A FREGUESIA DE NOSSA
SENHORA DE FÁTIMA
A recente criação da freguesia de Nossa Senhora de
Fátima, no concelho de Aveiro, dá-nos a oportunidade de rememorar,
embora sucintamente, por vezes anotando apenas, alguns pontos mais
salientes, tanto do processo eclesiástico como do processo civil, que
conduziram ao início da vida autónoma da nova autarquia.
Um pormenor curioso, que não passou despercebido, foi o
de a freguesia ser instituída precisamente em 1985 – ano em que a
paróquia celebrava em júbilo as bodas de prata da sua fundação.
1. – O sonho de uma paróquia
Em 28 de Março de 1954, o então bispo auxiliar de Aveiro
D. Domingos da Apresentação Fernandes, fazendo pela primeira vez a
visita pastoral à freguesia de Requeixo, deslocou-se às povoações de
Mamodeiro e da Póvoa do Valado e verificou a demasiada distância até à
igreja paroquial e a exiguidade das respectivas capelas; e o mesmo veio
a constatar posteriormente, sobretudo em 1957. Perante tais realidades
incontroversas, o prelado foi sugerindo a urgência de um lugar de culto
suficientemente amplo que servisse equidistantemente as duas povoações,
senão mesmo um centro paroquial e autónomo. Mas isto era apenas um
sonho.
Contudo, a ideia, assim lançada, foi ao encontro de uma
aspiração latente que, decerto, já se achava enraizada no íntimo das
pessoas, especialmente entre os habitantes da Póvoa do Valado - o lugar
mais retirado da matriz e da sede da Junta de
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Freguesia. Pode servir de testemunho comprovativo desta asserção o que
se passou no dia 15 de Julho de 1956: publicamente e perante a
autoridade diocesana, era feita uma afirmação ousada e sem reticências.
Também aqui se pode verificar que o sentido da autonomia partiu do povo;
o instrumento legal viria apenas ratificar juridicamente o que por todos
era sentido.
Na tarde daquele dia, na igreja paroquial de S. Paio de
Requeixo, sob a presidência do arcebispo-bispo de Aveiro, D. João
Evangelista de Lima Vidal, e com a presença do bispo auxiliar,
realizou-se uma reunião com diversos chefes de família de toda a
paróquia, para se reflectir sobre uma única questão: se restaurar a
igreja matriz, solitária num ermo e afastada de todas as povoações da
freguesia, se demoli-la e construir novo edifício num lugar mais
central. Pronunciaram-se alguns presentes... e outrossim alguém da Póvoa
do Valado, que peremptoriamente disse: – «Nós, os da Póvoa do Valado,
queremos uma nova freguesia com Mamodeiro». A afirmação, ali inesperada,
provocou um certo burburinho, ao que o arcebispo atalhou: – «Isso é
outra coisa, não é para isso que estamos aqui, neste momento»... A
reunião terminou, optando-se pela restauração da igreja setecentista,
para cujas obras todos os lugares concorreram. Todavia, na presença de
pessoas categorizadas, fora lançado publicamente um secreto desejo não
apenas de um indivíduo, mas quiçá de um grupo de pessoas. Semelhara-se a
uma pedrada num lago, que iria originar círculos concêntricos de ondas,
cada vez mais afastados.
Efectivamente, na tarde de 2 de Agosto de 1957, alguns
habitantes da Póvoa do Valado, em comissão, deslocaram-se a Mamodeiro
onde apresentaram a proposta de, em conjunto, requererem a criação de
uma paróquia com os dois lugares; a matriz seria construída junto do
cemitério, já existente a meia distância entre as povoações. Ao longo de
vários meses, foi-se formando em Mamodeiro uma maioria que, a
verificar-se a condição acordada sobre a igreja, aceitava a proposta da
Póvoa do Valado.
Era certo que nas capelas, desde há muitas dezenas de
anos, sempre se vinha celebrando a Eucaristia, aos domingos. Mas isso
não se tinha por suficiente; tornava-se necessária uma maior atenção aos
problemas da formação da fé cristã, da catequese, da administração dos
sacramentos e da prática da caridade.
2. – O início do processo canónico
Entretanto, em 5 de Janeiro de 1958, faleceu o saudoso D.
João Evangelista de Lima Vidal; no mesmo dia, foi eleito como vigário
capitular de Aveiro D. Domingos da Apresentação Fernandes, que logo
tomou a seu cargo o serviço e a orientação pastoral da Diocese.
Durante a vacância da Sé, precisamente em 21 de Maio, uma
comissão mista da Póvoa do Valado e de Mamodeiro deslocou-se à casa
episcopal e aí foi recebida pelo prelado, a quem formulou oralmente o
pedido da criação da paróquia, englobando os dois lugares; D. Domingos
aceitaria, em princípio, a pretensão, propondo que à nova circunscrição
eclesiástica fosse dado o nome de Nossa Senhora de Fátima. Informado de
que uma considerável minoria de Mamodeiro se opunha ao desejo ali
expresso, o bispo prometeu ir lá, em breve, para pessoalmente
tranquilizar as pessoas e desfazer quaisquer dúvidas.
Em 11 de Agosto do mesmo ano, D. Domingos da Apresentação
Fernandes era nomeado bispo de Aveiro; em 29 de Setembro, entraria na
posse deste múnus e, como tal, iniciaria a sua actividade.
Logo que lhe foi possível, deslocou-se a Mamodeiro, como
tinha prometido. Isto aconteceu em 21 de Dezembro; na capela celebrou a
Eucaristia e falou ao povo, esclarecendo que a criação da nova paróquia
não traria qualquer prejuízo mas sim diversas vantagens. Pode dizer-se
que em Mamodeiro,
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assim como na Póvoa do Valado, passara a haver uma certa unanimidade
sobre este assunto candente. Decorridos quinze dias, em 5 de Janeiro de
1959, foi dirigida ao prelado aveirense a primeira exposição escrita
sobre o assunto, assinada por quarenta e nove chefes de família e
pessoas responsáveis, todas residentes em Mamodeiro e na Póvoa do
Valado. Nesse documento solicitava-se a criação de uma paróquia com as
duas povoações, para o que se aduziam os seguintes motivos: a) – A
distância de cerca de seis quilómetros e de quatro quilómetros,
respectivamente, desde a matriz de S. Paio de Requeixo às capelas da
Póvoa do Valado e de Mamodeiro – o que impedia os crentes, nomeadamente
as crianças, de participarem com mais frequência nos actos da Igreja; b)
– As capelas não comportavam todas as pessoas nas missas dominicais,
ficando muitas de pé ou fora dos templos; c) – O índice gradual do
aumento demográfico, sendo de presumir o seu constante crescimento; d) –
O lugar de Mamodeiro contava cerca de duzentos fogos e o da Póvoa do
Valado cerca de duzentos e trinta, com um total aproximado de mil e
setecentos habitantes; e) – Como cerca de cento e setenta crianças dos
dois lugares frequentavam a catequese, tornava-se indispensável um maior
cuidado neste sector formativo e uma presença mais eficaz de um
sacerdote; f) – Sendo impossível manter a unidade paroquial da freguesia
de Requeixo pela dispersão geográfica das diversas povoações, julgava-se
mais fácil criar e conservar a unidade de uma nova freguesia que
englobasse Mamodeiro e Póvoa do Valado, vizinhas uma da outra; g) – A
estas razões ainda se juntava a de já haver um único e comum cemitério
para os dois lugares «que nós reconhecemos como o mais forte traço de
união entre estes dois povos» – diziam.
Os requerentes garantiam finalmente não ser muito difícil
a construção da igreja e responsabilizavam-se pela justa côngrua devida
ao pároco.
O prelado de Aveiro demorou algum tempo a despachar o
requerimento – o que facilmente nos leva a concluir que consultou
diversas pessoas entendidas e pensou maduramente no problema, acabando
por ordenar, em 21 de Janeiro de 1959:
«Seja enviado ao reverendo pároco de Requeixo, para ele
se pronunciar sobre o assunto da presente exposição». Entretanto, em 9
de Janeiro, já os requerentes se haviam adiantado em propostas de
limites – o que foi julgado prematuro.
O pároco de Requeixo não atrasou a resposta; a sua
informação tem a data de 4 de Fevereiro.
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Declarava-se de acordo com a criação da nova freguesia, porque «como
padre diocesano» se sentia conscientemente «integrado no espírito da
mais perfeita identificação com a actividade e as directrizes pastorais
do prelado da Diocese»; e acrescentava: – «Atraiçoaria esta minha
atitude, se hoje ousasse formular quaisquer objecções à criação da nova
freguesia». No entanto, fazia algumas observações pertinentes sobre o
futuro da velha paróquia de Requeixo, uma vez mutilada e reduzida a
menos de metade; eram tema para séria reflexão.
Em face de um pedido do secretário da Câmara Eclesiástica
para uma informação mais concreta, o pároco de Requeixo deu novo parecer
em 19 de Fevereiro, onde se fazem esclarecimentos muito úteis. Nas suas
palavras, nota-se, acima de tudo, o interesse do pastor de almas para
quem o bem da Igreja é a norma orientadora. Se defende a unidade
paroquial, fá-lo só até certo ponto, pois a conclusão sai-lhe quase
espontânea: – «Que se proceda à criação duma nova freguesia, logo que
possível».
3. – Da promessa à decisão final
O processo entrou seguidamente numa fase cheia de
vicissitudes. Surgiram dúvidas e contra-tempos. Quase nunca é fácil a
instituição de uma paróquia. Há avanços e recuos; há quem concorde, quem
discorde e quem se oponha; há novas hipóteses; há problemas de
limitação; há desentendimentos entre os dois povos. Parecia navegar-se à
deriva no alto mar, sem rumo e sem se avistar um porto de atracação.
Começa-se a pôr de lado o nome proposto e a surgir o de Nossa Senhora
das Preces para uma paróquia que apenas englobaria a lugar da Póvoa do
Valado; por isso, o próprio sítio da igreja seria deslocado. Isto mesmo
se conclui do despacho do bispo de Aveiro, de 22 de Junho de 1959,
aposto no requerimento de uma comissão da Póvoa do Valado, onde se
solicitava a criação da paróquia de Nossa Senhora das Preces; aí se lê,
a certa altura: – «Fica formalmente prometida a criação da freguesia,
mas só se tornará possível o cumprimento desta promessa, mediante as
seguintes condições: a) – Constituição de uma comissão de culto local
que dê suporte jurídico à aquisição dos bens necessários; b) –
Construção da residência paroquial; c) – Posse jurídica dos bens
prometidos e recolha dos donativos; d) – Compromisso, perante a Cúria
Diocesana, da construção da igreja paroquial, no prazo de seis anos».
Obedecendo a este despacho, imediatamente o pároco de
Requeixo diligenciou no sentido de escolher pessoas que formassem a
«Comissão de Culto de Nossa Senhora das Preces», com sede na capela da
Póvoa do Valado, requerendo a aprovação canónica em 14 de Julho; ele
próprio seria o seu presidente. D. Domingos da Apresentação
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Fernandes, três dias depois, erigiu a dita Comissão de Culto, com
personalidade jurídica no foro eclesiástico, ficando a reger-se pelo
regulamento geral das «Fábricas das Igrejas Paroquiais». O facto foi
comunicado, em 26 de Agosto, ao Governo Civil de Aveiro, para o
respectivo reconhecimento oficial no foro civil, segundo o
estabelecimento pela Concordata entre a Santa Sé e a República
Portuguesa.
Entretanto, principiara o ano de 1960. Em 11 de Março
realizava-se mais uma reunião de pessoas de Mamodeiro e da Póvoa do
Valado com o bispo da Diocese. Mantinha-se a hipótese da criação da
paróquia com os dois lugares, mais vantajosa do que aquela que seria
constituída apenas por um; todavia, a condição da futura igreja ser
construída nas imediações do cemitério era um ponto irreversível para
Mamodeiro. Se a mencionada condição se não pusesse ou se não
verificasse, Mamodeiro desejava continuar integrado na freguesia de
Requeixo.
Os meses foram seguindo. Uma benfeitora da Póvoa do
Valado fez uma generosa oferta, em dinheiro, para a construção da futura
igreja; um outro benfeitor, do mesmo lugar, prometeu toda a madeira
necessária; a referida Comissão de Culto de Nossa Senhora das Preces
deixou ao critério do prelado a escolha do titular da nova freguesia,
comprometendo-se a aceitar incondicionalmente a sua decisão, qualquer
que ela fosse; e, em 3 de Agosto, foram definitivamente propostos os
limites, logo aprovados.
Como é evidente, a decisão final do processo pertencia ao
bispo de Aveiro. Foi ele que, depois de ouvir o Conselho dos Consultores
Diocesanos, em 13 de Agosto de 1960 assinou e mandou publicar o decreto
diocesano que criou a paróquia de Nossa Senhora de Fátima, no
arciprestado de Aveiro, com território desmembrado da paróquia de S.
Paio de Requeixo, englobando as povoações de Mamodeiro, Perajorge e
Póvoa do Valado.
Depois da instituição da paróquia, logo se pensou a sério
na organização da nova comunidade e na construção da sua igreja. Em 18
de Outubro, oitenta habitantes de Mamodeiro, em ofício assinado,
comprometiam-se a oferecer o terreno necessário, nas imediações do
cemitério, e ainda a concorrer para a construção do templo, se aí fosse
edificado. Dois dias depois, o prelado iria ao local e acordava-se no
terreno escolhido, que aliás já fora indicado em 21 de Dezembro de 1958.
Para tratar deste e de outros problemas, efectuou-se uma
nova reunião conjunta na casa episcopal, no dia 29 de Outubro de 1960.
No decorrer do diálogo, perante certas dificuldades, começou a tomar
corpo a opinião de se transferir o sítio da matriz para junto do lugar
da Póvoa do Valado, aceitando-se a oferta, já feita, de um terreno. Era
mais que evidente que tal hipótese não podia agradar
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à povoação de Mamodeiro que, apesar de tudo, ainda em 10 de Fevereiro de
1961, solicitava a revisão do problema. Todavia, naquela reunião ficou
constituída, em princípio, a primeira «Comissão Fabriqueira a Freguesia
de Nossa Senhora de Fátima»; esta seria oficialmente aprovada, por
despacho diocesano, em 14 de Abril de 1961.
4. – A implantação da igreja
A execução da planta da nova igreja foi confiada ao
arquitecto João Tello Korrodi, residente no Porto. A construção
projectava-se, pois, para o terreno situado junto do lugar da Póvoa do
Valado, onde aliás se benzeu e lançou a primeira pedra, em 18 de Junho
de 1961. Todavia, como a planta, nesta data, ainda não estava concluída,
as obras não começaram durante o ano em curso, nem mais aí começariam. A
igreja, localizando-se nesse sítio, nunca seria centro de unidade
paroquial e já estava a causar embaraços e desassossegos.
Inesperadamente, em 21 de Janeiro de 1962, faleceu D.
Domingos da Apresentação Fernandes; suceder-lhe-ia o actual bispo D.
Manuel de Almeida Trindade, que principiaria a sua actividade pastoral,
em Aveiro, no dia 8 de Dezembro seguinte. De imediato, durante o mês
seguinte, o problema da paróquia de Nossa Senhora de Fátima se lhe
deparou. O prelado ouviu as diversas tendências, procurou inteirar-se da
situação em que se encontravam as populações no aspecto religioso e
estudou objectiva e cuidadosamente tudo quanto se referia ao assunto. Em
11 de Fevereiro, nomeou uma comissão de pessoas, dotadas da maior
respeitabilidade, a quem pediu se debruçasse imparcialmente sobre este
problema e lhe fornecesse o resultado da sua reflexão; esperava assim
lhe fosse proporcionada uma ajuda eficaz em ordem a tomar providências e
a decidir para o futuro.
Após aturado exame do estado da questão e das diversas
hipóteses propostas, a comissão, em 3 de Abril, apresentou por escrito o
seguinte parecer: «1.º – A Comissão entende que se devem manter os
limites da freguesia, como foram determinados pelo decreto da sua
criação; 2.º – A comissão julga que não deverá insistir-se na construção
da igreja no local onde foi lançada a primeira pedra; 3.º – A comissão é
de parecer que se opte, para a construção da igreja, por um local em que
nem uma nem outra facção tenham razões objectivas de descontentamento,
embora haja o perigo de se perderem certos auxílios substanciais; 4.º –
Construindo-se a igreja a meia distância das duas povoações, o pároco
deverá morar junto da igreja, logo que se construa a residência, podendo
a actual residência servir provisoriamente até que a nova esteja
pronta».
Tal parecer, apresentado pelo bispo de Aveiro ao Conselho
dos Consultores Diocesanos, recebeu deles uma aprovação unânime,
manifestada individualmente. Julgou-se, sem sombra de dúvida, ser este o
caminho seguro a trilhar, para bem daquelas povoações.
5. – Situação transitória
Entretanto, porque a matriz não estava construída, por um
lado, e, por outro, era indispensável assegurar a assistência religiosa,
o prelado, por documento de 8 de Abril de 1963, esclarecia: 1.º –
Qualquer sacerdote poderia ser chamado para atender de confissão
sacramental os moribundos ou as pessoas gravemente doentes; 2.º – Para a
administração da unção dos doentes ou da sagrada comunhão aos mesmos,
dos baptizados, da celebração das missas e da presidência dos funerais e
ainda outros serviços religiosos, os fiéis deveriam dirigir-se ao pároco
ou, para os habitantes de Mamodeiro, ao respectivo capelão; 3.º – O
capelão de Mamodeiro poderia presidir aos casamentos dos nubentes dessa
povoação, depois de ter requerido a necessária jurisdição; 4.º –
Enquanto não estivesse construída a igreja paroquial, todos os actos
litúrgicos poderiam ser realizados nas capelas de Mamodeiro e da Póvoa
do Valado.
Tentava-se desta forma, esbater mal-entendidos, lançar
pontes de diálogo e criar os fundamentos para uma efectiva unidade
paroquial. A edificação da nova igreja, porém, iria ser o elemento mais
importante para congregar pessoas e povos; construindo-se a
«igreja-templo», construir-se-ia a «Igreja-Comunidade».
6 – A construção da igreja
O primeiro passo para a construção da igreja foi a compra
de um terreno; isto aconteceu em 9 de Maio de 1963, graças à
generosidade de um anónimo estranho à paróquia, que liquidou dois terços
da sua importância. O edifício iria implantar-se ao meio das duas
principais povoações, junto da estrada nacional e não longe do cemitério
comum; uma vez erguido, seria não apenas o símbolo da unidade mas
sobretudo o centro da aglutinação. Além disso, naturalmente daria
ocasião ao aparecimento de um novo núcleo populacional: o lugar da
igreja.
Havia portanto que delinear um novo projecto,
condicionado pelo terreno adquirido; disso se encarregou o Arquitecto
João Tello Korrodi, que já tinha idealizado o primeiro. Contudo, tendo
falecido em desastre de viação, o estudo foi prontamente retomado
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pelo Arquitecto Carlos Alberto Ferreira Pinto, de Sangalhos. Em 25 de
Janeiro de 1964, estava o trabalho riscado nos seus traços principais;
sobre ele logo se pronunciou favoravelmente a Comissão Diocesana de Arte
Sacra, sugerindo apenas a modificação e o acrescentamento de alguns
pormenores.
Um contratempo, porém, iria surgir. Apresentado à Câmara
Municipal de Aveiro em 24 de Março, o projecto aí ficou retido durante
muito tempo, até que, por deliberação da Edilidade de 17 de Agosto, foi
simplesmente reprovado, «por não satisfazer arquitectonicamente».
Ademais – dizia-se no despacho municipal – «o novo projecto, para além
da revisão arquitectónica que se impõe por forma a integrar o edifício
no meio rural quanto à sua concepção construtiva e estética, deverá dar
cumprimento às conclusões seguintes: – Apenas se deverá considerar a sua
aceitação urbanística, desde que seja previsto o máximo afastamento da
estrada nacional até ao alinhamento a dez metros do caminho vicinal da
fachada posterior; esta unidade seja completada com o equipamento rural
compatível com uma unidade paroquial a criar e a planificação de
conjunto seja completamente organizada e controlada pelo Gabinete do
Plano Regional».
Não se pretende fazer qualquer juízo sobre esta decisão
da Câmara Municipal de Aveiro; apenas é de referir que ela provocou um
generalizado descontentamento e, dadas as especiais circunstâncias que
então se viviam, o atraso no início das obras da igreja veio protelar o
termo de uma melindrosa situação. Contudo, nesta emergência, foi a
própria Câmara Municipal que, generosa e gentilmente, encomendou o novo
projecto ao Arquitecto Luís Santos de Carvalho e Cunha, do Porto. O
estudo preliminar, apresentado em princípios de Dezembro de 1964, ainda
no mesmo mês foi examinado pela Comissão Diocesana de Arte Sacra que,
entre outros considerandos, escreveu no seu parecer: – «O referido
ante-projecto, no seu conjunto, merece não só uma simples aprovação
burocrática, mas também um justo e merecido louvor, quer pela ideia-base
que preside à sua concepção, quer pela sua actuação litúrgica e sentido
comunitário».
Algum tempo depois, também a Câmara Municipal aprovou a
mencionada planta. O estudo dos cálculos para as estruturas protraiu-se
por longos meses, não sem que a demora causasse graves apreensões, dado
o aumento constante do custo da construção civil. Somente em Outubro de
1966 é que foi possível dar por terminado o processo, para se poderem
iniciar as obras da edificação da tão necessária e desejada igreja.
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Como era precisa e útil a comparticipação do Ministério das Obras
Públicas, tudo igualmente se orientou para organizar o processo a
entregar nos respectivos Serviços. Uma vez aprovado o projecto «nas suas
linhas gerais», foi concedido o financiamento estatal de dez por cento
sobre o custo orçamentado e, logo em 12 de Agosto de 1967, a obra foi
adjudicada à firma construtora «Soares da Costa», do Porto; os trabalhos
começariam em 25 de Setembro. Mesmo então levantou-se uma dificuldade,
qual foi a de o terreno ser estreito para a largura da igreja
projectada; mas tudo se remediou rapidamente, porque uns benfeitores
cederam gratuitamente a parcela de trezentos metros quadrados que
faltava.
Na sua maior parte, esta igreja não seria possível sem a
generosidade do povo. Não foram apenas as pessoas residentes que
contribuíram para que ela se tornasse uma realidade; foram também os
emigrantes que, lá longe, não esqueceram a sua terra e iam acompanhando
o seu progresso. Durante os trabalhos, o pároco, Padre Artur Tavares de
Almeida, deslocou-se às Américas, visitando os emigrantes e recebendo
deles generosas e valiosas ofertas.
O grande dia festivo foi em 13 de Outubro de 1968, quando
solenemente se inaugurou e liturgicamente se dedicou ao culto a igreja
de Nossa Senhora de Fátima. Então não fora possível colocar-lhe o tecto
e completá-la com um dos corpos projectados; isto ficaria para mais
tarde, porque o estritamente necessário estava concluído.
Na cerimónia, presidida pelo bispo de Aveiro, estiveram
presentes as autoridades civis e sobretudo o povo, que viveu em alegria
um momento dos mais decisivos da sua história. Havia-se felizmente
ultrapassado tantas e tão graves dificuldades; tinham-se completamente
desfeito muros de separação; uns aos outros davam amigavelmente as mãos;
todos mutuamente se congratulavam; lágrimas de satisfação viam-se em
muitos rostos. No Cristo feito de espelhos, que domina o novo templo, as
pessoas podiam agora igualmente ver-se e reflectir-se, entrassem elas
pela porta da direita ou pela porta da esquerda; na «igreja-edifício»
sentiam-se uma autêntica «Igreja-Comunidade». Os lugares de Mamodeiro,
de Perajorge e da Póvoa do Valado eram, de facto que não só de direito,
a paróquia de Nossa Senhora de Fátima.
7. – Tentativas em ordem à freguesia
Instituída a paróquia, logo se começou a formar um
movimento em favor da criação da freguesia administrativa. Em 10 de
Fevereiro de 1961, trinta e cinco eleitores da Póvoa do Valado
entregaram no Governo Civil de Aveiro um requerimento para a criação da
nova autarquia, compreendendo o território eclesiástico. Na ocasião, o
pedido era prematuro; ripostava-se de Mamodeiro, dizendo que os seus
habitantes, na quase totalidade, desejavam continuar a pertencer a
Requeixo. O assunto quedou-se então por aqui.
Passaram-se onze anos. Em 1972, ultrapassadas as maiores
dificuldades, retomava-se a ideia; foi constituída uma comissão com
homens dos dois lugares, que formalizaram uma petição, subscrita pelas
assinaturas da «maioria absoluta dos chefes de família eleitores
inscritos» e dirigida ao Ministério do Interior. O povo fora ouvido no
fim das missas dominicais; a resposta favorecia geralmente a instituição
da nova freguesia. Por outro lado, o pároco e o Conselho da Fábrica da
Igreja Paroquial, autorizados pelo bispo de Aveiro em 6 de Abril, punham
à disposição da futura Junta de Freguesia uma dependência da matriz,
enquanto não se construísse um edifício próprio na zona da igreja de
Nossa Senhora de Fátima.
Nos considerandos da referida exposição, que tem a data
de 27 de Novembro, dizia-se que nas duas povoações se verificavam
condições económicas normais, que as receitas seriam suficientes para
ocorrer aos encargos ordinários, que não se prejudicaria
substancialmente a freguesia de origem, que nos ditos lugares viviam
pessoas aptas ao desempenho das funções administrativas, que já existia
uma paróquia, que hão faltava um cemitério comum e que mais de duzentas
crianças frequentavam as diversas salas das escolas primárias.
Mais uma vez, falhava a tentativa, devido a divergências
surgidas entre alguns elementos da referida comissão. Tornava-se
necessário amadurecer a ideia para se poder avançar; o legislador só
interviria depois de estar criada a comunidade social.
Após a revolução de 25 de Abril de 1974, logo se fizeram
duas tentativas para se retomar o processo junto das autoridades civis,
mas sem resultado. Contudo, demonstrava-se que o assunto não fora
esquecido. Mais tarde, já nos fins de 1978 o processo era confiado
primeiramente aos deputados José Luís Cristo e Maria José Sampaio e,
mais tarde, aos deputados José Girão Pereira e Horácio Marçal, porque
entretanto, a competência da instituição de autarquias passara para a
Assembleia da República, em virtude do estabelecido pela nova
Constituição.
Baseados nos elementos que então foram exigidos, o
Projecto de Lei n.º 215/1, de 22 de Fevereiro de 1979, relativo à
criação da freguesia de Nossa Senhora de Fátima, no concelho de Aveiro,
era aceite na referida Assembleia e publicado no «Diário das Sessões»,
no dia seguinte.
O processo seguiria agora os seus trâmites. Atendendo ao
ofício da «Subcomissão para apreciação
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dos projectos de criação de novas freguesias», da Assembleia da
República, com data de 16 de Maio, a Assembleia de Freguesia de
Requeixo, reunida em 2 de Junho, deliberava, por unanimidade, não se
opor à iniciativa da criação da nova autarquia e dar o seu parecer
favorável, não vendo nisso qualquer inconveniente; ao mesmo tempo,
respondeu ao questionário que superiormente lhe fora enviado. O
relatório tem a data de 9 do mesmo mês de Junho.
Nesta ocasião, interessa anotar um pormenor importante no
processo. A «Fábrica da Igreja Paroquial de Nossa Senhora de Fátima» era
proprietária de um prédio rústico, sito nas imediações da igreja, que
poderia ser aproveitado para utilidade do povo; tinha suficiente área
para aí se implantarem estruturas que servissem tanto a paróquia como a
futura freguesia. De acordo com os representantes do Município, o
terreno foi destinado à construção de dois edifícios: – um para a sede
da Junta de Freguesia e para o Centro Paroquial, com diversas salas, e
outro para a Casa do Povo e para o Posto Clínico, além de um salão a
utilizar, em igualdade de condições, por todas as entidades instaladas
nos mesmos edifícios. A nível local, desta forma também se ia seriamente
pensando em dotar a futura freguesia do que ela precisaria para a
instalação dos seus órgãos autárquicos.
8. – Finalmente, a freguesia
Os meses gastavam-se uns a seguir aos outros, e o
processo parecia ter sido arrumado no fundo de alguma gaveta, até que em
1984, foi retomado. Entrava-se decididamente no delicado problema dos
limites. Em 2 de Junho, a Assembleia de Freguesia de Requeixo
deliberava, por escassa maioria de sete votos contra seis abstenções,
que a delimitação fosse a da paróquia. Certamente que tal deliberação
não era confortável; por isso, uma comissão técnica da Câmara Municipal
de Aveiro estudou demorada e cuidadosamente o problema e deu o seu
parecer, que seria seguido. O projecto e a abertura da auto-estrada do
norte constituiriam factor preponderante para dirimir a questão. Estava
em causa uma já antiga divergência na fronteira com a povoação do
Carregal.
Em 8 de Setembro, a Assembleia de Freguesia de Requeixo,
tendo examinado as alterações ao Projecto de lei n.º 215/1, concordou
com os limites e «deliberou por maioria absoluta apoiar tal iniciativa
que deseja se concretize no mais curto espaço de tempo possível». No dia
seguinte, a Junta de Freguesia, por sua vez, achou bem dar o seu parecer
favorável à criação da nova autarquia, «desejando que esta deliberação
contribua para a paz, bem-estar e progresso dos nossos povos». Faltavam
os pareceres da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal de Aveiro;
foram favoráveis ao que pretendiam os povos de Mamodeiro e da Póvoa do
Valado.
O processo estava concluído e pronto para subir à
instância superior. Foi assim que, em 11 de Julho de 1985, a Assembleia
da República pôde decretar, pela lei n.º 104/85, a criação da freguesia
de Nossa Senhora de Fátima, no concelho de Aveiro, desmembrando o seu
território do da freguesia de Requeixo. Promulgada pelo Presidente da
República em 2 de Setembro e referendada pelo Primeiro-Ministro em 4 de
Setembro, ela foi publicada no «Diário da República» em 4 de Outubro,
para entrar em vigor cinco dias depois.
Ao ter tido conhecimento da jubilosa notícia, por carta
oficial de 12 de Julho de 1985, logo a população da nova freguesia
manifestou o seu contentamento, especialmente no dia 11 de Agosto, com
solenidades religiosas e cívicas; comemorou-se também o 25.º aniversário
da criação da paróquia e inaugurou-se o edifício do Centro Paroquial e
da Junta de Freguesia, acabado de construir para o efeito.
Como em tantas outras iniciativas e realizações, aqui se
verificou igualmente que o bom êxito de todo este processo se ficou a
dever à tenacidade esperançosa e ao bairrismo sadio do povo dos diversos
lugares que, sem menosprezar fosse quem fosse, sempre desejou o melhor
para a sua terra.
João Gonçalves Gaspar
FONTES DE INFORMAÇÃO
Arquivo da Cúria Diocesana de Aveiro, Paróquia de Nossa
Senhora de Fátima.
Assembleia de Freguesia de Requeixo, Livro de Actas, 1979
e 1984.
Junta de Freguesia de Requeixo, Livro de Actas, 1984.
Rebeldia ou Dignidade? – Os de Mamodeiro e o Senhor Bispo
de Aveiro (livro publicado em 1961).
“Correio do Vouga” (jornal da Diocese de Aveiro): n.º
1511, de 13-81960; 1544, de 15-4-1961; 1554, de 24-6-1961; 1646, de
20-4-1963; 1918, de 18-10-1968; 2748, de 23-8-1985.
Assembleia da República, Diário das Sessões, II Série,
n.º 36, de 23-2-1979, pg. 706.
Diário da República, I Série, n.º 229, de 4-10-1985, pgs. 3296 (55) –
3296 (56).
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