O AVEIRENSE FERNÃO DE
OLIVEIRA
No 450.º aniversário da
publicação da primeira gramática portuguesa.
Neste ano de 1986, ocorreram quatro séculos e meio sobre
o termo da impressão da «Grammatica da Lingoagem Portuguesa», da
autoria do Padre Fernão de Oliveira. Efectivamente,
esta «primeira anotação da Língua Portuguesa»(1)
saiu da oficina lisbonense de Germão Galharde, em 27 de Janeiro de 1536,
com a dedicatória ao «mui magnífico senhor e nobre fidalgo o Sr. D.
Fernando de Almada, filho herdeiro do mui prudente e
animoso Sr. D. Antão, capitão-geral de Portugal, etc.».(2)
Dominicano e egresso
Desde já, porém, surge-nos a pergunta: Quem era o Padre
Fernão de Oliveira – ou Fernando Oliveira?
Referiria ele próprio, no decurso de um processo
instaurado junto do tribunal do Santo Ofício, onde foi réu, que nasceu
na vila de Aveiro, no ano de 1507, tendo sido baptizado na igreja matriz
do Couto do Mosteiro, no termo de Santa Comba Dão. Embora se venha
repetindo ser filho de Heitor de Oliveira, juiz dos órfãos em Pedrógão,
e de D. Branca de Oliveira, o certo é que tal suposição carece de prova
convincente.
Contudo, foi na Beira que decorreu a sua infância, como
ele próprio também afirmaria:
«Sendo eu moço pequeno, fui criado em S. Domingos de
Évora, onde faziam zombaria de mim os da terra, porque
o eu assim pronunciava, segundo o que aprendera na Beira.»(3)
Referia-se aqui à pronúncia «som» para a primeira pessoa do presente do
indicativo do verbo «ser».
Aos treze anos – como também anotaria – encontrava-se no
Convento Dominicano de Évora, onde proficientemente e com extrema
caridade exercia o cargo de porteiro um outro patrício
nosso, o virtuosíssimo Frei Pedro de Aveiro(4).
Nessa casa monástica, depois da necessária formação religiosa, moral,
intelectual e humanística e do competente noviciado, professou na Ordem
dos Pregadores, fez-se clérigo e recebeu a Ordem do Presbiterado. Aí
fora discípulo, especialmente em lições de Gramática, do mestre
humanista André de Resende, um dos célebres eruditos
portugueses do século XVI, «de geração nobre e filho de hábito do
Convento e que nele foi noviço»(5);
não lhe foi difícil manifestar-se, desde cedo, como um aluno
extraordinariamente inteligente e muito trabalhador.
Em 1532, aos vinte e cinco anos de idade, surgindo
qualquer incidente ou desaguisado imprevisto, não dominando o seu
temperamento nervoso e irrequieto, abandonou o claustro e refugiou-se em
Espanha, talvez em Toledo. É de crer que, durante os meses que passou em
Castela, tenha feito a cópia, incompleta, da «Arte de Gramática de
lengoa castellana por el doctissimo maestro António de Nebrissa,
compuesta en castellano», manuscrito que foi impresso, pela primeira
vez, em 1492. Mas, decerto, o que Fernão de Oliveira fez foi aproveitar
a estadia no paíz vizinho para começar a redigir a «Grammatica da
Lingoagem Portuguesa», naturalmente influenciado pelo exemplo do
referido António de Nebrissa; todavia, pelo que se pode concluir de um
passo deste livro - «... nesta cidade (de Lisboa) houve
ou cuido que ainda é viva uma
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mulher que se chamava Cataroz»
(6) – a redacção
principal ou final terá sido feita em Lisboa. Daqui também se deduz que
já novamente se encontraria em Portugal, nos últimos meses de 1535; no
início do ano seguinte, a sua Gramática sairia do prelo.
O egresso da Ordem dos Pregadores, residindo em Lisboa,
continuava no exercício do sacerdócio, embora com breve de exclaustração
ou de secularização do Papa Paulo III – conforme alegaria mais tarde no
processo inquisitorial, apesar de dizer tê-lo perdido; mereceu até ser
escolhido e convidado para mestre de jovens fidalgos, «filhos e filhas
de alguns senhores principais desta terra» – como ele mesmo declararia
com certa vaidade num depoimento; entre os alunos, contam-se D. Antão de
Almada, filho de D. Fernando de Almada, os filhos do barão do Alvito, em
cuja casa habitou, e ainda os de João de Barros, o famoso cronista da
Índia.
Parece que, nesta época, Fernão de Oliveira gozava de
certa estabilidade, que nunca mais reencontraria; o seu temperamento
desassossegado e insatisfeito levá-lo-á a uma vida agitadíssima. Talvez
tivesse acontecido nesses breves anos, em Lisboa, que,
frequentando a casa do «mui nobre João de Barros»(7),
este também se tivesse entusiasmado em estudos gramaticais e fosse
preparando a sua gramática, que publicaria em 1540. O nosso aveirense
colocava-se, pois, num lugar cimeiro das letras portuguesas, mercê de
trabalho aturado e de estudos filológicos.
As suas relações de amizade e a sua convivência com
outros intelectuais do saber humanista do Renascimento, com as
respeitáveis e nobres famílias dos educandos e com alguns senhores da
aristocracia lisboeta – como o conde de Castanheira, que gozava de muita
influência nas altas esferas – teriam contribuído para que lhe fosse
desculpada a falta cometida contra a poderosa Ordem de S. Domingos, que
outrora o educara e formara e nele e na sua inteligência e perspicácia
depositara boas esperanças.
A Inquisição em Portugal
Por volta de 1541, Fernão de Oliveira partiu para a
Itália. Henrique Lopes de Mendonça, que, além de um estudo biográfico e
de uma análise dos seus trabalhos náuticos, publicou o processo
inquisitorial do célebre gramático, conjectura que ele saísse em missão
secreta de El-Rei D. João III, para diplomaticamente intervir nas
complicadas e difíceis negociações que a Corte Portuguesa desde há anos
teimosamente agitava na Cúria Romana, a propósito dos cristãos novos e
da Inquisição. Talvez pelo sigilo de tais serviços não apareça
qualquer menção ou vestígio do seu nome na documentação
referente a este assunto.
(8)
De facto, já D. Manuel I, em 26 de Agosto de 1515, fizera
a primeira tentativa em ordem a solicitar ao Papa o estabelecimento da
Inquisição em Portugal, semelhante ou igual à de Espanha. O assunto,
grave e sobremaneira delicado, que, no turbulento século XVI, mais do
que à política de um rei interessava à política não só de Portugal mas
mesmo de toda a Península Ibérica, protelou-se por muitos anos sem
qualquer decisão; nas instâncias da Santa Sé prevaleciam as ideias de
benignidade, justificadas com certas leis já publicadas em Portugal em
favor dos judeus. O Pontífice chegou até a tomar providências benévolas
aos cristãos novos, em bula de 7 de Abril de 1533. A questão tornara-se
intrincadíssima, em face de opiniões contrárias: de um lado, a
intransigência do monarca português e, do outro, o espírito de
tolerância do Papa e sua contumaz repugnância em autorizar um tribunal
de índole extraordinária.
Por fim, o Papa Paulo III, vendo-se fortemente assediado,
autorizou, em 23 de Maio de 1536, o estabelecimento da Inquisição no
nosso País, embora sob certas condições de reserva que não agradaram ao
Rei; D. João III, porém, conseguiria, por diligências habilmente
conduzidas, modificar o estatuto do tribunal e levar as coisas ao que
desejava.
Entretanto, o Pontífice, em Maio de 1542, encarregava a
Mons. Luís Lippomano, bispo metonense e coadjutor de Bérgamo, de o
representar, como núncio, na Corte Portuguesa – o que não agradou a
El-Rei. É que o núncio, partindo de Roma em Junho desse ano, trazia
consigo uns apontamentos, redigidos segundo o parecer do Papa, nos quais
já se alvitrava que a Inquisição fosse revogada pelo Pontífice e
cometido aos bispos das Dioceses o encargo dela, segundo as leis gerais
da Igreja; deste modo, «não faria o Santo Padre senão
coisa muito santa e muito justa».
(9) D. João III,
dotado de carácter voluntarioso e irredutível, não queria, de modo
nenhum, tal núncio em Portugal; por isso, apenas o aceitou
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com a condição de não intervir em negócios do Santo Ofício. O Papa,
contudo, não se conformaria com tal reserva e, em face das queixas do
Monarca, responderia, em breve de 1544, que procedera
assim «para que não me peça Deus de nossas mãos o sangue de tantos
mortos, nem demande a Vossa Alteza conta de tantas vidas».
(10)
A Cúria Romana, para serenar os ânimos, vira-se obrigada
a escolher outro núncio, Mos. João Ricci.
Em 1547, ainda Paulo III, embora fosse forçadamente
levado para concessões mais largas, pedia a El-Rei que empregasse todos
os esforços com o inquisidor-mor e os outros inquisidores para que,
deixando o rigor judicial, tratassem com a maior moderação e brandura os
cristãos novos, ficando as suas esperanças no espírito de piedade e de
justiça do Monarca. De Roma, diziam os agentes portugueses que não se
poderia alcançar mais, por ser aí corrente o princípio axiomático de que
era preferível dar a Deus contas da misericórdia a dar contas do rigor
da justiça.
D. João III, apesar de tudo, continuava insatisfeito. A
luta diplomática iria continuar; o tribunal, confiado a membros da
Igreja, viria a tornar-se num útil instrumento político nas mãos da
Realeza.
Naquele ano de 1542, o nosso Padre Fernão de Oliveira
regressara de Roma, na companhia do núncio Lippomano; na demorada
viagem, os dois, com naturalidade e franqueza, conversariam e trocariam
impressões sobre o assunto quente da Inquisição, que nem o Papa nem a
Santa Sé desejavam instaurar em Portugal. Não nos é mesmo difícil
ficarmos com a convicção de que ele navegaria nas próprias águas do
núncio: a Inquisição era para temer e não para amar. O seu
estabelecimento não se quadrava com a sua maneira de ser, tão natural
num aveirense.
Por tudo isto, chegado a Lisboa, viu-se abandonado pelos
amigos e lançado em desfavor; criando conflitos pelo seu temperamento
arrebatado e pelas suas ideias pouco ortodoxas na política de então,
lançou sobre ele a suspeita não só dos dominicanos, omnipotentes no
Santo Ofício, mas ainda dos cristãos novos que o consideravam inimigo, e
atravessou dois anos numa existência apagada e pobre, agravada pela fome
que então assolava o País, por motivo de deficientes colheitas
agrícolas.
Piloto e na Corte Inglesa
Entretanto, em Junho de 1945, subiu o rio Tejo uma frota
francesa de vinte e cinco galés que, sob a capitania geral de Antoine
Escalin, barão de La Garde, de Marselha se destinava ao Havre, onde iria
juntar-se à poderosa armada do Almirante Amebault que se preparava para,
em luta com a Inglaterra, desembarcar nas suas costas meri9ionais. Uma
daquelas galés era comandada pelo barão de Saint-Blancard.
Fernão de Oliveira, por causa de uma acesa discussão com
o livreiro João de Borgonha a quem mandara encadernar um livro, receava
que por ele logo fosse acusado à Inquisição. Relacionando-se com os
marinheiros gauleses, veio-lhe o pensamento de ir com eles; e, se assim
pensou, melhor o fez. Com o frade Miguel Lobo, fugiu clandestinamente
para a galé do barão de Saint-Blancard; usando o nome de Martinho para
iludir quem tentasse descobrir a sua identidade, serviu nela com o
ofício de piloto e não de clérigo. Mais tarde, nas respostas aos
interrogatórios da Inquisição, talvez nervoso pelo rigor das instâncias,
contradizer-se-ia nas declarações, ora dizendo que andara nas galés em
hábito de clérigo e com o breviário para a oração, ora afirmando que
vestira sempre o trajo de leigo.
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40 /
Iniciara-se para Fernão de Oliveira uma nova empresa
aventurosa, esta de índole guerreira. É que, nos anos de 1545 e 1546,
decorreu no Canal da Mancha a campanha entre as forças navais da
Inglaterra e da França. Dada a sua inteligência e o seu saber, Fernão de
Oliveira alcançou facilmente o bom conceito do barão de La Garde que,
ouvindo as suas opiniões, passara a tê-lo como útil conselheiro.
Em 1546, as galés estavam na foz do rio Sena, em Ruão,
onde o nosso aveirense se confessou, segundo o seu próprio testemunho.
Depois, tendo principiado a primavera desse ano, a armada francesa zarpou e fez-se ao largo, para vigiar
os movimentos dos navios ingleses e com eles travar combate. As
vantagens, embora sem grande valor positivo, couberam aos ingleses que,
em certo momento, mostrando-se hábeis estrategas e ajudados por vento
favorável, aprisionaram a galé do barão de Saint-Blancard, com seus
tripulantes e marinheiros.
Fernão de Oliveira passaria a viver na Inglaterra:
primeiro, como prisioneiro, antes da assinatura do tratado de paz entre
as nações beligerantes, em 4 de Junho de 1546; depois, como homem livre,
acabando por conseguir rapidamente assinalado prestígio em Londres,
inclusive na Corte de Henrique VIII. Aqui, o humilde «pilo
to» logo usava a sua natural habilidade para conseguir
valimento junto do Rei, que lhe estabeleceria uma tença; mais tarde,
declarar-se-ia afeiçoado ao Monarca, «por ter sido seu criado e comer do
seu pão».
Por esta altura, degladiavam-se ferozmente em Inglaterra
– como aliás noutros países europeus – os católicos e os protestantes,
estes favorecidos pelo próprio Henrique VIII que, também ele, quebrara,
anos atrás, a obediência à Sé Apostólica e consigo arrastara
oficialmente o seu País. O antigo foragido da Ordem de S. Domingos
seguiria interessado a hostilidade contra a autoridade papal, pois ela,
em parte, correspondia às suas posições pessoais. Efectivamente, Fernão
de Oliveira manifestar-se-ia abertamente contra a multiplicação
desmedida e o culto excessivo das imagens dos Santos no ritual católico,
com manifesto prejuízo do culto devido a Deus, censuraria o abuso das
indulgências e das relíquias e condenaria desassombradamente a invenção
ou proliferação de «milagres» que julgava uma exploração dos simples e
ignorantes – opiniões estas que – diria ele – «todas reduzidas à verdade
não chegarão a ser pecado mortal».
Na sua breve permanência de pouco mais de um ano na
Inglaterra, manteve amiudada correspondência com o conde da Castanheira,
tratando de assuntos que interessavam a Portugal, mas que se
desconhecem; ao mesmo tempo, queixava-se das saudades que o atormentavam
e pedia-lhe ajuda e protecção para poder voltar livremente ao País
natal, sem receio de represálias ou castigos por ter fugido ou por o
considerarem reincidente em faltas antigas.
Henrique VIII faleceu em 28 de Janeiro de 1547,
sucedendo-lhe seu filho, o jovem Eduardo VI. Fernão de Oliveira
continuaria a gozar dos mesmos favores junto da Corte Inglesa, de tal
sorte que o novo Monarca lhe deu uma carta para D. João III, cujo
conteúdo se não conhece; seria apenas uma recomendação de benevolência e
um atestado de bons serviços? Voltou, pois, a Portugal, talvez no Outono
de 1547. Por que motivo, se na Inglaterra o bom destino o não
abandonara? Seria a nostalgia da Pátria? Seria o espírito de aventura?
Nas malhas da Inquisição
Uma vez em Lisboa, apressou-se a entregar ao Monarca a
carta de Eduardo VI, apresentando-se em trajo de homem do mar, impróprio
de um religioso ou de um sacerdote; isto valeu-lhe uma séria reprimenda,
a que ele terá retorquido que não houvera tempo de mudar de roupa, pela
pressa em ir à presença de El-Rei, mas que prometia emendar-se dos seus
possíveis erros e
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tratar da salvação da sua alma.
Na capital portuguesa, passou a ser notada a sua
convivência com pilotos e marítimos e a ser mal visto o facto de se ter
hospedado no bairro dos mareantes, não deixando o hábito de piloto.
Frequentava livrarias, nomeadamente a de João Fernandes, na Rua Nova,
onde se encontrava em 18 de Novembro de 1547. Aí, nesse dia, confiando
talvez na protecção que tinha granjeado, começou a manifestar
publicamente elogios à política religiosa do dissidente Henrique VIII,
tendências teológicas consideradas comummente heréticas ou modos de ver
sobre práticas abusivas do Catolicismo, que ele ouvira debater na
protestante Inglaterra; a tal conversa não foi alheio, outrossim, certo
livreiro chamado João de Borgonha, com quem Fernão de Oliveira já tivera
outrora acesa discussão, bem como o erudito e velho mestre André de
Resende e outros curiosos, incluindo um tal Manuel Pires, familiar do
Cardeal D. Henrique, inquisidor-geral do Santo Ofício. Estavam bem
testemunhadas as «heresias» do dominicano egresso, de quem na ocasião
afirmou o referido André de Resende «que lhe parecera
muito mal o dito homem naquele trajo em que andava».
(11)
Seguiu-se a denúncia; ouviram-se rapidamente os
depoimentos e, logo em 21 de Novembro, Fernão de Oliveira era chamado às
primeiras inquirições. Estava nas garras do tribunal da Inquisição, que
não deixaria jamais de atormentar o «rebelde». Os dominicanos tinham
finalmente pela frente, no banco dos réus, o confrade que lhes havia
fugido, em Évora. No minucioso pro-cesso, são de realçar as
desassombradas declarações e réplicas do acusado. Como testemunho da sua
destemida ousadia, leia-se o seguinte depoimento: – «... E foi
admoestado se tinha alguma coisa em que ofendesse a Nosso Senhor e à sua
santa fé católica que pedisse perdão a Deus e à sua santa Madre Igreja;
disse. que não tinha nada de que pedir perdão, senão
parecer-lhe mal os vícios dos prelados das Igrejas...»
(12) Decorria
nitidamente uma época de degradação moral.
Quem não descortinará nesta resposta a têmpera indómita
de um carácter que não teme, quando a consciência lhe dita a justeza de
uma afirmação? Quem duvidará comparar este réu com os acusados que,
ultrapassando as barras dos tribunais, tornaram-se homens para a
eternidade? Quem não elogiará o arrojo de tal réplica ante a mesquinhez
dos julgadores? Quem não verá no Padre Fernão de Oliveira a veracidade
da asserção de que os fins, por mais sagrados que sejam, nunca
justificam os meios empregados?
Melhor seria para a Igreja – diremos nós hoje – que ela,
despojando-se de privilégios ou prepotências, de tribunais ou
julgamentos, se entregasse, com humildade e coragem, a evangelizar e a
testemunhar a fé. O antigo discípulo de André de Resende, com ser
seguramente um espírito livre, protestou sempre, perante os juízes, a
sua fé católica: que defendera Henrique VIII por «comer do seu pão» e
que considerava os ingleses por cismáticos e não por hereges (o que não
louvava), estando disposto a tê-los por hereges, se a Igreja por isso os
tivesse. Todavia, tendo vivido num meio onde estava viva a crise
religiosa, que inflamava as pessoas e alastrava cada vez mais, não era
para admirar que a asa da heresia roçasse um pouco a sua fé tradicional
e católica.
Vem-me agora à mente o que ele escreveu, em certa
passagem, referindo-se à estrutura dos soldados, dando a entender que a
sua era pequena mas afirmando – como diríamos hoje – que os homens não
se medem aos palmos: – «Da estatura me não posso eu muito gabar; porém
ela, se é grande e temerosa, faz terror nos olhos dos contrários, porque
por razão o grande corpo deve ter mais força que o pequeno, e essa força
tem muita parte nas batalhas (...); os homens olham o
que aparece de fora, mas Deus vê os corações; muitas vezes há pequenos
corações em grandes corpos e, ao contrário, grandes em pequenos».(13)
A sentença judicial ser-lhe-ia intimada em 4 de Agosto de
1548: eram condenadas por heréticas, /
42 /
temerárias e escandalosas as doutrinas defendidas pelo réu, que delas
deveria fazer abjuração formal e por elas sofreria a penitência de
prisão por tempo indeterminado, ao arbítrio dos inquisidores.
Em 9 de Setembro, achando-se doente no hospital, Fernão
de Oliveira fez abjuração formal – sabe Deus com que assentimento de
vontade!
– continuando preso até 3 de Setembro de 1550, data em
que, por comutação de pena, foi transferido para o Mosteiro dos
Jerónimos, em Belém, onde, permanecendo em reclusão, foi obrigado a
retomar o hábito e a tonsura de clérigo. Em 22 de Agosto do ano
seguinte, quiçá por intervenção de algum amigo, junto do Cardeal D.
Henrique, obteve finalmente a liberdade, com a cláusula de não se poder
ausentar do País sem licença do inquisidor-geral e de se ocupar de
exercícios espirituais.
Capelão de guerra
Entretanto, a sua índole aventureira iria levá-lo a novas
proezas e a outras paragens. Logo em Agosto de 1552, embarcou na
qualidade de capelão numa caravela que fazia parte de uma pequena frota
destinada a transportar e repor nos seus antigos domínios o destronado
rei de Velez, em Marrocos. Todavia, sucedeu que, encontrando-se ancorado
no porto de Velez, os nossos navios foram surpreendidos por uma frota
argelina, que andava na pirataria e que os aprisionou; os portugueses
foram levados para Argel, incluindo Fernão de Oliveira. Procurou-se
imediatamente negociar o resgate junto do Rei de Portugal; para isso
foram escolhidos dois dos prisioneiros – Fernão de Oliveira e um outro,
Gaspar Fernandes.
Em 24 de Novembro, os dois embaixadores encontravam-se em
Ceuta, de viagem para Portugal. A presença de Fernão de Oliveira naquela
praça, apesar de pouca demora, logo deu motivo a que o respectivo
capitão, D. Pedro de Meneses, informasse D. João III que «Frei Fernão de
Oliveira (...) é homem muito desassossegado e, segundo o que passei com
ele e sinto de seu juízo, é homem aparelhado para fazer mais mal que
bem».
Fernão de Oliveira chegou a Lisboa... mas já não voltou a
Argel, para ultimar o resgate dos cativos; outro emissário fora
escolhido. «O estouvado procedimento e a imoderada
loquela – como diz o Comandante Quirino da Fonseca – não o recomendaram
para tomar parte nas subsequentes negociações».
(14)
«Arte da Guerra do Mar»
Até 1554, Fernão de Oliveira deve ter permanecido em
Lisboa, ocupado na redacção da «Arte da Guerra do Mar», cujo prólogo tem
a data de 28 de Outubro desse ano e que ele dedicou «ao muito magnífico
senhor, o senhor Dom Nuno da Cunha, capitão das galés do muito poderoso
Rei de Portugal Dom João o Terceiro».
D. Nuno da Cunha, um dos protectores de Fernão de
Oliveira, era filho de D. António da Cunha, senhor das terras de
Senhorim, Santar e Sabugosa; talvez por sua influência, o nosso
aveirense ter-se-á hospedado na Beira, em casa de D. António, onde
ultimaria o livro que lhe andava nas mãos. Contudo, mais uma vez a sua
incontinência, sempre atreita a criticar e a comentar azedam ente erros
e vícios em pessoas, por mais importantes que fossem na sociedade, levou
a que o Rei ordenasse, em 8 de Janeiro de 1555, a sua prisão; tal não se
concretizaria, porém, interpostas porventura certas influências
/
43 /
Nessa altura, já ele fora nomeado revisor ou corrector da
Imprensa da Universidade de Coimbra, por despacho de 18 de Dezembro
anterior; aí se imprimiu a «Arte da Guerra do Mar», cujo trabalho
tipográfico foi concluído em 4 de Julho de 1555. Supõe-se mesmo que
tomasse licenciatura, sendo-lhe para isso válidos os estudos em Évora e
os livros que compora, e que tivesse regido a cadeira de Retórica na
Universidade – onde manifestaria tal brilho e competência que o Mestre
Jerónimo Cardoso lhe escreveu nos termos mais honrosos.
(15)
Fernão de Oliveira pensava que, por ser sacerdote, não
lhe parecia que a matéria do livro «Arte da Guerra do Mar» fosse
incompetente à sua pessoa, «porque aos sacerdotes convém ir à guerra,
quanto mais falar dela; podem, digo, e devem ir à guerra os sacerdotes,
não para pelejar com ferro, porque suas armas são lágrimas e orações –
diz Santo Ambrósio – mas para ministrar os sacramentos e obras de
misericórdia aos feridos, confessando-os e comungando-os, curando deles
e consolando-os, e enterrando os mortos, e rogando a Deus por suas
almas, que são coisas todas estas piedosas e mui necessárias na guerra»;
e continuava; – «E não somente para isto, mas também para admoestar
e animar os que pelejam, devem ir os sacerdotes à
guerra...».
(16)
Outros livros escreveu o Padre Fernão de Oliveira, como o
«Livro da Fábrica das Naus» – só publicado em 1898 por Henrique Lopes de
Mendonça – e, em latim, a «Arte de Navegar» – obra esta que não se sabe
se chegou a ser impressa ou se levou descaminho ainda manuscrita. Se com
a «Gramática da Linguagem Portuguesa» ele tem a glória de ser o pioneiro
na tentativa de codificação do nosso idioma, em letra de forma, nos
outros volumes conseguiu estabelecer normas técnicas para a navegação,
bases reguladoras para a construção naval e princípios militares
bélicos. Lendo as suas obras literárias, surpreende-nos uma vasta
erudição clássica: os grandes vultos da Antiguidade – tiranos,
guerreiros, escritores, poetas, filósofos, humanistas, luminares da
Igreja – são frequentemente citados por Fernão de Oliveira. Como
escreveu o Comandante Quirino da Fonseca, «as obras técnicas de Fernando
de Oliveira, e visando a ser essencialmente práticas, encerram numerosos
elementos eruditos e também nelas se expõem, como incidente, doutrinas
que se julgarão revolucionárias para a época em que se publicaram;
surpreende-nos igualmente que um clérigo tivesse capacidade para
desenvolver, com agudeza e conhecimento de causa, as matérias abrangidas
pelos trinta capítulos da sua Arte da Guerra do Mar,
cujos títulos até poderiam figurar num Curso de Estado Maior, de nossos
tempos».
(17)
Enérgica e intrepidamente o autor deste livro condena as
guerras movidas por cristãos contra infiéis e também considera odiosa a
prática de os escravizar, como então se fazia sem escrúpulos nem
reservas, mesmo entre os povos tidos na vanguarda da civilização, «Não
podemos fazer guerra justa aos infiéis que nunca foram cristãos, como
são os mouros e judeus e gentios que connosco querem ter paz e não
tomaram nossas terras nem por alguma via prejudicaram a Cristandade» –
escreveu o ilustre aveirense na «Arte da Guerra do Mar», continuando: –
«Porque com todos é bem que tenhamos paz, se for possível; (...) os
quais melhor converteremos à fé e mais edificaremos nela com exemplo de
paz e justiça
/ 44 /
que com guerra e tirania. Tomar as terras, impedir a franqueza delas,
cativar as pessoas daqueles que não blasfemam de Jesus Cristo nem
resistem à pregação da sua fé, quando com modéstia lha pregam, é
manifesta tirania».
E Fernão de Oliveira avança no seu justo raciocínio, sob
os ditames de um espírito tolerante e amigo da liberdade, tão ao arrepio
das ideias correntes na época: – «E não é nesta parte boa escusa dizer
que eles se vendem uns aos outros, que não deixa de ter culpa quem
compra o mal vendido e as leis humanas desta terra e doutras condenam,
porque, se não houvesse compradores, não haveria maus vendedores, nem os
ladrões furtariam para vender. (...) Não se achará nem razão humana
consente que jamais houvesse no mundo trato público e livre de comprar e
vender homens livres e pacíficos, como quem compra e vende alimárias,
bois ou cavalos e semelhantes. Assim os tangem, assim os constrangem,
trazem, e levam, e provam, e escolhem com tanto desprezo e ímpeto, como
faz o magarefe ao gado no curral. Não somente eles, mas também seus
filhos e toda a geração, depois de que nascidos e cristãos, nunca têm
remissão.
(...) Os que vão buscar esta gente não pretendem sua
salvação e consta que, se lhe tirarem o interesse, não irão lá. (...)
Quanto mais que muitos não ensinam a seus escravos como hão-de conhecer
e servir a Deus, antes os constrangem fazer mais o que lhes eles mandam
que a lei de Deus, e da sua Igreja, tanto que nem os deixam ir ouvir
Missa nem Evangelho, nem sabem a porta da igreja para
isso, nem guardam domingos nem festas».
(18)
A citação saiu demasiada; mas por ela vemos a têmpera de
Fernão de Oliveira, que não transigia com o cercear das liberdades
fundamentais e que desejava uma sociedade onde os homens se respeitassem
mutuamente, sem explorações nem atropelos. Sempre que encontrasse motivo
para verberar pessoas ou atitudes, não se retraía; mesmo aos possíveis
críticos das suas obras literárias ousou lançar um desafio no final da
«Gramática da Linguagem Portuguesa»: – «Eu não dou licença que alguém
possa ser meu juiz, senão quem ler os livros que eu li e com tanto
trabalho e tão bem ou melhor entendidos. E, ainda assim, a sentença
há-de ser que para meus erros escrevam da mesma matéria outras obras
melhores, nas quais mostrem saber mais que eu disto de
que falámos».
(19)
Semelhantes expressões arrojadas para o ambiente do
século XVI, expressas tanto oralmente como sobretudo por escrito, não
deixariam de irritar as autoridades ou os que se sentissem visados pelo
dominicano egresso. A sua voz tinha acentos de antigo profeta,
escalpelizando procedimentos nada evangélicos, para mais provenientes
daqueles que se arrogavam a qualidade e a virtude de defensores da fé.
Havia que denunciar, mesmo que tal atitude acarretasse incómodos,
denúncias, inquirições ou encarceramentos. A sua consciência não podia
calar o que julgava ser injustiça ou desrespeito pelos fundamentais
direitos humanos. Então, como agora e sempre, a sociedade precisa de
homens e de mulheres que, impulsionados pelo Espírito de Deus ou pela
consciência do dever, não tenham medo de ser a voz dos que não têm voz.
Últimos anos
Era fatal que Fernão de Oliveira não gozasse muito tempo
de liberdade; não chegou mesmo a exercer, durante um ano, o cargo de
revisor da Imprensa da Universidade. Com efeito, em 26 de
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Outubro de 1555 – menos de quatro meses após a publicação da «Arte da
Guerra do Mar» – era levado para as masmorras da Inquisição, em Lisboa;
era uma voz incómoda que urgia fazer calar. Apresentou-se como pretexto
da prisão o ter editado aquele livro em vez de se dedicar a exercícios
religiosos - uma das condições que lhe havia sido imposta, quando saiu
de Belém; mas a verdadeira causa teriam sido os falsos e ciumentos
amigos, se não mesmo alguns capitães marítimos, feridos pela censura que
no livro fazia à sua acção. Ele saberia porquê!... Desconhece-se por
quanto tempo esteve encarcerado.
Desde essa data, o seu rasto tornou-se mais incerto e
duvidoso, nem sequer se conhecendo a data do seu falecimento, que terá
ocorrido depois de 1580. Apenas se sabe que, em 22 de Junho de 1565,
quando tinha cinquenta e oito anos de idade, El-Rei D. Sebastião lhe
concedeu a tença anual de vinte mil réis, a começar em 6 desse mês, na
qualidade de clérigo de Missa, lendo casos de consciência na escola do
Convento dos Freires da Ordem de S. Tiago, em Palmela, que ele receberia
enquanto não fosse provido em qualquer benefício eclesiástico de
rendimento superior.
Henrique Lopes de Mendonça chega a supor que o Padre
Fernão de Oliveira, tendo-se envolvido nas lutas da sucessão do trono
português ao lado do Prior do Crato , fosse obrigado a emigrar para a
França, após a derrota deste pelas forças filipinas; pouco depois, teria
falecido no exílio e várias obras autografadas do seu espólio iriam
parar à biblioteca do Cardeal Mazarino e daí, em 1668, para a Biblioteca
Real de Paris. Nas realidade, encontram-se na Biblioteca Nacional de
Paris os seguintes manuscritos de Fernão de Oliveira: – História de
Portugal, recolhida de escritores antigos e crónicas aprovadas pelo
licenciado Fernam d'Oliveira, capelão dos Reys de Portugal de seu tempo;
Primeyra parte do livro de antiguidade, nobresa, liberdade e immunidade
do reyno de Portugal, por Fernão de Oliveira: De re rustica, de
Columella, traduzido em português por Fernão de Oliveira; Arte de
gramática de lengoa castellana por el doctissimo maestro António de
Nebrissa, compuesta en castellano (cópia).
«Gramática da Lingoagem Portuguesa»
Tentámos dar uma amostragem do que foi a vida e a obra do
Padre Fernão de Oliveira; todavia, antes de terminar estas
considerações, é imperiosa uma pequena reflexão sobre a «Gramática da
Lingoagem Portuguesa», cujos quatrocentos e cinquenta anos desejamos
celebrar, embora de forma modesta.
Rodrigo de Sá Nogueira, em 1929, alertava os seus
leitores para o facto de a Gramática de Fernão de Oliveira, publicada em
1536, ser tida como a primeira gramática portuguesa, quando João de
Barros, na que publicou em 1540, se arrogou o
privilégio de ter sido ele próprio o primeiro a pôr a nossa linguagem em
«arte». (20)
Antes de mais, não é de admitir a má fé ou o desconhecimento da anterior
publicação da parte de João de Barros, cuja rectidão de carácter e
cuidado pela verdade são apanágio da sua pessoa, em actos e documentos;
aliás, como houve ocasião de observar, eram estreitas e cordiais as
relações amistosas entre os dois humanistas.
A solução do problema talvez se consiga, se considerarmos
que o próprio Fernão de Oliveira, no termo do seu livro, chama-lhe
simplesmente uma «primeira anotação da Língua
Portuguesa» (21),
deixando talvez para o de João de Barros o
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título de «primeira gramática»; o ilustre aveirense, implicitamente e
por modéstia, não reconheceria ao seu trabalho a qualidade e o mérito de
uma estrita feição sistemática e planificada. "O que acontece é que a
obra de Oliveira, notável a vários títulos quanto à originalidade e
clara antevisão de muitos problemas linguísticos, nomeadamente pela
aguda percepção manifestada na descrição dos sons, não pode, de modo
algum, considerar uma arte, no sentido em que Barros a entende, isto é,
um compêndio gramatical sistemático e segundo o esquema tradicional
transmitido pelos gramáticos latinos» – assim escreveu Maria Leonor
Carvalhão Buescu, que continua: «A obra de Oliveira é, efectivamente, um
conjunto de curiosas e judiciosas reflexões, de tipo ensaístico; em
suma, uma miscelânea linguística e cultural. Inicia-se por uma parte
preambular (ausente da gramática tipicamente escolar do seu sucessor),
em que define a linguagem; (...) e expande considerações, apoiado na
autoridade dos filósofos antigos, sobre a formação das línguas.
Seguem-se algumas páginas sobre o modo de falar dos portugueses e a
formação do Reino. Só depois de se referir à origem dos nomes de Lisboa,
Lusitânia, Portugal, de fazer um breve resumo da história dos primeiros
reinados, de tomar como exemplo a perdurabilidade da glória romana,
devido à imposição da língua aos vencidos, se propõe definir gramática.
Refere-se, em seguida, ao papel de D. Dinis e D. João III no
desenvolvimento da instrução e segue um pormenorizado estudo da
pronúncia, articulação e grafia dos sons portugueses, a parte talvez
mais original da sua obra. Mesmo aí não exclui digressões de tipo
histórico-cultural, as quais vêm, naturalmente, interromper a
sistematização da matéria.
À extensa parte dedicada à descrição fonética segue-se um
breve estudo da morfologia, ou melhor, de alguns problemas morfológicos,
sem consequência ou planificação: derivação e composição, flexão de
nomes, alguns pronomes, plural dos nomes terminados em ão e em
consoante, conjugação dos verbos. Termina com uma página dedicada à
construção (sintaxe). Por outro lado, um dos aspectos curiosos da obra
de Oliveira consiste na adopção de uma nomenclatura original, muito
expressiva e notavelmente inovadora (palavras apartadas e juntas,
mudadas, primeiras, tiradas), a qual não virá a ser
utilizada pelos gramáticos posteriores».
(22)
Um retrato final
Para terminar esta evocação do insigne aveirense Padre
Fernão de Oliveira, penso que não poderia fazê-lo melhor do que
transcrever o retrato que dele nos deixou Henrique Lopes de Mendonça:
– «Filósofo como João de Barros, aventureiro como Fernão
Mendes Pinto, perseguido pela Inquisição como Damião de Góis, navegador
como D. João de Castro, porventura o único dos escritores de
arquitectura naval do seu tempo e do seu País, ele tem além disso para
recomendá-lo à consideração da posteridade uma vida tão cortada de
peripécias que constitui um verdadeiro romance. Foi clérigo e foi
soldado, foi marinheiro e foi diplomata, esteve prisioneiro em mãos de
ingleses e em mãos de turcos, gemeu nos cárceres do Santo Ofício, teve
relações com homens eminentes do seu século».
(23)
Na recordação histórica de Aveiro, não se pode esquecer
este homem do século XVI, criatura de tão singular psicologia, de tão
malbaratada actividade, de tão multifacetada erudição, de tão grande
perspicácia e de tão surpreendente audácia . .. uma das figuras mais
complexas do Renascimento em Portugal.
João Gonçalves Gaspar
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BIBLIOGRAFIA:
Henrique de Mendonça – O Padre Fernando de Oliveira e
a sua obra náutica - Memoria comprehendendo um estudo biographico sobre
o afamado grammatico e nautigrapho e a primeira reprodução typographica
do seu tratado inedito «Livro da Fabrica das Naos»; Lisboa, Academia
das Ciências, 1898.
Comandante Quirino da Fonseca – Comentário preliminar
às edições da «Arte da Guerra do Mar»; 1937 e 1969.
Dr. Manuel Gonçalves Cerejeira – O Renascimento em
Portugal – Clenardo; nova edição: I, 1974; lI, 1975.
Fortunato de Almeida – História da Igreja em Portugal;
lI, Barcelos, 1968.
Maria Leonor Carvalhão Buescu – Introdução à edição da
«Gramática da Linguagem Portuguesa de Fernão de Oliveira»; Lisboa,
1975.
Rolando Morel Pinto – Gramáticos Portugueses do
Renascimento; Lisboa, 1952.
Rangel de Quadros – Aveirenses Notáveis, I.
_______________________________________
(1)
– Gramática da Linguagem Portuguesa, final «Acabou-se de imprimir...".
(2)
– Idem, Introdução.
(3)
– Idem, Capítulo XLVII.
(4)
– Faleceu em Évora no ano de 1528.
(5)
– Frei Luís de Sousa, História de S. Domingos, I Parte, Livro V,
Capítulo XI.
(6)
– Gramática ref., Capítulo XLIV.
(7)
– Idem, Capítulo XLVII.
(8)
– Henrique Lopes de Mendonça, O Padre Fernando de Oliveira e a sua obra
náutica.
(9)
– Corpo Diplomático, Tomo V.
(10)
– Citado por Miguel de Oliveira, História Eclesiástica de Portugal, 3.ª
ed., 1958, pg. 192.
(11)
– Manuel Gonçalves Cerejeira, O Renascimento em Portugal - Clenardo,
nova ed., II, pg. 185.
(12)
– Cit. por Quirino da Fonseca na Arte da Guerra do Mar, 1969, pg.
XX.
(13)
– A Arte da Guerra do Mar, I Parte, Capítulo 14.
(14) –
Cit. por Quirino da Fonseca na Arte da Guerra nmo Mar, pg.XXII.
(15)
– Manuel Gonçalves Cerejeira, ob. cit., pg. 134.
(16)
– Gramática ret., Prólogo.
(17)
– Quirino da Fonseca, lugar cit., pg. XXX.
(18)
– Arte da Guerra do Mar, ed. de 1969, pgs. 23-25 (I Parte, Capítulo IIII).
(19)
– Gramática cit., Capítulo L.
(20)
– João de Barros, Gramática, pg. 82. Rodrigo de Sá Nogueira no jornal «O
Século», de 4-3-1929.
(21)
– Gramática de Fernão de Oliveira, final «Acabou-se de imprimir. ..».
(22) –
Maria Leonor Carvalhão Buescu, na Introdução à «Gramática da Linguagem
Portuguesa de Fernão de Oliveira», Lisboa, 1975, pgs. 19-21.
A «Gramática da Lingoagem portuguesa», apesar de
singularmente invulgar, apresenta, pois, uma tão evidente indisciplina
no plano e um tão acentuado conjunto de reflexões que, na sua liberdade,
não se reveste de uma forma tipicamente gramatical. Contudo, altamente
pragmática, com base numa observação atenta e cuidada do linguajar do
povo e numa experiência escolar e pedagógica, o livro de Fernão de
Oliveira denota claramente um espírito aberto sem preconceitos à
realidade concreta e aplicado aos pormenores da fala ou da pronúncia;
por isso, ele pode muito bem considerar-se – e é – uma obra do
Renascimento.
(23)
– Henrique Lopes de Mendonça, ob. cit, pg. 2.
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