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Boletim n.º 1 - Ano I - 1983

AVEIRO NOS ÚLTIMOS CEM ANOS

Apontamento histórico

Em 1882, ocorreu o primeiro centenário sobre a morte do Marquês de Pombal. Na ocasião, Aveiro não esqueceu o notável estadista de El-Rei D. José I, que, na sua multiforme actividade, também procurou engrandecer a urbe e sustê-la no resvalar de uma acentuada e progressiva decadência: elevou a cidade, fê-la sede da comarca ou provedoria de Esgueira, pediu ao Papa a criação da Diocese, interessou-se pela instalação de indústrias de vidro e de seda. O Grémio Moderno, fundado em Janeiro do ano anterior ao presidido por Francisco Augusto da Fonseca Regala, organizou uma exposição, que teve lugar no edifício da Escola Primária da Vera-Cruz; tal mostra, revelando «relíquias de arte nacionais», dividiu-se em várias secções: tecidos, mobiliário, ourivesaria e joalharia, armas e bronzes, obras de latão, cerâmicas e vidros, cristais e esmaltes.

Ao olharmos, quase num relance, para o último século de história de Aveiro, logo damos conta do seu progresso evidente em vários e múltiplos factores.

O índice demográfico, por exemplo, não parou de subir, apesar de certa emigração; se em 1878 a cidade contava 7.137 habitantes, em 1940 tinha 14.820 e em 1981 subia a 29.155. No concelho e no distrito tem correspondido um aumento proporcional. Foram causas decisivas deste progresso a implantação de indústrias, a expansão do comércio e o desenvolvimento do porto, aliados ao lançamento

de estradas e à passagem do caminho-de-ferro. E não ficará por aqui a evolução de Aveiro, dada a situação geográfica e o espírito animoso dos seus habitantes. A melhoria da barra, a ampliação das instalações portuárias e a projectada rodovia para Vilar Formoso, em direcção à Espanha e ao centro da Europa, serão meios para um maior crescimento não só de toda a região da ria, mas também de todo o território que do Rio Douro se espraia até ao Mondego.

Entretanto, pela última reforma das Forças Armadas, ficou em Aveiro um Batalhão de Infantaria e, em S. Jacinto, encontram-se duas unidades militares: uma Base Operacional de Tropas Paraquedistas e um Aeródromo de Manobra. Foram multiplicadas as secções e os postos da Guarda Nacional Republicana, actualmente agrupados em duas Companhias, cujas sedes são em Aveiro e em S. João da Madeira. Em 1887, foi criado o Corpo de Polícia Civil do Distrito de Aveiro, que, em 1927, recebeu a designação de Polícia de Segurança Pública. Em 1982, foi instalada na cidade uma Companhia da Guarda Fiscal; no mesmo ano, também foi para aqui destacada uma Delegação da Polícia Judiciária.

Em Aveiro, no breve espaço de dezoito anos da segunda metade do século XIX, registaram-se três pavorosos incêndios: em 1864, ardeu o palácio dos Tavares, que fora paço episcopal e era então a sede do Governo Civil; em 1871, um fogo reduziu a cinzas o palacete do visconde de Almeidinha; e, em 1882, as chamas destruíram o secular convento das Franciscanas da Madre de Deus, em Sá.

Nesta ocasião, sem perder tempo, um punhado de homens decididos formaram a Companhia de Bombeiros Voluntários, que mais tarde se designaria por Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Aveiro, comummente conhecida por "Bombeiros Velhos".

Todavia, em 1908, não corriam bem as coisas nos corpos directivos da corporação dos bombeiros. Um reduzido grupo de homens da "Beira-Mar", aproveitando-se da oportunidade, concretizou o anseio de um novo corpo de voluntários, que se chamaria Companhia Voluntária de Salvação Pública Guilherme Gomes Fernandes, vulgarmente designada por "Bombeiros Novos". / 8 /

No campo do ensino, também Aveiro ocupa lugar condigno. Desde a fundação do Liceu Nacional em 1851, mercê da influência de José Estêvão até à instalação do Centro de Estudos e Telecomunicações e da Universidade em 1973, passando pela Escola Industrial e Comercial – sucedânea em 1914 da Escola de Desenho Industrial – pelos vários colégios particulares, pelo Seminário Diocesano e pela Escola do Magistério Primário, diversos centros escolares, que procuram agora ajustar-se às novas exigências, formaram e continuam a formar cidadãos mais úteis e melhor preparados. Desta maneira, os responsáveis do presente pretendem dar condições e proporcionar meios para que as novas gerações possam assumir nas suas mãos a responsabilidade da evolução de uma região que deseja valorizar-se cada vez mais, na senda do progresso e da liberdade, numa linha coerente e justa.

Os jornais são, por sua própria natureza, a memória escrita do vulgar quotidiano ou do acontecimento marcante na vida dos cidadãos; mas eles são também a expressão de íntimos anseios, de comuns interesses e de profundos ideais dos povos onde se redigem e publicam. Por conseguinte, não se podem aqui esquecer os jornais aveirenses que, durante o período que focamos, contribuíram para a difusão daquelas aspirações que orientaram tantas vidas. Da mais variada ideologia – religiosa, política, artística, literária, histórica, desportiva... – eles são mesmo uma preciosa fonte para o estudo da vida citadina, regional e até nacional.

Em 1882, publicavam-se em Aveiro três periódicos: – “O Campeão das Províncias”, iniciado em 1852 por iniciativa de Manuel Firmino de Almeida Maia com o nome de “O Campeão do Vouga”; o “Districto de Aveiro”, que viria a ser editado, como o precedente, por muitas dezenas de anos; e “O Povo de Aveiro” – esse semanário singular e cáustico, que perdurou até 1941, fundado e dirigido por Homem Cristo.

Em 1883, surgiram mais duas publicações: o “Jornal Académico”, que era dos estudantes; e “A Locomotiva”, que se confessava periódico dos Caminhos de Ferro e teve vida curta. O Dr. Joaquim de Melo Freitas, em 1885, fundou “A Época”, que alcançaria os finais de 1888.

Pelo papel influente que exerceram na opinião pública aveirense, anotam-se mais alguns periódicos locais: “A Beira-Mar”, de 1890 a 1910; a “Vitalidade” que, tendo aparecido em 1894, alcançou boa penetração no nosso meio; o “Progresso de Aveiro”, órgão do Partido Progressista no Distrito, que, saindo do prelo em 1900, se editou por uns dez anos; a “Folha Nova”, semanário republicano, publicado em 1904 por Arnaldo Ribeiro, que, em princípios de 1908, assumiu a direcção de “O Democrata”, cargo que desempenharia ao longo de quarenta anos.

Na vizinha freguesia de Eixo, em 1903, veio a lume o “Correio do Vouga”, que viria a findar em 1913. Em 1911, após a implantação da República no ano anterior, surgiram novos títulos; contudo, apenas se manteve com maior duração “A Liberdade”, dirigida pelo Dr. Alberto Souto.

Mais recentemente viram a luz do dia “O Debate”, que, a partir de 1922, persistiu por mais de um decénio, a revista “Labor”, iniciada em 1926 e vocacionada para os problemas do ensino, o “Correio do Vouga”, cujo primeiro número é de 1930, a revista “Arquivo do Distrito de Aveiro”, orientada desde que nasceu em 1935 para assuntos de arqueologia, história e arte locais, o semanário “Litoral”, principiado / 9 / em 1954, a revista “Selos e Moedas”, editada trimestralmente desde 1963 pela Secção Filatélica e Numismática do Clube dos Galitos, o “Lutador” que, a partir de 1964 e por um decénio, militou sob a inspiração política da chamada "Revolução Nacional e a revista semestral “Aveiro e o seu Distrito”, franqueada aos mais diversos temas de interesse para todo o Distrito, a qual começou a publicar-se em 1966.

Simultaneamente, continua a existir, na freguesia de Cacia, o trimensário “Ecos de Cacia”, fundado em 1917.

Depois da revolução de 25 de Abril de 1974, surgiram novas publicações, cada qual da sua cor ideológica; todas tiveram uma duração mais ou menos curta, apenas se mantendo o “Jornal de Aveiro”, de influência social-democrata, “O Nosso Jornal”, mensário dos trabalhadores do Centro Fabril da Portucel (Cacia), e o “Boletim” da Associação de Defesa do Património Cultural e Natural da Região de Aveiro (ADERAV).

Este rápido conspecto da actividade jornalística aveirense também serve para homenagear os nomes de alguns dos nossos conterrâneos que, pela pena, ilustraram e serviram a sua terra e os seus ideais, lutando, do modo que lhes era próprio, pelo progresso e pela liberdade.

Segundo parece, a primeira congregação de elementos com tendências republicanas, em Aveiro, ficou a dever-se ao entusiasmo juvenil de Francisco Manuel Homem Cristo. No verão de 1881, ele próprio fundava o Centro Eleitoral Republicano Aveirense. O semanário “O Povo de Aveiro”, que lançava em Janeiro seguinte, orientar-se-ia por essa parcialidade ideológica. Um nome bem conhecido, entre os demais, como grande paladino da República foi Sebastião de Magalhães Lima, decerto não aveirense pelo nascimento, mas sim pela ascendência paterna; pois ele foi um dos membros da sociedade formada para se fazer publicar aquele periódico.

Antes da revolução portuense de 1891, formou-se em Aveiro um comité revolucionário, com o fim de proclamar a República após o grito de revolta, que deveria ser secundado em todo o país.

Cerca de 1900 ou 1901, organizou-se uma Comissão Municipal Republicana. Contudo, iria ser verdadeiramente predominante a acção do Centro Escolar Republicano, criado no início de 1909; na sua sede foram constantes as conferências políticas e as reuniões de propaganda, além dos passatempos e leituras proporcionados aos sócios.

A República foi implantada em 5 de Outubro de 1910. O primeiro acto público efectuou-se nos Paços do Concelho, no dia 7, onde a bandeira – a do Centro Escolar Republicano – foi hasteada pelo Dr. André dos Reis. Na mesma data, o auto-designado Comité Revolucionário de Aveiro endereçava ao povo uma "Proclamação", anunciando oficialmente a instauração do novo Regime.

Um outro facto do último século da nossa história, que merece ser registado, refere-se à Diocese de Aveiro. Criada em 1774, viria a ser extinta em 1882, aquando de uma nova delimitação das circunscrições eclesiásticas portuguesas.

Contudo, não se acomodaram os aveirenses à perda da sua autonomia religiosa; da sua lamentação fez-se eco Rangel de Quadros em artigos publicados no "Jornal de Estarreja", depois compilados em livro impresso em 1884. Ficava de pé a ideia da restauração do Bispado, forçadamente extinto.

Em 1924, começava a passar ao campo das realizações o projecto que novamente faria de Aveiro uma cidade episcopal O sonho antigo tomava agora corpo, mercê de um grupo de pessoas dedicadas em que se destacou uma senhora humilde da Costeira, D. Conceição Maria dos Anjos, falecida em 1953. Anos mais tarde, também o Conselheiro Luís Cipriano Coelho de Magalhães, filho de José Estêvão, viria a interessar-se pelo assunto. D. João Evangelista de Lima Vidal, nascido na freguesia da Vera-Cruz, tomaria a ideia como sua, aglutinaria em si todas as boas vontades e acompanharia activamente o desenrolar do processo desde 1932 até final. Pela via religiosa, é este outrossim um marco na história da liberdade em Aveiro.

É evidente que não se pretende referir os nomes de todos aqueles aveirenses que se distinguiram / 10 / num ou noutro campo de actividade; mas seria imperdoável não rememorar algumas figuras que viveram nestes últimos cem anos – e tantas foram elas!

Manuel José Mendes Leite (1809-1887), que, no Parlamento, tomou a iniciativa da abolição da pena de morte nos crimes políticos; António Luís de Seabra (1798-1895), natural de Mogofores, que codificou o primeiro Código Civil Português; Joaquim da Costa Cascais (1815-1898), militar, escritor e dramaturgo; Bento Rodrigues Xavier de Magalhães (1820-1869), advogado de argumentação fina e de palavra fluente; Sebastião de Carvalho Lima (1821-1896), natural de Eixo, que se evidenciou pela auto-cultura, pela agudeza de espírito e pela inteligência penetrante; Sebastião de Magalhães Lima (1850-1928), pensador e político de renome; Jaime de Magalhães Lima (1859-1936), pensador romancista, ensaísta, contista, crítico, conferencista, jornalista, sociólogo, etnólogo e paisagista; José Luciano de Castro Pereira Corte-Real (1834-1914), nascido na Oliveirinha do Vouga, advogado, jornalista, deputado, ministro e presidente do Conselho de Ministros; José Maria Barbosa de Magalhães (1855-1910), jurisconsulto, causídico, escritor, jornalista e orador, que se mostrou indomável na defesa da justiça e intransigente na luta pelos direitos cívicos; Francisco Manuel Homem Cristo (1860-1943), professor universitário, deputado, paladino da instrução popular, escritor, jornalista, inconfundível fundibulário, defensor das obras da barra e do porto, aguerrido propagandista de tudo o que engrandecesse Aveiro; José Reinaldo Rangel de Quadros Oudinot (1842-1918), jornalista e escritor, que registou e deu a conhecer a nossa terra e os nossos monumentos em livros, opúsculos e periódicos; João Augusto Marques Gomes (1853-1931), conhecido aveirógrafo, que nos legou páginas e páginas da nossa história e que organizou o museu no edifício do velho Mosteiro de Jesus; António Gomes da Rocha Madahil (1893-1969), natural de Ílhavo, que honrou Aveiro com a descoberta e a vulgarização de fontes documentais do passado; Gustavo Ferreira Pinto Basto, nascido em Oiã em 1842, homem de notável iniciativa e acção; Lourenço Simões Peixinho, falecido em 1843, invulgar presidente do Município, a quem se deve o jardim parque do Infante D. Pedro e a execução do plano da avenida central; D. João Evangelista de Lima Vidal (1874-1958), arcebispo querido e saudoso que sentindo-se aveirense até ao âmago, dizia ser – e era efectivamente – "uma nesga, embora minúscula, desta deliciosa aguarela de Aveiro, um pedaço da nossa terra"; Alberto Souto, homem simples e culto, orador empolgante, arqueólogo apaixonado, deputado e publicista, que demonstrava amar entranhadamente Aveiro; Comandante Silvério da Rocha e Cunha (1876-1944), publicista e ministro da Marinha, a quem o porto de Aveiro ficou a dever nas obras da sua consolidação e expansão; José Maria Ferreira de Castro (1898-1974), nascido em OsseIa – Oliveira de Azeméis, jornalista, romancista, escritor de reconhecido mérito, precursor do neo-realismo português, cujas obras mais significativas estão traduzidas em várias línguas.

Mas... não se podem alongar estas páginas, que se destinam a um catálogo. Aqui fica apenas um apontamento que poderá estimular a curiosidade em saber como a última centúria da história de Aveiro se cifra num saldo bem positivo no contexto nacional. Orgulhamo-nos por isso e esperamos que os Aveirenses continuem na esteira dos seus antepassados.

João Gaspar
 

 

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