Acesso à hierarquia superior.

Boletim n.º 3 - Ano II - 1984

LENDA DO SAL

Certa vez... – são passados milhares de anos,

Aportou um navio de doze panos

A estas atlânticas paragens.

E de tal forma os homens se encantaram

Com a terra e as gentes que encontraram,

Com o brilho e a cor destas paisagens,

Que fizeram aqui ancoradouro.

Como que à descoberta de um tesouro,

Brilhando nesta nesga ocidental,

Outros navios partidos da Fenícia,

De velas embaladas pela carícia

Do vento de feição – brisa ideal,

Guiados por Melcart – Deus marinheiro,

Desse reino de Hirão, aventureiro,

Pouco tempo depois, logo chegaram.

Sua carga eram jóias, pedrarias,

Ouro, vidros de cor, tapeçarias,

Que todos quantos viram, deslumbraram.

Madeiras raras, tintas e tecidos,

Vasos de prata, bronzes esculpidos,

E uma legião de escravas belas.

Todo um comércio forte e grandioso,

De soberbo esplendor, assaz rendoso,

Trazido nos navios de doze velas.

 

Eram gentes das terras escaldantes,

De tez morena e de olhos penetrantes,

Em busca de aventura e de riqueza.

Marinheiros sedentos de conquista,

Sagazes mercadores – turba egoísta,

Nascida da perfídia e da avareza

Assim se fixaram desde então

Os súbditos leais do grande Hirão,

De Biblos e de Tiro, e de Sidonia

Todo um alto negócio floresceu

Nesta terra – qual dádiva

Qual formoso jardim da Babilónia!

De todo esse comércio promissor,

Sobressaía um rico mercador,

Senhor de escultural e linda escrava,

Que por tão bela, mais parecia até

A Deusa do Amor, – uma Astarté! –

Transformada em formosa escandinava.

O brilho e a pureza do olhar,

Eram bem o azul-verde do mar,

Num misto de carícia e de bonança.

Pelas espáduas brancas como a lua,

Cobrindo, docemente, a carne nua,

Corria-lhe, suave, loura trança.

 

Mas a escrava formosa, a escrava bela,

Vivia triste, embora a sua cela

Não tivesse varões a resguardá-la.

Em silêncio, sofria amargamente,

Ao supor-se algemada eternamente,

Por não ver quem ousasse libertá-la.

Porém a dor maior era a saudade,

Roendo-lhe sem dó, nem piedade,

A angustiada alma e o coração.

– A brancura do seu país natal

Na fria região setentrional,

Das neves a tombar em profusão.

E a saudade atroz, gerou-se em pranto,

Envolvendo a paisagem com um manto

De pérolas brilhantes, de cristal.

Cada lágrima então resplandecia

Nos horizontes mágicos da Ria,

Como bênção do Céu – nascera o Sal.

 

Esta – a lenda do brilho e da pureza,

Do cenário infinito de beleza,

De cor, deslumbramento sem igual.

Criou-a uma linda escandinava,

Uma jovem que veio como escrava

Dum longínquo país oriental

 

Amadeu de Sousa

 

Página anterior

Índice Geral

Página seguinte

pp. 24-25