I
CARACTERIZAÇÃO GEO-DEMOGRÁFICA
Ao norte Válega, Sr.ª das
Entre-Águas, e outros lugares e lugarejos dispersos entre a
fertilidade da terra húmida. Do lado do poente o Bunheiro, a
Murtosa, as Quintas do Norte, a água, o sal e a maresia, a Torreira.
Para leste, caminhando para o interior, Loureiro, Tonce, Contumil e
a terra mais dura e enrugada. Ao sul Angeja, Cacia, Esporões, e mais
abaixo Aveiro, a capital do distrito. Assim temos delimitado na sua
geografia o concelho de Estarreja.
Concelho de transição entre uma
realidade aquática que é a ria que o penetra em várias frentes, e
uma sensação real de terra já mais firme, não de todo seca, mas
sempre algo mais dura e impenetrável. Deste modo, toda a natureza
definidora da sua situação é dependente destes factores básicos, que
determinam toda a vivência de luta e trabalho das suas gentes. Estas
devem ser compreendidas nas suas atitudes, tendo em conta essa
singular posição que a peculiaridade da situação geográfica, bem
definida, influencia. E tal é aplicável, no caso concreto ao
concelho de Estarreja, mas não deixa de o ser a um nível genérico, a
todo o distrito de Aveiro.
Domina no concelho, como em todo o
norte do país, a pequena propriedade. A agricultura, apesar de se
notar um certo incremento do sector industrial, que focaremos
adiante, continua a ser uma actividade com predominância no
quotidiano das gentes do concelho. Daí que toda a sua psicologia
seja voltada prioritariamente para os problemas da terra, tanto para
os que através dela se resolvem, como para os que a sua cultura
diariamente levanta.
É por isso que não podemos falar da
existência, apesar de um grande número de unidades industriais, de
um verdadeiro proletariado. Os operários, na sua grande maioria,
quase que só o são, passe a expressão, nas horas vagas. Toda a sua
acção na fábrica se reduz a uma luta contra o tempo, já que
terminado o trabalho fabril há o regresso à recolha do pasto para os
animais, à rega do milho, ou à sementeira das batatas, trabalhos que
já foram sendo adiantados pelas mulheres e demais familiares. Assim,
os seus interesses são em primeira análise os do agricultor que mira
o céu antevendo ou não um tempo favorável à actividade agrícola, e
só secundariamente os desejos do operário que apontam normalmente
para o aumento do salário, dia-a-dia mais necessário, devido à
subida em flecha dos géneros.
E como podemos encarar a população
do concelho em termos quantitativos? Os últimos números de que
dispomos são os referentes ao recenseamento de 1970, e apontam para
24233 pessoas repartidas por 6510 famílias, o que dá uma média de
3,7 pessoas por agregado familiar. Verifica-se também, em relação ao
censo de 1960, um decréscimo de 765 pessoas, o que corresponde, em
percentagem, a uma variação negativa da ordem dos 3%.
Esta variação poderá, de certo modo,
explicar-se se atendermos ao fluxo emigratório que se verificou com
forte intensidade em algumas freguesias do concelho. Possivelmente a
tendência que se materializará no próximo censo será, já não de
sentido negativo, mas apontará, isso sim, para um aumento
populacional com alguma expressão.
E que possibilidades de produção, em
termos de rentabilidade económica, representa o concelho de
Estarreja, contribuindo para a afirmação de um distrito que possui o
terceiro parque industrial do país, só ultrapassado pelos de Lisboa
e Porto? É essa questão que abordaremos de seguida.
/ 28 /
II
CARACTERIZAÇÃO ECONÓMICA: AGRICULTURA E INDÚSTRIA
Como atrás se disse Ia agricultura
desempenha um papel importante no cômputo das actividades locais. O
concelho apresenta-se auto-abastecido em produtos agrícolas e
pecuários, desenhando-se mesmo um movimento de exportação para
outros concelhos, que tem vindo a aumentar no que respeita à carne e
ao leite e que tem diminuído no que toca a produtos agrícolas, tais
como milho, feijão, arroz e batata.
Quanto à organização dos produtores
agrícolas, existe desde 74 uma cooperativa de compra e venda, que
vem fornecendo aos seus associados os adubos, pesticidas e outros
produtos de que carecem.
Sobre a renovação de métodos
agrícolas com a introdução de maquinaria e novas técnicas de
cultivação, basta dizer que de 73 a 74 foram adquiridos por
agricultores do concelho 13 máquinas agrícolas e 15 tractores, a que
logicamente implica um aumento dos padrões de produtividade.
No que toca ao tipo de solos
existentes e consequentemente ao tipo de culturas praticado, não se
verificam diferenciações acentuadas entre as várias freguesias
componentes do concelho. Não se pode estabelecer uma predominância
de terrenos de regadio em determinada zona e de sequeiro noutra. Nas
várias zonas verifica-se uma composição de solos muito equilibrada,
relativamente a estes dois tipos de terrenos.
Daí que seja a rotação das culturas
similar nas diversas freguesias, não havendo também, no que respeita
à produção pecuária, diferenças significativas entre elas.
Mas vejamos o que se passa no
capítulo da indústria.
Acompanhando a industrialização que
começou a ganhar corpo incipientemente na nosso país em meados da
década de 40, o concelho é dotado de uma série de unidades
industriais que foram aumentando ao longo dos anos a sua capacidade
produtiva, sendo também progressivamente crescente o número de
empresas a ficarem aqui a sua actividade. Deste modo, e tal como é
conhecido ser apanágio do aparecimento da industrialização, começou
a verificar-se uma nítida passagem progressiva de mão-de-obra do
sector primário para o sector secundário em expansão, com evidentes
reflexos
de retraimento no primeiro. Assim,
muitas das terras de cultura tradicionalmente cuidadas deixaram de o
ser devido à falta de mão-de-obra que se vem a fazer sentir, já que
a agricultura em termos de rentabilidade económica não tem
possibilidades de competir ao nível de vencimentos com as empresas
industriais, isto devido a uma série de factores entre os quais se
designam os métodos de trabalho rudimentares, verdadeiramente
arcaicos, que continuam a ser usados em muitas casos.
Por outro lado, o aparecimento de
unidades industriais bem apetrechadas, a requererem um elevado
quantitativo de operários, veio contribuir para se notar ano após
ano uma crescente expansão da vida económica do concelho, com um
avolumar das actividades comerciais, a construção de novos e cada
vez mais necessários equipamentos colectivos, e um inerente aumento
do nível de vida das populações.
As diversas unidades fabris
existentes podem enquadrar-se genericamente numa definição por
sectores, que passaremos a enumerar, valorizando-os tendo em conta
quer o seu volume de vendas num determinado período (neste caso o
ano de 1974) quer o número de postos de trabalho directamente
mantidos a essa altura.
Assim, e reportando-nos a dados
estatísticos concretos directamente cedidos pelas empresas, ficamos
a saber que o sector química apresentou por si só em 1974 um
montante de vendas da ordem dos 800000 contos, assegurando na altura
1400 postos de trabalho. Os produtos fabricados são dos mais
variados, e vão do hidrogénio ao sulfato de amónio, das resinas
sintéticas ao cloro, da amoníaco ao hipoclorito de sódio, passando
pelo ácido sulfúrico, pelo azoto, pelo ácido clorídrico, produtos de
larga aplicação industrial.
Mas, reflectindo as diferenciações
geográficas já acima apontadas, que concorrem para uma interessante
diversidade industrial, encontramos um outro sector que pelas mesmas
razões já aludidas em relação ao sector químico, ocupa lugar de
destaque: o sector dos lacticínios. Este apresentava um montante de
vendas da ordem dos 240 000 contos, assegurando 400 postos de
trabalho directos. E produzia, para além de queijo e manteiga, leite
em pó, alimentos infantis e dietéticos, bem como bebidas
instantâneas de base láctea.
Num outro sector, que podemos
designar genericamente por metalurgia leve, e onde se incluem a
produção de mobiliário metálico doméstico, escolar, de escritório,
hospitalar, e ainda a leitura de peças de fundição e alfaias
agrícolas, o aspecto também não deixava de ser animador. O ramo
apresentava um volume de vendas da ordem dos 55 000 contos, mantendo
directamente 340 postos de trabalho.
Por outro lado, apresenta também um
certo incremento o ramo da serração e construção de móveis e
estruturas em madeira. O valor de vendas global foi da ordem dos 19
000 contos, sendo inferior a outras actividades já referidas o
número de postos de trabalho, que rondava os 100.
A cerâmica não deixa também de ter
uma palavra a dizer. Existindo três unidades fabris em laboração,
/ 29 / estas produziram (e
repete-se que todos estes números e dados estatísticos são
referentes a 74) um total de 6096020 peças, atingindo um montante de
vendas de 10700 contos, e mantendo no seu conjunto 120 postos de
trabalho.
E a diversidade industrial do
concelho não fica de modo algum por aqui. Podemos ainda referir a
produção de refrigerantes ou de flores artificiais, a existência de
uma unidade fabril de descasque de arroz, assim como uma empresa de
transportes de camionagem.
Quanto a perspectivas de evolução
futura, elas apontam visivelmente para um incremento do sector
industrial, nomeadamente no que respeita ao sector químico com o
aumento qualitativo a médio prazo da capacidade produtiva do
Amoníaco Português, com a introdução da fabricação de anilinas.
III
EQUlPAMENTOS COLECTlVOS
Neste campo, as disponibilidades não
são totalmente desfavoráveis, se tivermos em consideração as enormes
carências existentes em largas zonas do país, nomeadamente no
interior. Contudo, também não podemos dizer que elas sejam de todo
em todo suficientes. Vejamos uma panorâmica dos vários sectores.
No que toca à saúde ela é assegurada
por um hospital que dispõe de 135 camas, para além da actividade dos
postos dos serviços médico-sociais da Previdência. Domiciliados no
concelho existem ao todo treze médicos, o que significa uma
cobertura sanitária traduzida numa média de um médico para cada 1902
habitantes, o que não pode considerar-se satisfatório. Nota-se
simultaneamente uma certa carência de diplomados nas diversas
especialidades, excepção aberta à estomatologia.
No campo escolar, para além da
normal rede de escolas do ensino primário, existe ainda uma escola
do ciclo preparatório que no ano lectivo de 1974/75 registou uma
frequência de 532 alunos. Para além dela, funciona ainda a Escola
Secundária que ministra os cursos gerais de mecânica, de
electricidade e de administração e comércio, bem como o curso geral
e complementar dos liceus. Assim, nota-se a ausência dos cursos
complementares técnicos, o que obriga ao deslocamento para Ovar,
Aveiro ou Oliveira de Azeméis dos alunos que os desejam prosseguir.
Por outro lado, a própria Escola Secundária enfrenta desde há muito
uma angustiante exiguidade de instalações, para além do facto,
sempre desmobilizador para o bom funcionamento das várias
actividades, de se encontrar repartida por três secções e
simultaneamente três edifícios.
Quanto ao fornecimento de carne, ele
é assegurado pelo pleno funcionamento do Matadouro Municipal que, e
isto no sentido de se dar uma ideia do peso da sua actividade,
abateu no ano de 1975 um total de 22 072 reses, com um peso total de
1414473 quilos.
Relativamente à rede de transportes,
o concelho é servido pelo caminho-de-ferro (Linha do Norte), e pela
estrada nacional n.º 109, normalmente utilizada no trajecto
Porto-Aveiro, ficando a escassos quilómetros da estrada nacional n.º
1. As estradas municipais não são totalmente suficientes se
atendermos ao volume de trânsito actualmente existente, mas têm
vindo a ser progressivamente melhoradas quer no aspecto de qualidade
de piso, quer no que toco ao traçado da via ou à largura da mesma.
IV
O CONCELHO E A DIVISÃO ADMINISTRATIVA DO PAÍS
Inserindo-se actualmente numa
realidade física, económica e geográfica que é o distrito de Aveiro,
o concelho de Estarreja irá pertencer, segundo o projecto do M. A.
I. da Administração Regional, à Província da Beira. Por outro lado,
o distrito de Aveiro será administrativamente seccionado, já que
concelhos que hoje em dia nele se integram, serão incluídos uns na
Província do Minho, Douro e Trás-os-Montes, outros na Província da
Beira, ou ainda, e finalmente, na Área Metropolitana do Porto.
Apresentando, o M. A. I, como
critérios específicos para a delimitação da Província da Beira toda
uma série de razões de ordem ecológica e histórico-naturais, estas
não deixam de ser, contudo, passíveis de discussão e desacordo. Isto
porque a utilização de determinados critérios implica, quase sempre,
a não utilização, o afastamento de outros tão importantes como os
utilizados. Daí que tenha a definição ou delimitação seja sempre uma
parcelização das questões em causa.
E, se tal é assim genericamente,
aqui também o não deixa de ser. Mas o mais importante na análise do
projecto apresentado não é, de maneira nenhuma, o prisma geográfico
delimitativo de tal ou tal província. Portanto conviria adiantar
duas ou três ideias de crítica estrutural ao projecto em causa.
Desnecessário quase se torna referir
a importância da transformação do aparelho administrativo do Estado
num sentido progressivo de descentralização e desburocratização. E o
termo descentralização deve aqui ser
/ 30 / empregue possuindo uma
carga inerente a todo um processo de deperecimento das funções
omnipotentes e omnipresentes do Estado, em favor de uma mais activa
comparticipação das populações, tentando apontar as vias de
resolução que achem mais correctas, no sentido de sanarem localmente
os seus problemas específicos.
É que, para além de uma diferente
divisão administrativa (que, de facto, aparece consignada no
projecto apresentado), para além de uma certa autonomia financeira e
de decisão que é conferida às regiões administrativas que surgem
delimitadas por essa nova divisão, para além de tudo isso, resta
apontar-se que sem se favorecer simultaneamente um reforço da
actuação financeira e jurídica dos municípios e dos órgãos locais
que as populações eventualmente possam constituir para promover o
desaparecimento das carências com que lutam, será muito difícil
definir-se uma verdadeira descentralização, uma descentralização tal
como ela deve, de facto, ser entendida.
Na verdade, não é segredo para
ninguém a existência de fortes distorções no desenvolvimento das
diversas zonas do país. E muito se tem falado e especulado sobre as
suas causas últimas. Tais causas têm, quanto a nós, uma acentuada
caracterização política, e são facilmente assimiláveis atendendo ao
tipo de poder derrubado em 25 de Abril.
Contudo, não será correcto
considerarmos que modificado o actual aparelho administrativo –
surgido para apoiar esse tipo de desenvolvimento assimétrico estarão
imediatamente resolvidos os problemas das regiões que até aqui mais
têm sido esquecidas pela administração central e pelas competentes
entidades dos processos de planeamento. Isso não passaria de um modo
algo subtil de iludir as questões de fundo, relativas ao atraso, não
de certas zonas do país, mas sim de todo o país. É que o modo de
ultrapassar esse atraso, não está, em última análise, dependente do
aparelho administrativo do Estado, mas sim da natureza do poder
político que dominar esse mesmo aparelho.
Deste modo, nunca será demais
referir que para que o projecto de regionalização não passe de uma
alternativa materializadora de um desenvolvimento tecnocratizante,
recuperadora da incapacidade do aparelho político central em termos
de um mudar alguma coisa para que tudo permaneça na mesma, urge que
ele ultrapasse a mera redefinição de novos espaços sócio-económicos,
e que consubstancie uma participação activa e autonomamente cada vez
mais acentuada dos órgãos de poder local. |