LENDA DO SAL
Certa vez... – são passados milhares de anos,
Aportou um navio de doze panos
A estas atlânticas paragens.
E de tal forma os homens se encantaram
Com a terra e as gentes que encontraram,
Com o brilho e a cor destas paisagens,
Que fizeram aqui ancoradouro.
Como que à descoberta de um tesouro,
Brilhando nesta nesga ocidental,
Outros navios partidos da Fenícia,
De velas embaladas pela carícia
Do vento de feição – brisa ideal,
Guiados por Melcart – Deus marinheiro,
Desse reino de Hirão, aventureiro,
Pouco tempo depois, logo chegaram.
Sua carga eram jóias, pedrarias,
Ouro, vidros de cor, tapeçarias,
Que todos quantos viram, deslumbraram.
Madeiras raras, tintas e tecidos,
Vasos de prata, bronzes esculpidos,
E uma legião de escravas belas.
Todo um comércio forte e grandioso,
De soberbo esplendor, assaz rendoso,
Trazido nos navios de doze velas.
Eram gentes das terras escaldantes,
De tez morena e de olhos penetrantes,
Em busca de aventura e de riqueza.
Marinheiros sedentos de conquista,
Sagazes mercadores – turba egoísta,
Nascida da perfídia e da avareza
Assim se fixaram desde então
Os súbditos leais do grande Hirão,
De Biblos e de Tiro, e de Sidonia
Todo um alto negócio floresceu
Nesta terra – qual dádiva
Qual formoso jardim da Babilónia!
De todo esse comércio promissor,
Sobressaía um rico mercador,
Senhor de escultural e linda escrava,
Que por tão bela, mais parecia até
A Deusa do Amor, – uma Astarté! –
Transformada em formosa escandinava.
O brilho e a pureza do olhar,
Eram bem o azul-verde do mar,
Num misto de carícia e de bonança.
Pelas espáduas brancas como a lua,
Cobrindo, docemente, a carne nua,
Corria-lhe, suave, loura trança.
Mas a escrava formosa, a escrava bela,
Vivia triste, embora a sua cela
Não tivesse varões a resguardá-la.
Em silêncio, sofria amargamente,
Ao supor-se algemada eternamente,
Por não ver quem ousasse libertá-la.
Porém a dor maior era a saudade,
Roendo-lhe sem dó, nem piedade,
A angustiada alma e o coração.
– A brancura do seu país natal
Na fria região setentrional,
Das neves a tombar em profusão.
E a saudade atroz, gerou-se em pranto,
Envolvendo a paisagem com um manto
De pérolas brilhantes, de cristal.
Cada lágrima então resplandecia
Nos horizontes mágicos da Ria,
Como bênção do Céu – nascera o Sal.
Esta
– a lenda do brilho e da pureza,
Do cenário infinito de beleza,
De cor, deslumbramento sem igual.
Criou-a uma linda escandinava,
Uma jovem que veio como escrava
Dum longínquo país oriental
Amadeu de Sousa |