Aí por volta do século X os
sucessos da natureza começam a transformar o aspecto da larga e
pouco penetrante baía que partia das proximidades de Espinho e
ia terminar junto à serra da Boa Viagem.
Aí por volta do século X os
sucessos da natureza começam a transformar o aspecto da larga e
pouco penetrante baía que partia das proximidades de Espinho e
ia terminar junto à serra da Boa Viagem. |
Um processo de deposição de
sedimentos vai decorrendo ao longo dos séculos e dá lugar à
formação de vastas áreas planas entre Espinho e Ovar e entre
Mira e a serra da Boa Viagem. Entre Ovar e Mira, há três rios, o
Vouga, o Águeda e o Cértima que, desaguando na primitiva baía em
locais muito próximos, quase formando um único estuário, não
consentiram na formação de idênticas planuras. O destino desses
rios era o mar e quando os aluviões tentavam barrar-lhes o
caminho, a energia dos seus caudais foi empurrando os materiais
que empatavam as suas marchas, rompendo por aqui e por ali, até
chegarem ao fim das suas viagens. |
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E a extensa baía foi desaparecendo;
ao norte e ao sul as areias ocuparam o espaço das águas do mar e
imprimiram à paisagem um tónus quase desértico; mas no centro, as
águas dos três rios, rompendo sempre e mantendo uma embocadura por
onde o mar ora entrava ora saía, no jogo permanente das marés,
geraram uma porção de território bem diferente. Nesta zona central
da antiga baía a continuidade das terras não foi atingível,
doando-nos assim a natureza uma laguna que veio a ser baptizada com
o nome de Ria de Aveiro, depois que o processo da sua formação ficou
concluso.
No século X, o mar atingia,
francamente, Ovar, Estarreja, Angeja, Travassô, Fermentelos,
recuando depois até Cacia e Aveiro e encostando-se depois a Ílhavo,
Vagos e Mira. Ovar era porto marítimo e centro de produção de sal;
em Alquerubim o sal era, também, extraído das águas.
Aveiro – Porto bacalhoeiro da Gafanha.
A pincelada final na Ria de Aveiro
deu-a a natureza com a formação de um cordão arenoso que, arrancando
do norte, foi crescendo e crescendo para sul até quase voltar a
ligar-se à costa nas proximidades de Mira; quase ligar-se – dizemos
– pois que a ligação plena nunca foi atingida porque as águas do
Vouga, do Águeda e do Cértima, na sua escapada para o mar, não a
consentiram. Por essa passagem, imprescindível à fuga das águas dos
rios, as marés fluíam e refluíam, fazendo manter-se a laguna com
suas características muito particulares.
Essa passagem – a barra – divagou ao
longo dos tempos no cordão litoral preferindo, na parte final da
formação da laguna, a zona compreendida entre a Vagueira e Mira para
as suas deambulações naturais, apresentando-se ora mais rasgada ora
mais constrangida, ora mais profunda, ora mais exalçada.
/ 36 /
A posição da barra e as suas
características topo-hidrográficas tiveram uma influência vital nas
gentes e terras da bordadura lagunar. Quando a barra estava bem
situada, era franca e profunda, Aveiro e suas redondezas viviam
intensamente e em desafogo económico; quando, pelo contrário, a
barra se mostrava mal localizada, estreita e com pouca água, a
região conhecia tempos de miséria e de morte.
Com a barra em boas condições, a
água lagunar era renovada pelas marés e o comércio marítimo
processava-se em volumes apreciáveis no porto bem abrigado e
tranquilo que a laguna constituía; nos tempos de má barra, as águas
da laguna estagnavam, vinham as doenças e o tráfego de navios decaía
ou anulava-se – era a doença, a morte, a miséria.
A vida de Aveiro – principalmente –
e a de toda a região lagunar teve altas e baixas ao sabor das
condições da barra; Aveiro era mais sensível a estas mutações, uma
vez que era nas suas proximidades que vinham fundear os navios de
alto bordo e era através da cidade que circulavam as mercadorias do
tráfego comercial marítimo. Nos primórdios do século de 1500 a
cidade e região eram prósperas graças ao movimento do porto que
então ultrapassava o número dos 100 navios de comércio por ano; a
actividade salineira era uma riqueza regional; a agricultura
francamente compensadora; e a pesca uma outra realidade
verdadeiramente próspera a ponto de a praça ter começado, então, a
armar as embarcações para a captura do bacalhau nos mares da Terra
Nova.
Por meados do século XVII, estando a
barra situada pela Vagueira e em deslocação mais para sul, surge o
declínio do porto e a ruína das actividades lagunares. Este estado
de coisas, com uma franca tendência para se agravar, foi
apresentando alternâncias de esperança quando as condições naturais
introduziram melhorias na barra divagante.
Nos fins do século XVIII a situação
era catastrófica. Para o demonstrar basta que citemos que a
população da cidade, que era da ordem das 15000 almas em fins do
século XV, não ia além de cerca de 3500 habitantes nos fins do
século XVIII, e destes, quase todos eram pobres e doentes.
Os problemas da barra, que começam a
agudizar-se no princípio do século XVIII, passam a ser objecto de
séria preocupação e estudo a partir de meados do mesmo século.
Muitos foram as personalidades que se debruçaram sobre o problema,
algumas das quais afamados especialistas estrangeiros. Porém, só em
1808 foi lograda uma solução satisfatória projectada pelos
engenheiros Reinaldo Oudinot e Luís Gomes de Carvalho. Ao fim de
sete anos de trabalho, Luís Gomes de Carvalho conseguiu abrir uma
barra artificial exactamente no local da barra dos nossos dias.
Julgamos interessante e curioso
recordar e referir – sem pormenorizar a concepção do projecto
/ 37 / Oudinot-Gomes de
Carvalho e a execução dos trabalhos – que foi o próprio Gomes de
Carvalho que, na tarde de 3 de Abril de 1808, abriu com o seu pé um
sulco nas areias pelo qual começaram a correr para o mar as águas
então represadas da ria, sulco esse que poucas horas depois estava
transformado num canal que passou a constituir a ligação definitiva
da laguna com o mar e a nova barra de Aveiro, a partir de então não
mais divagando ao longo do litoral.
Note-se que a solução Oudinot-Gomes
de Carvalho amputou a ria do seu canal de Mira, funcionando este
através de uma pequena barra localizada nas bandas da Vagueira. Só
em 1863 o canal de Mira voltou a ser integrado na laguna,
fechando-se a barra da Vagueira, em resultado de obras executadas
pelo eng.º Silvério Pereira da Silva.
Desde 1808 a embocadura da laguna –
então fixada – passou por diferentes vicissitudes e foi objecto de
muitos estudos e de significativas intervenções. Podemos afirmar que
foram precisos 150 anos para dotar a Ria de Aveiro com uma barra
capaz, pois que só em 1958 – com a conclusão dos molhos que
actualmente a protegem – ela passou a oferecer condições de
utilização franca e quase permanente para o movimento de um porto
apto a servir as actividades económicas fixadas nas suas margens e
nas suas cercanias.
Aveiro – Porto de pesca e lota
A partir de 1958 o porto de Aveiro
tomou uma nova feição e o seu movimento, desde então, não cessou de
crescer, a ponto de as metas almejadas terem sido alcançados muito
mais cedo do que o que era previsível.
Para isso muito contribuiu o
espírito dinâmico e empreendedor de todos os empresários da região,
que não só começaram, desde logo, a dar o devido aproveitamento às
facilidades portuárias ao seu dispor, como prosseguindo numa senda
de progresso e de realizações, se lançaram em empreendimentos que
exigem da Administração Pública uma correspondência, correspondência
essa que consistirá no melhoramento dos órgãos portuários
existentes.
Se é certo que um porto marítimo é
um factor de riqueza e de prosperidade com benéficas repercussões na
economia da região onde se insere, é também verdade que essa
afirmação se tem revelado mais evidente no que concerne a Aveiro,
como se infere do quanto atrás ficou relatado. Em relação a Aveiro a
afirmação ganha mais força uma vez que, dependendo a vida da região
do acidente geográfico que é a Ria e havendo uma relação muito
íntima entre Ria e porto, temos dois factores a condicionarem,
intimamente, a vida da região lagunar e não só o porto de mar.
Ainda que com ligeireza recordamos
factos históricos demonstrativos da influência que a Ria e o porto
de Aveiro tiveram na vida e na economia da sociedade estabelecida
nas proximidades de uma e do outro.
Tal influência não cessa e ainda
hoje o que se opera na Ria e no Porto tem fortes reflexos nas terras
circundantes. Este sentimento não escapa a todos quantos, de uma
forma ou de outra, estão ligados às coisas da Ria e do porto.
/ 38 /
Entrada da barra de Aveiro,
destacando-se os molhes norte e sul.
A Ria mostra-se capaz de oferecer
muitos motivos de interesse em diversos campos da actividade humana;
o porto oferece perspectivas de larga contribuição para a economia
da região ou, o que é o mesmo, para o bem-estar e progresso dos
habitantes dessa região. É, pois, facilmente compreensível que se
unam esforços conducentes à valorização da Ria de Aveiro e do porto
do mesmo nome e que sejam desejáveis todas as iniciativas que visem
dinamizar as realizações do sector público e as forças económicas
que se desenvolvem em zonas sobre as quais Ria e porto podem fazer
sentir a sua influência.
Hoje, os responsáveis pelo sector
portuário estão ocupados e aplicados no estudo de importantes
benefícios a introduzir no porto de Aveiro. Ainda que em fase de
planeamento, estão sendo estudados, concretamente, e entre outros,
os problemas que adiante se enunciam e que dizem respeito não só já
ao porto, mas sim a este e a toda a Ria de Aveiro:
– melhoramento da barra, a fim de se
obter uma garantia de manutenção de maiores profundidades e de
melhores condições de abrigo no seu passe;
– melhoramento dos principais canais
lagunares, envolvendo regularizações marginais e dragagens, para
facilidade de todos os tipos de navegação, estabilização da barra e
aperfeiçoamento do funcionamento hidráulico da laguna;
– ampliação dos sectores portuários
destinados a servir as pescas costeiras, o comércio marítimo e as
pescas longínquas, sendo encaradas soluções que envolvem, inclusive,
a construção de sectores que substituem os existentes;
– Dotação da ria com
infra-estruturas de apoio às actividades turísticas, nomeadamente,
as que sirvam a navegação de recreio e os desportos náuticos;
– melhoramento das defesas e das
condições de drenagem dos campos marginais lagunares, com vista a
aumentar a produtividade da lavoura local;
– criação de condições de
melhoramentos de carácter ambiental.
Estes procedimentos – sucinta e
rapidamente enumerados – não podem mais ser estudados e executados
sem uma estreita ligação e uma eficiente colaboração entre
diferentes departamentos oficiais. Só com uma coordenação de
esforços em que os interesses de cada força económica sejam
apreciados em comum, ponderados cada um em correlação com os
restantes, dinamizados segundo uma escala de prioridades bem
estabelecida, se poderá realizar obra verdadeiramente útil,
proveitosa e de resultados seguros.
A Ria de Aveiro constitui um
acidente geográfico ímpar e de importância fundamental na vida da
região onde se insere. Tudo quanto se opera na Ria – natural
/ 39 / ou artificialmente –
tem profundos reflexos sócio-económicos na franja de território que
a envolve; não surpreende, pois, que constitua um pólo de atracção
de interesse e atenção de todos os que a ela estejam, por alguma
forma, ligados e ou dela dependentes. Ilustra-se esta afirmação com
um único exemplo, qual seja, o da vila da Gafanha da Nazaré, que nos
últimos anos e graças ao acréscimo de toda a actividade portuária,
mostra um surto de crescimento por demais evidente.
Ao longo deste trabalho pouco usamos
os números. Parece-nos, no entanto, que antes de o ultimarmos
deveremos fornecer uma pequena informação estatística; iremos
mencionar, apenas, as cifras relativas aos anos de 1958 – ano da
conclusão das últimas obras de melhoramento da barra – e de 1976.
Nota-se que toda a actividade
portuária está a passar, no ano de 1977, por uma fase de expansão
notável, registando-se taxas de crescimento muito apreciáveis no
movimento comercial e na pesca cesteira. Quase se pode garantir que,
no corrente ano, o movimento comercial deverá ultrapassar as 400000
toneladas de mercadorias e que o pescado descarregado pelo arrasto
costeiro deverá superar as 6000 toneladas.
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Anos |
Movimento
comercial do
porto expresso
em toneladas |
N.º de navios de comércio
entrados |
Produto da pesca long. em
toneladas |
Produto da pesca de arrasto
costeiro |
1958
1976 |
26 792
306 217 |
101
452 |
17 191
31 350 |
––
4 666 |
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O movimento do Porto de Aveiro
começa a ter uma expressão tal que faz com que o encaremos como um
porto não já com carácter regional restrito, mas sim com interesse
para zonas territoriais mais vastas. |