A história da bovinicultura do
Baixo Vouga é relativamente recente, pois só a partir do século
XIX é possível colher elementos das pecurações bovinas existentes.
Os primeiros animais descritos
nesta zona pertenciam à raça «Mirandesa» com uma área de dispersão
nacional muito extensa. Paula Nogueira descreve-os desde o
«planalto de Miranda até às margens do Douro, daqui avançando para
Oeste, penetrando em Vila Real, e para o Sul ocupando quase toda a
Beira Baixa e parte oriental da Beira Alta; repartem-se igualmente
até ao Litoral, invadindo a Beira marítima, passando às planícies
do Vouga e do Mondego».
Ocupando uma tão vasta zona, em
condições ecológicas tão diferentes, vão-se adaptando ao meio,
reconhecendo-se já no século XIX uma sub-raça beiroa, no distrito
de Aveiro, com duas variedades: o tipo serrano e o gado da
planície ou de campo. Este distinguindo-se pela sua maior
corpulência e uma pelagem de cor mais aberta. É esta variedade que
acaba por se fixar no estuário do Vouga, na então chamada Beira
marinha, onde com alguma influência da raça galega ou minhota que
entretanto atravessou o Douro e se dispersou em concorrência com o
Mirandês, acaba por originar o chamado gado «Marinhão».
Foi Paula Nogueira, eminente
zootecnista do século XIX, quem pela primeira vez se apercebe da
riqueza da bacia do Vouga e das suas potencialidades para a
bovinicultura. São dela as seguintes impressões:
«A região da Beira marinha tem uma
extensão aproximada de 450 km2, abraçando as planícies
baixas do Vouga e numerosas ilhas do estuário deste rio. É ali que
o gado «marinhão» tem o seu «habitat», vivendo à solta, sem um
abrigo, em pastagens duma fertilidade surpreendente. Nas grandes
cheias, quando as terras baixas são inundadas, apanha-se o gado
sem demora para darem entrada em espaços fechados denominados
currais, situados longe das águas.
As pastagens das ilhas do Vouga
pertencem a vários proprietários, que recebem dos agricultores uma
importância anual por cada cabeça de gado admitido à pastagem.
As vacas e os touros entram em
reprodução a partir do segundo ano. Quando atingem cinco ou seis
anos os touros são retirados desta função, na qual a vaca persiste
até aos dez ou doze anos. Nas ilhas do estuário, a cobrição faz-se
em plena liberdade, os touros acompanhando as vacas na pastagem.
Algumas vezes o touro pertence a um agricultor que recebe em
dinheiro ou géneros um preço acordado por cada vaca saltada.
Os vitelos são aleitados pelas
mães até aos quatro meses, se o matadouro não os reclama antes.
Tão depressa cevados, a maior parte dos machos são vendidos aos
agricultores da Gafanha, região de areias situada entre o estuário
e o mar, formando uma estreita zona que se estende de Ovar a
Ílhavo e Vagos.
Os novilhos, apenas com dez a doze
meses, lavram estas terras ligeiras e carregam das margens do
estuário o moliço ou algas marítimas, muito procurados para
estrumar a areia tornada produtiva à custa dos cuidados destes
activos trabalhadores. Aos dois anos os novilhos são castrados e
de novo vendidos aos agricultores de Mira e Cantanhede, no
distrito de Coimbra.
Quanto às novilhas da
Beira-marinha, são objecto de contratos chamados arrendamentos de
gado. O proprietário ou capitalista entrega a novilha a um criador
que a alimenta, fá-la trabalhar e reproduzir a partir dos dois
anos de idade. O produto da venda dos vitelos e da própria vaca é
dividido entre o capitalista e o criador, este recebendo a metade
ou dois terços, segundo utiliza ou não o trabalho dos animais. O
arrendamento de gado tem lugar muitas vezes também para os machos.
/ 23 /
O gado marinhão é sobretudo um
motor. Não é muito apreciado para o talho; entretanto, no
matadouro de Lisboa imolam-se estes animais todo o ano. Nas
planícies da Beira-marinha o gado adulto é quase exclusivamente
formado por vacas que são utilizadas para reprodução e trabalho
até uma idade muito avançada; compreende-se que a carne destes
velhos animais não possa engordar facilmente, apesar da abundante
alimentação que lhes dão até ao fim da sua vida. Estes animais não
se recomendam pela sua grande aptidão leiteira».
Curiosa e justa esta descrição de
Paula Nogueira que não resistimos a transcrever para se ter a
verdadeira imagem do aproveitamento dos campos do Vouga no século
XIX. Era como acabámos de ver uma região de criação por excelência
do gado marinhão. Foi igualmente à custa das suas belas pastagens,
naquele tempo, que se moldou uma nova raça bovina que se distingue
das raças originais por melhor corpulência, docilidade e
precocidade.
Mas o estuário não foi apenas uma
zona de criação bovina. Foi igualmente uma importante zona de
ceva, não só de gado marinhão, mas de outras etnias que aqui
vinham acabar o seu estado de ceva. É ainda Paula Nogueira com o
seu perspicaz espírito de observação que nos diz:
«Como centro de engorda, o
distrito de Aveiro, é o rendez-vous do gado mirandês de
Trás-o-Montes, das duas Beiras e da Estremadura. O concelho de
Estarreja, no estuário do Vouga, é o ponto para onde converge todo
este gado que, tendo trabalhado durante seis ou oito anos nas
diferentes regiões destas províncias, vem por fim adquirir nas
férteis pastagens de Aveiro o estado necessário, para ser admitido
nos matadouros. Assim os bois ratinhos da Estremadura penetram no
distrito de Aveiro pela região da Bairrada, estendem-se por Vagos,
Ílhavo e Aveiro até Estarreja. Os bois mirandeses e maroneses,
vindos de Trás-os-Montes, após atravessado o Douro, engordam-se
nos concelhos de Castelo de Paiva, Feira, Ovar e Oliveira de
Azeméis, até Estarreja. Todos estes bois mesmo aqueles,
denominados cabeceiros, provenientes de Espanha, são submetidos a
um trabalho moderado durante sete meses, de Outubro a Abril, em
que dura a sua engorda em regime misto».
A importância que hoje damos ao
Baixo Vouga, era já, pois, do conhecimento dos criadores do séc.
XIX e as suas pastagens eram apontadas como as melhores do País.
Nelas se praticou uma bovinicultura extensiva que teve renome em
moldes simples e económicos, exclusivamente à custa de prados
naturais. E houve ainda lugar para outras espécies pecuárias que
em concorrência com o bovino de igual modo granjearam fama.
Referimo-nos aos cabalinos que
durante muito tempo aqui se radicaram em termos de grande
projecção.
Os cavalos do estuário do Vouga
mereceram por parte do Governo, ainda no século XIX, uma atenção
especial. Assim em 1860 foram importados garanhões anglo-normandos
que foram introduzidos nos pastos hípicos de Aveiro com o fim de
modificar as suas formas.
Antes, os efectivos cabalinos,
mestiços por cruzamentos desordenados, não tinham qualquer
aceitação. Após as medidas tomadas, os criadores da região
interessaram-se sobretudo pelos cavalos anglo-normandos, cobrindo
as jumentas e os mestiços, obtendo-se novas gerações com melhor
desenvolvimento e melhores formas. Mas isto só foi possível pelas
condições naturais encontradas. Citando novamente Paula Nogueira:
«...dos garanhões estrangeiros
pertencentes ao Estado enviados a todos os Distritos, constatou-se
que houve apenas três regiões – Aveiro, Coimbra e Ribatejo – onde
os cruzamentos imprimiram modificações duráveis e profundas. Estas
regiões são também as mais abundantes em forragens graças ao Iodo
fecundante que deixam as cheias do Vouga, Mondego e Tejo sobre as
planícies vizinhas aos seus rios».
Era assim no século XIX. Os campos
do Baixo Vouga, manancial de carne, acudindo às carências das
regiões menos bafejadas, criando novas raças mais fortes, mais
corpulentas e mais económicas. Criando uma nova riqueza pecuária.
Com o rondar do século XX, as
condições pascigosas do Baixo Vouga começaram lentamente a
modificar-se.
Por força das obras da Barra, o
armazenamento de água na laguna passou de 50 000 000 de metros
cúbicos para 100000000 em 1955. Esta circunstância só por si teria
que acarretar profundas modificações na condução da pecuária
regional.
Entretanto o interesse pela
produção de carne e da ceva começou igualmente a dar lugar à
produção de leite.
É curioso referir que sendo hoje a
orla marítima a zona por excelência na produção de leite, foi no
entanto nos concelhos serranos do Distrito onde primeiramente há
notícia do interesse na produção de lacticínios. Em Dezembro de
1513, em foral de D. Manuel I à vila de Arouca, fazem-se
referências à preparação de manteiga de vaca nesta região.
/ 24 /
Em 1870, o então intendente de
pecuária, ANTÓNIO AUGUSTO DOS SANTOS, escrevia: «Em Coimbra e mais
terras que compõem o solar da família bovina arouquesa, o leite de
vaca é convertido tão-somente em manteiga».
Refere ainda o mesmo autor que a
fabricação da manteiga era quase exclusivo dos concelhos serranos
de Sever do Vouga, Vale de Cambra, Arouca e Castelo de Paiva.
Quer dizer, a lavoura do Baixo
Vouga, dada a fraca capacidade lactopoiética dos animais que
explorava, dedicava-se predominantemente à produção da carne.
Mais tarde, devido à circunstância
do País deixar de exportar gado bovino de corte para a Inglaterra,
a partir de 1895, começou a interessar-se igualmente pela produção
de leite.
É por esta ocasião que são
referenciados os primeiros animais de vocação leiteira.
À semelhança do que aconteceu em
todo o País, são assinalados já em 1870 alguns animais isolados do
tipo leiteiro.
Os bovinos malhados de preto e
branco, oriundos dos Países Baixos, são apelidados de «turinos»
nome porque então eram conhecidas as senhoritas janotas.
Com o rodar dos anos e a partir de
importações feitas pelos lavradores dos arredores de Lisboa, a
vaca turina expande-se e encontra em Aveiro o seu verdadeiro
solar.
A falta de exportação de carne e o
aparecimento dos animais turinos dão por sua vez origem a uma
indústria de Lacticínios, a partir de Estarreja e da orla litoral,
indústria que até então estava confinada à zona serrana e na
dependência da vaca arouquesa. Com o tempo é por sua vez a
indústria que fomenta os efectivos de tipo leiteiro que sofrem
grande aumento devido à procura da matéria-prima.
A raça turina é unanimemente
aceite como de origem
/ 25 / holandesa. Não é
mais que a vaca da Frísia, modificada e fixada ao nosso meio.
Ao sabor da sorte foram estes
efectivos criados nesta região até 1939-1941, data em que a
indústria de lacticínios sofreu profunda remodelação (Decreto n.º
29749, de 13-7-1939 e Portaria n.º 9733, de 10-2-1941).
O desenvolvimento da indústria de
lacticínios possibilita o total aproveitamento do leite produzido
garantindo a sua comercialização com reflexos positivos na débil
economia da pequena casa agrícola regional.
Iniciou-se, deste modo, uma
renovação dos efectivos leiteiros com intervenção dos serviços
oficiais no campo sanitário e zootécnico.
A Companhia de Saneamento dos
Bovinos leiteiros, começada em 1937, passou a abranger todos os
concelhos do Distrito e pela análise do quadro respectivo pode
apreciar-se a evolução destes efectivos e quais as zonas onde
gozam de maior preferência.
Na zona do Baixo Vouga, com grande
influência dos concelhos de Aveiro, Murtosa, Estarreja e
Albergaria, reflectindo-se ainda nos concelhos de Ovar e Águeda a
vaca turina encontrou as condições ecológicas favoráveis ao seu
melhor desenvolvimento e fixação. É uma zona de criação por
excelência, onde a verdura é uma tentação que a natureza pôs à
disposição destes animais.
É aqui, ainda hoje, apesar das
múltiplas tentativas do homem para contrariar a natureza e
degradar o meio por parte de certas actividades estranhas à
agicultura, que se criam os mais belos exemplares do País, cuja
fama faz desta zona o principal mercado abastecedor de bovinos
leiteiros.
Durante muitos anos a criação
bovina do Baixo Vouga contrastou com a maior parte das explorações
nacionais, onde predomina o regime de quase estabulação
permanente. Aqui, onde o mar em tempos morou, a vaca pôde dar-se
ao luxo de gozar mais liberdade e de enfeitar os campos com a sua
presença em cenário próprio que lembram as planícies húmidas da
Holanda.
A pouco e pouco foram gradualmente
substituídos os efectivos de gado marinhão que ficaram rapidamente
reduzidos às necessidades dos trabalhos agrícolas.
A mecanização da lavoura
dispensando parte do motor animal veio favorecer igualmente a
implantação da vaca leiteira, embelezando cada vez mais o cenário
da Ria.
Entretanto, o jogo económico das
explorações agrícolas regionais oscilou entre a criação animal e a
produção de leite e carne e a motivação de culturas de momento
mais rentáveis.
Aconteceu assim durante a Segunda
Guerra Mundial com a cultura do arroz que passou a concorrer com a
animalicultura.
Assim, após a eclosão da guerra, o
arroz que até então era apenas cultivado nos terrenos do Vouga de
mais difícil drenagem, passou a ser prática corrente nas numerosas
ilhas do estuário. As cotações atingidas pelo arroz durante este
período levou a lavoura a rebaixar campos de pastagem onde se
implantaram praias orizícolas.
Deste modo e gradualmente, foram
praticamente destruídos muitos dos logradouros onde outrora se
cevaram bovinos oriundos das mais diversas regiões do País. A vaca
leiteira deixou de encontrar as condições pascigosas que até ali
se lhe ofereciam.
Mesmo assim, por força de uma
tradição que, entretanto, se enraizou desde o final do século
passado, a vaca leiteira resistiu porque continuava a ser uma
fonte de rendimento a curto prazo e que acudia quinzenalmente à
debilitada economia do casal agrícola regional.
Foram os agricultores do Baixo
Vouga quem primeiramente apadrinharam a criação de bovinos de
vocação essencialmente leiteira neste distrito.
É que estes animais menos rústicos
e mais exigentes que os tradicionais bovinos de trabalho e carne
não tiveram uma fácil e cómoda adaptação em todas as regiões.
Os primeiros exemplares apareciam
tão somente nos arrabaldes das vilas e cidades para fornecimento
de leite directo aos seus habitantes. Em condições de maneio menos
correcta a sua procriação em linha pura era duvidosa e a criação
dos descendentes com vista ao repovoamento dos efectivos fazia-se
com muita dificuldade.
Foram, por isso, as zonas com
melhores condições pascigosas que praticaram a recria de bovinos
destinados à reprodução. Os campos do Vouga deram largo contributo
nesse sentido, tornando-se conhecidas as novilhas leiteiras
recriadas no campos da marinha de Ovar, Estarreja e Murtosa que,
depois de cheias, iam povoar as vacarias das restantes zonas do
País.
Mercê desta circunstância Aveiro
era, e ainda é, o principal mercado abastecedor de bovinos
leiteiros.
De resto, os concelhos da Marinha,
particularmente Murtosa, Ovar e Estarreja em confronto com os
restantes concelhos do Distrito, por força das suas excepcionais
condições como fonte de criação bovina, apresentam um índice de
fertilidade bastante superior.
Em inquérito realizado em 1955,
quando ainda não eram sentidos os efeitos da poluição da indústria
de papel no Baixo Vouga lagunar, a percentagem de fertilidade nos
principais concelhos do litoral ficou ordenada da forma seguinte:
/ 26 /
|
CONCELHOS |
% de fertilidade normal |
% de baixa fertilidade
atrasos de fecundação |
% de infecundidade |
|
1955 |
1956 |
1955 |
1956 |
1955 |
1956 |
Murtosa
Ovar
Estarreja
Vagos
Oliv.
Azeméis
Vila da Feira
Alb.-a-Velha
Aveiro |
85,1
78
77,7
68,6
67,7
64,8
63,6
61,3 |
84,2
80,4
73,3
70,6
66,5
65,7
64,6
69,6 |
13,3
18
15,9
24,7
27,8
29,2
30,4
28,7 |
11,4
11,4
19,8
18,7
25,2
28,8
22,0
22,9 |
1,6
4
6,4
6,7
4,5
6,0
6,0
10,0 |
4,4
8,2
6,2
10,7
8,3
5,5
13,4
7,5 |
|
|
Consideraram-se com fertilidade
normal todas as vacas vazias paridas há menos de 3 meses e as
gestantes em que a última beneficiação tivesse ocorrido dentro dos
primeiros 100 dias após o último parto. Com baixa fertilidade
todas aquelas que só fecundaram após um intervalo de tempo
superior a 100 dias depois da última parição. Com infecundidade
consideram-se os animais infecundos temporária ou definitivamente
por causas patológicas ligadas ao aparelho genital.
Quer dizer, a zona de recria
fixou-se, de preferência, nos campos do Vouga, onde existiam
melhores condições de procriação. O caso do concelho de Aveiro,
dentro da mesma zona em último lugar de percentagem de
fertilidade, veio a explicar-se pela existência duma parasitose
ligada ao aparelho reprodutor – tricomoníase – que, entretanto,
grassou com certa intensidade naqueles anos e que posteriormente
foi debelada através dos Serviços e da prática da Inseminação
Artificial.
Pelo exposto, não admira, pois, o
lugar destacado dos campos do Vouga e a preferência das suas
gentes na manutenção da vaca turina. Esta faz parte integrante da
paisagem, como o campino e o cavalo fazem parte do Ribatejo.
No entanto, não foi tão fácil como
à primeira vista se poderia julgar, a implantação dos bovinos de
tipo leiteiro na Bacia do Vouga.
Inicialmente tiveram que ocupar o
lugar do tradicional bovino marinhão até se conseguir um justo
equilíbrio entre as duas etnias. O marinhão mais rústico e
adaptado às ilhas do Vouga, sem necessidade de trato especial
continua ainda a ter o seu lugar e a justificar que as entidades
oficiais se ocupem igualmente do seu melhoramento.
|
VACAS LEITEIRAS INSCRITAS NA
CAMPANHA DE SANEAMENTO DE BOVINOS LEITEIROS – AVEIRO |
|
|
Anos: |
|
Anos: |
|
Anos: |
|
1940
1941
1942
1943
1944
1945
1946
1947
1948
1949
1950
1951
1952 |
17 694*
23 620
21 139
20 370
20 614
20 408
18 988
19 401
20 236
21 250
22 837
24 073
8 687* |
1953
1954
1955
1956
1957
1958
1959
1960
1961
1962
1963
1964
1965 |
25 866
26 963
28 285
27 600
28 492
28 376
29 867
30 449
30 078
29 833
29 337
27 969
28 180 |
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978 |
28 120
26 467
28 104
29 836
29 987
28 476
29 140
31 072
31 842
33 188
34 777
35 617
em curso |
|
|
|
(*) A campanha não abrangeu
todos os concelhos. |
|
O gado marinhão possante e
generoso é indispensável ainda em muitos trabalhos agrícolas onde
o tractor não pode manobrar. São as pequenas courelas, são os
trabalhos de ensejo onde a sua presença é de grande utilidade. As
ilhas mais afastadas e de difícil acesso, continuam a obrigar o
bovino marinhão como nos descreveu Paula Nogueira no século XIX.
Quando na segunda Guerra Mundial
se intensificou a cultura do arroz, foi o bovino marinhão que se
ocupou dos difíceis trabalhos de arroteamento e lavoura dos
terrenos a cultivar. Por esta ocasião, como já se frisou, os
efectivos turinos sofreram no Vouga uma certa regressão a favor
dos possantes animais da marinha. De resto, as flutuações dos
efectivos bovinos reflectem, em última análise, os interessos
económicos em jogo.
/ 27 /
Durante muito tempo o bovino
marinhão resistiu à raça invasora. Não havia propriamente a
produção intencional deleite cuja exploração vivia em paralelo com
a recria e a engorda e, em muitos casos, complementada pela
própria função do trabalho.
O preço do leite estava longe de
ser compensador e a lavoura vivia subjugada aos interesses
económicos da indústria de lacticínios. O leite era, na sua quase
totalidade, enviado aos industriais para o fabrico de queijo e
manteiga, não havendo interesse em fomentar leite de qualidade
higiénica, para consumo em natureza.
Com o rodar dos anos e o
aparecimento do movimento cooperativo afecto ao sector leiteiro, a
lavoura organiza-se e começa a tomar consciência da importância do
ciclo económico do leite. Os preços passam a ser ajustados em
função da sua qualidade, intensificando-se um serviço de
vulgarização com vista à classificação do produto.
Entretanto e para rodear as
dificuldades que as estruturas das explorações agrícolas locais do
minifúndio apresentam, montam-se as primeiras salas colectivas de
ordenha mecânica onde o pequeno produtor pode entregar leite de
classe A.
A ordenha mecânica, quase
desconhecida na região há 10 anos, é hoje uma realidade, sendo
ordenhadas mecanicamente mais de 70 % dos efectivos existentes.
Nos concelhos de Ovar, Murtosa e Estarreja a ordenha mecânica
envolve praticamente todos os efectivos e em Aveiro apenas uma
pequena mancha não está totalmente abrangida.
Os produtores passaram a
interessar-se voluntariamente pelos problemas ligados à produção
do leite através das suas estruturas, sendo de realçar o papel
desempenhado neste campo pelas cooperativas agrícolas ligadas ao
sector.
A vaca turina deixou de viver ao
sabor da sorte, passando a multiplicar-se em esquemas zootécnicos
com base em registo de produção, através de provas funcionais.
Não é pois por acaso que a vaca
leiteira da região de Aveiro, como é conhecida no País, desfruta
da fama de boa produtora. É fruto do meio e dos cuidados que os
serviços oficiais, com a participação da lavoura, lhe
proporcionaram. E, se não fosse a região do Vouga, se os campos
onde outrora se cevava carne que o País consumia não tivessem sido
aproveitados para acarinhar e fixar as «turinas» que aqui
timidamente apareceram, e recriar a sua descendência, não teríamos
hoje o alfobre dos belos exemplares que se espalham pelo País.
Porque não é por acaso que nesta
região, no próprio estuário do Vouga, se encontram montados
verdadeiros serviços de fomento dedicados à selecção e
melhoramento dos efectivos existentes, que podem servir de exemplo
para as restantes zonas do País. É antes o resultado da real
capacidade leiteira que a região oferece e que é imperioso
amparar.
Sem receio de desmentido com base
em amostragens realizadas nas salas de ordenha colectiva montadas
pelas Cooperativas leiteiras regionais, através do contraste
lacto-manteigueiro, o potencial genético da Vaca leiteira do Vouga
é de cerca de 4000 Kgs de leite por lactação e por ano, como se
elucida nos quadros respectivos (anos de 1970 a 1975:
|
ANO 1970 |
|
|
LACTAÇÕES |
VACAS CONTRASTADAS |
Dias de
Lactação |
NOS 1.os 305 DIAS |
Produção
Total |
Matéria
Gorda
Total |
N.ºs |
% |
Produção |
Matéria
gorda |
Teor
Butiroso |
1.ª
2.ª
3.ª
4.ª
5.ª
6.ª
7.ª
8.ª
9.ª e + |
73
85
47
62
24
16
35
46
52 |
16,6
19,3
10,7
14,1
8,0
5,5
3,6
10,4
11,8 |
317
295
295
310
308
296
325
309
290 |
3098
3252
3627
3482
3593
3697
4131
3616
3528 |
108
110
125
120
120
121
136
125
116 |
3,48
3,40
3,46
3,43
3,34
3,31
3,30
3,41
3,32 |
3331
3370
3735
3755
3823
3810
4416
3840
3638 |
116
115
129
129
128
126
146
131
121 |
TOTAL |
440 |
100,0 |
–– |
–– |
–– |
–– |
–– |
–– |
|
MÉDIA |
304 |
3460 |
117 |
3,40 |
3659 |
124 |
|
|
/ 28 /
|
ANO 1971 |
|
|
LACTAÇÕES |
VACAS CONTRASTADAS |
Dias de
Lactação |
NOS 1.os 305 DIAS |
Produção
Total |
Matéria
Gorda
Total |
N.ºs |
% |
Produção |
Matéria
gorda |
Teor
Butiroso |
1.ª
2.ª
3.ª
4.ª
5.ª
6.ª
7.ª
8.ª
9.ª e + |
219
113
119
71
66
42
30
33
82 |
28,3
14,6
15,4
9,2
8,5
5,4
3,8
4,2
10,6 |
313
302
298
293
306
293
306
296
297 |
3011
3436
3668
3654
3860
3674
3850
3609
3631 |
105
112
121
120
123
117
122
118
116 |
3,54
3,43
3,45
3,38
3,37
3,36
3,35
3,36
3,36 |
3222
3436
3668
3654
3860
3674
3850
3609
3631 |
115
118
127
124
132
123
129
123
123 |
TOTAL |
775 |
100,0 |
–– |
–– |
–– |
–– |
–– |
–– |
|
MÉDIA |
303 |
3347 |
116 |
3,44 |
3524 |
122 |
|
|
|
ANO 1972 |
|
|
LACTAÇÕES |
VACAS CONTRASTADAS |
Dias de
Lactação |
NOS 1.os 305 DIAS |
Produção
Total |
Matéria
Gorda
Total |
N.ºs |
% |
Produção |
Matéria
gorda |
Teor
Butiroso |
1.ª
2.ª
3.ª
4.ª
5.ª
6.ª
7.ª
8.ª
9.ª e + |
213
214
166
147
107
114
72
63
118 |
17,54
17,62
13,67
12,10
8,81
9,39
5,93
5,18
9,71 |
300
296
296
303
289
297
293
290
303 |
2660
3104
3443
3591
3430
3636
3468
3232
3309 |
97
109
120
124
119
123
117
110
114 |
3,64
3,51
3,48
3,46
3,47
3,37
3,42
3,40
3,45 |
2778
3243
3555
3757
3527
3773
3571
3417
3509 |
101
114
123
131
123
123
122
116
122 |
TOTAL |
1214 |
100,00 |
–– |
–– |
–– |
–– |
–– |
–– |
|
MÉDIA |
297 |
3266 |
114 |
3,47 |
3391 |
119 |
|
|
/ 29 /
|
ANO 1973 |
|
|
LACTAÇÕES |
VACAS CONTRASTADAS |
Dias de
Lactação |
NOS 1.os 305 DIAS |
Produção
Total |
Matéria
Gorda
Total |
N.ºs |
% |
Produção |
Matéria
gorda |
Teor
Butiroso |
1.ª
2.ª
3.ª
4.ª
5.ª
6.ª
7.ª
8.ª
9.ª e + |
395
264
270
244
221
150
169
97
142 |
20,23
13,52
13,83
12,50
11,32
7,68
8,65
4,96
7,27 |
312
299
301
299
296
299
305
301
306 |
3395
3103
3751
3939
3971
3940
3971
3795
3791 |
110
120
136
136
133
133
134
125
129 |
3,54
3,53
3,46
3,45
3,34
3,06
3,08
3,29
3,40 |
3257
3498
3870
4109
4035
4803
4108
3912
3959 |
117
125
134
142
137
138
139
135
135 |
TOTAL |
1952 |
100,00 |
–– |
–– |
–– |
–– |
–– |
–– |
|
MÉDIA |
304 |
3640 |
126 |
3,46 |
3786 |
134 |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
ANO 1974 |
|
|
LACTAÇÕES |
VACAS CONTRASTADAS |
Dias de
Lactação |
NOS 1.os 305 DIAS |
Produção
Total |
Matéria
Gorda
Total |
N.ºs |
% |
Produção |
Matéria
gorda |
Teor
Butiroso |
1.ª
2.ª
3.ª
4.ª
5.ª
6.ª
7.ª
8.ª
9.ª e + |
410
348
234
252
209
187
115
120
163 |
20,12
17,08
11,48
12,37
10,25
9,17
5,64
5,89
8,00 |
316
301
308
299
304
301
314
301
305 |
3212
3475
3843
3964
4144
4018
4210
3802
3866 |
112
125
137
135
141
135
139
136
128 |
4,53
3,58
3,57
3,40
3,39
3,37
3,31
3,59
3,30 |
3464
3764
4013
4234
4294
4178
4383
4189
3973 |
119
131
144
138
147
149
147
141
144 |
TOTAL |
2038 |
100,00 |
–– |
–– |
–– |
–– |
–– |
–– |
|
MÉDIA |
306 |
3775 |
128 |
3,41 |
3965 |
1316 |
|
|
/ 30 /
|
|
|
|
|
|
|
ANO 1975 |
|
|
LACTAÇÕES |
VACAS CONTRASTADAS |
Dias de
Lactação |
NOS 1.os 305 DIAS |
Produção
Total |
Matéria
Gorda
Total |
N.os |
% |
Produção |
Matéria
gorda |
Teor
Butiroso |
1.ª
2.ª
3.ª
4.ª
5.ª
6.ª
7.ª
8.ª
9.ª e + |
148
239
268
183
167
125
99
66
118 |
10,5
16,9
19,0
13,0
11,8
8,8
7,0
4,7
8,3 |
311
300
304
298
299
298
302
309
315 |
3558
3917
4039
4101
4179
4308
4322
4272
4129 |
127
138
142
140
144
149
147
146
140 |
3,57
3,53
3,52
3,43
3,44
3,47
3,41
3,42
3,39 |
3740
4041
4159
4248
4332
4405
4445
4461
4335 |
134
141
147
148
149
153
151
152
148 |
TOTAL |
1413 |
100,0 |
–– |
–– |
–– |
–– |
–– |
–– |
|
MÉDIA |
304 |
4055 |
141 |
3,47 |
4198 |
146 |
|
|
/ 31 /
Voltando à raça marinhoa e depois
das flutuações já referidas, verifica-se que continua a povoar as
zonas da marinha mais alagadiças e arenosas onde a mecanização
dificilmente entra.
Realmente, e apesar da infiltração
na área do gado de tronco «Holandês» e a preferência pela
mecanização agrícola, ao compararmos os efectivos do arrolamento de
1940 com o de 1972 na zona ocidental do Distrito, o bovino marinhão
continua presente embora com uma quebra de cerca de 31 %:
|
CONCELHOS |
1940 |
1972 |
DIFERENÇAS |
para + |
para – |
Espinho
Ovar
Oliveira de Azeméis
Estarreja
Murtosa
Albergaria-a-Velha
Águeda
Aveiro
Ílhavo
Vagos |
783
2 849
1 122
4 372
2 073
2 080
2 648
3 443
1 011
3 614 |
166
1 313
––
2 843
751
1 542
4 863
2 621
785
13,6 |
––
––
––
––
––
––
2215
––
––
–– |
617
1 450
1 122
1 529
1 322
538
––
822
226
2 218 |
TOTAL |
23 995 |
|
|
7 635 |
|
|
Por outro lado, durante o mesmo
período, o movimento do gado leiteira indica o seguinte:
|
CONCELHOS |
1940 |
1950 |
1960 |
1972 |
DIFERENÇAS |
Para + |
Para - |
Espinho
Ovar
Oliveira de Azeméis
Estarreja
Murtosa
Albergaria-a-Velha
Águeda
Aveiro
Ílhavo
Vagos |
388
2 710
4 700
2 793
1 412
589
233
1 473
928
1 412 |
334
2 365
3 706
1 600
1 002
991
688
1 933
630
1 594 |
258
2 681
4 460
2 170
1 207
1 419
1 016
2 899
1 003
2 999 |
113
2 303
4 279
2 423
1 434
1 358
666
2 467
927
4 344 |
––
––
––
––
22
769
433
994
––
2 930 |
275
407
421
370
––
––
––
––
1
–– |
TOTAL |
16 638 |
14 843 |
20 112 |
20 314 |
5 148 |
1 474 |
|
|
Quer dizer, e isto reportando-nos
tão somente à parte mais ocidental do Distrito, à volta da zona da
marinha, o efectivo leiteiro não veio substituir senão em 19 % o
bovino marinhão. Mais, no Baixo Vouga deu-se no decorrer destes anos
uma diminuição dos efectivos bovinos totais.
Assim, considerando apenas os
concelhos que gravitam no Baixa Vouga lagunar temos:
|
Concelhos |
1940 |
1972 |
Marinhão |
Leiteiro |
Total |
Marinhão |
Leiteiro |
Total |
Ovar
Estarreja
Murtosa
Alb.-a-Velha
Aveiro |
2849
4372
2073
2080
3443 |
2710
2793
1412
589
1473 |
5559
7165
3485
2669
4916 |
1393
2843
751
1542
2621 |
2303
2423
1434
1358
2467 |
3696
5266
2185
2900
5088 |
TOTAL |
14817 |
8977 |
23794 |
9150 |
9985 |
19135 |
|
|
Houve, pois, uma diminuição de 4859
cabeças de gado entre 1940 e 1972.
O ajustamento do preço do leite a
partir de 1974 e 1975 veio em parte atenuar a situação deficitária
dos efectivos bovinos, havendo um melhor encabeçamento de vacas
leiteiras que, mesmo assim, fica aquém da carga bovina existente em
1940.
/ 32 /
|
EFECTIVOS BOVINOS LEITEIROS |
CONCELHOS |
1974 |
1975 |
1976 |
1977 |
Ovar
Estarreja
Murtosa
Albergaria-a-Velha
Aveiro |
2641
2673
1500
1489
2879 |
2743
2931
1576
1557
2809 |
2867
3400
1687
1712
2815 |
2874
3603
1748
1829
2913 |
TOTAL |
11182 |
11616 |
12481 |
12967 |
|
|
Para se atingir o encabeçamento
existente em 1940 – 23794 bovinos marinhões e turinos – faltam-nos
ainda 1 677 cabeças. O que significa que alguma coisa está errada
quanto ao aproveitamento desta zona. Não por falta de interesse do
empresário agrícola, mas porque cada vez mais se impede que os gados
possam aproveitar durante todo o ano as condições pascigosas que o
Vouga deveria proporcionar.
É que, como já se deixou antever, o
homem, que não o agricultor, parece desprezar todas as
potencialidades com que a Natureza prodigalizou a região e quer
apostar na destruição dum património ecológico que, quer queiram
quer não, aponta para uma agricultura próspera votada à criação
animal. Por isso não possuímos mais, por isso não nos é possível
tirar proveito das condições naturais que o meio oferece e que
existiam ainda nas primeiras décadas deste século.
A verdade é que estão praticamente
desaproveitados cerca de 11 000 hectares de terra útil que permitem
o encabeçamento de mais 20 000 vacas de tipo leiteiro, onde outrora
moraram e se engordaram milhares de bovinos de destinados ao abate e
à exportação. Por culpa de uma concentração industrial, altamente
poluente, que a passos largos transformou o «Iodo fecundante» do
Vouga, de que nos falava Paula Nogueira, em lava destruidora que as
cheias do Vouga deixam nas planícies vizinhas ao seu rio.
A Bacia do Vouga, está portanto
subaproveitada não por culpa das suas gentes, mas porque as
entidades responsáveis teimam em votá-la ao esquecimento.
Talvez porque a riqueza que
diariamente dela sai leve os homens a considerar que somos
demasiadamente exigentes.
Na realidade, os concelhos centrados
no Baixo Vouga entregam mais de 40 milhões de litros de leite
anualmente, ou seja, cerca de um quarto da produção total da bacia
leiteira entre o Douro e Mondego – estimada em 160 milhões de litros
– e pouco menos de metade da produção entregue pelo distrito de
Aveiro (100 milhões).
Referimo-nos tão somente ao leite
recepcionado pelas organizações da lavoura, dado que a produção real
não andará muito longe dos 50 milhões se considerarmos o leite
consumido pelos crias e o que se reserva para a casa agrícola.
Quanto à produção de carne de
bovino, os mesmos concelhos do Baixo Vouga lagunar, com base nas
disponibilidades existentes – cerca de 1 275 novilhos, mais 250
vacas de trabalho de refugo e 5250 novilhos, com 310 vacas turinas
de refugo –, fornecem:
1 275 novilhos x 220 kgs. de carne 280 500 kgs.
250 vacas
x 250 »
» »
62 500 »
5 250 novilhos x 230 » »
»
1 207 500
»
810 vacas
x 220 » »
»
178 200
»
____________
1 728
700 »
É esta presentemente a produção de
leite e carne dos concelhos que se debruçam no estuário do Vouga.
Cerca de 50 milhões de litros de leite e 1728700 kgs de carne
bovina, dentro da seguinte área agrícola:
|
CONCELHOS |
Total |
Com utilização
agrícola |
Com utilização
florestal |
Com
utilização
agro-florestal |
Com
outras utilizações ina-proveitáveis |
Encabeçamento de
bovinos por hectare |
Albergaria-a-Velha
Aveiro
Estarreja
Murtosa
Ovar |
15598
19726
10811
7365
14988 |
4000
7207
6022
2263
41627 |
9816
4549
3214
887
8045 |
–
186
40
–
– |
1082
7784
1535
4215
2316 |
0,72
0,7
0,87
0,96
0,8 |
TOTAIS |
68488 |
24119 |
26511 |
226 |
16932 |
0,8 |
|
|
/ 33 /
Se considerarmos que os concelhos
citados praticam uma policultura intensiva, o encabeçamento é
bastante razoável, quiçá superior às disponibilidades forrageiras
existentes, o que explica uma tendência crescente ao recurso de
concentrados, como suplemento alimentar da vaca leiteira.
Acontece no entanto, como já atrás
acentuámos, que na Bacia do Vouga existem por aproveitar 11 000
hectares que aguardam que seja posto em prática o «Plano de
Aproveitamento do Rio Vouga» se quisermos apontar para uma produção
acrescida na ordem dos 70000000 de litros de leite anualmente. Isto
é, a bacia leiteira entre o Douro e o Mondego, centrada em Aveiro,
no Vouga, passaria a entregar 240 000 000 litros de leite por ano.
Quando por vezes se põe em dúvida a
reprodutividade de certos investimentos no nosso País, parece
incrível que não se entenda de uma vez por todas que o Plano de
Aproveitamento do Vouga está devidamente integrado num conjunto de
acções cuidadosamente estudadas com reflexos imediatos na nossa
economia. A não ser que não queiramos produzir mais leite e carne. O
que se pretende aqui, é bom que isto fique bem claro, é reconduzir a
região à prática da bovinicultura em prados que foram a pouco e
pouco degradados e que, no século XIX, foram uma fonte de riqueza
que possibilitou a exportação de carne para Inglaterra. O que se
entende hoje possível é que esses mesmos prados, com outros cuidados
e outra técnica, dêem lugar à produção de leite e carne, em
condições de concorrência. O que se deseja igualmente é que se não
continue a procurar leite e carne à custa de encabeçamentos utópicos
com recurso a concentrados quando existem condições naturais que
permitem a exploração dos gados em moldes mais racionais e
económicos. O que se aposta é no povoamento dos campos do Vouga nos
mesmos moldes em que a vaca leiteira é explorada nos «polders» da
Holanda. O que se quer dizer é que existe uma pequena Holanda
completamente desaproveitada porque as entidades responsáveis não
acreditam nas potencialidades da região, das suas gentes e dos seus
técnicos.
É para já, a curto prazo,
independentemente da aprovação do citado «Plano» e sem interferir
com a sua execução, temos à nossa frente, cerca de 4 000 hectares no
Baixo Vouga lagunar, que apenas, ou pouco mais precisam do que a
construção da estrada-dique Aveiro-Murtosa.
A estrada-dique é absolutamente
indispensável para a recuperação integral e completa dos campos,
outrora ubérrimos, desta laguna. Foi precisamente aqui, nas célebres
pastagens do século XIX, o «rendez-vous» da ceva bovina
Nacional, como nos relatou Paula Nogueira, quando ainda as águas
salgadas vindas da barra não penetravam nesta zona.
A chave do problema está na execução
da estrada-dique e não vale a pena rodear a questão. Ou desejamos
aproveitar estes milhares de hectares e não se discute mais a sua
construção, ou entramos em sofisticações mais ou menos verbalistas
de que serve uma simples estrada e então continuamos a assistir à
penetração das águas salgadas, para mais tarde lamentarmos que os
caudais de água doce, muito embora mais ou menos regularizados pelas
barragens a montante, previstas no «Grande Plano», não chegam para
travar o passo às águas da barra. E ano após ano, vemos mais campos
com utilização agrícola degradados, mais pastagens desaproveitadas,
até expulsarmos, do Baixo Vouga os bovinos que ainda teimam em
manter.
É preciso que as pessoas compreendam
que a estrada-dique não é um luxo e muito menos um capricho das
gentes e dos técnicos que aqui vivem. É que uns e outros ao longo
dos anos sentem e estudam em conjunto o problema no seu verdadeiro
lugar, onde as águas se chocam, onde estragam e como se poderia
dominá-las.
Por outro lado, se esta obra não for
uma realidade a curto prazo, qual é o montante da factura que,
entretanto, vamos pagando ao longo de quantos anos, até que o Plano
do Vouga dê os seus frutos.
São 4000 hectares que consentem uma
carga de 10000 bovinos, incluindo cerca de 8000 vacas leiteiras em
produção. Ou seja, 28 milhões de litros de leite que se perdem
anualmente. Significam ainda 6400 crias nascidas em cada ano, as
vitelas para repovoamento e substituição de efectivos Nacionais e à
volta de 3200 machos para abate com mais de 70 toneladas de carne
para abastecimento das populações. Mais, não acreditamos, nem os
técnicos nem as povoações interessadas, que o «Plano do Vouga» dê a
resposta necessária sem que a construção da estrada-dique seja uma
realidade.
Em resumo, as perspectivas futuras
da bovinicultura do Baixo Vouga dependem do carinho, ou melhor, da
compreensão que as entidades responsáveis votarem ao aproveitamento
imediato dos seus recursos. Estes não podem ser devidamente
utilizados sem a existência dum dique que defenda estes campos da
influência das marés. Isto tem que ser entendido. O dique é, pois,
um complemento indispensável às obras do Porto de Aveiro. A não ser
assim o Porto de Aveiro será acusado, e não somos nós os primeiros a
fazê-lo, de ter sido feito à custa dos solos mais férteis do Vouga,
à custa de uma agricultura outrora próspera, à custa dum património
cada vez mais caro à Nação, o que não faz sentido.
Um vau a ligar campos de cultura do Vouga, em
Cacia.
Com uma condição. Todas as acções
que no Vouga se proponham com vista à implementação duma agricultura
/ 34 / e pecuária modernas,
pressupõem que o problema da poluição, presentemente da maior
gravidade, esteja, entretanto, resolvido.
Porque doutro modo não vale a pena
pensar em qualquer desenvolvimento agro-pecuário. Mais uma década e
ficará tudo resolvido, tudo reduzido à expressão mais simples. Nem
mais carne, nem mais leite. As famosas pastagens do Vouga
pertencerão à História, como à História já pertence a cultura do
arroz. Vale a pena recordar que ainda em 1953, data em que começou a
laborar a indústria do papel, em pleno coração do Vouga, saíam da
zona cerca de 2500 vagões por ano. Hoje, diga-se o que se disser, a
cultura do arroz morreu em holocausto a uma indústria altamente
poluente, que fez tábua rasa dos mais elementares princípios de
tratamento a que os seus efluentes deveriam ser submetidos.
Será que vamos continuar com mais
sacrifícios ao «Deus» da Indústria?
Sinceramente não acreditamos. Até
porque precisamos dessa indústria. É que a evolução existe, e os
campos do Vouga voltarão a albergar nas suas pastagens os bovinos de
que o País precisa e a produzir, com mas tecnologia, mais carne e
mais leite.
Aqui, onde o mar outrora morou,
será, se quisermos, o moderno solar da vaca leiteira Nacional. |