ANTIGOS PAÇOS DO EXTINTO
CONCELHO
DE ESGUEIRA
Com a finalidade de recuperar, preservar, consolidar e valorizar o
edifício setecentista que foi sede da Câmara do extinto concelho de
Esgueira, pensaram os responsáveis municipais em lançar ombros às obras
necessárias para tal efeito, conscientes de que, com tal deliberação,
atenderiam ao rico passado histórico desta freguesia citadina,
corresponderiam ao seu progressivo desenvolvimento actual e iriam ao
encontro dos anseios dos seus habitantes. Encarregou-se do estudo do
respectivo projecto de recuperação do edifício o Arqt. o José Maria Lopo
Prata, que contou com o trabalho dos seus colaboradores Arqt.º Ângelo
Centeno, Dr. Rui Tavares (levantamento e apoio histórico), Eng.º Joaquim
Alves Pereira (engenheiro civil), Eng.º Valente (engenharia
electrónica), Carlos José Valente e Áureo Pericão Ramos (desenho geral e
especialidades).
Efectivamente, na sequência da deliberação tomada na reunião de 10 de
Setembro de 1984, e depois de prolongada troca de impressões, foi
decidido, por unanimidade, em nova reunião municipal de 1 de Outubro
seguinte, aprovar o respectivo projecto definitivo. Na mesma ocasião,
foi também deliberado aprovar, em princípio, a colocação de um painel
cerâmico no interior do edifício, em lugar a definir oportunamente.
Da «Memória descritiva e justificativa» recortamos o seguinte, por
julgarmos de interesse ser publicamente conhecido para esclarecimento de
todos:
«Muitas são as dúvidas que se nos levantam, sobre a
originalidade do traçado do actual edifício, nomeadamente o das plantas,
e, nos alçados, o posterior. O edifício para além de apresentar traçado
confuso, é de uma pobreza espacial assinalável. Estes aspectos,
ponderados entre o programa dado e aquilo que pensamos ser património,
ou uma teoria de intervenção sobre o mesmo, levaram-nos a aproveitar do
actual edifício, tão somente, parte da sua «casca» e duas paredes
centrais. Fica ainda sujeita a intervenção uma antiga cave ou cisterna,
por desentulhar, dependendo isso da sua capacidade de recuperação e
adaptação. São conservados ainda pequenos vestígios de outras paredes
mais ou menos escamoteadas, como contrafortes à estrutura que se
pretende preservar.
O programa aprovado está resumido no organigrama
representado em baixo, e representa a plataforma de acordo, proposta por
nós, entre a dignidade do edifício e o que se pretende.
Houve ainda a preocupação de fazer ressaltar outros
pequenos aspectos, nomeadamente os que se enquadravam na antiga traça,
como por exemplo usar a torre sineira como circulação alternativa,
reabrindo uma porta actualmente fechada, recuperar dois arcos que se
abriram (?) sobre a escadaria, recuperar ainda através de cuidado estudo
sobre a caixilharia certos efeitos de luz, e outros aspectos de menos
importância.
Cabe ainda referir que a existência de pilares redondos
ao longo da periferia do edifício e da sua parte central é uma opção
estrutural e formal. Achámos que não deveríamos carregar as lajes sobre
as paredes existentes; por um lado, por um desconhecimento da sua
construção e conservação, que no entanto se prevê sejam pobres, por
outro, porque, aproveitando todas as paredes nos dois pisos, corríamos
riscos de desabamento das paredes ao nível superior. Ainda neste
capítulo, para a execução do remate do beiral, pensámos ser preferível a
solução apresentada, de que a seguir apresentamos o esquema.
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Cabe ainda referir que, dentro do princípio de base de
procurar soluções no espírito e da sua inicial construção, achámos
fundamental acabar com o recorte na cobertura, transformando-a num
simples e sossegado telhado de quatro águas, através da criação de uma
sacada, no prolongamento do que chamámos a Sala de Sessões, sendo
unicamente perturbada por uma janela que ilumina o sótão, ao qual é dado
novo uso.
Achámos a solução muito mais de acordo com o espírito
barroco, mais limpa e na lógica do tal eixo de simetria, bem marcado no
exterior pela torre sineira.
Nesse sentido, sentimo-nos na obrigação de conferir este
mesmo aspecto ao alçado posterior, tão incomunmente mal traçado – prova
clara de anomalias e falta de posses, na altura da construção.
Pensamos que deve ser alargado o lote da Junta de
Freguesia, suprimidas as instalações sanitárias implantadas na ocupação
escolar e arranjado o jardim.
Por último, o projecto de execução traz, como alteração,
detalhes que vão desde o desenho das caixilharias, passam pelo sistema
de iluminação natural do sótão e acabam na «guarda» da nova varanda.
Quanto à abertura do novo vão no telhado, ela resulta de
se assumir, a necessidade da luz para o sótão, por um lado, e por outro
executá-lo com clareza, assumindo essa alteração ao traçado existente.
Quanto à varanda que se acrescentou – e é correcto tê-lo
feito, pelas razões atrás apontadas – colocou-se desde sempre a
necessidade de diferenciá-la, como intervenção, do edifício existente, o
que não estava até agora totalmente conseguido. Assim, optou-se por uma
sobreposição de um pano de alvenaria, de desenho trabalhado, colocado no
plano do topo da varanda.
Resulta numa guarda com um leve efeito de parede (memória
de uma parede que nunca existiu!), mas com a transparência suficiente
para se perceber com clareza tudo o que se passa por detrás, e portanto
o seu real significado e valor relativo.
Por último, o remate superior da varanda é acabado com
uma estrutura tubular, singela guarda que volta a repor o valor simples
das coisas.
Aspectos construtivos
No seguimento posto na definição das grandes linhas de
intervenção do projecto, havia que desenvolver, com igual cuidado e
pormenor, todos os
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aspectos ligados a processos construtivos adequados e tipos de
acabamentos.
Havia que ter o conhecimento do que se fazia neste campo
à data do início da construção do edifício, do como e do porquê, mas
havia também que não procurar minimizar tal e qual esse conhecimento,
assumindo claramente a responsabilidade de uma intervenção feita nos
nossos dias, com evidente necessidade de viver no futuro.
Havia ainda de conjugar a dignidade própria indispensável
a este edifício, bem como com os custos dessa mesma dignidade; neste
aspecto (custos), fomos obrigados a reduções drásticas.
Assim, acabaram por se definir materiais de menor
nobreza, utilizando-os com sistematização, embora com cuidado de os
reduzir a proporções compatíveis. É por exemplo o caso dos lambris,
agora de moca-creme, propostos em três espaços com pequena altura,
embora a suficiente para preservar o bom aspecto e a durabilidade de um
uso intenso que estes edifícios têm.
A utilização de trabalhada caixilharia de madeira será
aplicada sob a direcção de conceitos e princípios setecentistas, embora
com claro desenho de hoje, e a utilização de envidraçados entre espaços
dá ou reforça a luminosidade dentro do edifício, enriquecendo o seu
espaço interior.
As pinturas interiores, acima dos lambris, são em tinta
de água, de cor clara, propondo-se a colocação de uma calha para
suspensão de quadros ou objectos, junto à sanca do tecto. Os pavimentos
são em mosaico cerâmico, cor de tijolo. A escada central é em moca-creme,
igual às dos lambris, bem como a reconstrução dos aros de cantaria do
alçado posterior. Todas as paredes, que se conservam do velho edifício,
deverão ser picadas até a alvenaria de pedra ficar bem visível,
perifericamente e até à profundidade de 5 cm, descarnadas para estanhar
interiormente, e rebocar a areia fina exteriormente, com o cerzitamento
consequente.
O acabamento exterior em todos os alçados é de tinta de
água branca, que deve ser aplicada com bastante cuidado, de modo a não
sujar as cantarias existentes, que aliás se prevê serem protegidas logo
desde o início da obra».
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