SINAIS FLUTUANTES
UM ESTUDO DE ETNOLOGIA
NAVAL NA RIA DE AVEIRO
Por Daniel Tércio Ramos
Guimarães
INTRODUÇÃO
Há 45 Kms
de duna a separar o mar da chamada Ria de Aveiro. Essa areia, que as
correntes depositam ao longo da costa, tem-se mostrado suficiente,
apesar da sua precariedade, para preservar uma laguna com vida própria.
Aí
persistem ainda velhos barcos de fundo chato: as bateiras, os moliceiros
de bico levantado e os pesados mercantéis. Os que flutuam nos canais do
norte, que partem das praias da Murtosa, de Pardilhó e do Torrão do
Lameiro e que viajam até Aveiro ou até Ílhavo, nos cascos ostentam quase
sempre sinais que com maior ou menor exuberância prendem a luz em cores
de festa. E hoje, se o moi iço já não chega tão longe, se os botirões
escasseiam e as estradas substituem a Ria, permanecem ainda esses
sinais, semelhantes a fagulhas radiosas e breves, sobre os costados dos
barcos.
Este
trabalho incidirá somente sobre a face cultural ou etnográfica da laguna
e, dentro desta, apenas sobre as embarcações tradicionais que nela
navegam. Melhor: este trabalho pretende constituir uma visão mais
aproximada de um dos aspectos das embarcações tradicionais: a sua
imagística.
Porquê
sinais flutuantes?
Em
primeiro lugar, pela definição mesma do objecto de estudo: a imagística
dos barcos, isto é, as imagens abstractas ou figurativas, decorativas e
mágicas, emblemáticas, etc., que flutuam nas águas da Ria gravadas nos
costados dessas embarcações.
Em
segundo lugar porque, conforme procurarei demonstrar, essas imagens têm
qualquer coisa de efémero, como uma herança da brevidade da laguna. Os
signos, as legendas, os painéis pintados tornam-se então documentos
dessa brevidade. Sinais dos tempos, por isso mutáveis, dinâmicos, em
transformação, porventura em risco.
A palavra
flutuante tem um duplo sentido: sugere, por um lado, que
há algo a transformar-se, a acompanhar o ondular da mudança; por outro,
indica que algo emerge à tona, algo que vem do fundo, da obscuridade.
Assim e
finalmente sinais flutuantes, porque a imagística dos
barcos é, para além das alterações verificáveis, um conjunto de sinais
onde porventura se revelam «velhos» traços de cultura.
Nestas
três interpretações do título se consubstancia o conteúdo deste
trabalho: primeiro, trata-se de uma recolha, onde o registo fotográfico
e gráfico assume especial importância. Em segundo lugar, trata-se de uma
análise das transformações, que ora desvirtuam as próprias imagens, ora
revelam os eventos sociais e históricos numa perspectiva diacrónica. Por
último, trata-se de uma (re)descoberta dos sinais pintados nas
embarcações enquanto integrados em sistemas simbólicos.
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