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Quem de automóvel ou camioneta se
detenha, um dia, na velha praça de Macieira de Cambra e por ela
avalie da linda terra da saúde, tecerá errado juízo. Macieira de
Cambra é como essas vetustas mansões de fachada medíocre, que
possuem um parque esplendoroso nas traseiras. Um parque sem portão
heráldico, um deslumbrante álbum de paisagens sem frontispício.
É preciso irradiar da antiga praça,
é preciso deambular por estradas e caminhos, para se surpreender a
inefável beleza, ora discreta, ora imponente, desta sortílega
região.
O adro oferece a primeira gentileza
aos olhos. Lombas e vales, colinas e regaços abrem-se perante nós,
tudo verde e azul de manhã, todas as cores do arco-íris às horas
crepusculares.
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Macieira de Cambra.
Antiga Câmara e Pelourinho. |
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Depois, é a estrada de Roge.
A princípio, entre pequenas, modestas quintais, logo entre pinheiros
e carvalhos, por fim ladeando, a meio da encosta, o vale do Caima. O
vale é o troféu da estrada, sinuoso com as suas caprichosas
saliências e seus desvãos, seus verdes pendores, suas brancas
casitas dispersas, seus soberbos contrafortes montanhosos, os olhos
deslumbrados jamais se fatigam de vaguear do todo para os
pormenores, para os milhentos pormenores de beleza com que o seu
colo acidentado nos brinda. E se porventura uma esfarrapada névoa
veio de longe, do mar vareiro, pairar ali, tem-se a ilusão –
inesquecível ilusão! – de que o vale do Caima é um dos fantásticos
palácios onde a Quimera dá recepções.
A estrada de onde se abrange a
maravilha, nada tem, em si própria, de extraordinário, nada das
estradas famosas. E, contudo, quando um dia sentirmos aproximar-se a
nossa morte, esta velha estrada há-de incluir-se entre aquelas
outras que nos darão pena, muita pena, de não podermos voltar a
trilhá-las. Ela possui um encanto geórgico, uma doçura campestre
inexprimível, que se mantém sempre, sempre, através das sucessivas
paisagens que nos vai revelando.
Aqui, antes de descer para ROGE, ela
forma como que uma sacada sobre o vale. Mas já não é o vale que ela
parece querer ofertar-nos e sim o próprio mundo sideral. E por isso,
numa noite constelada, a crismamos de «Varanda do Céu». Dir-se-á que
podemos falar com as estrelas, que podemos, se estendermos os
braços, colher a mãos cheias as jóias celestes, estes frutos de luz
e de oiro que estão longe e são tão grandes e parecem estar pertinho
e serem pequeninos.
Em ROGE, à obra lírica da Natureza
ligam-se as obras de arte do Homem – o cruzeiro garboso e célebre, a
igreja de fachada esculturada, num adro que é outro terraço sobre o
romântico Vale do Caima.
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Frecha da Mizarela. |
O rio murmura perto dali. E seja nas
suas margens, seja nas dos ribeiros seus afluentes, relvados e
edénicos recantos se abrem ao nosso passo sob as frondes de amieiros
e de outras árvores que se foram avizinhando da água, para no seu
espelho azul se mirarem garridamente. O rio murmura, o rio canta
também uma canção suavíssima, que parece vir da noite de todos os
séculos para as auroras de todos os dias. Da outra banda, as
montanhas vão subindo, em sua majestade, para o céu, verdes até meia
encosta, pardas na sua imponência dali para cima, dali até à Frecha
da Mizarela, esboçada na lonjura, até as lombas mais altaneiras,
onde lares humanos substituíram os lares das águias. E de lá se vê o
mar para um sonho errante e se vê a terra numa infinda
multiplicidade de aspectos – a vida numa infinda multiplicidade de
sensações.
Ponte romana do Castêlo. |