A ABRIR...
Quando, em 1882, o Grémio Moderno assumiu a
responsabilidade de organizar «uma exposição de objectos de arte
decorativa, e produtos das indústrias actuais do districto, a fim de
melhor se compararem as grandezas do passado, com as maravilhas do
presente», estava também no espírito da agremiação associar-se, dessa
forma às grandes celebrações nacionais do 1.º centenário da morte do
Marquês de Pombal, a quem se devia a elevação de Aveiro à categoria de
cidade.
O programa, recebido com entusiasmo, mereceu o apoio das
mais proeminentes figuras da vida aveirense, constituindo-se em êxito
absoluto, para mais reforçado com a solidariedade das forças económicas,
em defesa do património cultural da Região. Uma comissão de mais de três
dezenas de pessoas dispôs-se a perder o seu tempo e a dar o melhor de si
próprias, em benefício do bem público.
E, para além da presença que, então, Aveiro marcou com
essa célebre «Exposição Districtal», no campo das Artes – inserida
naquele conjunto de manifestações do género que o Porto, Lisboa, Aveiro,
Coimbra, Viana... realizaram no último quartel de Oitocentos e em que
intervieram os melhores artistas e críticos de Arte, gerando polémica,
reflexão e, consequentemente, novos horizontes para a criação artística
– legaram-nos o excelente catálogo que a documenta.
Mas os tempos mudaram!
Em princípios de 1982, lembrámo-nos de evocar essa grande
exposição, mantendo, no essencial, as rubricas nela contempladas. Mas as
dificuldades surgiram: pouca disponibilidade das pessoas, fraca
receptividade dos autarcas em geral (o projecto apresentado à Assembleia
Distrital não teve acolhimento das Câmaras do Distrito), poucos apoios
económicos... o que nos levou a concluir por uma certa insensibilidade
em relação ao Património Cultural e sua valorização, a nível distrital,
nos últimos lustros de Novecentos.
Em consequência, restringimos o projecto apenas às Artes
Plásticas e avançámos, dispostos, pelo menos, a não deixar em silêncio
acontecimento cultural de tal relevância, realizado há cem anos, e deste
modo, prestar homenagem a quantos se empenharam na sua concretização,
sobressaindo, naturalmente, Joaquim de Vasconcelos e o aveirógrafo
notável que foi Marques Gomes.
Para o efeito, formamos uma pequena comissão de seis
elementos – Cor. Cândido Teles, Dr. Vasco Branco, Dr. Énio Semedo, P.e
João Gaspar, Dr. Diamantino Dias e eu próprio – à qual a Associação de
Defesa do Património Cultural e Natural da Região de Aveiro (ADERAV)
inicialmente deu todo o apoio logístico. / 6 /
As eleições autárquicas do Outono, porém, a par com
indefinições por parte do Museu Nacional de Aveiro, onde apostáramos
para a exposição, protelaram o andamento dos trabalhos. Entretanto,
largas dezenas de convites foram endereçados aos artistas que, tendo
tratado "a paisagem e o meio humano de Aveiro" (Distrito), tivessem
representatividade em organismos culturais, especialmente Museus, nas
modalidades de pintura, gravura, desenho, cerâmica, tapeçaria, escultura
e medalhística, no máximo de três obras por modalidade.
Quanto aos falecidos, impunha-se um primeiro inventário,
com a consciência de que nunca poderia ser exaustivo!
Hoje, abre ao público a exposição evocativa, sob o título
"Cem anos de Artes Plásticas".
Tínhamos sonhado melhor... Ainda assim, foi possível
inventariar artistas esquecidos, a quem se presta a singela homenagem da
biografia e dos traços fundamentais da sua arte, para além de recuperar
a valorização de obras que são precioso testemunho das capacidades
criadoras de gerações dedicadas à nossa terra e suas gentes, a que
juntamos alguns dados sobre indústrias mais identificadas com as "artes
tradicionais", a que andam ligados muitos cidadãos anónimos que as
tornaram célebres, com os seus dotes artísticos... esperando, desta
forma, incentivar o aparecimento de novas temáticas e de novos valores,
dando aos mais novos esta possibilidade de contacto com os mais velhos.
Outros artistas e outras empresas com produção de
reputada qualidade foram lembrados. Por razões diferentes, não puderam
ou não quiseram estar representados. E se houve esquecimentos ou
lacunas, fica desde já a garantia de não ter sido acto de vontade.
E como se tanto se não devesse exclusivamente ao amor das
coisas que são nossas, o projecto irá mais longe, se para tanto houver
apoios morais e materiais, a ponto de fazer germinar o Museu Municipal.
Com efeito, o único existente até hoje na capital do Vouga está
instalado no antigo Convento de Jesus e deve-se, em embrião, a essa
exposição de 1882.
Volvido um século, um outro se impõe – e já vem tarde! –,
identificado com o homem e o meio em que vivemos (oxalá se pense no
terceiro, antes de volvidas mais dez décadas!!!), para o que a própria
comissão se dispunha a recolher material, logo que existissem
instalações, mesmo provisórias, no tempo e no espaço sem ficarmos à
espera das instalações da Fábrica Campos.
Finalmente, apesar dos tempos de austeridade económica
que o país atravessa, uma palavra de apreço pelo encorajamento e apoios
que o Governo Civil e a Câmara de Aveiro nos proporcionaram desde a
primeira hora, enquanto organismos estatais vocacionados para a Arte e
Cultura se mantiveram em silêncio.
E um voto: que outras manifestações surjam em defesa da
identidade cultural da Região de Aveiro.
AMARO NEVES
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