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Boletim n.º 1 - Ano I - 1983

A ABRIR...

Quando, em 1882, o Grémio Moderno assumiu a responsabilidade de organizar «uma exposição de objectos de arte decorativa, e produtos das indústrias actuais do districto, a fim de melhor se compararem as grandezas do passado, com as maravilhas do presente», estava também no espírito da agremiação associar-se, dessa forma às grandes celebrações nacionais do 1.º centenário da morte do Marquês de Pombal, a quem se devia a elevação de Aveiro à categoria de cidade.

O programa, recebido com entusiasmo, mereceu o apoio das mais proeminentes figuras da vida aveirense, constituindo-se em êxito absoluto, para mais reforçado com a solidariedade das forças económicas, em defesa do património cultural da Região. Uma comissão de mais de três dezenas de pessoas dispôs-se a perder o seu tempo e a dar o melhor de si próprias, em benefício do bem público.

E, para além da presença que, então, Aveiro marcou com essa célebre «Exposição Districtal», no campo das Artes – inserida naquele conjunto de manifestações do género que o Porto, Lisboa, Aveiro, Coimbra, Viana... realizaram no último quartel de Oitocentos e em que intervieram os melhores artistas e críticos de Arte, gerando polémica, reflexão e, consequentemente, novos horizontes para a criação artística – legaram-nos o excelente catálogo que a documenta.

Mas os tempos mudaram!

Em princípios de 1982, lembrámo-nos de evocar essa grande exposição, mantendo, no essencial, as rubricas nela contempladas. Mas as dificuldades surgiram: pouca disponibilidade das pessoas, fraca receptividade dos autarcas em geral (o projecto apresentado à Assembleia Distrital não teve acolhimento das Câmaras do Distrito), poucos apoios económicos... o que nos levou a concluir por uma certa insensibilidade em relação ao Património Cultural e sua valorização, a nível distrital, nos últimos lustros de Novecentos.

Em consequência, restringimos o projecto apenas às Artes Plásticas e avançámos, dispostos, pelo menos, a não deixar em silêncio acontecimento cultural de tal relevância, realizado há cem anos, e deste modo, prestar homenagem a quantos se empenharam na sua concretização, sobressaindo, naturalmente, Joaquim de Vasconcelos e o aveirógrafo notável que foi Marques Gomes.

Para o efeito, formamos uma pequena comissão de seis elementos – Cor. Cândido Teles, Dr. Vasco Branco, Dr. Énio Semedo, P.e João Gaspar, Dr. Diamantino Dias e eu próprio – à qual a Associação de Defesa do Património Cultural e Natural da Região de Aveiro (ADERAV) inicialmente deu todo o apoio logístico. / 6 /

As eleições autárquicas do Outono, porém, a par com indefinições por parte do Museu Nacional de Aveiro, onde apostáramos para a exposição, protelaram o andamento dos trabalhos. Entretanto, largas dezenas de convites foram endereçados aos artistas que, tendo tratado "a paisagem e o meio humano de Aveiro" (Distrito), tivessem representatividade em organismos culturais, especialmente Museus, nas modalidades de pintura, gravura, desenho, cerâmica, tapeçaria, escultura e medalhística, no máximo de três obras por modalidade.

Quanto aos falecidos, impunha-se um primeiro inventário, com a consciência de que nunca poderia ser exaustivo!

Hoje, abre ao público a exposição evocativa, sob o título "Cem anos de Artes Plásticas".

Tínhamos sonhado melhor... Ainda assim, foi possível inventariar artistas esquecidos, a quem se presta a singela homenagem da biografia e dos traços fundamentais da sua arte, para além de recuperar a valorização de obras que são precioso testemunho das capacidades criadoras de gerações dedicadas à nossa terra e suas gentes, a que juntamos alguns dados sobre indústrias mais identificadas com as "artes tradicionais", a que andam ligados muitos cidadãos anónimos que as tornaram célebres, com os seus dotes artísticos... esperando, desta forma, incentivar o aparecimento de novas temáticas e de novos valores, dando aos mais novos esta possibilidade de contacto com os mais velhos.

Outros artistas e outras empresas com produção de reputada qualidade foram lembrados. Por razões diferentes, não puderam ou não quiseram estar representados. E se houve esquecimentos ou lacunas, fica desde já a garantia de não ter sido acto de vontade.

E como se tanto se não devesse exclusivamente ao amor das coisas que são nossas, o projecto irá mais longe, se para tanto houver apoios morais e materiais, a ponto de fazer germinar o Museu Municipal. Com efeito, o único existente até hoje na capital do Vouga está instalado no antigo Convento de Jesus e deve-se, em embrião, a essa exposição de 1882.

Volvido um século, um outro se impõe – e já vem tarde! –, identificado com o homem e o meio em que vivemos (oxalá se pense no terceiro, antes de volvidas mais dez décadas!!!), para o que a própria comissão se dispunha a recolher material, logo que existissem instalações, mesmo provisórias, no tempo e no espaço sem ficarmos à espera das instalações da Fábrica Campos.

Finalmente, apesar dos tempos de austeridade económica que o país atravessa, uma palavra de apreço pelo encorajamento e apoios que o Governo Civil e a Câmara de Aveiro nos proporcionaram desde a primeira hora, enquanto organismos estatais vocacionados para a Arte e Cultura se mantiveram em silêncio.

E um voto: que outras manifestações surjam em defesa da identidade cultural da Região de Aveiro.

AMARO NEVES
 

 

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