Acesso à hierarquia superior.

Boletim n.º 6 - Ano III - 1985

A FREGUESIA DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA

A recente criação da freguesia de Nossa Senhora de Fátima, no concelho de Aveiro, dá-nos a oportunidade de rememorar, embora sucintamente, por vezes anotando apenas, alguns pontos mais salientes, tanto do processo eclesiástico como do processo civil, que conduziram ao início da vida autónoma da nova autarquia.

Um pormenor curioso, que não passou despercebido, foi o de a freguesia ser instituída precisamente em 1985 – ano em que a paróquia celebrava em júbilo as bodas de prata da sua fundação.

 

1. – O sonho de uma paróquia

Em 28 de Março de 1954, o então bispo auxiliar de Aveiro D. Domingos da Apresentação Fernandes, fazendo pela primeira vez a visita pastoral à freguesia de Requeixo, deslocou-se às povoações de Mamodeiro e da Póvoa do Valado e verificou a demasiada distância até à igreja paroquial e a exiguidade das respectivas capelas; e o mesmo veio a constatar posteriormente, sobretudo em 1957. Perante tais realidades incontroversas, o prelado foi sugerindo a urgência de um lugar de culto suficientemente amplo que servisse equidistantemente as duas povoações, senão mesmo um centro paroquial e autónomo. Mas isto era apenas um sonho.

Contudo, a ideia, assim lançada, foi ao encontro de uma aspiração latente que, decerto, já se achava enraizada no íntimo das pessoas, especialmente entre os habitantes da Póvoa do Valado - o lugar mais retirado da matriz e da sede da Junta de / 12 / Freguesia. Pode servir de testemunho comprovativo desta asserção o que se passou no dia 15 de Julho de 1956: publicamente e perante a autoridade diocesana, era feita uma afirmação ousada e sem reticências. Também aqui se pode verificar que o sentido da autonomia partiu do povo; o instrumento legal viria apenas ratificar juridicamente o que por todos era sentido.

Na tarde daquele dia, na igreja paroquial de S. Paio de Requeixo, sob a presidência do arcebispo-bispo de Aveiro, D. João Evangelista de Lima Vidal, e com a presença do bispo auxiliar, realizou-se uma reunião com diversos chefes de família de toda a paróquia, para se reflectir sobre uma única questão: se restaurar a igreja matriz, solitária num ermo e afastada de todas as povoações da freguesia, se demoli-la e construir novo edifício num lugar mais central. Pronunciaram-se alguns presentes... e outrossim alguém da Póvoa do Valado, que peremptoriamente disse: – «Nós, os da Póvoa do Valado, queremos uma nova freguesia com Mamodeiro». A afirmação, ali inesperada, provocou um certo burburinho, ao que o arcebispo atalhou: – «Isso é outra coisa, não é para isso que estamos aqui, neste momento»... A reunião terminou, optando-se pela restauração da igreja setecentista, para cujas obras todos os lugares concorreram. Todavia, na presença de pessoas categorizadas, fora lançado publicamente um secreto desejo não apenas de um indivíduo, mas quiçá de um grupo de pessoas. Semelhara-se a uma pedrada num lago, que iria originar círculos concêntricos de ondas, cada vez mais afastados.

Efectivamente, na tarde de 2 de Agosto de 1957, alguns habitantes da Póvoa do Valado, em comissão, deslocaram-se a Mamodeiro onde apresentaram a proposta de, em conjunto, requererem a criação de uma paróquia com os dois lugares; a matriz seria construída junto do cemitério, já existente a meia distância entre as povoações. Ao longo de vários meses, foi-se formando em Mamodeiro uma maioria que, a verificar-se a condição acordada sobre a igreja, aceitava a proposta da Póvoa do Valado.

Era certo que nas capelas, desde há muitas dezenas de anos, sempre se vinha celebrando a Eucaristia, aos domingos. Mas isso não se tinha por suficiente; tornava-se necessária uma maior atenção aos problemas da formação da fé cristã, da catequese, da administração dos sacramentos e da prática da caridade.

 

2. – O início do processo canónico

Entretanto, em 5 de Janeiro de 1958, faleceu o saudoso D. João Evangelista de Lima Vidal; no mesmo dia, foi eleito como vigário capitular de Aveiro D. Domingos da Apresentação Fernandes, que logo tomou a seu cargo o serviço e a orientação pastoral da Diocese.

Durante a vacância da Sé, precisamente em 21 de Maio, uma comissão mista da Póvoa do Valado e de Mamodeiro deslocou-se à casa episcopal e aí foi recebida pelo prelado, a quem formulou oralmente o pedido da criação da paróquia, englobando os dois lugares; D. Domingos aceitaria, em princípio, a pretensão, propondo que à nova circunscrição eclesiástica fosse dado o nome de Nossa Senhora de Fátima. Informado de que uma considerável minoria de Mamodeiro se opunha ao desejo ali expresso, o bispo prometeu ir lá, em breve, para pessoalmente tranquilizar as pessoas e desfazer quaisquer dúvidas.

Em 11 de Agosto do mesmo ano, D. Domingos da Apresentação Fernandes era nomeado bispo de Aveiro; em 29 de Setembro, entraria na posse deste múnus e, como tal, iniciaria a sua actividade.

Logo que lhe foi possível, deslocou-se a Mamodeiro, como tinha prometido. Isto aconteceu em 21 de Dezembro; na capela celebrou a Eucaristia e falou ao povo, esclarecendo que a criação da nova paróquia não traria qualquer prejuízo mas sim diversas vantagens. Pode dizer-se que em Mamodeiro, / 13 / assim como na Póvoa do Valado, passara a haver uma certa unanimidade sobre este assunto candente. Decorridos quinze dias, em 5 de Janeiro de 1959, foi dirigida ao prelado aveirense a primeira exposição escrita sobre o assunto, assinada por quarenta e nove chefes de família e pessoas responsáveis, todas residentes em Mamodeiro e na Póvoa do Valado. Nesse documento solicitava-se a criação de uma paróquia com as duas povoações, para o que se aduziam os seguintes motivos: a) – A distância de cerca de seis quilómetros e de quatro quilómetros, respectivamente, desde a matriz de S. Paio de Requeixo às capelas da Póvoa do Valado e de Mamodeiro – o que impedia os crentes, nomeadamente as crianças, de participarem com mais frequência nos actos da Igreja; b) – As capelas não comportavam todas as pessoas nas missas dominicais, ficando muitas de pé ou fora dos templos; c) – O índice gradual do aumento demográfico, sendo de presumir o seu constante crescimento; d) – O lugar de Mamodeiro contava cerca de duzentos fogos e o da Póvoa do Valado cerca de duzentos e trinta, com um total aproximado de mil e setecentos habitantes; e) – Como cerca de cento e setenta crianças dos dois lugares frequentavam a catequese, tornava-se indispensável um maior cuidado neste sector formativo e uma presença mais eficaz de um sacerdote; f) – Sendo impossível manter a unidade paroquial da freguesia de Requeixo pela dispersão geográfica das diversas povoações, julgava-se mais fácil criar e conservar a unidade de uma nova freguesia que englobasse Mamodeiro e Póvoa do Valado, vizinhas uma da outra; g) – A estas razões ainda se juntava a de já haver um único e comum cemitério para os dois lugares «que nós reconhecemos como o mais forte traço de união entre estes dois povos» – diziam.

Os requerentes garantiam finalmente não ser muito difícil a construção da igreja e responsabilizavam-se pela justa côngrua devida ao pároco.

O prelado de Aveiro demorou algum tempo a despachar o requerimento – o que facilmente nos leva a concluir que consultou diversas pessoas entendidas e pensou maduramente no problema, acabando por ordenar, em 21 de Janeiro de 1959:

«Seja enviado ao reverendo pároco de Requeixo, para ele se pronunciar sobre o assunto da presente exposição». Entretanto, em 9 de Janeiro, já os requerentes se haviam adiantado em propostas de limites – o que foi julgado prematuro.

O pároco de Requeixo não atrasou a resposta; a sua informação tem a data de 4 de Fevereiro.

/ 14 / Declarava-se de acordo com a criação da nova freguesia, porque «como padre diocesano» se sentia conscientemente «integrado no espírito da mais perfeita identificação com a actividade e as directrizes pastorais do prelado da Diocese»; e acrescentava: – «Atraiçoaria esta minha atitude, se hoje ousasse formular quaisquer objecções à criação da nova freguesia». No entanto, fazia algumas observações pertinentes sobre o futuro da velha paróquia de Requeixo, uma vez mutilada e reduzida a menos de metade; eram tema para séria reflexão.

Em face de um pedido do secretário da Câmara Eclesiástica para uma informação mais concreta, o pároco de Requeixo deu novo parecer em 19 de Fevereiro, onde se fazem esclarecimentos muito úteis. Nas suas palavras, nota-se, acima de tudo, o interesse do pastor de almas para quem o bem da Igreja é a norma orientadora. Se defende a unidade paroquial, fá-lo só até certo ponto, pois a conclusão sai-lhe quase espontânea: – «Que se proceda à criação duma nova freguesia, logo que possível».

 

3. – Da promessa à decisão final

O processo entrou seguidamente numa fase cheia de vicissitudes. Surgiram dúvidas e contra-tempos. Quase nunca é fácil a instituição de uma paróquia. Há avanços e recuos; há quem concorde, quem discorde e quem se oponha; há novas hipóteses; há problemas de limitação; há desentendimentos entre os dois povos. Parecia navegar-se à deriva no alto mar, sem rumo e sem se avistar um porto de atracação. Começa-se a pôr de lado o nome proposto e a surgir o de Nossa Senhora das Preces para uma paróquia que apenas englobaria a lugar da Póvoa do Valado; por isso, o próprio sítio da igreja seria deslocado. Isto mesmo se conclui do despacho do bispo de Aveiro, de 22 de Junho de 1959, aposto no requerimento de uma comissão da Póvoa do Valado, onde se solicitava a criação da paróquia de Nossa Senhora das Preces; aí se lê, a certa altura: – «Fica formalmente prometida a criação da freguesia, mas só se tornará possível o cumprimento desta promessa, mediante as seguintes condições: a) – Constituição de uma comissão de culto local que dê suporte jurídico à aquisição dos bens necessários; b) – Construção da residência paroquial; c) – Posse jurídica dos bens prometidos e recolha dos donativos; d) – Compromisso, perante a Cúria Diocesana, da construção da igreja paroquial, no prazo de seis anos».

Obedecendo a este despacho, imediatamente o pároco de Requeixo diligenciou no sentido de escolher pessoas que formassem a «Comissão de Culto de Nossa Senhora das Preces», com sede na capela da Póvoa do Valado, requerendo a aprovação canónica em 14 de Julho; ele próprio seria o seu presidente. D. Domingos da Apresentação / 15 / Fernandes, três dias depois, erigiu a dita Comissão de Culto, com personalidade jurídica no foro eclesiástico, ficando a reger-se pelo regulamento geral das «Fábricas das Igrejas Paroquiais». O facto foi comunicado, em 26 de Agosto, ao Governo Civil de Aveiro, para o respectivo reconhecimento oficial no foro civil, segundo o estabelecimento pela Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa.

Entretanto, principiara o ano de 1960. Em 11 de Março realizava-se mais uma reunião de pessoas de Mamodeiro e da Póvoa do Valado com o bispo da Diocese. Mantinha-se a hipótese da criação da paróquia com os dois lugares, mais vantajosa do que aquela que seria constituída apenas por um; todavia, a condição da futura igreja ser construída nas imediações do cemitério era um ponto irreversível para Mamodeiro. Se a mencionada condição se não pusesse ou se não verificasse, Mamodeiro desejava continuar integrado na freguesia de Requeixo.

Os meses foram seguindo. Uma benfeitora da Póvoa do Valado fez uma generosa oferta, em dinheiro, para a construção da futura igreja; um outro benfeitor, do mesmo lugar, prometeu toda a madeira necessária; a referida Comissão de Culto de Nossa Senhora das Preces deixou ao critério do prelado a escolha do titular da nova freguesia, comprometendo-se a aceitar incondicionalmente a sua decisão, qualquer que ela fosse; e, em 3 de Agosto, foram definitivamente propostos os limites, logo aprovados.

Como é evidente, a decisão final do processo pertencia ao bispo de Aveiro. Foi ele que, depois de ouvir o Conselho dos Consultores Diocesanos, em 13 de Agosto de 1960 assinou e mandou publicar o decreto diocesano que criou a paróquia de Nossa Senhora de Fátima, no arciprestado de Aveiro, com território desmembrado da paróquia de S. Paio de Requeixo, englobando as povoações de Mamodeiro, Perajorge e Póvoa do Valado.

Depois da instituição da paróquia, logo se pensou a sério na organização da nova comunidade e na construção da sua igreja. Em 18 de Outubro, oitenta habitantes de Mamodeiro, em ofício assinado, comprometiam-se a oferecer o terreno necessário, nas imediações do cemitério, e ainda a concorrer para a construção do templo, se aí fosse edificado. Dois dias depois, o prelado iria ao local e acordava-se no terreno escolhido, que aliás já fora indicado em 21 de Dezembro de 1958.

Para tratar deste e de outros problemas, efectuou-se uma nova reunião conjunta na casa episcopal, no dia 29 de Outubro de 1960. No decorrer do diálogo, perante certas dificuldades, começou a tomar corpo a opinião de se transferir o sítio da matriz para junto do lugar da Póvoa do Valado, aceitando-se a oferta, já feita, de um terreno. Era mais que evidente que tal hipótese não podia agradar / 16 / à povoação de Mamodeiro que, apesar de tudo, ainda em 10 de Fevereiro de 1961, solicitava a revisão do problema. Todavia, naquela reunião ficou constituída, em princípio, a primeira «Comissão Fabriqueira a Freguesia de Nossa Senhora de Fátima»; esta seria oficialmente aprovada, por despacho diocesano, em 14 de Abril de 1961.

 

4. – A implantação da igreja

A execução da planta da nova igreja foi confiada ao arquitecto João Tello Korrodi, residente no Porto. A construção projectava-se, pois, para o terreno situado junto do lugar da Póvoa do Valado, onde aliás se benzeu e lançou a primeira pedra, em 18 de Junho de 1961. Todavia, como a planta, nesta data, ainda não estava concluída, as obras não começaram durante o ano em curso, nem mais aí começariam. A igreja, localizando-se nesse sítio, nunca seria centro de unidade paroquial e já estava a causar embaraços e desassossegos.

Inesperadamente, em 21 de Janeiro de 1962, faleceu D. Domingos da Apresentação Fernandes; suceder-lhe-ia o actual bispo D. Manuel de Almeida Trindade, que principiaria a sua actividade pastoral, em Aveiro, no dia 8 de Dezembro seguinte. De imediato, durante o mês seguinte, o problema da paróquia de Nossa Senhora de Fátima se lhe deparou. O prelado ouviu as diversas tendências, procurou inteirar-se da situação em que se encontravam as populações no aspecto religioso e estudou objectiva e cuidadosamente tudo quanto se referia ao assunto. Em 11 de Fevereiro, nomeou uma comissão de pessoas, dotadas da maior respeitabilidade, a quem pediu se debruçasse imparcialmente sobre este problema e lhe fornecesse o resultado da sua reflexão; esperava assim lhe fosse proporcionada uma ajuda eficaz em ordem a tomar providências e a decidir para o futuro.

Após aturado exame do estado da questão e das diversas hipóteses propostas, a comissão, em 3 de Abril, apresentou por escrito o seguinte parecer: «1.º – A Comissão entende que se devem manter os limites da freguesia, como foram determinados pelo decreto da sua criação; 2.º – A comissão julga que não deverá insistir-se na construção da igreja no local onde foi lançada a primeira pedra; 3.º – A comissão é de parecer que se opte, para a construção da igreja, por um local em que nem uma nem outra facção tenham razões objectivas de descontentamento, embora haja o perigo de se perderem certos auxílios substanciais; 4.º – Construindo-se a igreja a meia distância das duas povoações, o pároco deverá morar junto da igreja, logo que se construa a residência, podendo a actual residência servir provisoriamente até que a nova esteja pronta».

Tal parecer, apresentado pelo bispo de Aveiro ao Conselho dos Consultores Diocesanos, recebeu deles uma aprovação unânime, manifestada individualmente. Julgou-se, sem sombra de dúvida, ser este o caminho seguro a trilhar, para bem daquelas povoações.

 

5. – Situação transitória

Entretanto, porque a matriz não estava construída, por um lado, e, por outro, era indispensável assegurar a assistência religiosa, o prelado, por documento de 8 de Abril de 1963, esclarecia: 1.º – Qualquer sacerdote poderia ser chamado para atender de confissão sacramental os moribundos ou as pessoas gravemente doentes; 2.º – Para a administração da unção dos doentes ou da sagrada comunhão aos mesmos, dos baptizados, da celebração das missas e da presidência dos funerais e ainda outros serviços religiosos, os fiéis deveriam dirigir-se ao pároco ou, para os habitantes de Mamodeiro, ao respectivo capelão; 3.º – O capelão de Mamodeiro poderia presidir aos casamentos dos nubentes dessa povoação, depois de ter requerido a necessária jurisdição; 4.º – Enquanto não estivesse construída a igreja paroquial, todos os actos litúrgicos poderiam ser realizados nas capelas de Mamodeiro e da Póvoa do Valado.

Tentava-se desta forma, esbater mal-entendidos, lançar pontes de diálogo e criar os fundamentos para uma efectiva unidade paroquial. A edificação da nova igreja, porém, iria ser o elemento mais importante para congregar pessoas e povos; construindo-se a «igreja-templo», construir-se-ia a «Igreja-Comunidade».

 

6 – A construção da igreja

O primeiro passo para a construção da igreja foi a compra de um terreno; isto aconteceu em 9 de Maio de 1963, graças à generosidade de um anónimo estranho à paróquia, que liquidou dois terços da sua importância. O edifício iria implantar-se ao meio das duas principais povoações, junto da estrada nacional e não longe do cemitério comum; uma vez erguido, seria não apenas o símbolo da unidade mas sobretudo o centro da aglutinação. Além disso, naturalmente daria ocasião ao aparecimento de um novo núcleo populacional: o lugar da igreja.

Havia portanto que delinear um novo projecto, condicionado pelo terreno adquirido; disso se encarregou o Arquitecto João Tello Korrodi, que já tinha idealizado o primeiro. Contudo, tendo falecido em desastre de viação, o estudo foi prontamente retomado / 17 / pelo Arquitecto Carlos Alberto Ferreira Pinto, de Sangalhos. Em 25 de Janeiro de 1964, estava o trabalho riscado nos seus traços principais; sobre ele logo se pronunciou favoravelmente a Comissão Diocesana de Arte Sacra, sugerindo apenas a modificação e o acrescentamento de alguns pormenores.

Um contratempo, porém, iria surgir. Apresentado à Câmara Municipal de Aveiro em 24 de Março, o projecto aí ficou retido durante muito tempo, até que, por deliberação da Edilidade de 17 de Agosto, foi simplesmente reprovado, «por não satisfazer arquitectonicamente». Ademais – dizia-se no despacho municipal – «o novo projecto, para além da revisão arquitectónica que se impõe por forma a integrar o edifício no meio rural quanto à sua concepção construtiva e estética, deverá dar cumprimento às conclusões seguintes: – Apenas se deverá considerar a sua aceitação urbanística, desde que seja previsto o máximo afastamento da estrada nacional até ao alinhamento a dez metros do caminho vicinal da fachada posterior; esta unidade seja completada com o equipamento rural compatível com uma unidade paroquial a criar e a planificação de conjunto seja completamente organizada e controlada pelo Gabinete do Plano Regional».

Não se pretende fazer qualquer juízo sobre esta decisão da Câmara Municipal de Aveiro; apenas é de referir que ela provocou um generalizado descontentamento e, dadas as especiais circunstâncias que então se viviam, o atraso no início das obras da igreja veio protelar o termo de uma melindrosa situação. Contudo, nesta emergência, foi a própria Câmara Municipal que, generosa e gentilmente, encomendou o novo projecto ao Arquitecto Luís Santos de Carvalho e Cunha, do Porto. O estudo preliminar, apresentado em princípios de Dezembro de 1964, ainda no mesmo mês foi examinado pela Comissão Diocesana de Arte Sacra que, entre outros considerandos, escreveu no seu parecer: – «O referido ante-projecto, no seu conjunto, merece não só uma simples aprovação burocrática, mas também um justo e merecido louvor, quer pela ideia-base que preside à sua concepção, quer pela sua actuação litúrgica e sentido comunitário».

Algum tempo depois, também a Câmara Municipal aprovou a mencionada planta. O estudo dos cálculos para as estruturas protraiu-se por longos meses, não sem que a demora causasse graves apreensões, dado o aumento constante do custo da construção civil. Somente em Outubro de 1966 é que foi possível dar por terminado o processo, para se poderem iniciar as obras da edificação da tão necessária e desejada igreja.

 / 18 / Como era precisa e útil a comparticipação do Ministério das Obras Públicas, tudo igualmente se orientou para organizar o processo a entregar nos respectivos Serviços. Uma vez aprovado o projecto «nas suas linhas gerais», foi concedido o financiamento estatal de dez por cento sobre o custo orçamentado e, logo em 12 de Agosto de 1967, a obra foi adjudicada à firma construtora «Soares da Costa», do Porto; os trabalhos começariam em 25 de Setembro. Mesmo então levantou-se uma dificuldade, qual foi a de o terreno ser estreito para a largura da igreja projectada; mas tudo se remediou rapidamente, porque uns benfeitores cederam gratuitamente a parcela de trezentos metros quadrados que faltava.

Na sua maior parte, esta igreja não seria possível sem a generosidade do povo. Não foram apenas as pessoas residentes que contribuíram para que ela se tornasse uma realidade; foram também os emigrantes que, lá longe, não esqueceram a sua terra e iam acompanhando o seu progresso. Durante os trabalhos, o pároco, Padre Artur Tavares de Almeida, deslocou-se às Américas, visitando os emigrantes e recebendo deles generosas e valiosas ofertas.

O grande dia festivo foi em 13 de Outubro de 1968, quando solenemente se inaugurou e liturgicamente se dedicou ao culto a igreja de Nossa Senhora de Fátima. Então não fora possível colocar-lhe o tecto e completá-la com um dos corpos projectados; isto ficaria para mais tarde, porque o estritamente necessário estava concluído.

Na cerimónia, presidida pelo bispo de Aveiro, estiveram presentes as autoridades civis e sobretudo o povo, que viveu em alegria um momento dos mais decisivos da sua história. Havia-se felizmente ultrapassado tantas e tão graves dificuldades; tinham-se completamente desfeito muros de separação; uns aos outros davam amigavelmente as mãos; todos mutuamente se congratulavam; lágrimas de satisfação viam-se em muitos rostos. No Cristo feito de espelhos, que domina o novo templo, as pessoas podiam agora igualmente ver-se e reflectir-se, entrassem elas pela porta da direita ou pela porta da esquerda; na «igreja-edifício» sentiam-se uma autêntica «Igreja-Comunidade». Os lugares de Mamodeiro, de Perajorge e da Póvoa do Valado eram, de facto que não só de direito, a paróquia de Nossa Senhora de Fátima.

 

7. – Tentativas em ordem à freguesia

Instituída a paróquia, logo se começou a formar um movimento em favor da criação da freguesia administrativa. Em 10 de Fevereiro de 1961, trinta e cinco eleitores da Póvoa do Valado entregaram no Governo Civil de Aveiro um requerimento para a criação da nova autarquia, compreendendo o território eclesiástico. Na ocasião, o pedido era prematuro; ripostava-se de Mamodeiro, dizendo que os seus habitantes, na quase totalidade, desejavam continuar a pertencer a Requeixo. O assunto quedou-se então por aqui.

Passaram-se onze anos. Em 1972, ultrapassadas as maiores dificuldades, retomava-se a ideia; foi constituída uma comissão com homens dos dois lugares, que formalizaram uma petição, subscrita pelas assinaturas da «maioria absoluta dos chefes de família eleitores inscritos» e dirigida ao Ministério do Interior. O povo fora ouvido no fim das missas dominicais; a resposta favorecia geralmente a instituição da nova freguesia. Por outro lado, o pároco e o Conselho da Fábrica da Igreja Paroquial, autorizados pelo bispo de Aveiro em 6 de Abril, punham à disposição da futura Junta de Freguesia uma dependência da matriz, enquanto não se construísse um edifício próprio na zona da igreja de Nossa Senhora de Fátima.

Nos considerandos da referida exposição, que tem a data de 27 de Novembro, dizia-se que nas duas povoações se verificavam condições económicas normais, que as receitas seriam suficientes para ocorrer aos encargos ordinários, que não se prejudicaria substancialmente a freguesia de origem, que nos ditos lugares viviam pessoas aptas ao desempenho das funções administrativas, que já existia uma paróquia, que hão faltava um cemitério comum e que mais de duzentas crianças frequentavam as diversas salas das escolas primárias.

Mais uma vez, falhava a tentativa, devido a divergências surgidas entre alguns elementos da referida comissão. Tornava-se necessário amadurecer a ideia para se poder avançar; o legislador só interviria depois de estar criada a comunidade social.

Após a revolução de 25 de Abril de 1974, logo se fizeram duas tentativas para se retomar o processo junto das autoridades civis, mas sem resultado. Contudo, demonstrava-se que o assunto não fora esquecido. Mais tarde, já nos fins de 1978 o processo era confiado primeiramente aos deputados José Luís Cristo e Maria José Sampaio e, mais tarde, aos deputados José Girão Pereira e Horácio Marçal, porque entretanto, a competência da instituição de autarquias passara para a Assembleia da República, em virtude do estabelecido pela nova Constituição.

Baseados nos elementos que então foram exigidos, o Projecto de Lei n.º 215/1, de 22 de Fevereiro de 1979, relativo à criação da freguesia de Nossa Senhora de Fátima, no concelho de Aveiro, era aceite na referida Assembleia e publicado no «Diário das Sessões», no dia seguinte.

O processo seguiria agora os seus trâmites. Atendendo ao ofício da «Subcomissão para apreciação / 19 / dos projectos de criação de novas freguesias», da Assembleia da República, com data de 16 de Maio, a Assembleia de Freguesia de Requeixo, reunida em 2 de Junho, deliberava, por unanimidade, não se opor à iniciativa da criação da nova autarquia e dar o seu parecer favorável, não vendo nisso qualquer inconveniente; ao mesmo tempo, respondeu ao questionário que superiormente lhe fora enviado. O relatório tem a data de 9 do mesmo mês de Junho.

Nesta ocasião, interessa anotar um pormenor importante no processo. A «Fábrica da Igreja Paroquial de Nossa Senhora de Fátima» era proprietária de um prédio rústico, sito nas imediações da igreja, que poderia ser aproveitado para utilidade do povo; tinha suficiente área para aí se implantarem estruturas que servissem tanto a paróquia como a futura freguesia. De acordo com os representantes do Município, o terreno foi destinado à construção de dois edifícios: – um para a sede da Junta de Freguesia e para o Centro Paroquial, com diversas salas, e outro para a Casa do Povo e para o Posto Clínico, além de um salão a utilizar, em igualdade de condições, por todas as entidades instaladas nos mesmos edifícios. A nível local, desta forma também se ia seriamente pensando em dotar a futura freguesia do que ela precisaria para a instalação dos seus órgãos autárquicos.

 

8. – Finalmente, a freguesia

Os meses gastavam-se uns a seguir aos outros, e o processo parecia ter sido arrumado no fundo de alguma gaveta, até que em 1984, foi retomado. Entrava-se decididamente no delicado problema dos limites. Em 2 de Junho, a Assembleia de Freguesia de Requeixo deliberava, por escassa maioria de sete votos contra seis abstenções, que a delimitação fosse a da paróquia. Certamente que tal deliberação não era confortável; por isso, uma comissão técnica da Câmara Municipal de Aveiro estudou demorada e cuidadosamente o problema e deu o seu parecer, que seria seguido. O projecto e a abertura da auto-estrada do norte constituiriam factor preponderante para dirimir a questão. Estava em causa uma já antiga divergência na fronteira com a povoação do Carregal.

Em 8 de Setembro, a Assembleia de Freguesia de Requeixo, tendo examinado as alterações ao Projecto de lei n.º 215/1, concordou com os limites e «deliberou por maioria absoluta apoiar tal iniciativa que deseja se concretize no mais curto espaço de tempo possível». No dia seguinte, a Junta de Freguesia, por sua vez, achou bem dar o seu parecer favorável à criação da nova autarquia, «desejando que esta deliberação contribua para a paz, bem-estar e progresso dos nossos povos». Faltavam os pareceres da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal de Aveiro; foram favoráveis ao que pretendiam os povos de Mamodeiro e da Póvoa do Valado.

O processo estava concluído e pronto para subir à instância superior. Foi assim que, em 11 de Julho de 1985, a Assembleia da República pôde decretar, pela lei n.º 104/85, a criação da freguesia de Nossa Senhora de Fátima, no concelho de Aveiro, desmembrando o seu território do da freguesia de Requeixo. Promulgada pelo Presidente da República em 2 de Setembro e referendada pelo Primeiro-Ministro em 4 de Setembro, ela foi publicada no «Diário da República» em 4 de Outubro, para entrar em vigor cinco dias depois.

Ao ter tido conhecimento da jubilosa notícia, por carta oficial de 12 de Julho de 1985, logo a população da nova freguesia manifestou o seu contentamento, especialmente no dia 11 de Agosto, com solenidades religiosas e cívicas; comemorou-se também o 25.º aniversário da criação da paróquia e inaugurou-se o edifício do Centro Paroquial e da Junta de Freguesia, acabado de construir para o efeito.

Como em tantas outras iniciativas e realizações, aqui se verificou igualmente que o bom êxito de todo este processo se ficou a dever à tenacidade esperançosa e ao bairrismo sadio do povo dos diversos lugares que, sem menosprezar fosse quem fosse, sempre desejou o melhor para a sua terra.

João Gonçalves Gaspar

 

FONTES DE INFORMAÇÃO

Arquivo da Cúria Diocesana de Aveiro, Paróquia de Nossa Senhora de Fátima.

Assembleia de Freguesia de Requeixo, Livro de Actas, 1979 e 1984.

Junta de Freguesia de Requeixo, Livro de Actas, 1984.

Rebeldia ou Dignidade? – Os de Mamodeiro e o Senhor Bispo de Aveiro (livro publicado em 1961).

“Correio do Vouga” (jornal da Diocese de Aveiro): n.º 1511, de 13-81960; 1544, de 15-4-1961; 1554, de 24-6-1961; 1646, de 20-4-1963; 1918, de 18-10-1968; 2748, de 23-8-1985.

Assembleia da República, Diário das Sessões, II Série, n.º 36, de 23-2-1979, pg. 706. Diário da República, I Série, n.º 229, de 4-10-1985, pgs. 3296 (55) – 3296 (56).

 

 

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