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Boletim n.º 3 - Ano II - 1984

UM MANUSCRITO INÉDITO SOBRE EIXO

Em tempos de procura de uma necessária e justa regionalização, que, bem entendida e devidamente concretizada, poderá contribuir para evitar ou minimizar os perigos da concentração na capital de todos os valores de um povo, parece-nos compreensível e mais que justificada a publicação da MEMÓRIA DE EIXO, que Venâncio Dias de Figueiredo Vieira escreveu há mais de cem anos e que, apesar do seu evidente interesse regional, tem permanecido inédita.

O Dr. Carlos Vidal Coelho de Magalhães refere-se, no Arquivo do Distrito de Aveiro, 1960, pp. 243-290, a esta Memória como sendo um dos três trabalhos fundamentais para a história da antiga Vila de Eixo e cita-a com grande frequência e total confiança.

A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, volume XXXV, p. 254, apresenta o nome de Venâncio Figueiredo Vieira, revela exclusivamente a sua competência de «técnico agrícola» e, confessando desconhecer «circunstâncias pessoais», atribui-lhe apenas a publicação do livro «Arborização Prática ou Reprodução das Árvores de Fruto por meio de Semente, Estaca, Enxerto, etc. – Porto 1972.

Ao introduzir a leitura desta Memória, é nossa intenção começar por referir os aspectos pessoais do seu autor, pelo menos aqueles que nos foi possível conhecer de fonte segura, quer consultando o arquivo familiar da sua casa de Eixo, entregue presentemente à guarda de suas bisnetas D. Maria José e D. Maria Luísa Dias Leite, quer tendo em conta certos dados genealógicos das principais famílias de Eixo, designadamente aqueles que vêm publicados no livro Lima Vidal no seu tempo, vol. III, 1974.

Venâncio Dia de Figueiredo Vieira nasceu em Eixo, no dia 11 de Maio de 1819, e era filho do Dr. José Dias Vieira e de D. Joana Maria das Neves.

Casou com D. Mariana Lúcia de Azevedo Leite, que era filha de Joaquim António Leite, último capitão-mor de Santarém, e de Joana Perpétua da Piedade de Araújo Leite.

Na sua linha ascendente, vamos encontrar os nomes de Domingos Gonçalves (Alfaiate), que era natural de Perosinho, Vila Nova de Gaia, e casou com Maria da Assunção de Figueiredo, e também os de António Francisco, o «Repas», natural de Oleiros, Vila da Feira, casado com Maria Rodrigues. Cita-se ainda o nome do filho deste casal, Ascenso Gonçalves de Figueiredo, que casou em Eixo, no dia 29 de Junho de 1713, com Sebastiana Inês Rodrigues de cujo matrimónio houve 14 descendentes directos.

Como Jaime de Magalhães Lima, filho de seu conterrâneo, Sebastião de Carvalho Lima, também Venâncio de Figueiredo Vieira poderia dizer: «Em Eixo habitaram e se multiplicaram os meus antepassados, no correr de cerca de três séculos, querendo a tradição que o meu quarto avô fosse estrangeiro, sem todavia lhe designar a nacionalidade. Teria sido esse homem, e isso leva a crer que veio de fora, teria sido ele que fundou e exerceu na vila a indústria dos artefactos de cobre que se propagou e prosperou, e que os filhos e netos continuaram até ao meado do século XIX. Este meu quarto avô foi povoador notabilíssimo; teve filhos sem conta e parece que só em um dia casou na localidade cinco filhas, o que me instituiu parente declarado de metade da freguesia, que tem apenas cerca de duas mil almas». (1)

Do seu casamento surgiu uma família numerosa de 9 filhos, o mais novo dos quais foi Maria Gracinda, que nasceu em 1863 e veio a ser mãe do Coronel-Aviador António Dias Leite, que, além de oficial distinto, chegou a desempenhar as funções de Governador Civil do Distrito de Aveiro, de Março de 1950 a Abril de 1954.

O Coronel António Dias Leite foi pai de três filhos ainda vivos e residentes em Eixo: João Dias Leite, casado com D. Maria José Freire de Uma e pai de 5 filhos; D. Maria José Dias Leite e D. Maria Luísa Dias Leite, viúva de João Augusto Cabral de Andrade e mãe de Paula Francisca.

 

Uma palavra de especial reconhecimento é devida a D. Maria Luísa, que, pelo seu amor aos / 29 / assuntos históricos e às coisas familiares, redescobriu o original do manuscrito desta Memória e proporcionou a presente publicação.

Venâncio Dias de Figueiredo Vieira fez a sua formatura em Direito na Universidade de Coimbra, no dia 27 de Junho de 1845, tendo sido aprovado némine discrepante.

Dentre as funções públicas que exerceu, sabemos que foi Presidente da Junta de Eixo, designadamente em 1878 e 1881.

A sua competência agrícola é atestada tanto pela publicação da obra já acima referida, como pelo desenvolvimento dado nesta Memória ao estudo dos terrenos, das culturas e da lavoura da sua freguesia natal, como ainda pela análise dos livros e apontamentos que documentam a administração da sua própria e abastada casa agrícola.

No estudo e redacção da Memória de Eixo, que ofereceu aos vindouros, por achar que não interessava aos seus contemporâneos, confessa não ter sido movido pelo amor da glória, nem pela ostentação da Ciência, nem pelo interesse pessoal, mas pelo amor filial à terra em que nascera e também para denunciar a demolição de monumentos locais de reconhecida antiguidade.

A Memória, escrita em folhas de 30x21 centímetros, apresenta uma caligrafia legível, regular e agradável, contendo 101 folhas, preenchidas só de um lado.

Marques Gomes, apelidando o Dr. Venâncio de Figueiredo como «um dos nossos mais notáveis e profundos antiquários» e confessando ter-se servido dos seus «eruditos apontamentos» para descrever a freguesia de Eixo, afirma o seguinte: – «Há dele uma Memória sobre a Vila de Eixo, que a sua modéstia não tem agora consentido que veja a luz da publicidade; do seu merecimento há-de dizer bem alto o mundo das letras, quando um dia conseguir conhecê-la» (O Districto de Aveiro, 1877, pág. 171).

Por dados da Memória – como quando se refere a D. Sebastião da Anunciação Gomes de Lemos, bispo resignatário de Angola, falecido em 1869 («Etimologia de Eixo»), que o autor parece dá-lo como vivo, e sobretudo quando fala da feira mensal de Eixo, iniciada em 3 de Outubro de 1855, que «dura há treze anos – conclui-se que o manuscrito, cujo prólogo não tem data, foi substancialmente redigido em 1868-69; por outro lado, não há qualquer dúvida de que estava praticamente concluído muito antes de 1877, pois já Marques Gomes dava notícia da sua existência – conforme vimos no mencionado livro O Districto de Aveiro, saído do prelo nesse ano.

Mais uma nota. Lendo o que Pinho Leal escreveu sobre Eixo no Volume III do Portugal Antigo e Moderno (Lisboa, 1874) e confrontando os dois textos, tão semelhantes, também poderemos facilmente pensar que o Dr. Venâncio de Figueiredo teria fornecido a Pinho Leal os elementos que, no seu trabalho de investigador, já havia coligido.

 

Num outro manuscrito à Memória – «Das pessoas mais notáveis que morreram em Eixo desde 1828 até 1901» – a partir de Fevereiro de 1891 aparece caligrafia diferente, sinal de que esta não é do mesmo autor, que viria a falecer em Eixo no dia 9 de Abril de 1894.

Mons. Aníbal Marques Ramos

Padre João Gonçalves Gaspar

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(1) – In «Os povos do Baixo Vouga», edição das Câmaras Municipais de Ílhavo e Murtosa e da Comissão Municipal de Turismo da Torreira, 1968.

 

 

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