ALGUMAS NOTAS SOBRE
ANTECEDENTES
E COMEÇOS DO ACTUAL
COMANDO DISTRITAL
DA POLÍCIA DE SEGURANÇA
PÚBLICA
Por penhorante amabilidade do Sr. Major José de Almeida
Nolasco Pinto, que me «farejou», como comandante atento e profícuo da
actual Polícia de Segurança Pública, a tineta de «coca-bichinhos»
aveirísticos, tenho aqui, na minha frente alguns dados, com quase um
século, sobre a corporação que aquele prestante oficial vem dirigindo
com diligência.
A corporação foi criada – como, aliás, consta na elegante
plaquette-programa posta a circular no Dia do Comando Distrital de
Aveiro da Polícia de Segurança Pública, isto é, de 1 de Março passado –
como foi determinado que condignamente fosse celebrado, a partir desse
mesmo ano de 1983, por ordem de Serviço n.º 4 (1.ª Parte) de 7 de
Janeiro, do Comando Geral, e assim, subscrito pelo Sr. Brigadeiro
Almeida Bruno.
Ora eu tenho um velho carinho pela Polícia, de há perto
de setenta anos. Daqueles velhos tempos em que um polícia bigodaças, com
um terçado pendente – e que praticamente nunca usava – impunha a sua
autoridade mesmo aos «magalas» fardados que iam namoriscar as «sopeiras»
menos ariscas, quando iam à fonte encher os cântaros de água que jorrava
das três bicas da fonte dos Arcos, para os parcimoniosos usos
domésticos.
É que nem sempre se dispunham à ordem rígida das
enfadonhas bichas. E, por vezes, armavam zaragata umas com as outras, e
nem sempre estassemarimbandista guarda do giro ia por outros poisos
desenferrujar as pernas e espairecer por outras paisagens. Quando o
guarda chegava, tudo se acomodava, que o respeitinho é muito lindo! E eu
cheguei a ter como uma grande aspiração ser polícia. E mesmo façanhudo.
Para, por exemplo, não deixar o azougado e valente José Augusto pôr o pé
em ramo verde, no meio da nossa proverbial pacatez de patrasanas
comedidos.
Mas além da plaquette-programa, tenho aqui na frente
alguns elementos pictóricos dos primórdios da Polícia Civil em Aveiro,
que me parece muito útil divulgar. Aliás está suficientemente atestado
que o primeiro comissário do Corpo de Polícia Civil, criado em 1 de
Março de 1887, através de um ofício do então Governador Civil do
Distrito de Aveiro, foi o bacharel em Direito João António de Sousa. E
que comeste constituíam a respectiva comissão administrativa, Miguel
Ferreira de Araújo Soares, proprietário, morador na freguesia da
Vera-Cruz, como tesoureiro; e o Chefe da Esquadra António Moreira Soares
da Silva Belo, vindo de outras paragens e recém-colocado em Aveiro, como
secretário. Sabe-se, também, de sobejo que o novo Corpo de Polícia Civil
do Distrito de Aveiro previa um efectivo de vinte e nove elementos.
Evidentemente que, já antes de obedecer a um diploma de
âmbito nacional e de ter feição distrital, já em Aveiro existia um corpo
policial. Está mesmo no conhecimento público que nos Paços do Concelho,
setecentistas, na torre sineira, havia o chamado «sino da ronda». E que
esta fazia os noctívagos rumar para casa – ou ir até lá, onde a
vigilância com os bêbados, mais ou menos arruaceiros, já que aí o vinho
era mais barato, era muito mais branda – quando o campanário badalava o
recolher. Esse costume vinha mesmo de séculos passados, segundo escreve
o comandante Rocha e Cunha, e só era quebrado com os estrangeiros que
pernoitassem em Aveiro, com os seus navios ancorados no porto, vital e
propulsionador desde épocas recuadas. E parece que se impunha mesmo, e
chegava a roupa ao pêlo dos recalcitrantes, se fosse necessário para se
fazer obedecer.
E sabe-se também que o velho Corpo da Polícia Civil andou
por aí instalado pela Rua de José Estêvão e, depois, veio a ocupar o
prédio que faz gaveto para a Ponte-Praça e a Rua de Coimbra, ao tempo
«praça da erva», ou, embora o nome subserviente não houvesse pegado,
Praça da Princesa D. Amélia, ou por largos anos Largo do Dr. Luís
Cipriano, e agora, graças a aragens políticas
propiciatórias, Praça do General Humberto Delgado(1).
Como também não se ignora que o primeiro comissário da
Polícia, após o advento da República, foi então o tenente Costa Cabral e
que lhe sucedeu Beja da Silva; este, no apainelado do seu gabinete,
mandou substituir os símbolos heráldicos das
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republicana esfera armilar, de destoante cercadura verde-rubra. E,
acaso, haverá ainda muitas pessoas que se recordem de ocupar esse cargo
um dos cunhados que tem o signatário destas notas mal cerzidas –
Francisco Ferreira da Encarnação.
Mas, volvamos ao que importa, e aludamos, ainda que não
na íntegra, à ordem n.º 1, do primeiro comissário. Aí se lembra logo de
início, no primeiro artigo, que, pelo Regulamento Geral dos Corpos de
Polícia Civil, precisamente pelo estipulado no artigo número quarenta e
três, era expressamente proibido às praças «conversar com qualquer outra
pessoa, quando se acham em serviço, fazendo-o tão-somente quando as
exigências do mesmo serviço assim o requeriam». E logo no artigo
imediato determina que, conforme o mesmo regulamento expresso no artigo
quarenta e dois, lhes é «da mesma forma proibido entrar em tabernas,
botequins ou casas de prostituição, excepto em serviço».
Mesmo durante «as quatro horas de serviço de patrulha não
devem os guardas fazer-se acompanhar de pessoa alguma, nem mesmo outro
guarda, devendo percorrer a área que lhe for desigl1ada de forma que
haja a maior vigilância possível».
E não se esquece a mais de semi-milenária «Feira de
Março». Nessa ordem de serviço se determina expressamente que o chefe da
esquadra nomeasse «dois homens para coadjuvarem o serviço da mesma
feira». Que era então, como desde o início, no Rossio e nas artérias
afluentes para o lado dos Balcões (Arcos) e Entre-Pontes. E chegavam,
que a gente de Aveiro e do alfoz ribeirinho era cordata, mesmo que não
abdicasse da sua vertical idade cívica e da sua cidadania. Até agora
chegam, apesar de uma população mais que dobrada e crescente atracção de
gentes forasteiras, mesmo para a sonora e constituída por cada vez mais
afluentes pessoas de outras paragens, «Feira dos Vinte e Oito».
Aliás, na acta da primeira sessão da comissão
administrativa, realizada logo em 1 de Março de 1887, sem a menor perda
de tempo, pois já existia na cidade um comissariado de carácter local e
uma esquadra, que entrava na nova feição da Polícia Civil, ficou
resolvido esportular a quantia de 112$500 réis, pelas instalações a
ocupar, ao abastado comerciante Jerónimo Baptista Coelho.
Nessa mesma sessão, foi posto a concurso o fornecimento
de artigos de uniforme para as praças da corporação. E na sessão
imediata, logo no dia 9 de Março, esses vinte e nove fardamentos, «de um
casaco, um capote, um par de calça e um bonet, e mais um casaco, tudo de
mescla igual ao padrão, que se achava patente na secretaria», foi
entregue essa tarefa e o fornecimento aludido. E nada menos que «à Casa
Faria Guimarães & C.ª, da cidade do Porto», em cuja toponímia aquele
apelido figura, numa artéria de relevo na urbanização da Cidade da
Virgem. E o modelo das famosas bigodaças policiais?
Mas a P.S.P., hoje também com carácter nacional, com
ramificações, veio a ocupar o que ficou, fora a igreja e anexos, do
Convento das Carmelitas. Pouco a pouco, que as exigências foram
gradualmente
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maiores. Naquelas dependências onde hoje funciona a secretaria do
Comando – assim designado desde algum tempo depois do Vinte e Oito de
Maio – esteve instalada, largos anos, a Repartição da Fazenda Concelhia.
E cá por baixo, dentro da parte térrea do claustro, esteve, alguns
decénios, além da Tesouraria da Fazenda Pública – como tesoureiro, Sr.
Brito, e o proposto, mais conhecido, Sr. Florentino Vicente Ferreira – a
Inspecção do Círculo Escolar e também a Escola Feminina da Glória – que,
nesses tempos as crianças também tinham sexo.
Entretanto, vai-se encarando, cada vez mais
instantemente, a hipótese e a necessidade, imposta pelo progresso
constantemente mais premente, de novas instalações, talvez com carácter
de obra, propositadamente concebida, obra bastantemente ampla para
algumas décadas de anos, para o Comando Distrital e suas naturais e cada
vez mais numerosas dependências anexas. E que não fique encravado no
coração da urbe, em desenvolvimento indetível.
Eduardo Cerqueira
(falecido em 5-9-1983)
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Destas divagações do espírito em busca de melhores dias
uma coisa se salva, porém, intacta – a condenação da violência como
processo político. Em toda a hipótese chegamos à certeza – e essa
certeza constituirá um poder político de suprema importância – de que
para a prosperidade dos estados e das nações valerá sempre mais
organizar do que armar; mais se fortalecem as nações pelo
desenvolvimento e coordenação das suas relações internas e ex-ternas do
que pela invulnerabilidade restritamente militar. Nas nações como nos
indivíduos, a saúde política, como a saúde fisiológica, será mais um
facto de equilíbrio e ponderação das suas energias do que o
desenvolvimento sumo de qualquer delas, seja qual for, força militar ou
capacidade muscular.
JAIME DE MAGALHÃES LIMA
(em «Do que o fogo não queima», pág. 26)
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(1)
– Por iniciativa do Dr. Álvaro Sampaio, e para evitar o seu próprio,
chamou-se, durante uns três decénios, Praça do Engenheiro Frederico
Ulrich.
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