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Boletim n.º 4 - Ano II - 1984


ALGUMAS NOTAS SOBRE ANTECEDENTES

E COMEÇOS DO ACTUAL COMANDO DISTRITAL

DA POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA

 

 

Por penhorante amabilidade do Sr. Major José de Almeida Nolasco Pinto, que me «farejou», como comandante atento e profícuo da actual Polícia de Segurança Pública, a tineta de «coca-bichinhos» aveirísticos, tenho aqui, na minha frente alguns dados, com quase um século, sobre a corporação que aquele prestante oficial vem dirigindo com diligência.

A corporação foi criada – como, aliás, consta na elegante plaquette-programa posta a circular no Dia do Comando Distrital de Aveiro da Polícia de Segurança Pública, isto é, de 1 de Março passado – como foi determinado que condignamente fosse celebrado, a partir desse mesmo ano de 1983, por ordem de Serviço n.º 4 (1.ª Parte) de 7 de Janeiro, do Comando Geral, e assim, subscrito pelo Sr. Brigadeiro Almeida Bruno.

Ora eu tenho um velho carinho pela Polícia, de há perto de setenta anos. Daqueles velhos tempos em que um polícia bigodaças, com um terçado pendente – e que praticamente nunca usava – impunha a sua autoridade mesmo aos «magalas» fardados que iam namoriscar as «sopeiras» menos ariscas, quando iam à fonte encher os cântaros de água que jorrava das três bicas da fonte dos Arcos, para os parcimoniosos usos domésticos.

 É que nem sempre se dispunham à ordem rígida das enfadonhas bichas. E, por vezes, armavam zaragata umas com as outras, e nem sempre estassemarimbandista guarda do giro ia por outros poisos desenferrujar as pernas e espairecer por outras paisagens. Quando o guarda chegava, tudo se acomodava, que o respeitinho é muito lindo! E eu cheguei a ter como uma grande aspiração ser polícia. E mesmo façanhudo. Para, por exemplo, não deixar o azougado e valente José Augusto pôr o pé em ramo verde, no meio da nossa proverbial pacatez de patrasanas comedidos.

Mas além da plaquette-programa, tenho aqui na frente alguns elementos pictóricos dos primórdios da Polícia Civil em Aveiro, que me parece muito útil divulgar. Aliás está suficientemente atestado que o primeiro comissário do Corpo de Polícia Civil, criado em 1 de Março de 1887, através de um ofício do então Governador Civil do Distrito de Aveiro, foi o bacharel em Direito João António de Sousa. E que comeste constituíam a respectiva comissão administrativa, Miguel Ferreira de Araújo Soares, proprietário, morador na freguesia da Vera-Cruz, como tesoureiro; e o Chefe da Esquadra António Moreira Soares da Silva Belo, vindo de outras paragens e recém-colocado em Aveiro, como secretário. Sabe-se, também, de sobejo que o novo Corpo de Polícia Civil do Distrito de Aveiro previa um efectivo de vinte e nove elementos.

Evidentemente que, já antes de obedecer a um diploma de âmbito nacional e de ter feição distrital, já em Aveiro existia um corpo policial. Está mesmo no conhecimento público que nos Paços do Concelho, setecentistas, na torre sineira, havia o chamado «sino da ronda». E que esta fazia os noctívagos rumar para casa – ou ir até lá, onde a vigilância com os bêbados, mais ou menos arruaceiros, já que aí o vinho era mais barato, era muito mais branda – quando o campanário badalava o recolher. Esse costume vinha mesmo de séculos passados, segundo escreve o comandante Rocha e Cunha, e só era quebrado com os estrangeiros que pernoitassem em Aveiro, com os seus navios ancorados no porto, vital e propulsionador desde épocas recuadas. E parece que se impunha mesmo, e chegava a roupa ao pêlo dos recalcitrantes, se fosse necessário para se fazer obedecer.

E sabe-se também que o velho Corpo da Polícia Civil andou por aí instalado pela Rua de José Estêvão e, depois, veio a ocupar o prédio que faz gaveto para a Ponte-Praça e a Rua de Coimbra, ao tempo «praça da erva», ou, embora o nome subserviente não houvesse pegado, Praça da Princesa D. Amélia, ou por largos anos Largo do Dr. Luís Cipriano, e agora, graças a aragens políticas propiciatórias, Praça do General Humberto Delgado(1).

Como também não se ignora que o primeiro comissário da Polícia, após o advento da República, foi então o tenente Costa Cabral e que lhe sucedeu Beja da Silva; este, no apainelado do seu gabinete, mandou substituir os símbolos heráldicos das / 36 / carmelitas pela republicana esfera armilar, de destoante cercadura verde-rubra. E, acaso, haverá ainda muitas pessoas que se recordem de ocupar esse cargo um dos cunhados que tem o signatário destas notas mal cerzidas – Francisco Ferreira da Encarnação.

Mas, volvamos ao que importa, e aludamos, ainda que não na íntegra, à ordem n.º 1, do primeiro comissário. Aí se lembra logo de início, no primeiro artigo, que, pelo Regulamento Geral dos Corpos de Polícia Civil, precisamente pelo estipulado no artigo número quarenta e três, era expressamente proibido às praças «conversar com qualquer outra pessoa, quando se acham em serviço, fazendo-o tão-somente quando as exigências do mesmo serviço assim o requeriam». E logo no artigo imediato determina que, conforme o mesmo regulamento expresso no artigo quarenta e dois, lhes é «da mesma forma proibido entrar em tabernas, botequins ou casas de prostituição, excepto em serviço».

Mesmo durante «as quatro horas de serviço de patrulha não devem os guardas fazer-se acompanhar de pessoa alguma, nem mesmo outro guarda, devendo percorrer a área que lhe for desigl1ada de forma que haja a maior vigilância possível».

E não se esquece a mais de semi-milenária «Feira de Março». Nessa ordem de serviço se determina expressamente que o chefe da esquadra nomeasse «dois homens para coadjuvarem o serviço da mesma feira». Que era então, como desde o início, no Rossio e nas artérias afluentes para o lado dos Balcões (Arcos) e Entre-Pontes. E chegavam, que a gente de Aveiro e do alfoz ribeirinho era cordata, mesmo que não abdicasse da sua vertical idade cívica e da sua cidadania. Até agora chegam, apesar de uma população mais que dobrada e crescente atracção de gentes forasteiras, mesmo para a sonora e constituída por cada vez mais afluentes pessoas de outras paragens, «Feira dos Vinte e Oito».

Aliás, na acta da primeira sessão da comissão administrativa, realizada logo em 1 de Março de 1887, sem a menor perda de tempo, pois já existia na cidade um comissariado de carácter local e uma esquadra, que entrava na nova feição da Polícia Civil, ficou resolvido esportular a quantia de 112$500 réis, pelas instalações a ocupar, ao abastado comerciante Jerónimo Baptista Coelho.

Nessa mesma sessão, foi posto a concurso o fornecimento de artigos de uniforme para as praças da corporação. E na sessão imediata, logo no dia 9 de Março, esses vinte e nove fardamentos, «de um casaco, um capote, um par de calça e um bonet, e mais um casaco, tudo de mescla igual ao padrão, que se achava patente na secretaria», foi entregue essa tarefa e o fornecimento aludido. E nada menos que «à Casa Faria Guimarães & C.ª, da cidade do Porto», em cuja toponímia aquele apelido figura, numa artéria de relevo na urbanização da Cidade da Virgem. E o modelo das famosas bigodaças policiais?

Mas a P.S.P., hoje também com carácter nacional, com ramificações, veio a ocupar o que ficou, fora a igreja e anexos, do Convento das Carmelitas. Pouco a pouco, que as exigências foram gradualmente / 37 / maiores. Naquelas dependências onde hoje funciona a secretaria do Comando – assim designado desde algum tempo depois do Vinte e Oito de Maio – esteve instalada, largos anos, a Repartição da Fazenda Concelhia. E cá por baixo, dentro da parte térrea do claustro, esteve, alguns decénios, além da Tesouraria da Fazenda Pública – como tesoureiro, Sr. Brito, e o proposto, mais conhecido, Sr. Florentino Vicente Ferreira – a Inspecção do Círculo Escolar e também a Escola Feminina da Glória – que, nesses tempos as crianças também tinham sexo.

Entretanto, vai-se encarando, cada vez mais instantemente, a hipótese e a necessidade, imposta pelo progresso constantemente mais premente, de novas instalações, talvez com carácter de obra, propositadamente concebida, obra bastantemente ampla para algumas décadas de anos, para o Comando Distrital e suas naturais e cada vez mais numerosas dependências anexas. E que não fique encravado no coração da urbe, em desenvolvimento indetível.

Eduardo Cerqueira

(falecido em 5-9-1983)

 

 


Destas divagações do espírito em busca de melhores dias uma coisa se salva, porém, intacta – a condenação da violência como processo político. Em toda a hipótese chegamos à certeza – e essa certeza constituirá um poder político de suprema importância – de que para a prosperidade dos estados e das nações valerá sempre mais organizar do que armar; mais se fortalecem as nações pelo desenvolvimento e coordenação das suas relações internas e ex-ternas do que pela invulnerabilidade restritamente militar. Nas nações como nos indivíduos, a saúde política, como a saúde fisiológica, será mais um facto de equilíbrio e ponderação das suas energias do que o desenvolvimento sumo de qualquer delas, seja qual for, força militar ou capacidade muscular.

JAIME DE MAGALHÃES LIMA

(em «Do que o fogo não queima», pág. 26)

 

 

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(1) – Por iniciativa do Dr. Álvaro Sampaio, e para evitar o seu próprio, chamou-se, durante uns três decénios, Praça do Engenheiro Frederico Ulrich.

 

 

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