirva para nos galvanizar e seja a promessa de que, antes do destroçar do cortejo, há que dar ainda outros passos em frente com rumo ao futuro de Aveiro!»

Passou o ano lectivo de 71/72, o primeiro como Secção do Instituto Comercial do Porto, e, em 24 de Junho de 1972, o mesmo jornal “Litoral” publicava outro artigo da minha lavra intitulado Balanço, onde se dizia:

«As ocorrências valerosas são modestas, simples, humildes, dispensando foguetes de propaganda e multidões de anonimato.

Pois assim aconteceu anteontem nesta cidade, quando à tarde se reuniu no Salão Cultural da Câmara um grupo de Indivíduos responsáveis e conscientes adultos alguns e jovens outros.

Fundo da lição: assinalar efeméride relevante na história do ensino em Aveiro, qual era o final do primeiro ano lectivo da Secção de Aveiro do Instituto Comercial do Porto.

Material a utilizar: rememorar a vida da Escola, em referência às três fases até agora percorridas, ou seja, Instituto de ensino particular de propriedade particular, Instituto de ensino particular de propriedade camarária e Instituto de ensino oficial como agora de facto é.

Aveiro, no reconhecimento do Inalienável direito que todos os jovens têm à educação, não se ficou por sonhos ou palavras altissonantes; foi realista, concretizou e assim / 30 / convenceu as Pessoas e Entidades responsáveis de que tinha direitos suficientes para merecer o auxilio estatal e ser dotada com uma Escola desta índole.

Os dirigentes, consubstanciados no Director e Subdirector do Instituto Comercial do Porto, honraram a cidade e a Secção com a sua presença e os seus pensamentos de louvor, concordância e incitamento, deixando-nos a obrigação de fazer o balanço daquele primeiro ano de actividade.

Aveiro, como nas grandes ocorrências, foi modesta, simples e humilde na recepção a tão grados embaixadores da boa nova, mas não faltaram, nem o Governador Civil, nem o Presidente da Câmara, para dizerem aos professores e aos alunos da Secção que acompanhavam atentamente as actividades de uns e de outros e esperavam de todos a melhor dedicação para que Aveiro fosse mais rica e pudesse distribuir melhor essa riqueza.

Bom augúrio esta modéstia, simplicidade e humildade, pois o trabalho escolar só é sério e produtivo quando realizado no recato da sala de aula, sem estridências de trompete nem zabumbices de bombardinos. Assim o teriam entendido os Ilustres pedagogos que são o Director e Subdirector do Porto e os restantes professores que os acompanharam.

Balanço Pela nossa parte não será difícil de fazer.

Os problemas da educação, embora financeiramente deficitários, são sempre realizações de Investimento. Portanto, em vez das habituais rubricas de Devedores Gerais, Credores Gerais, Letras a pagar ou Letras a receber, só há que perguntar Quantos jovens estudantes se valorizaram e enriqueceram com o labor da Secção, de tal modo que venham a aumentar a produtividade aveirense?

A resposta afirmativa é indiscutível; temos todos a certeza segura de que alguns dos nossos estudantes, sem terem abandonado as casas familiares, conquistaram saber e títulos de que em breve tirarão proveito.

Foram muitos os que aproveitaram A relatividade dos números Impõem a sua lei há cinco anos havia no mundo 450 milhões de estudantes e apenas uma minúscula gota (uma centena) coube este ano ao nosso Instituto. Com números desta grandeza são Irrisórias as comparações do muito ou do pouco. O que interessa, isso sim, é que alguns rapazes e umas tantas raparigas se promoveram e dignificaram.

Conclusão – A conta de Lucros e Perdas terá pequeno lucro financeiro mas produzirá Cem por um na valorização do Capital humano que utiliza a Instituição. Por isso se pede aos Senhores Accionistas (os Aveirenses) que dêem a sua confiança ao Instituto (Secção de Aveiro) e aprovem sem reservas as contas desde o primeiro ano de actividade.»

Esta fase de “Secção do Instituto Comercial do Porto” durou cinco anos no decorrer dos quais alguns alunos concluíram os seus estudos e arranjaram empregos mais ou menos pingues onde prestaram boas provas e granjearam prestígio para a Escola que os preparou. Tudo se foi reflectindo com brilho na nova Escola aveirense e de tal modo que, ao fazer-se uma remodelação dos Institutos Comerciais, (Decreto-Lei n.º 32776, de 6 de Maio), foram criados com a nova designação de Institutos Superiores de Contabilidade e Administração apenas 4 – Lisboa, Porto, Coimbra e Aveiro – conhecidos com a sigla de ISCA.

Ficámos assim com a certeza certa de que, se não houvesse uma Secção do Instituto Comercial do Porto em Aveiro, também não haveria o ISCA de Aveiro. Cumpriram-se integralmente as previsões feitas e, como se calcula, todos nós, os cabouqueiros, sentimos enorme satisfação com esse facto.

A Câmara de Aveiro e o Governo, de mãos dadas, estão a construir um novo edifício para esta Escola e bebemos a notícia no n.º 8 do Boletim Municipal de Aveiro, páginas 59 e 60. Colaborou nos projectos de Arquitectura, de Engenharia, de Águas e Saneamento e de Electricidade uma equipa formada por 3 arquitectos, 6 engenheiros, 6 desenhadores e um Técnico de Construção Civil.

Não se pode dizer que houvesse falta de meios humanos, apesar de se estranhar que nessa equipa não figure nenhum professor nem nenhum aluno que, naturalmente, teriam alguma coisa a dizer sobre a elaboração do programa que deve ter servido de base aos projectos. Talvez por isso, certamente por isso, na descrição do edifício feita com linguagem pretensamente erudita, não, conste nada sobre seus recreios no meio da rua! Julgamos isto uma falta imperdoável.

Partindo do princípio que o programa da construção do edifício está certo, há que louvar os esforços, quer camarários quer governamentais, realizados para a condigna instalação do ISCA de Aveiro. Está quase a chegar a hora das «BODAS DE PRATA» da Instituição e tudo se deve preparar afanosamente para uma celebração apropriada.

Pela minha parte e, atrevo-me a pensá-lo, em nome do Senhor António de Almeida, agora residente em Albufeira, e em memória do Senhor Leonardo Nunes Pereira, associamo-nos às festas que se hão-de realizar e cumprimentamos a todos que connosco colaboraram nas horas más do início. Parabéns para Aveiro, que eu conheço, e que sei não me deixaria ficar mal.

Que o ISCA de Aveiro conheça muitos êxitos na sua nova casa.

Este desejo foi o motor que me levou a escrever o presente trabalho. / 31 /

Mais uma palavra para relembrar o sonho do “Instituto Industrial de Aveiro”.

Entretanto leio no jornal Aveirense “Litoral” n.º 1482, de 25 de Setembro, próximo passado, uma extensa reportagem sobre um colóquio subordinado ao tema “Programa Estratégico do LNETI e o relacionamento LNETI, Empresas, Universidade”, realizado em 18 de Setembro de 1987, sob a organização e orientação da Associação Industrial do Distrito de Aveiro (AIDA), a que preside a Senhora Dr.ª Maria Helena Cerveira.

Esta Senhora discursou e, do seu longo discurso, destacamos:

1.º – A defesa acalorada do distrito de Aveiro e o protesto deliberado contra a partilha que se desenha ou parece querer desenhar-se, formando áreas afectadas à Comissão de Coordenação da Região Norte (CCRN) e outras à Comissão de Coordenação da Região Centro (CCRC).

Nós que tanto e por tantas vezes temos escrito sobre essa pretensa partilha, não podíamos deixar de nos regozijar por ser tão consagrada personalidade a defender o mesmo ponto de vista que nós defendemos, isto é, a integridade do nosso distrito, sem qualquer tutela das CCRs.

2.º – Transcrevemos:

«Assim, entendemos que urge promover a Implementação, em Aveiro, de um Centro de Formação para Empresários e Técnicos Superiores, em que activamente participem a AIDA, a Universidade de Aveiro, o LNETI, o Ministério do Emprego e Formação Profissional e o Ministério da Indústria.

Paralelamente a este, pensamos que a outra obra de grande necessidade e oportunidade bem patentes para o distrito e para a qual esta reunião vai, certamente, dar especial contributo – aqui contamos sobretudo com a boa vontade de V Ex.ª, Senhor Ministro (da Indústria e Tecnologia) e Senhor Presidente do LNETI (Prof. Veiga Simão) – é a criação, em Aveiro, do Instituto de Inovação e Desenvolvimento Tecnológico para apoiar, de perto e eficazmente, a nossa Indústria tão carenciada.»

Quanto ao primeiro ponto, nunca será demais enaltecer o generoso cuidado com que a Senhora Presidente da AIDA pugna pela defesa da integridade do distrito de Aveiro em futuro projecto de regionalização. O manifesto descontentamento em relação à partilha do distrito pelas duas Comissões de Coordenação.

Quanto ao segundo ponto, e por palavras mais simples, a referida Senhora pede a criação em Aveiro de uma Escola Superior de Economia e de um Instituto Industrial. Deste último, disse eu atrás que o meu sonho sobre este tipo de escola saíra gorado, mas eu esperava que, mais tarde ou mais cedo, aparecesse um realizador mais feliz do que eu o fora. Com o coração cheio de esperança, pergunto, terá chegado a hora? Estaremos, daqui a 25 anos, a festejar as bodas de prata do Instituto Industrial de Aveiro

Dr. Orlando de Oliveira
 

 

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