AVEIRO NOS ÚLTIMOS CEM ANOS
Apontamento histórico
Em 1882, ocorreu o primeiro centenário sobre a morte do
Marquês de Pombal. Na ocasião, Aveiro não esqueceu o notável estadista
de El-Rei D. José I, que, na sua multiforme actividade, também procurou
engrandecer a urbe e sustê-la no resvalar de uma acentuada e progressiva
decadência: elevou a cidade, fê-la sede da comarca ou provedoria de
Esgueira, pediu ao Papa a criação da Diocese, interessou-se pela
instalação de indústrias de vidro e de seda. O Grémio Moderno, fundado
em Janeiro do ano anterior ao presidido por Francisco Augusto da Fonseca
Regala, organizou uma exposição, que teve lugar no edifício da Escola
Primária da Vera-Cruz; tal mostra, revelando «relíquias de arte
nacionais», dividiu-se em várias secções: tecidos, mobiliário,
ourivesaria e joalharia, armas e bronzes, obras de latão, cerâmicas e
vidros, cristais e esmaltes.
Ao olharmos, quase num relance, para o último século de
história de Aveiro, logo damos conta do seu progresso evidente em vários
e múltiplos factores.
O índice demográfico, por exemplo, não parou de subir,
apesar de certa emigração; se em 1878 a cidade contava 7.137 habitantes,
em 1940 tinha 14.820 e em 1981 subia a 29.155. No concelho e no distrito
tem correspondido um aumento proporcional. Foram causas decisivas deste
progresso a implantação de indústrias, a expansão do comércio e o
desenvolvimento do porto, aliados ao lançamento
de estradas e à passagem do caminho-de-ferro. E não
ficará por aqui a evolução de Aveiro, dada a situação geográfica e o
espírito animoso dos seus habitantes. A melhoria da barra, a ampliação
das instalações portuárias e a projectada rodovia para Vilar Formoso, em
direcção à Espanha e ao centro da Europa, serão meios para um maior
crescimento não só de toda a região da ria, mas também de todo o
território que do Rio Douro se espraia até ao Mondego.
Entretanto, pela última reforma das Forças Armadas, ficou
em Aveiro um Batalhão de Infantaria e, em S. Jacinto, encontram-se duas
unidades militares: uma Base Operacional de Tropas Paraquedistas e um
Aeródromo de Manobra. Foram multiplicadas as secções e os postos da
Guarda Nacional Republicana, actualmente agrupados em duas Companhias,
cujas sedes são em Aveiro e em S. João da Madeira. Em 1887, foi criado o
Corpo de Polícia Civil do Distrito de Aveiro, que, em 1927, recebeu a
designação de Polícia de Segurança Pública. Em 1982, foi instalada na
cidade uma Companhia da Guarda Fiscal; no mesmo ano, também foi para
aqui destacada uma Delegação da Polícia Judiciária.
Em Aveiro, no breve espaço de dezoito anos da segunda
metade do século XIX, registaram-se três pavorosos incêndios: em 1864,
ardeu o palácio dos Tavares, que fora paço episcopal e era então a sede
do Governo Civil; em 1871, um fogo reduziu a cinzas o palacete do
visconde de Almeidinha; e, em 1882, as chamas destruíram o secular
convento das Franciscanas da Madre de Deus, em Sá.
Nesta ocasião, sem perder tempo, um punhado de homens
decididos formaram a Companhia de Bombeiros Voluntários, que mais tarde
se designaria por Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de
Aveiro, comummente conhecida por "Bombeiros Velhos".
Todavia, em 1908, não corriam bem as coisas nos corpos
directivos da corporação dos bombeiros. Um reduzido grupo de homens da
"Beira-Mar", aproveitando-se da oportunidade, concretizou o anseio de um
novo corpo de voluntários, que se chamaria Companhia Voluntária de
Salvação Pública Guilherme Gomes Fernandes, vulgarmente designada por
"Bombeiros Novos".
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No campo do ensino, também Aveiro ocupa lugar condigno.
Desde a fundação do Liceu Nacional em 1851, mercê da influência de José
Estêvão até à instalação do Centro de Estudos e Telecomunicações e da
Universidade em 1973, passando pela Escola Industrial e Comercial –
sucedânea em 1914 da Escola de Desenho Industrial – pelos vários
colégios particulares, pelo Seminário Diocesano e pela Escola do
Magistério Primário, diversos centros escolares, que procuram agora
ajustar-se às novas exigências, formaram e continuam a formar cidadãos
mais úteis e melhor preparados. Desta maneira, os responsáveis do
presente pretendem dar condições e proporcionar meios para que as novas
gerações possam assumir nas suas mãos a responsabilidade da evolução de
uma região que deseja valorizar-se cada vez mais, na senda do progresso
e da liberdade, numa linha coerente e justa.
Os jornais são, por sua própria natureza, a memória
escrita do vulgar quotidiano ou do acontecimento marcante na vida dos
cidadãos; mas eles são também a expressão de íntimos anseios, de comuns
interesses e de profundos ideais dos povos onde se redigem e publicam.
Por conseguinte, não se podem aqui esquecer os jornais aveirenses que,
durante o período que focamos, contribuíram para a difusão daquelas
aspirações que orientaram tantas vidas. Da mais variada ideologia –
religiosa, política, artística, literária, histórica, desportiva... –
eles são mesmo uma preciosa fonte para o estudo da vida citadina,
regional e até nacional.
Em 1882, publicavam-se em Aveiro três periódicos: – “O
Campeão das Províncias”, iniciado em 1852 por iniciativa de Manuel
Firmino de Almeida Maia com o nome de “O Campeão do Vouga”; o “Districto
de Aveiro”, que viria a ser editado, como o precedente, por muitas
dezenas de anos; e “O Povo de Aveiro” – esse semanário singular e
cáustico, que perdurou até 1941, fundado e dirigido por Homem Cristo.
Em 1883, surgiram mais duas publicações: o “Jornal
Académico”, que era dos estudantes; e “A Locomotiva”, que se
confessava periódico dos Caminhos de Ferro e teve vida curta. O Dr.
Joaquim de Melo Freitas, em 1885, fundou “A Época”, que
alcançaria os finais de 1888.
Pelo papel influente que exerceram na opinião pública
aveirense, anotam-se mais alguns periódicos locais: “A Beira-Mar”,
de 1890 a 1910; a “Vitalidade” que, tendo aparecido em 1894,
alcançou boa penetração no nosso meio; o “Progresso de Aveiro”,
órgão do Partido Progressista no Distrito, que, saindo do prelo em 1900,
se editou por uns dez anos; a “Folha Nova”, semanário
republicano, publicado em 1904 por Arnaldo Ribeiro, que, em princípios
de 1908, assumiu a direcção de “O Democrata”, cargo que
desempenharia ao longo de quarenta anos.
Na vizinha freguesia de Eixo, em 1903, veio a lume o “Correio
do Vouga”, que viria a findar em 1913. Em 1911, após a implantação
da República no ano anterior, surgiram novos títulos; contudo, apenas se
manteve com maior duração “A Liberdade”, dirigida pelo Dr.
Alberto Souto.
Mais recentemente viram a luz do dia “O Debate”,
que, a partir de 1922, persistiu por mais de um decénio, a revista “Labor”,
iniciada em 1926 e vocacionada para os problemas do ensino, o “Correio
do Vouga”, cujo primeiro número é de 1930, a revista “Arquivo do
Distrito de Aveiro”, orientada desde que nasceu em 1935 para
assuntos de arqueologia, história e arte locais, o semanário “Litoral”,
principiado
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em 1954, a revista “Selos e Moedas”, editada trimestralmente
desde 1963 pela Secção Filatélica e Numismática do Clube dos Galitos, o
“Lutador” que, a partir de 1964 e por um decénio, militou sob a
inspiração política da chamada "Revolução Nacional e a revista semestral
“Aveiro e o seu Distrito”, franqueada aos mais diversos temas de
interesse para todo o Distrito, a qual começou a publicar-se em 1966.
Simultaneamente, continua a existir, na freguesia de
Cacia, o trimensário “Ecos de Cacia”, fundado em 1917.
Depois da revolução de 25 de Abril de 1974, surgiram
novas publicações, cada qual da sua cor ideológica; todas tiveram uma
duração mais ou menos curta, apenas se mantendo o “Jornal de Aveiro”,
de influência social-democrata, “O Nosso Jornal”, mensário dos
trabalhadores do Centro Fabril da Portucel (Cacia), e o “Boletim”
da Associação de Defesa do Património Cultural e Natural da Região de
Aveiro (ADERAV).
Este rápido conspecto da actividade jornalística
aveirense também serve para homenagear os nomes de alguns dos nossos
conterrâneos que, pela pena, ilustraram e serviram a sua terra e os seus
ideais, lutando, do modo que lhes era próprio, pelo progresso e pela
liberdade.
Segundo parece, a primeira congregação de elementos com
tendências republicanas, em Aveiro, ficou a dever-se ao entusiasmo
juvenil de Francisco Manuel Homem Cristo. No verão de 1881, ele próprio
fundava o Centro Eleitoral Republicano Aveirense. O semanário “O
Povo de Aveiro”, que lançava em Janeiro seguinte, orientar-se-ia por
essa parcialidade ideológica. Um nome bem conhecido, entre os demais,
como grande paladino da República foi Sebastião de Magalhães Lima,
decerto não aveirense pelo nascimento, mas sim pela ascendência paterna;
pois ele foi um dos membros da sociedade formada para se fazer publicar
aquele periódico.
Antes da revolução portuense de 1891, formou-se em Aveiro
um comité revolucionário, com o fim de proclamar a República após o
grito de revolta, que deveria ser secundado em todo o país.
Cerca de 1900 ou 1901, organizou-se uma Comissão
Municipal Republicana. Contudo, iria ser verdadeiramente predominante a
acção do Centro Escolar Republicano, criado no início de 1909; na
sua sede foram constantes as conferências políticas e as reuniões de
propaganda, além dos passatempos e leituras proporcionados aos sócios.
A República foi implantada em 5 de Outubro de 1910. O
primeiro acto público efectuou-se nos Paços do Concelho, no dia 7, onde
a bandeira – a do Centro Escolar Republicano – foi hasteada pelo
Dr. André dos Reis. Na mesma data, o auto-designado Comité
Revolucionário de Aveiro endereçava ao povo uma "Proclamação",
anunciando oficialmente a instauração do novo Regime.
Um outro facto do último século da nossa história, que
merece ser registado, refere-se à Diocese de Aveiro. Criada em 1774,
viria a ser extinta em 1882, aquando de uma nova delimitação das
circunscrições eclesiásticas portuguesas.
Contudo, não se acomodaram os aveirenses à perda da sua
autonomia religiosa; da sua lamentação fez-se eco Rangel de Quadros em
artigos publicados no "Jornal de Estarreja", depois compilados em
livro impresso em 1884. Ficava de pé a ideia da restauração do Bispado,
forçadamente extinto.
Em 1924, começava a passar ao campo das realizações o
projecto que novamente faria de Aveiro uma cidade episcopal O sonho
antigo tomava agora corpo, mercê de um grupo de pessoas dedicadas em que
se destacou uma senhora humilde da Costeira, D. Conceição Maria dos
Anjos, falecida em 1953. Anos mais tarde, também o Conselheiro Luís
Cipriano Coelho de Magalhães, filho de José Estêvão, viria a
interessar-se pelo assunto. D. João Evangelista de Lima Vidal, nascido
na freguesia da Vera-Cruz, tomaria a ideia como sua, aglutinaria em si
todas as boas vontades e acompanharia activamente o desenrolar do
processo desde 1932 até final. Pela via religiosa, é este outrossim um
marco na história da liberdade em Aveiro.
É evidente que não se pretende referir os nomes de todos
aqueles aveirenses que se distinguiram
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num ou noutro campo de actividade; mas seria imperdoável não rememorar
algumas figuras que viveram nestes últimos cem anos – e tantas foram
elas!
Manuel José Mendes Leite (1809-1887), que, no Parlamento,
tomou a iniciativa da abolição da pena de morte nos crimes políticos;
António Luís de Seabra (1798-1895), natural de Mogofores, que codificou
o primeiro Código Civil Português; Joaquim da Costa Cascais (1815-1898),
militar, escritor e dramaturgo; Bento Rodrigues Xavier de Magalhães
(1820-1869), advogado de argumentação fina e de palavra fluente;
Sebastião de Carvalho Lima (1821-1896), natural de Eixo, que se
evidenciou pela auto-cultura, pela agudeza de espírito e pela
inteligência penetrante; Sebastião de Magalhães Lima (1850-1928),
pensador e político de renome; Jaime de Magalhães Lima (1859-1936),
pensador romancista, ensaísta, contista, crítico, conferencista,
jornalista, sociólogo, etnólogo e paisagista; José Luciano de Castro
Pereira Corte-Real (1834-1914), nascido na Oliveirinha do Vouga,
advogado, jornalista, deputado, ministro e presidente do Conselho de
Ministros; José Maria Barbosa de Magalhães (1855-1910), jurisconsulto,
causídico, escritor, jornalista e orador, que se mostrou indomável na
defesa da justiça e intransigente na luta pelos direitos cívicos;
Francisco Manuel Homem Cristo (1860-1943), professor universitário,
deputado, paladino da instrução popular, escritor, jornalista,
inconfundível fundibulário, defensor das obras da barra e do porto,
aguerrido propagandista de tudo o que engrandecesse Aveiro; José
Reinaldo Rangel de Quadros Oudinot (1842-1918), jornalista e escritor,
que registou e deu a conhecer a nossa terra e os nossos monumentos em
livros, opúsculos e periódicos; João Augusto Marques Gomes (1853-1931),
conhecido aveirógrafo, que nos legou páginas e páginas da nossa história
e que organizou o museu no edifício do velho Mosteiro de Jesus; António
Gomes da Rocha Madahil (1893-1969), natural de Ílhavo, que honrou Aveiro
com a descoberta e a vulgarização de fontes documentais do passado;
Gustavo Ferreira Pinto Basto, nascido em Oiã em 1842, homem de notável
iniciativa e acção; Lourenço Simões Peixinho, falecido em 1843, invulgar
presidente do Município, a quem se deve o jardim parque do Infante D.
Pedro e a execução do plano da avenida central; D. João Evangelista de
Lima Vidal (1874-1958), arcebispo querido e saudoso que sentindo-se
aveirense até ao âmago, dizia ser – e era efectivamente – "uma nesga,
embora minúscula, desta deliciosa aguarela de Aveiro, um pedaço da nossa
terra"; Alberto Souto, homem simples e culto, orador empolgante,
arqueólogo apaixonado, deputado e publicista, que demonstrava amar
entranhadamente Aveiro; Comandante Silvério da Rocha e Cunha
(1876-1944), publicista e ministro da Marinha, a quem o porto de Aveiro
ficou a dever nas obras da sua consolidação e expansão; José Maria
Ferreira de Castro (1898-1974), nascido em OsseIa – Oliveira de Azeméis,
jornalista, romancista, escritor de reconhecido mérito, precursor do
neo-realismo português, cujas obras mais significativas estão traduzidas
em várias línguas.
Mas... não se podem alongar estas páginas, que se
destinam a um catálogo. Aqui fica apenas um apontamento que poderá
estimular a curiosidade em saber como a última centúria da história de
Aveiro se cifra num saldo bem positivo no contexto nacional.
Orgulhamo-nos por isso e esperamos que os Aveirenses continuem na
esteira dos seus antepassados.
João Gaspar
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