AS SALINAS
DE AVEIRO E O SEU
INTERESSE
POTENCIAL EM AQUACULTURA
Um dos estudos iniciados em fins de 1982, por
colaboradores do Instituto de Zoologia e Estação de Zoologia Marítima
«Dr. Augusto Nobre», diz respeito às salinas de Aveiro – características
ecológicas e suas potencialidades em Aquacultura.
Trata-se de um estudo que poderá ter um grande impacto na
região, visto que, estando a exploração do sal em declínio, poderá
eventualmente ser apresentada uma alternativa a essa exploração, quiçá
mais rentável do que ela.
De facto, em Aveiro, só cerca de 1/3 das salinas
existentes estão actualmente em laboração, devido, em grande parte aos
grandes custos da mão-de-obra, que não são compensados pelo valor do sal
que delas se extrai.
Há pois que pensar numa gestão mais eficaz das salinas –
ou conseguindo aumentar a produção de sal sem aumento da mão-de-obra, ou
reconvertendo-as, transformando-as em tanques de culturas de peixes e
invertebrados.
Seja qual for o objectivo, qualquer trabalho tem que se
iniciar pelo estudo das características ecológicas das salinas, para em
seguida se proceder a uma biomanipulação adequada – ou tendo em vista,
exclusivamente, o seu aproveitamento em aquacultura, ou os dois casos
simultaneamente.
Uma salina é constituída por vários grupos de tanques
interligados – tanques de alimentação, de evaporação e de cristalização
– tendo cada conjunto características próprias, e variáveis conforme a
época do ano.
A evolução de uma salina ao longo do ano depende
grandemente das condições climáticas, em especial de temperatura e de
precipitação.
Assim, na nossa região, há um período de actividade, que
vai desde a Primavera (Março-Abril) até ao Outono (meados de Setembro),
e um período de repouso compreendido entre o Outono e a Primavera – o
primeiro com temperaturas mais altas e menor pluviosidade do que o
segundo.
No início do período de actividade, a salina é esvaziada
e os fundos são limpos. Esta limpeza dura até fins de Junho, altura que
a salina está preparada para receber a água.
A entrada da água, no tanque de alimentação, faz-se
quinzenalmente, procurando-se que coincida com uma maré-viva.
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32 / Do tanque de alimentação, a água
passa, por gravidade, para os tanques de evaporação, e destes para os
cristalizadores.
No caso das salinas de Aveiro, como elas têm uma produção
contínua de sal, a água entra nos cristalizadores de 3 em 3 dias.
Durante este período de produção de sal, a água, no
tanque de alimentação, tem uma profundidade de 20 a 50 cm, e a sua
salinidade não ultrapassa, normalmente, 50%.
Nos tanques de evaporação, a água tem uma profundidade de
5 a 8 cm, sendo a salinidade compreendida entre 50 e 220%.
Finalmente, nos tanques de cristalização, a água tem uma
profundidade extremamente pequena, de cerca de 2 cm, e a salinidade é
superior a 220%. É aí que se dá a deposição do cloreto de sódio.
Se, durante o período de produção de sal, a salina é um
meio hiper-salino, no período de repouso ela é um meio salobro.
De facto, no final da faina da extracção do sal, as
comportas são abertas, e a água do mar entra livremente e banha todos os
tanques, nos quais a salinidade baixa para valores nunca superiores aos
da água do mar.
Também, durante esse período de repouso, a profundidade
da água é maior, especialmente nos cristalizadores, por se encontrarem
num nível mais baixo.
Enquanto, durante o período de actividade, os factores
ambientais, particularmente a salinidade, se apresentam muito variáveis
e fortemente limitativos, durante o período de repouso esses mesmos
factores apresentam valores mais estáveis e mais compatíveis com a vida.
Assim, durante o período de actividade, o número de
espécies sofre uma redução, sendo particularmente pequeno nos
cristalizadores.
Mas a função dos organismos que resistem a estas
condições adversas é de extrema importância na produção do sal. Trata-se
do crustáceo vulgarmente conhecido por camarão das salinas (Artemia
sp.) e de bactérias que dão uma cor avermelhada à água.
O camarão das salinas existe em grande abundância nos
tanques de evaporação, graças à não existência, aí, dos seus predadores.
Mas, ao passar para os tanques de cristalização, morre, por penetrar num
meio cuja salinidade é superior ao seu limite de tolerância. A grande
quantidade de matéria orgânica morta daí resultante vai desencadear um
incremento das bactérias atrás referidas, que, absorvendo grande
quantidade de luz, facilitam a evaporação da água e portanto a formação
do sal.
A artémia, além de desempenhar um papel relevante na
produção de sal, tem um interesse especial em aquacultura, interesse
esse que resulta de:
. Ter um alto valor nutritivo.
. Resistir a condições desfavoráveis do meio sob a forma
de quistos, que eclodem quando as condições ambientais se tornam
compatíveis com a sua vida activa.
Estes quistos, recolhidos e devidamente tratados, podem
manter-se armazenados durante vários anos. Basta hidratá-los em
condições favoráveis de temperatura, salinidade, luz e oxigenação, para
que se dê a sua eclosão.
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. Resistir a altos valores de salinidade, podendo
manter-se em locais onde os outros organismos não se encontram, e assim
atingir altas densidades.
Estas características levam a que seja muito usada como
alimento das primeiras fases larvares de peixes e crustáceos
estabulados, para os quais o consumo de alimento vivo é essencial.
Como está previsto que a produção mundial através da
aquacultura duplicará dentro de 10 anos, e que terá um aumento de 5 a 10
vezes na viragem do século, a necessidade de aumentar a produção de
artémia é indiscutível.
Isso é possível concretizar, procedendo a culturas
intensivas e extensivas.
As primeiras realizam-se em circuitos fechados,
utilizando tanques cobertos, com capacidade de 1 m3, 3 m3 ou 5 m3,
munidos de um sistema de circulação de água e de arejamento, e ligados a
separadores, onde são acumulados todos os detritos que se formam na
cultura.
O alimento, fornecido automaticamente, pode ser
constituído por farelo de arroz micronizado, pó de algas, micro-algas
vivas, etc.
Nestas condições, 10 gr. de quistos podem ser convertidos
em 2 Kg. de artémia em duas semanas.
A cultura extensiva pratica-se em salinas, que podem
estar em laboração (usando neste caso, os tanques de evaporação) ou
abandonadas.
Essas salinas precisam de ser submetidas a um tratamento
conveniente, como seja uma fertilização por nutrientes tendo por
objectivo um aumento de micro-algas, o que significa uma boa quantidade
de alimento disponível, o qual permitirá uma apreciável produção de
artémia. Porém, esta fertilização deve ser feita criteriosamente para
desencadear o aumento daquelas micro-algas convenientes para a artémia.
A fertilização das salinas não só beneficia a produção de
artémia, como também de outros animais que normalmente se encontram
neste curioso meio, muitos deles de interesse económico.
Tal actuação poderá ter em vista o incremento de moluscos
bivalves (tais como amêijoa, berbigão), de crustáceos (camarão,
caranguejo) e de peixes (enguia. tainha, robalo, dourada, etc.).
Em conclusão, parece-nos poder afirmar, pelo que já
conhecemos das salinas, que será possível, através de uma conveniente
preparação das mesmas, aumentar a produção de sal e a sua produtividade
secundária, não só pela cultura extensiva de espécies indígenas, como
também, eventualmente, de espécies introduzidas.
Haja em vista que, considerando só a produção de artémia,
uma salina pode produzir cerca de 5 Kg de peso fresco de
artémia/ha/semana.
Maria Helena Serôdio Galhano
(Professora da Faculdade de Ciências – Porto)
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