Com a referência mais remota à Vila
de Anadia, conhece-se um pergaminho do século XI, precisamente do
ano de 1082, em que o topónimo aparece grafado, não sob a forma
actual, mas como NADIA.
A irresistível curiosidade de
desvendar a razão das coisas, fez com que um estudioso filiasse o
nome antigo da povoação no adjectivo «nativa» que, por abrandamento
da segunda consoante e ensurdecimento da terceira, se converteu na
palavra NADlA. O primitivo étimo 'aludiria à água’ que nasce
abundantemente na parte baixa da vila, no sopé do Monte Crasto.
A designação deste outeiro que desce
em forte declive na sua vertente norte, deriva, sem dúvida, do
castro ou crasto, fundado na época romana e do qual resta ainda
vária tijolaria, uma soterrada, outra dispersa por entre o silvado
que reveste parte da encosta. Propriamente o que haveria das
construções castrejas deve ter sido destruído pela instalação já
antiga, que ocupa grande parte da plataforma cimeira, do cemitério
paroquial e da capela de Nossa Senhora das Febres.
O castro estava belamente situado,
pois dominava o traçado da antiga estrada militar romana de Olisipo
a Bracara Augusta (Lisboa a Braga). O panorama que daí se desfruta é
duma beleza e duma harmonia de cores que não esquecem.
Os restos da via romana devem ter
sido na sua quase totalidade destruídos com a construção da estrada
actual Lisboa-Porto. Devo ao ilustre Professor da Universidade de
Coimbra, Padre Nogueira Gonçalves, o favor de me ter revelado in
loco a existência de um trecho das guias marginais de lajes
calcárias dessa estrada, no extremo sul da povoação de S. João da
Azenha. Oxalá os habitantes as saibam conservar.
A povoação das Vendas da Pedreira,
que fica à margem da estrada Lisboa-Porto, perto do Monte Crasto,
sugere a existência remota duma «albergaria» ou «pousada» medieval,
para serviço dos peregrinos e viajantes. Com efeito, a designação de
«vendas» veio substituir em certos casos a de «albergarias», com o
declínio destas instituições que se foram convertendo, com o andar
dos tempos e dos costumes, em simples casas de venda de comestíveis
e bebidas aos viandantes.
A proximidade da estrada nacional
Lisboa-Porto, a fertilidade das terras circundantes, a própria
densidade da população, justificariam, de certo modo, um maior
desenvolvimento da vila de Anadia e respectivo concelho,
relativamente às vilas que lhe ficam a norte em direcção ao Porto. É
possível, porém, que a proximidade de Coimbra e, portanto, a
facilidade de contactos comerciais com essa cidade, por meio de
«recovagem» frequente, a pé e a cavalo, e depois com o serviço das
malapostas, atrofiasse por muito tempo o comércio local da vila em
benefício de Coimbra. Convém lembrar que as malapostas tinham uma
estação, cujo edifício ainda existe, muito perto de Anadia. O
serviço respectivo começou em 1859, seguindo-se-lhe em 1864 o
funcionamento do caminho de ferro. Isso talvez explique que a vila
não assumisse tão rapidamente como seria de desejar o
desenvolvimento demográfico, comercial e industrial a que teria
direito.
Todavia, nas últimas décadas, o
progresso do concelho tem sido prometedor, mercê da criação de novas
unidades fabris, sobretudo na preparação de vinhos espumantes e
espumosos, na cerâmica de construção, nas serrações de madeira, nas
carpintarias, na fabricação de bicicletas simples e motorizadas, nas
artes gráficas, etc.
Relevo especial merece a
estância termal e de turismo
da Curia, uma das mais frequentadas do país,
pelo número e categoria dos estabelecimentos hoteleiros. E ainda a
de Vale da Mó, que pela riqueza ímpar das suas águas férreas e
intensa mineralização são das mais notáveis do País.
No contributo para o progresso das
instituições
/ 25 / políticas e
administrativas do País há que assinalar dois nomes ilustres de
anadienses: o do Visconde de Seabra e o de José Luciano de Castro;
nas ciências médicas, o de José Feliciano de Castilho; na arte, o de
Fausto Sampaio.
O Visconde de Seabra, António
Luís de Seabra, de Mogofores, foi autor do primeiro Código Civil
Português, par do reino, ministro, juiz do Supremo Tribunal de
Justiça, reitor da Universidade de Coimbra. Notabilizou-se ainda no
estudo da Filosofia e em vários trabalhos literários, humanísticos e
políticos. Em 1828, sendo então Juiz de Direito em Montemor-o-Velho,
alistou-se no exército liberal que combatia o absolutismo de D.
Miguel e tomou parte nos combates da Cruz dos Morouços, ao sul de
Coimbra, e do Marnel, ao norte de Águeda, à frente duma unidade de
cavalaria que ele próprio organizara.
Frustrada a primeira tentativa de
instauração do liberalismo, viu-se obrigado a emigrar com todo o
exército liberal para a Espanha e depois para a Inglaterra, Bélgica
e França.
Em 1832, integrado no referido
exército desembarcou no Mindelo e fez depois toda a campanha até ao
triunfo da Causa Liberal. Faleceu na sua casa de Mogofores em 1895.
José Luciano de Castro,
de seu nome completo José Luciano de Castro Pereira Corte Real,
natural da Oliveirinha–Aveiro, mas radicado pelo casamento à vila de
Anadia, onde tinha a sua casa e onde faleceu, foi um dos mais
notáveis estadistas da monarquia liberal. Jurisconsulto, jornalista,
orador e político sagaz, muito se lhe deve na obtenção do tratado de
reforço da aliança com a Inglaterra para defesa do império colonial
/ 26 / português, cobiçado
pela Alemanha. Faleceu em Anadia em 1914.
O Doutor José Feliciano de
Castilho, nascido em Aguim em 21 de Abril de 1769, morreu em 5
de Março de 1826. Doutorou-se em Medicina em 1796. Nomeado lente da
respectiva faculdade, foi também sócio da Academia das Ciências de
Lisboa. Era pai do grande poeta António Feliciano de Castilho.
Primeiro médico da câmara de D. João VI, acompanhou-o no seu
regresso do Brasil onde fora pedir justiça ao monarca pela
perseguição que contra ele e outros lentes moveu o reitor da
Universidade.
Fausto Sampaio,
nascido em Alféloas, concelho de Anadia, em 4 de Abril de 1893,
frequentou a Academia Julien, a Academia Rénard e a Academia de Ia
Chaumière, em Paris. Em 1928 e 29 concorreu ao Salon, tendo sido
admitido por unanimidade.
Em busca de novos motivos para as
suas telas esteve na ilha de S. Tomé, em Macau, Timor, Ilhas
Neerlandesas, Indochina, Singapura, Hong-Kong, Filipinas, Goa e
África do Sul.
A sua arte maravilhosa está
representada nos melhores museus de arte portuguesa, como o Museu de
Arte Contemporânea, em Lisboa, Museu Machado de Castro, em Coimbra,
Soares dos Reis, do Porto, José Malhoa, das Caldas da Rainha, Santos
Rocha, da Figueira da Foz e ainda no Museu de Goa.
A Câmara Municipal de Anadia tem na
sua sala nobre uma panorâmica pintada pelo grande artista, que amava
a sua terra estremecidamente.
ANADIA - Vista panorâmica
Tanto no aspecto puramente
turístico, como no ponto de vista da economia geral do concelho,
duas obras se impõe realizar urgentemente: a ligação directa da
estância termal e turística da Curia à praia de Mira; e a ligação,
hoje deficientíssima, da sede do concelho a Mortágua, através da
zona serrana, intensamente arborizada. Parte da primeira foi já
efectuada há anos, faltando apenas construir alguns quilómetros
através da planície gandareza. A segunda tem primordial importância
económica para valorização da zona florestal norte da cordilheira do
Buçaco. Sem a construção do trecho rodoviário de Vale da Mó ao
limite do concelho de Mortágua, já servido pela nova estrada há
pouco concluída, o problema da exploração das matas, que constituem
por assim dizer a única riqueza da região, não terá solução.
Espera-se que a comparticipação do
Estado já solicitada pela Câmara Municipal de Anadia, para a
construção do respectivo troço, seja concedido para bem da numerosa
e activa população serrana que desde há anos persistentemente espera
essa obra fundamental para a sua recuperação económica. |