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Boletim n.º 10 - Ano V - 1987

NOTICIÁRIO

 

VISITA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

No dia 20 de Setembro, o Senhor Presidente da República Portuguesa, Dr. Mário Alberto Nobre Lopes Soares, visitou a cidade de Aveiro. Após o longínquo ano de 1959, foi esta a primeira «visita oficial» de um Presidente da República, a convite da Câmara Municipal.

Não vamos descrever pormenorizadamente o acontecimento, que se desenrolou conforme o programa previamente delineado; todavia, destacamos a sessão solene nos Paços do Concelho, registando os breves discursos aí proferidos.

A chegada do Senhor Dr. Mário Soares verificou-se perto das 10.30 horas, na Avenida do Dr. Lourenço Peixinho, junto do monumento aos Mortos da Grande Guerra, onde o Batalhão de Infantaria de Aveiro lhe prestou a guarda de honra. Depois, dirigiu-se, a pé, para o edifício da Câmara Municipal.

Tomando a presidência da referida sessão, foi ladeado por alguns membros do Governo, pelo representante do Governador Civil e pelos Presidentes da Assembleia e da Edilidade Municipais; participou também o Bispo de Aveiro. A assistência, onde se destacavam as mais altas individualidades da Cidade, enchia completamente o salão.

Após o canto do Hino Nacional pelo Coral Vera-Cruz, foram apresentados os votos de boas-vindas pelo Presidente da Assembleia Municipal, Francisco da Encarnação Dias, que disse:

A visita do Chefe de Estado à nossa cidade, quer pela distinção de que se reveste, quer pela honra que nos dá, é dia que a história de Aveiro vai registar, como momento alto da sua existência. Aqui lhe apresento, / 64 / Senhor Presidente, os mais sinceros votos de boas-vindas, com a franqueza e lealdade que são apanágio da nossa gente. Fique V. a Ex. a com a certeza de que não nos poupámos, para que de algum modo possamos corresponder ao privilégio da visita, e esta se revista da dignidade que a envolve.

Aveiro e os aveirenses não terão para V.ª Ex.ª quaisquer surpresas ou dúvidas. Terra de trabalho, de poder criativo, gente de temperamento calmo, por vezes frio mas sentimental, assim se moldou, carácter e corpo, no arado do amanho da terra ou na constância dos trabalhos fabris, na dureza da faina das marinhas de sal ou na aventura dos mares dos bacalhaus.

E porque estamos em vésperas de comemorar a epopeia dos Descobrimentos, e porque a água nos cerca, permita-me V.ª Ex.ª recordar aqui esses destemidos homens desta região, os homens do mar. Que os tivemos também nas Descobertas, com o João Afonso de Aveiro, piloto de D. João II. Mas é na sequência dos Descobrimentos que as gentes de Aveiro escreveram as gloriosas epopeias da pesca do bacalhau, onde vamos há quase quinhentos anos. Imaginemos hoje o que seria ontem. Terra Nova, Lavrador, golfo de S. Lourenço, quantas páginas de bravura, quantas miragens e sonhos desfeitos escreveram os portugueses nessas paragens longínquas, arrostando todos os tempos, enfrentando todas as dificuldades, as naturais e as da época, mas lutando sempre, sempre, na vivência difícil do amor sofrido, no cenário imenso dos céus, o mar, e a fé em Deus. E lá voltavam, ano após ano, na cadência que a própria aventura estimula e incita, que a história guardou, e hoje, em dia tão significativo, aqui lembramos, com a dureza dos factos ou a rigidez dos números. Aveiro e os Descobrimentos a que ficámos para sempre ligados.

E a honrosa visita de V.ª Ex.ª à cidade de Aveiro é também para nós, aveirenses, uma homenagem à cidade de trabalho, nos campos, nas fábricas e no mar.

Mas recordei D. João II; e falar de Aveiro sem referir sua irmã Princesa Joana, a nossa Santa Joana, Padroeira da cidade, seria omissão grave. Ele foi o Príncipe Perfeito, ela a perfeição de Princesa. Devotada à sua fé, deixou tudo, as rendas e honrarias da corte, pelo hábito do convento. Ela que na ausência de seu pai D. Afonso Vede seu irmão em campanha africana, foi regente deste Reino, aguardando os seus regressos em dia de vitória para lhe anunciar a sua firme decisão e rogar «como coisa dada e oferecida já a Deus para me recolher em algum dos mosteiros do vosso Reino». Aqui morreu no Mosteiro de Jesus, com 38 anos apenas, a 12 de Maio de 1490. Havia chegado a Aveiro dezoito anos antes, a 30 de Julho de 1472.

Senhor Presidente da República:

Mesmo sucintamente, referi-lhe algumas características da nossa
cidade e da sua gente. Mas, também muito em síntese, tudo estaria incompleto sem referir o nosso muito querido José Estêvão, príncipe dos parlamentares, o nosso apego à liberdade, as nossas raízes democráticas e republicanas. Tudo isto, matéria de sobejo conhecimento de V.ª Ex.ª.

E no nosso apego à liberdade que refiro, e porque entendo momento oportuno, também não posso olvidar o ano de 1975, em 13 de Julho, quando o povo desceu à rua, com o seu Bispo à frente, jogando tudo, na primeira mobilização dos católicos portugueses. «Acordem!, acordem!» – foi então a chamada de ordem de D. Manuel. E assim soubemos dizer não às tentativas totalitárias, porque um povo que ama a liberdade, se a quer merecer, tem que saber lutar e defendê-la, para ser digno dela. E Aveiro teve essa dignidade. / 65 /

Seguidamente, falou o Presidente da Câmara Municipal, Dr. José Girão Pereira, cujas palavras também aqui se reproduzem na íntegra:

Depois das palavras do Sr. Presidente da Assembleia Municipal, a minha intervenção, em nome da Câmara de Aveiro, será naturalmente sucinta. Acedeu Vossa Excelência a participar numa pequena reunião de trabalho, onde terei oportunidade de expor os principais anseios e realizações que, neste momento, estão no centro das preocupações da Administração Municipal e dos aveirenses. Não abordarei, pois, aqui e nesta sessão, este tipo de problemas.

Não devo, porém, silenciar, em nome da Câmara e da população do concelho, quanto nos honra, nos dignifica e nos estimula a visita de Vossa Excelência.

E creio ser oportuno referir que estamos perante a primeira "Visita Oficial» do Presidente da República ao concelho de Aveiro, após o já longínquo ano de 1959. Quase trinta anos, pois, vão decorridos. Ao longo deles, profundas alterações se operaram na vida política e na sociedade portuguesas. Muitas delas foram intensamente vividas por Vossa Excelência.

É nesta nova realidade de esperança que em nome dos aveirenses, independentemente da sua matriz ideológica ou da sua vinculação partidária, o saúdo.
Saudamo-lo também em nome dessa inegável realidade que é hoje o Poder Local.

Poder Local, que, pesem embora por vezes os seus erros, hesitações, dificuldades e conflitos, tem sido, contudo, um agente enorme do progresso do País, da melhoria das condições de vida dos portugueses, e uma escola viva da aprendizagem democrática.
Visita Vossa Excelência uma Autarquia, onde os seus órgãos têm conseguido colocar o interesse da comunidade acima das querelas político-partidárias e das fugazes divergências pessoais. Afirmo-o com orgulho e na certeza de que assim continuaremos, porque é afinal a maneira de ser e estar dos aveirenses.

Visita também uma das zonas mais progressivas e dinâmicas do País, mercê da criatividade e do trabalho das suas gentes e que, consequentemente, mais contribui para o erário público e para o progresso nacional. / 66 /

Orgulhamo-nos de o afirmar.

Temos o direito de o proclamar para que, para além dos princípios básicos de justiça social distributiva, se olhe também para as necessidades de quem produz. E quantas carências ainda, Senhor Presidente, há a satisfazer nesta zona...

A presença de Vossa Excelência e dos Membros do Governo hoje entre nós é, porém, mais um estímulo para não desfalecermos na tarefa de continuar o progresso para a dignificação do homem.

Honrados pela visita do Presidente da República, os aveirenses saúdam Vossa Excelência.

A terminar a breve mas significativa sessão, o Presidente da República disse:

É com prazer que visito mais uma vez Aveiro, desta vez com carácter oficial, pois é um concelho bastante dinâmico e importante para a economia nacional e com tantas tradições que, mesmo na altura em que a liberdade era uma coisa que não existia no nosso País, Aveiro nunca deixou que a sua chama se apagasse.

Aveiro é uma das capitais de distrito que mais contribui para o desenvolvimento da nossa Terra e uma das que mais próximo se encontram dos padrões europeus, que nós desejamos atingir.

Sentimos hoje alguns problemas deste concelho e estamos certos de que serão atacados como deve ser, no característico ambiente de liberdade e tolerância que Aveiro sempre manifestou.

Esta é a Terra da liberdade e tolerância, a que estou ligado através de múltiplas recordações. Não deixaria de evocar, entre outros factos e figuras aveirenses, o tribuno José Estêvão, homem da liberdade e do exemplo parlamentarista do século XIX, grande figura da cultura portuguesa.

Aveiro é o espelho da nossa aposta de desenvolvimento no âmbito da CEE.

Após a recepção oficial nos Paços do Concelho, teve lugar, na sala da Despacho da Misericórdia, uma sessão pública de trabalho, na presença dos Secretários de Estado das Vias de Comunicação, do Ambiente, do Emprego e Formação Profissional, e da Agricultura, e dos Vereadores da Câmara Municipal. O Presidente da Edilidade Aveirense traçou um rápido panorama dos principais problemas com que o concelho se debate, como o acesso rodoviário à cidade e ao porto marítimo, a poluição da ria, o sal, a reconversão das salinas, o saneamento, o abastecimento de água e a regionalização. Pelos governantes foi prometida a melhor atenção para os diversos assuntos.

Pelas 11.30 horas, no salão cultural, realizou-se uma sessão solene com a Confederação dos Caçadores Portugueses, que tem a sua sede em Aveiro. Depois, no Parque Municipal, foi inaugurado o Museu de Caça e Pesca.

O Senhor Presidente da República visitou, seguidamente, a Agrovouga/87.

A visita terminou com o almoço, numa das salas do Museu Nacional.

O Dr. Mário Soares, ao entrar no Museu, visitou, a convite do Bispo de Aveiro, o túmulo de Santa Joana Princesa; por sugestão do Senhor Presidente da República, houve um encontro a sós com aquele Prelado, durante cerca de vinte minutos, em que foram tratados problemas relacionados com os cinco séculos da presença lusíada nos Países de expressão portuguesa, aos quais os missionários levaram a fé cristã.

 

 

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