...AVEIRO
Eu nasci em Aveiro, ao que suponho na proa de alguma
bateira. Fui baptizado à mesma hora, nas águas da nossa ria.
Abriram-se-me os ouvidos ao som cadenciado dos remos no mar, ao pio
estrídulo das famintas gaivotas, ao praguedo inocente dos pescadores.
Encheu-se-me o peito à nascença do ar salgado da maresia. S. Francisco
de Assis chamava a estas coisas irmãos, chamava a estas coisas irmãs: o
irmão Vouga, o irmão luar que à noite o prateia, os irmãos peixes, as
irmãs espumas, areias, estrelas.
Mas aqui há mais do que uma simples fraternidade, há mais
do que a suave harmonia da natureza e da alma de Aveiro; chego a crer
que há uma verdadeira encarnação, o encontro de duas coisas no mesmo
ser.
Nós, os de Aveiro, somos feitos, dos pés à cabeça, de
ria, de barcos, de remos, de redes, de velas, de montinhos de sal e
areia, até de naufrágios. Se nos abrissem o peito, encontrariam lá
dentro um barquinho à vela, ou então uma bóia ou uma fateixa, ou então a
Senhora dos Navegantes.
Assim plasmado de Aveiro, com os beiços a saber a
salgado, a pingar gotas da ria por todo o corpo, por toda a alma, eu sou
uma nesga, embora minúscula, desta deliciosa aguarela de Aveiro; eu sou
um pedaço da nossa terra.
D. JOÃO EVANGELISTA DE LIMA VIDAL
A paisagem aveirense tem as transparências cristalinas do
céu do Mediterrâneo e conjuntamente a suavidade e a velada languidez
duma primavera da Holanda ou dos recessos abrigados dos mares
escandinavos; tem a vastidão da estepe e os mimos e a frescura dos vales
protegidos das montanhas.
Jaime de Magalhães Lima
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