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Boletim n.º 4 - Ano II - 1984


AS SALINAS

DE AVEIRO E O SEU INTERESSE

POTENCIAL EM AQUACULTURA

 

 

Um dos estudos iniciados em fins de 1982, por colaboradores do Instituto de Zoologia e Estação de Zoologia Marítima «Dr. Augusto Nobre», diz respeito às salinas de Aveiro – características ecológicas e suas potencialidades em Aquacultura.

Trata-se de um estudo que poderá ter um grande impacto na região, visto que, estando a exploração do sal em declínio, poderá eventualmente ser apresentada uma alternativa a essa exploração, quiçá mais rentável do que ela.

De facto, em Aveiro, só cerca de 1/3 das salinas existentes estão actualmente em laboração, devido, em grande parte aos grandes custos da mão-de-obra, que não são compensados pelo valor do sal que delas se extrai.

Há pois que pensar numa gestão mais eficaz das salinas – ou conseguindo aumentar a produção de sal sem aumento da mão-de-obra, ou reconvertendo-as, transformando-as em tanques de culturas de peixes e invertebrados.

Seja qual for o objectivo, qualquer trabalho tem que se iniciar pelo estudo das características ecológicas das salinas, para em seguida se proceder a uma biomanipulação adequada – ou tendo em vista, exclusivamente, o seu aproveitamento em aquacultura, ou os dois casos simultaneamente.

Uma salina é constituída por vários grupos de tanques interligados – tanques de alimentação, de evaporação e de cristalização – tendo cada conjunto características próprias, e variáveis conforme a época do ano.

A evolução de uma salina ao longo do ano depende grandemente das condições climáticas, em especial de temperatura e de precipitação.

Assim, na nossa região, há um período de actividade, que vai desde a Primavera (Março-Abril) até ao Outono (meados de Setembro), e um período de repouso compreendido entre o Outono e a Primavera – o primeiro com temperaturas mais altas e menor pluviosidade do que o segundo.

No início do período de actividade, a salina é esvaziada e os fundos são limpos. Esta limpeza dura até fins de Junho, altura que a salina está preparada para receber a água.

A entrada da água, no tanque de alimentação, faz-se quinzenalmente, procurando-se que coincida com uma maré-viva.

 / 32 / Do tanque de alimentação, a água passa, por gravidade, para os tanques de evaporação, e destes para os cristalizadores.

No caso das salinas de Aveiro, como elas têm uma produção contínua de sal, a água entra nos cristalizadores de 3 em 3 dias.

Durante este período de produção de sal, a água, no tanque de alimentação, tem uma profundidade de 20 a 50 cm, e a sua salinidade não ultrapassa, normalmente, 50%.

Nos tanques de evaporação, a água tem uma profundidade de 5 a 8 cm, sendo a salinidade compreendida entre 50 e 220%.

Finalmente, nos tanques de cristalização, a água tem uma profundidade extremamente pequena, de cerca de 2 cm, e a salinidade é superior a 220%. É aí que se dá a deposição do cloreto de sódio.

Se, durante o período de produção de sal, a salina é um meio hiper-salino, no período de repouso ela é um meio salobro.

De facto, no final da faina da extracção do sal, as comportas são abertas, e a água do mar entra livremente e banha todos os tanques, nos quais a salinidade baixa para valores nunca superiores aos da água do mar.

Também, durante esse período de repouso, a profundidade da água é maior, especialmente nos cristalizadores, por se encontrarem num nível mais baixo.

Enquanto, durante o período de actividade, os factores ambientais, particularmente a salinidade, se apresentam muito variáveis e fortemente limitativos, durante o período de repouso esses mesmos factores apresentam valores mais estáveis e mais compatíveis com a vida.

Assim, durante o período de actividade, o número de espécies sofre uma redução, sendo particularmente pequeno nos cristalizadores.

Mas a função dos organismos que resistem a estas condições adversas é de extrema importância na produção do sal. Trata-se do crustáceo vulgarmente conhecido por camarão das salinas (Artemia sp.) e de bactérias que dão uma cor avermelhada à água.

O camarão das salinas existe em grande abundância nos tanques de evaporação, graças à não existência, aí, dos seus predadores. Mas, ao passar para os tanques de cristalização, morre, por penetrar num meio cuja salinidade é superior ao seu limite de tolerância. A grande quantidade de matéria orgânica morta daí resultante vai desencadear um incremento das bactérias atrás referidas, que, absorvendo grande quantidade de luz, facilitam a evaporação da água e portanto a formação do sal.

A artémia, além de desempenhar um papel relevante na produção de sal, tem um interesse especial em aquacultura, interesse esse que resulta de:

. Ter um alto valor nutritivo.

. Resistir a condições desfavoráveis do meio sob a forma de quistos, que eclodem quando as condições ambientais se tornam compatíveis com a sua vida activa.

Estes quistos, recolhidos e devidamente tratados, podem manter-se armazenados durante vários anos. Basta hidratá-los em condições favoráveis de temperatura, salinidade, luz e oxigenação, para que se dê a sua eclosão. / 33 /

. Resistir a altos valores de salinidade, podendo manter-se em locais onde os outros organismos não se encontram, e assim atingir altas densidades.

Estas características levam a que seja muito usada como alimento das primeiras fases larvares de peixes e crustáceos estabulados, para os quais o consumo de alimento vivo é essencial.

Como está previsto que a produção mundial através da aquacultura duplicará dentro de 10 anos, e que terá um aumento de 5 a 10 vezes na viragem do século, a necessidade de aumentar a produção de artémia é indiscutível.

Isso é possível concretizar, procedendo a culturas intensivas e extensivas.

As primeiras realizam-se em circuitos fechados, utilizando tanques cobertos, com capacidade de 1 m3, 3 m3 ou 5 m3, munidos de um sistema de circulação de água e de arejamento, e ligados a separadores, onde são acumulados todos os detritos que se formam na cultura.

O alimento, fornecido automaticamente, pode ser constituído por farelo de arroz micronizado, pó de algas, micro-algas vivas, etc.

Nestas condições, 10 gr. de quistos podem ser convertidos em 2 Kg. de artémia em duas semanas.

A cultura extensiva pratica-se em salinas, que podem estar em laboração (usando neste caso, os tanques de evaporação) ou abandonadas.

Essas salinas precisam de ser submetidas a um tratamento conveniente, como seja uma fertilização por nutrientes tendo por objectivo um aumento de micro-algas, o que significa uma boa quantidade de alimento disponível, o qual permitirá uma apreciável produção de artémia. Porém, esta fertilização deve ser feita criteriosamente para desencadear o aumento daquelas micro-algas convenientes para a artémia.

A fertilização das salinas não só beneficia a produção de artémia, como também de outros animais que normalmente se encontram neste curioso meio, muitos deles de interesse económico.

Tal actuação poderá ter em vista o incremento de moluscos bivalves (tais como amêijoa, berbigão), de crustáceos (camarão, caranguejo) e de peixes (enguia. tainha, robalo, dourada, etc.).

Em conclusão, parece-nos poder afirmar, pelo que já conhecemos das salinas, que será possível, através de uma conveniente preparação das mesmas, aumentar a produção de sal e a sua produtividade secundária, não só pela cultura extensiva de espécies indígenas, como também, eventualmente, de espécies introduzidas.

Haja em vista que, considerando só a produção de artémia, uma salina pode produzir cerca de 5 Kg de peso fresco de artémia/ha/semana.

Maria Helena Serôdio Galhano

(Professora da Faculdade de Ciências – Porto)


 

 

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