Acesso à hierarquia superior.

Boletim n.º 5 - Ano III - 1985

ANTIGOS PAÇOS DO EXTINTO CONCELHO

DE ESGUEIRA

 

Com a finalidade de recuperar, preservar, consolidar e valorizar o edifício setecentista que foi sede da Câmara do extinto concelho de Esgueira, pensaram os responsáveis municipais em lançar ombros às obras necessárias para tal efeito, conscientes de que, com tal deliberação, atenderiam ao rico passado histórico desta freguesia citadina, corresponderiam ao seu progressivo desenvolvimento actual e iriam ao encontro dos anseios dos seus habitantes. Encarregou-se do estudo do respectivo projecto de recuperação do edifício o Arqt. o José Maria Lopo Prata, que contou com o trabalho dos seus colaboradores Arqt.º Ângelo Centeno, Dr. Rui Tavares (levantamento e apoio histórico), Eng.º Joaquim Alves Pereira (engenheiro civil), Eng.º Valente (engenharia electrónica), Carlos José Valente e Áureo Pericão Ramos (desenho geral e especialidades).

Efectivamente, na sequência da deliberação tomada na reunião de 10 de Setembro de 1984, e depois de prolongada troca de impressões, foi decidido, por unanimidade, em nova reunião municipal de 1 de Outubro seguinte, aprovar o respectivo projecto definitivo. Na mesma ocasião, foi também deliberado aprovar, em princípio, a colocação de um painel cerâmico no interior do edifício, em lugar a definir oportunamente.

Da «Memória descritiva e justificativa» recortamos o seguinte, por julgarmos de interesse ser publicamente conhecido para esclarecimento de todos:

 

«Muitas são as dúvidas que se nos levantam, sobre a originalidade do traçado do actual edifício, nomeadamente o das plantas, e, nos alçados, o posterior. O edifício para além de apresentar traçado confuso, é de uma pobreza espacial assinalável. Estes aspectos, ponderados entre o programa dado e aquilo que pensamos ser património, ou uma teoria de intervenção sobre o mesmo, levaram-nos a aproveitar do actual edifício, tão somente, parte da sua «casca» e duas paredes centrais. Fica ainda sujeita a intervenção uma antiga cave ou cisterna, por desentulhar, dependendo isso da sua capacidade de recuperação e adaptação. São conservados ainda pequenos vestígios de outras paredes mais ou menos escamoteadas, como contrafortes à estrutura que se pretende preservar.

O programa aprovado está resumido no organigrama representado em baixo, e representa a plataforma de acordo, proposta por nós, entre a dignidade do edifício e o que se pretende.

Houve ainda a preocupação de fazer ressaltar outros pequenos aspectos, nomeadamente os que se enquadravam na antiga traça, como por exemplo usar a torre sineira como circulação alternativa, reabrindo uma porta actualmente fechada, recuperar dois arcos que se abriram (?) sobre a escadaria, recuperar ainda através de cuidado estudo sobre a caixilharia certos efeitos de luz, e outros aspectos de menos importância.

Cabe ainda referir que a existência de pilares redondos ao longo da periferia do edifício e da sua parte central é uma opção estrutural e formal. Achámos que não deveríamos carregar as lajes sobre as paredes existentes; por um lado, por um desconhecimento da sua construção e conservação, que no entanto se prevê sejam pobres, por outro, porque, aproveitando todas as paredes nos dois pisos, corríamos riscos de desabamento das paredes ao nível superior. Ainda neste capítulo, para a execução do remate do beiral, pensámos ser preferível a solução apresentada, de que a seguir apresentamos o esquema. / 68 /

Cabe ainda referir que, dentro do princípio de base de procurar soluções no espírito e da sua inicial construção, achámos fundamental acabar com o recorte na cobertura, transformando-a num simples e sossegado telhado de quatro águas, através da criação de uma sacada, no prolongamento do que chamámos a Sala de Sessões, sendo unicamente perturbada por uma janela que ilumina o sótão, ao qual é dado novo uso.

Achámos a solução muito mais de acordo com o espírito barroco, mais limpa e na lógica do tal eixo de simetria, bem marcado no exterior pela torre sineira.

Nesse sentido, sentimo-nos na obrigação de conferir este mesmo aspecto ao alçado posterior, tão incomunmente mal traçado – prova clara de anomalias e falta de posses, na altura da construção.

Pensamos que deve ser alargado o lote da Junta de Freguesia, suprimidas as instalações sanitárias implantadas na ocupação escolar e arranjado o jardim.

Por último, o projecto de execução traz, como alteração, detalhes que vão desde o desenho das caixilharias, passam pelo sistema de iluminação natural do sótão e acabam na «guarda» da nova varanda.

Quanto à abertura do novo vão no telhado, ela resulta de se assumir, a necessidade da luz para o sótão, por um lado, e por outro executá-lo com clareza, assumindo essa alteração ao traçado existente.

Quanto à varanda que se acrescentou – e é correcto tê-lo feito, pelas razões atrás apontadas – colocou-se desde sempre a necessidade de diferenciá-la, como intervenção, do edifício existente, o que não estava até agora totalmente conseguido. Assim, optou-se por uma sobreposição de um pano de alvenaria, de desenho trabalhado, colocado no plano do topo da varanda.

Resulta numa guarda com um leve efeito de parede (memória de uma parede que nunca existiu!), mas com a transparência suficiente para se perceber com clareza tudo o que se passa por detrás, e portanto o seu real significado e valor relativo.

Por último, o remate superior da varanda é acabado com uma estrutura tubular, singela guarda que volta a repor o valor simples das coisas.

 

Aspectos construtivos

No seguimento posto na definição das grandes linhas de intervenção do projecto, havia que desenvolver, com igual cuidado e pormenor, todos os / 69 / aspectos ligados a processos construtivos adequados e tipos de acabamentos.

Havia que ter o conhecimento do que se fazia neste campo à data do início da construção do edifício, do como e do porquê, mas havia também que não procurar minimizar tal e qual esse conhecimento, assumindo claramente a responsabilidade de uma intervenção feita nos nossos dias, com evidente necessidade de viver no futuro.

Havia ainda de conjugar a dignidade própria indispensável a este edifício, bem como com os custos dessa mesma dignidade; neste aspecto (custos), fomos obrigados a reduções drásticas.

Assim, acabaram por se definir materiais de menor nobreza, utilizando-os com sistematização, embora com cuidado de os reduzir a proporções compatíveis. É por exemplo o caso dos lambris, agora de moca-creme, propostos em três espaços com pequena altura, embora a suficiente para preservar o bom aspecto e a durabilidade de um uso intenso que estes edifícios têm.

A utilização de trabalhada caixilharia de madeira será aplicada sob a direcção de conceitos e princípios setecentistas, embora com claro desenho de hoje, e a utilização de envidraçados entre espaços dá ou reforça a luminosidade dentro do edifício, enriquecendo o seu espaço interior.

As pinturas interiores, acima dos lambris, são em tinta de água, de cor clara, propondo-se a colocação de uma calha para suspensão de quadros ou objectos, junto à sanca do tecto. Os pavimentos são em mosaico cerâmico, cor de tijolo. A escada central é em moca-creme, igual às dos lambris, bem como a reconstrução dos aros de cantaria do alçado posterior. Todas as paredes, que se conservam do velho edifício, deverão ser picadas até a alvenaria de pedra ficar bem visível, perifericamente e até à profundidade de 5 cm, descarnadas para estanhar interiormente, e rebocar a areia fina exteriormente, com o cerzitamento consequente.

O acabamento exterior em todos os alçados é de tinta de água branca, que deve ser aplicada com bastante cuidado, de modo a não sujar as cantarias existentes, que aliás se prevê serem protegidas logo desde o início da obra».

 

 

Página anterior

Índice Geral

Página seguinte

pp. 67-70