UM MANUSCRITO INÉDITO
SOBRE EIXO
Em tempos de procura de uma necessária e justa
regionalização, que, bem entendida e devidamente concretizada, poderá
contribuir para evitar ou minimizar os perigos da concentração na
capital de todos os valores de um povo, parece-nos compreensível e mais
que justificada a publicação da MEMÓRIA DE EIXO, que Venâncio Dias de
Figueiredo Vieira escreveu há mais de cem anos e que, apesar do seu
evidente interesse regional, tem permanecido inédita.
O Dr. Carlos Vidal Coelho de Magalhães refere-se, no
Arquivo do Distrito de Aveiro, 1960, pp. 243-290, a esta Memória
como sendo um dos três trabalhos fundamentais para a história da antiga
Vila de Eixo e cita-a com grande frequência e total confiança.
A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira,
volume XXXV, p. 254, apresenta o nome de Venâncio Figueiredo Vieira,
revela exclusivamente a sua competência de «técnico agrícola» e,
confessando desconhecer «circunstâncias pessoais», atribui-lhe apenas a
publicação do livro «Arborização Prática ou Reprodução das Árvores de
Fruto por meio de Semente, Estaca, Enxerto, etc. – Porto 1972.
Ao introduzir a leitura desta Memória, é nossa intenção
começar por referir os aspectos pessoais do seu autor, pelo menos
aqueles que nos foi possível conhecer de fonte segura, quer consultando
o arquivo familiar da sua casa de Eixo, entregue presentemente à guarda
de suas bisnetas D. Maria José e D. Maria Luísa Dias Leite, quer tendo
em conta certos dados genealógicos das principais famílias de Eixo,
designadamente aqueles que vêm publicados no livro Lima Vidal no seu
tempo, vol. III, 1974.
Venâncio Dia de Figueiredo Vieira nasceu em Eixo, no dia
11 de Maio de 1819, e era filho do Dr. José Dias Vieira e de D. Joana
Maria das Neves.
Casou com D. Mariana Lúcia de Azevedo Leite, que era
filha de Joaquim António Leite, último capitão-mor de Santarém, e de
Joana Perpétua da Piedade de Araújo Leite.
Na sua linha ascendente, vamos encontrar os nomes de
Domingos Gonçalves (Alfaiate), que era natural de Perosinho, Vila Nova
de Gaia, e casou com Maria da Assunção de Figueiredo, e também os de
António Francisco, o «Repas», natural de Oleiros, Vila da Feira, casado
com Maria Rodrigues. Cita-se ainda o nome do filho deste casal, Ascenso
Gonçalves de Figueiredo, que casou em Eixo, no dia 29 de Junho de 1713,
com Sebastiana Inês Rodrigues de cujo matrimónio houve 14 descendentes
directos.
Como Jaime de Magalhães Lima, filho de seu conterrâneo,
Sebastião de Carvalho Lima, também Venâncio de Figueiredo Vieira poderia
dizer: «Em Eixo habitaram e se multiplicaram os meus antepassados, no
correr de cerca de três séculos, querendo a tradição que o meu quarto
avô fosse estrangeiro, sem todavia lhe designar a nacionalidade. Teria
sido esse homem, e isso leva a crer que veio de fora, teria sido ele que
fundou e exerceu na vila a indústria dos artefactos de cobre que se
propagou e prosperou, e que os filhos e netos continuaram até ao meado
do século XIX. Este meu quarto avô foi povoador notabilíssimo; teve
filhos sem conta e parece que só em um dia casou na localidade cinco
filhas, o que me instituiu parente declarado de metade da freguesia, que
tem apenas cerca de duas mil almas».
(1)
Do seu casamento surgiu uma família numerosa de 9 filhos,
o mais novo dos quais foi Maria Gracinda, que nasceu em 1863 e veio a
ser mãe do Coronel-Aviador António Dias Leite, que, além de oficial
distinto, chegou a desempenhar as funções de Governador Civil do
Distrito de Aveiro, de Março de 1950 a Abril de 1954.
O Coronel António Dias Leite foi pai de três filhos ainda
vivos e residentes em Eixo: João Dias Leite, casado com D. Maria José
Freire de Uma e pai de 5 filhos; D. Maria José Dias Leite e D. Maria
Luísa Dias Leite, viúva de João Augusto Cabral de Andrade e mãe de Paula
Francisca.
Uma palavra de especial reconhecimento é devida a D.
Maria Luísa, que, pelo seu amor aos / 29 /
assuntos históricos e às coisas familiares, redescobriu o original do
manuscrito desta Memória e proporcionou a presente publicação.
Venâncio Dias de Figueiredo Vieira fez a sua formatura em
Direito na Universidade de Coimbra, no dia 27 de Junho de 1845, tendo
sido aprovado némine discrepante.
Dentre as funções públicas que exerceu, sabemos que foi
Presidente da Junta de Eixo, designadamente em 1878 e 1881.
A sua competência agrícola é atestada tanto pela
publicação da obra já acima referida, como pelo desenvolvimento dado
nesta Memória ao estudo dos terrenos, das culturas e da lavoura da sua
freguesia natal, como ainda pela análise dos livros e apontamentos que
documentam a administração da sua própria e abastada casa agrícola.
No estudo e redacção da Memória de Eixo, que ofereceu aos
vindouros, por achar que não interessava aos seus contemporâneos,
confessa não ter sido movido pelo amor da glória, nem pela ostentação da
Ciência, nem pelo interesse pessoal, mas pelo amor filial à terra em que
nascera e também para denunciar a demolição de monumentos locais de
reconhecida antiguidade.
A Memória, escrita em folhas de 30x21 centímetros,
apresenta uma caligrafia legível, regular e agradável, contendo 101
folhas, preenchidas só de um lado.
Marques Gomes, apelidando o Dr. Venâncio de Figueiredo
como «um dos nossos mais notáveis e profundos antiquários» e confessando
ter-se servido dos seus «eruditos apontamentos» para descrever a
freguesia de Eixo, afirma o seguinte: – «Há dele uma Memória sobre a
Vila de Eixo, que a sua modéstia não tem agora consentido que veja a
luz da publicidade; do seu merecimento há-de dizer bem alto o mundo das
letras, quando um dia conseguir conhecê-la» (O Districto de Aveiro,
1877, pág. 171).
Por dados da Memória – como quando se refere a D.
Sebastião da Anunciação Gomes de Lemos, bispo resignatário de Angola,
falecido em 1869 («Etimologia de Eixo»), que o autor parece dá-lo
como vivo, e sobretudo quando fala da feira mensal de Eixo, iniciada em
3 de Outubro de 1855, que «dura há treze anos – conclui-se que o
manuscrito, cujo prólogo não tem data, foi substancialmente redigido em
1868-69; por outro lado, não há qualquer dúvida de que estava
praticamente concluído muito antes de 1877, pois já Marques Gomes dava
notícia da sua existência – conforme vimos no mencionado livro O
Districto de Aveiro, saído do prelo nesse ano.
Mais uma nota. Lendo o que Pinho Leal escreveu sobre Eixo
no Volume III do Portugal Antigo e Moderno (Lisboa, 1874) e
confrontando os dois textos, tão semelhantes, também poderemos
facilmente pensar que o Dr. Venâncio de Figueiredo teria fornecido a
Pinho Leal os elementos que, no seu trabalho de investigador, já havia
coligido.
Num outro manuscrito à Memória – «Das pessoas mais
notáveis que morreram em Eixo desde 1828 até 1901» – a partir de
Fevereiro de 1891 aparece caligrafia diferente, sinal de que esta não é
do mesmo autor, que viria a falecer em Eixo no dia 9 de Abril de 1894.
Mons. Aníbal Marques Ramos
Padre João Gonçalves Gaspar
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(1) – In «Os povos do Baixo Vouga», edição das Câmaras
Municipais de Ílhavo e Murtosa e da Comissão Municipal de Turismo da
Torreira, 1968.
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