NOTICIÁRIO
VISITA DO PRESIDENTE DA
REPÚBLICA
No dia 20 de Setembro, o
Senhor Presidente da República Portuguesa, Dr. Mário Alberto Nobre Lopes
Soares, visitou a cidade de Aveiro. Após o longínquo ano de 1959, foi
esta a primeira «visita oficial» de um Presidente da República, a
convite da Câmara Municipal.
Não vamos descrever
pormenorizadamente o acontecimento, que se desenrolou conforme o
programa previamente delineado; todavia, destacamos a sessão solene nos
Paços do Concelho, registando os breves discursos aí proferidos.
A chegada do Senhor Dr.
Mário Soares verificou-se perto das 10.30 horas, na Avenida do Dr.
Lourenço Peixinho, junto do monumento aos Mortos da Grande Guerra, onde
o Batalhão de Infantaria de Aveiro lhe prestou a guarda de honra.
Depois, dirigiu-se, a pé, para o edifício da Câmara Municipal.
Tomando a presidência da
referida sessão, foi ladeado por alguns membros do Governo, pelo
representante do Governador Civil e pelos Presidentes da Assembleia e da
Edilidade Municipais; participou também o Bispo de Aveiro. A
assistência, onde se destacavam as mais altas individualidades da
Cidade, enchia completamente o salão.
Após o canto do Hino
Nacional pelo Coral Vera-Cruz, foram apresentados os votos de
boas-vindas pelo Presidente da Assembleia Municipal, Francisco da
Encarnação Dias, que disse:
A visita do Chefe de
Estado à nossa cidade, quer pela distinção de que se reveste, quer pela
honra que nos dá, é dia que a história de Aveiro vai registar, como
momento alto da sua existência. Aqui lhe apresento,
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Senhor Presidente, os mais sinceros votos de boas-vindas, com a
franqueza e lealdade que são apanágio da nossa gente. Fique V. a Ex. a
com a certeza de que não nos poupámos, para que de algum modo possamos
corresponder ao privilégio da visita, e esta se revista da dignidade que
a envolve.
Aveiro e os aveirenses não
terão para V.ª Ex.ª quaisquer surpresas ou dúvidas. Terra de trabalho,
de poder criativo, gente de temperamento calmo, por vezes frio mas
sentimental, assim se moldou, carácter e corpo, no arado do amanho da
terra ou na constância dos trabalhos fabris, na dureza da faina das
marinhas de sal ou na aventura dos mares dos bacalhaus.
E porque estamos em vésperas
de comemorar a epopeia dos Descobrimentos, e porque a água nos cerca,
permita-me V.ª Ex.ª recordar aqui esses destemidos homens desta região,
os homens do mar. Que os tivemos também nas Descobertas, com o João
Afonso de Aveiro, piloto de D. João II. Mas é na sequência dos
Descobrimentos que as gentes de Aveiro escreveram as gloriosas epopeias
da pesca do bacalhau, onde vamos há quase quinhentos anos. Imaginemos
hoje o que seria ontem. Terra Nova, Lavrador, golfo de S. Lourenço,
quantas páginas de bravura, quantas miragens e sonhos desfeitos
escreveram os portugueses nessas paragens longínquas, arrostando todos
os tempos, enfrentando todas as dificuldades, as naturais e as da época,
mas lutando sempre, sempre, na vivência difícil do amor sofrido, no
cenário imenso dos céus, o mar, e a fé em Deus. E lá voltavam, ano após
ano, na cadência que a própria aventura estimula e incita, que a
história guardou, e hoje, em dia tão significativo, aqui lembramos, com
a dureza dos factos ou a rigidez dos números. Aveiro e os Descobrimentos
a que ficámos para sempre ligados.
E a honrosa visita de V.ª
Ex.ª à cidade de Aveiro é também para nós, aveirenses, uma homenagem à
cidade de trabalho, nos campos, nas fábricas e no mar.
Mas recordei D. João II; e
falar de Aveiro sem referir sua irmã Princesa Joana, a nossa Santa
Joana, Padroeira da cidade, seria omissão grave. Ele foi o Príncipe
Perfeito, ela a perfeição de Princesa. Devotada à sua fé, deixou tudo,
as rendas e honrarias da corte, pelo hábito do convento. Ela que na
ausência de seu pai D. Afonso Vede seu irmão em campanha africana, foi
regente deste Reino, aguardando os seus regressos em dia de vitória para
lhe anunciar a sua firme decisão e rogar «como coisa dada e oferecida já
a Deus para me recolher em algum dos mosteiros do vosso Reino». Aqui
morreu no Mosteiro de Jesus, com 38 anos apenas, a 12 de Maio de 1490.
Havia chegado a Aveiro dezoito anos antes, a 30 de Julho de 1472.
Senhor Presidente da
República:
Mesmo sucintamente,
referi-lhe algumas características da nossa
cidade e da sua gente. Mas, também muito em síntese, tudo estaria
incompleto sem referir o nosso muito querido José Estêvão, príncipe dos
parlamentares, o nosso apego à liberdade, as nossas raízes democráticas
e republicanas. Tudo isto, matéria de sobejo conhecimento de V.ª Ex.ª.
E no nosso apego à liberdade
que refiro, e porque entendo momento oportuno, também não posso olvidar
o ano de 1975, em 13 de Julho, quando o povo desceu à rua, com o seu
Bispo à frente, jogando tudo, na primeira mobilização dos católicos
portugueses. «Acordem!, acordem!» – foi então a chamada de ordem de D.
Manuel. E assim soubemos dizer não às tentativas totalitárias, porque um
povo que ama a liberdade, se a quer merecer, tem que saber lutar e
defendê-la, para ser digno dela. E Aveiro teve essa dignidade.
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Seguidamente, falou o
Presidente da Câmara Municipal, Dr. José Girão Pereira, cujas palavras
também aqui se reproduzem na íntegra:
Depois das palavras do Sr.
Presidente da Assembleia Municipal, a minha intervenção, em nome da
Câmara de Aveiro, será naturalmente sucinta. Acedeu Vossa Excelência a
participar numa pequena reunião de trabalho, onde terei oportunidade de
expor os principais anseios e realizações que, neste momento, estão no
centro das preocupações da Administração Municipal e dos aveirenses. Não
abordarei, pois, aqui e nesta sessão, este tipo de problemas.
Não devo, porém, silenciar,
em nome da Câmara e da população do concelho, quanto nos honra, nos
dignifica e nos estimula a visita de Vossa Excelência.
E creio ser oportuno referir
que estamos perante a primeira "Visita Oficial» do Presidente da
República ao concelho de Aveiro, após o já longínquo ano de 1959. Quase
trinta anos, pois, vão decorridos. Ao longo deles, profundas alterações
se operaram na vida política e na sociedade portuguesas. Muitas delas
foram intensamente vividas por Vossa Excelência.
É nesta nova realidade de
esperança que em nome dos aveirenses, independentemente da sua matriz
ideológica ou da sua vinculação partidária, o saúdo.
Saudamo-lo também em nome dessa inegável realidade que é hoje o Poder
Local.
Poder Local, que, pesem
embora por vezes os seus erros, hesitações, dificuldades e conflitos,
tem sido, contudo, um agente enorme do progresso do País, da melhoria
das condições de vida dos portugueses, e uma escola viva da aprendizagem
democrática.
Visita Vossa Excelência uma Autarquia, onde os seus órgãos têm
conseguido colocar o interesse da comunidade acima das querelas
político-partidárias e das fugazes divergências pessoais. Afirmo-o com
orgulho e na certeza de que assim continuaremos, porque é afinal a
maneira de ser e estar dos aveirenses.
Visita também uma das zonas
mais progressivas e dinâmicas do País, mercê da criatividade e do
trabalho das suas gentes e que, consequentemente, mais contribui para o
erário público e para o progresso nacional.
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Orgulhamo-nos de o afirmar.
Temos o direito de o
proclamar para que, para além dos princípios básicos de justiça social
distributiva, se olhe também para as necessidades de quem produz. E
quantas carências ainda, Senhor Presidente, há a satisfazer nesta
zona...
A presença de Vossa
Excelência e dos Membros do Governo hoje entre nós é, porém, mais um
estímulo para não desfalecermos na tarefa de continuar o progresso para
a dignificação do homem.
Honrados pela visita do
Presidente da República, os aveirenses saúdam Vossa Excelência.
A terminar a breve mas
significativa sessão, o Presidente da República disse:
É com prazer que visito mais
uma vez Aveiro, desta vez com carácter oficial, pois é um concelho
bastante dinâmico e importante para a economia nacional e com tantas
tradições que, mesmo na altura em que a liberdade era uma coisa que não
existia no nosso País, Aveiro nunca deixou que a sua chama se apagasse.
Aveiro é uma das capitais de
distrito que mais contribui para o desenvolvimento da nossa Terra e uma
das que mais próximo se encontram dos padrões europeus, que nós
desejamos atingir.
Sentimos hoje alguns
problemas deste concelho e estamos certos de que serão atacados como
deve ser, no característico ambiente de liberdade e tolerância que
Aveiro sempre manifestou.
Esta é a Terra da liberdade
e tolerância, a que estou ligado através de múltiplas recordações. Não
deixaria de evocar, entre outros factos e figuras aveirenses, o tribuno
José Estêvão, homem da liberdade e do exemplo parlamentarista do século
XIX, grande figura da cultura portuguesa.
Aveiro é o espelho da nossa
aposta de desenvolvimento no âmbito da CEE.
Após a recepção oficial nos
Paços do Concelho, teve lugar, na sala da Despacho da Misericórdia, uma
sessão pública de trabalho, na presença dos Secretários de Estado das
Vias de Comunicação, do Ambiente, do Emprego e Formação Profissional, e
da Agricultura, e dos Vereadores da Câmara Municipal. O Presidente da
Edilidade Aveirense traçou um rápido panorama dos principais problemas
com que o concelho se debate, como o acesso rodoviário à cidade e ao
porto marítimo, a poluição da ria, o sal, a reconversão das salinas, o
saneamento, o abastecimento de água e a regionalização. Pelos
governantes foi prometida a melhor atenção para os diversos assuntos.
Pelas 11.30 horas, no salão
cultural, realizou-se uma sessão solene com a Confederação dos Caçadores
Portugueses, que tem a sua sede em Aveiro. Depois, no Parque Municipal,
foi inaugurado o Museu de Caça e Pesca.
O Senhor Presidente da
República visitou, seguidamente, a Agrovouga/87.
A visita terminou com o
almoço, numa das salas do Museu Nacional.
O Dr. Mário Soares, ao
entrar no Museu, visitou, a convite do Bispo de Aveiro, o túmulo de
Santa Joana Princesa; por sugestão do Senhor Presidente da República,
houve um encontro a sós com aquele Prelado, durante cerca de vinte
minutos, em que foram tratados problemas relacionados com os cinco
séculos da presença lusíada nos Países de expressão portuguesa, aos
quais os missionários levaram a fé cristã.
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