Igreja matriz de Fiães.
Quem do Porto se dirige para sul,
percorrendo a auto-estrada que por enquanto termina na povoação dos
Carvalhos, encontra, a cerca de cinco quilómetros desta e disposta
numa espécie de planalto, estreito mas longo, uma outra povoação
densa, chamada Vendas de Grijó. Aí começam as Terras da Feira, ou
Terras de Santa Maria da Feira, outrora de extensão enorme –
Territorio Castellis S.tae Mariae – de Crestuma até Riba UI,
apanhando toda a orla marítima de Gaia a Ovar.
O topónimo «Vila da Feira» aparece
já nas inquirições de D. Afonso III, mas a vila só se teria
desenvolvido no sentido de povoação de certo vulto a partir de D.
João I, quando foi concedida licença a Álvaro Pereira, senhor da
terra, para aí instituir uma feira. A origem do topónimo está, pois,
com certeza relacionada com a existência de um mercado local,
possivelmente a denominada feira da Linhaça, que se realizava junto
do castelo.
Frontaria das Caldas de S. Jorge.
Bem definida no alvorecer da
Nacionalidade, remonta, contudo, à ocupação romana, sendo mesmo
provável que existisse já uma povoação céltica, que os romanos
engrandeceram e a que chamaram Lancobriga, e que se situaria na
estrada – Itinerário de
Antonino – que ligava Bracara
Augusta (Braga) a Aeminium (Coimbra), passando por Calle (Gaia), a
/ 38 / treze milhas desta e a
dezoito de Talabriga. Esta povoação de Talabriga ficaria mais ou
menos onde hoje se situa a localidade da Branca.
Considerando estas distâncias, é
mais verosímil que a sede de Lancobriga fosse em Fiães, também das
Terras de Santa Maria, onde existe um castro, esporadicamente
explorado, com recolha de variado espólio: objectos de pedra, de
cerâmica, de vidro e de metal (investigações de Mendes Correia e
Carlos Teixeira, e mais recentemente de Carlos Alberto Almeida e
Eugénio dos Santos).
Uma visita ao castro, infelizmente
ainda mal demarcado, poderá ser feita, derivando em Lourosa para a
estrada que liga a E. N. 1 a Arouca, e atravessando a progressiva
freguesia de Fiães a caminho das Caldas de S. Jorge. O castro
estender-se-á na vertente nordeste do monte – Monte Redondo – em
cujo cimo se encontra implantada a Capela de Nossa Senhora da
Conceição. Em frente desta fica a casinha modesta, mas graciosa na
sua simplicidade, do venerando arcebispo D. Moisés Alves de Pinho,
sendo o acesso mais fácil ao local por um arruamento de escassas
dezenas de metros, que nasce na estrada de ligação de Fiães a S.
Jorge, justamente onde se ergue um busto daquele ilustre fianense.
Sobranceiro ao Monte Redondo, do
lado norte, fica o Monte das Pedreiras, esplêndido miradouro sobre o
vale do rio Uima. Entre os dois montes, num quase desfiladeiro,
corre o rio Às-Avessas, sobre cujas margens se debruça o lugar de
Vilar (nome oriundo de «villa» romana ?), onde se têm conservado
bastante, apesar do camartelo do progresso, as características das
antigas casos de lavoura de Entre Douro e Minho.
Igreja da Misericórdia
De Fiães rapidamente se passa a S.
Jorge, freguesia com ela confinante e que se espalha sobre colinas
que envolvem o vale do referido rio Uima para os lados da nascente.
No centro da povoação fica a estância balnear conhecida por Caldas
de S. Jorge. Um arranjo urbanístico realizado há anos, nomeadamente
no próprio rio, fez deste local um recanto extremamente aprazível e
repousante.
A concessionária deste
estabelecimento termal é a Câmara Municipal da Feira, que a ele tem
dedicado todos os esforços no sentido de melhorar as suas condições,
de modo que seja crescente o número de aquistas, nos últimos anos à
volta de mil e oitocentos, muitos dos quais tratados gratuitamente.
E justificam-se estes esforços, pois as características das águas,
sulfurosas e alcalinas, são a razão do assinalado êxito no
tratamento de doenças reumáticas, das vias respiratórias superiores
e da pele.
Um visitante menos apressado poderá,
partindo de S. Jorge por trajecto cheio de pontos paisagísticos, dar
um saltinho a Romariz, e lá apreciar os restos de uma povoação
castreja, mas onde será possuído do mesmo sentimento de desolação
que já tivera em
/ 39 / Fiães, pelo pouco
aproveitamento destes dois locais, bem dignos de profundo e ordenado
estudo arqueológico.
Ou então seguir logo para a sede do
concelho, subindo estrada serpenteante, ladeada de frondosos
pinheirais, até encontrar a E N. 1, que deixara em Lourosa, e
atravessá-la. Se subimos, agora vamos descer, de novo aos
ziguezagues, até chegarmos à vila, que cedo uma clareira nos
permitirá descortinar ao fundo, como que enterrada no vale, e
dominada pelo guardião de séculos, o seu formoso castelo, encimando
pequena colina e emergindo de denso maciço verde, que mais faz
realçar a sua elegância.
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A rua principal, que nos leva ao
centro, conserva, com ligeiras modificações, a arquitectura de há
muitos anos. O primeiro edifício a visitar é a Igreja da
Misericórdia, de ampla escadaria ornada de canteiros floridos, e
onde se pode apreciar um fontanário em pedra trabalhada. Um pouco
mais abaixo, à esquerda, um jardim bem cuidado, com um gracioso
espelho de água, enquadra um conjunto de edifícios modernos; e, logo
à direita, como que em expansão da própria rua, um pequeno largo –
Praça da República – no meio do qual nos chama a atenção um belo
chafariz do século XVIII, de duas taças sobrepostas. Na mesma praça
ficam os Paços do Concelho, de construção sóbria, mas com boa
cantaria. O actual edifício data também do século XVIII, embora
tenha sofrido arranjos posteriores.
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Um belo chafariz do século XVIII |
Esta rua vai desembocar no Largo de
Camões, conhecido também por Rossio, onde todos os meses se realiza
uma feira, que em vinte de Janeiro – dia da
/ 40 / Festa das Fogaceiras e
feriado municipal – toma foros de grande romaria, nela sendo
vendidos milhares de quilos de fogaças e caladinhos, os doces
típicos da terra.
Daqui parte, subindo por entre
ajardinamentos maravilhosos, a alameda que nos leva ao cimo do morro
onde sobressai o castelo, sentinela atenta de outros tempos,
transformada agora em expressivo «ex-libris» das Terras de Santa
Maria.
É o Castelo da Feira um exemplar
único de arquitectura militar medieval, cuja história está
intimamente ligada aos primeiros alicerces da Nacionalidade
Portuguesa. Com efeito, teria sido o seu alcaide Ermígio Moniz, um
dos primeiros guerreiros a colocar-se ao lado de D. Afonso Henriques
na rebelião, que havia de culminar com a independência do território
portucalense.
Envolvida pela sólida muralha, que
delimita todo o grande recinto ocupado pelo castelo, ergue-se
altaneira e majestosa a torre de menagem. Quadrangular e coroada por
quatro torreões cónicos, faz lembrar os belos castelos franceses. Do
seu terraço, onde estão implantados aqueles torreões, desfruta-se um
panorama deslumbrante. A muralha é reforçada por uma barbacã e uma
série de cubelos angulares ligados por um adarve. A entrada
principal, ao lado poente, é um portão ogival com o brasão dos
Pereiras, que desde os meados do século XV ao século XVI aqui
tiveram o seu solar senhorial. Próximo desta porta, e encostada à
muralha, fica uma capela de forma hexagonal, cuja actual estrutura
data de 1656.
Envolvida por sólida muralha, ergue-se
altaneira e majestosa a torre de menagem.
Pela reconstrução bastante perfeita
da sua arquitectura original, consideramos este monumento um local
privilegiado para um mestre ministrar uma belíssima lição prática de
História da Arte, tal é a profusão de elementos a analisar.
No regresso à vila, poderemos
deambular descontraidamente pelo maravilhoso parque da chamada
Quinta do Castelo, detendo-nos por momentos à beira do lago, que tem
adjacente uma curiosa e artística gruta artificial.
Sobranceiro ao Largo do Rossio, do
lado nascente, e servido por uma monumental escadaria, desdobrada em
graciosos patamares, ao fundo da qual se pode admirar um artístico
chafariz do século XVIII, distingue-se o antigo Convento dos Frades
de Santo Elói. O templo, revestido a azulejos do século XVII, é
desde 1566 a igreja matriz da paróquia de S. Nicolau da Vila da
Feira. No seu interior são dignos de apreço a sumptuosa abóbada e os
altares, de rica talha dourada, nomeadamente o altar-mor, belo
exemplar de retábulo tipo portal românico, que mereceu referência a
Reinaldo dos Santos na sua obra «Oito Séculos de Arte Portuguesa». E
não deverá passar despercebido o cruzeiro do século XVI levantado em
frente do pórtico da igreja.
O resto do edifício é presentemente
ocupado pelo tribunal da comarca, repartições inerentes,
conservatórias
/ 41 / e notariado. A fachada
sul, entrada principal para estes departamentos, foi há anos objecto
de grandes obras que, sem lhe tirarem a sobriedade do conjunto, lhe
emprestaram uma feição mais airosa. Dá para um largo, com o busto do
jurista feirense Professor Guilherme Alves Moreira, que tem ligação
directa com a alameda que vai para o castelo, o que é uma
alternativa suave ao acesso pela escadaria, quer àquelas repartições
públicas, quer à própria igreja.
O antigo Convento dos Frades de Santo
Elói, com a sua monumental escadaria.
Procurámos dar uma ideia do mais
saliente e de mais fácil visita, mas de modo algum esgotámos tudo o
que se pode admirar nesta terra pródiga em beleza natural. Vamos
então deixar a sede do concelho, seguindo pela nova artéria que
começa no largo do Rossio, próximo do local onde se encontra a
Estalagem de Santa Maria, e se prolonga pela avenida agora com o
nome do Professor Egas Moniz. É uma das zonas de grande expansão
urbanística, já com alguns bons e modernos edifícios públicos e
graciosas residências particulares.
Entramos, assim, na estrada que liga
a Vila da Feira a Espinho.
Poucos quilómetros adiante, devemos
visitar a igreja matriz de Rio Meão, de estilo românico, que
pertenceu à Ordem de Malta e esteve ligada ao Baliado de Leça.
Estamos agora na grande área
industrial do concelho, que abrange Rio Meão, Paços de Brandão, São
Paio de Oleiros, Santa Maria de Lamas, Mozelos e Lourosa,
estendendo-se ainda por Argoncilhe e Fiães.
Artístico fontanário da Casa da Torre em
S. João de Ver.
No regresso desta espécie de
triângulo turístico que delineámos, podemos apreciar a traça
arquitectónica das Casas da Torre em S. João de Ver e da Portela em
Paços de Brandão, ambas do século XVI. Faremos uma pequena pausa no
agradável parque junto da igreja de Santa Maria de Lamas,
aproveitando para uma visita ao museu, que, embora um tanto
desordenadamente, tem expostas algumas valiosas peças de arte. E
vamos voltar à estrada Porto-Lisboa próximo do ponto onde a
deixáramos no início da nossa digressão, passando em Lourosa por um
interessante conjunto urbanístico de iniciativa particular,
constituído por restaurante e piscinas.
Este é um esquema que sugerimos para
um fim de semana. Mas em todo o concelho podemos estabelecer centros
de interesse.
Usufruir por momentos a vivência
espiritual de paisagens maravilhosas em extensão e variedade,
sentindo a cada passo o contraste do horizonte serrano com o da
planície marítima.
Repousar nas margens dos rios,
cheios de recantos privilegiados, do rio Cáster ou do rio Uima, e
até do Douro, que, saudoso dos tempos em que delimitava grande parte
da fronteira norte das Terras de Santa Maria, ainda vai beijar o
lugar de Carvoeiro da freguesia de Canedo.
/ 42 /
Comparar o polimorfismo da
arquitectura das igrejas e capelas, algumas conservando ainda traços
das que há muito as precederam, e a que estão ligadas curiosas
lendas e tradições.
Claustro do Convento dos Lóios.
Aguarela do pintor feirense António Joaquim. |
Analisar lápides comemorativas de
acontecimentos relevantes para a terra, bustos de figuras ilustres
ou beneméritas, obeliscos ou alminhas, que revelam a sensibilidade
do povo a episódios trágicos, como o Monumento da Guerra Peninsular
em Arrifana e as Alminhas do Picoto, junto das quais ainda há poucos
anos se podia ver o célebre «pinheiro das sete cruzes», ambos
evocativos das atrocidades da segunda invasão do país pelas tropas
francesas no início do século XIX.
E sobretudo o contacto humano com as
gentes, detectando as características da sua índole e o seu «modus
vivendi», avaliando as suas potencialidades, e auscultando os seus
anseios e as suas esperanças numa sociedade nova, eis o que
consideramos importante, para além do aspecto gastronómico e da
análise monumental, numa visita qualificada de turística às Terras
de Santa Maria da Feira. |
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