Em 11 de Julho do ano de 1872 vinha
ao mundo, em Vagos, numa humilde casa de lavoura, quase no centro da
vila que, ao tempo, ressumava ruralismo por todos os poros, uma
criança do sexo masculino que, das mãos nodosas da «aparadeira» que,
então, ajudava as mulheres da terra a parir, resvalou para o berço
humilde acolchoado de palha de trigo, enquanto se lhe não poderia
escancarar a ternura do colo de sua mãe...
Foram seus pais José João Grave,
conhecido na vila pelo ápodo de «O Reboca» e Cândida da Silva –
gente que revolvendo o chão hostil passou uma vida inteira a
destilar suor amargo e adstringente; gente que a lavrar a terra de
uma fertilidade anémica, a regar milho por madrugadas estivais e, de
mangual em punho, a malhar espigas loiras em eiras incendiadas pela
brasa viva do sol, envelheceu resignadamente e morreu em paz de
consciência.
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João Grave, retrato da juventude |
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Com 10 dias, apenas, é levado à
beira da pia baptismal para receber a água lustral da Igreja e do
acto foi lavrado o respectivo assento de baptismo que reza assim:
«Aos vinte e um dias do mês de Julho do ano de mil e oitocentos e
setenta e dois e nesta
/ 42 / Igreja Paroquial de S.
Tiago da freguesia e concelho de Vagos, Diocese de Aveiro, baptisei
solenemente e apus os Santos Óleos a um indivíduo do sexo masculino
a quem dei o nome de João e que nasceu nesta Vila de Vagos às sete
horas da manhã do dia 11 deste mês e ano, filho legítimo de José
João Grave e de Cândida da Silva, trabalhadores, naturais e
moradores nesta ditta vila, recebidos nesta freguesia e della
parochianos; neto paterno de José João Grave e de Maria Justina da
Conceição e materno de Joana da Silva, solteira, e de avô incógnito.
Foi padrinho José Ferreira,
trabalhador, e madrinha Maria Peixota, solteira, os quais todos sei
serem os próprios.
E para constar mandei lavrar em
duplicado este assento que depois de ser lido e conferido perante os
padrinhos comigo assignando o Padrinho e não a Madrinha por não
saber assignar.
Era ut. supra.
José Ferreira.
O Cura António Mendes Guimarães
Maia».
Do pai herdou, com a determinação e
a pertinácia, o nome honrado e o respeito pelo trabalho. E se não
ajuntou à sua firma de escritor o «ápodo» de família, por «João da
Reboca» foi sempre conhecido entre os seus companheiros de infância
e pelos seus amigos e vizinhos.
Desmamado com o caldo gordo do
jantar dos camponeses e com o naco de toucinho que o corroborava ou
com o «escorrido» das merendas dos cavadores engolida na terra, num
ligeiro intervalo da tarefa, o pequeno João Grave foi medrando,
quase ao Deus dará, mas vincando na testa, ao mesmo tempo, a ruga
funda dos que vêm ao mundo em ambiente de desconforto e de suor,
fazendo as suas sortidas a apanhar grilos nas terras lavradias, a
trepar às árvores para lhes desencantar nas copas fechadas o ninho
do pintarroxo, ou para encher o boné de figos de «pingo de mel» na
figueira do vizinho, esgaçando os calções nas pernadas e arranhando
as mãos nos espinhos agressivos.
Vagos devia ser, ao tempo, uma vila
esquálida e siderada no chão danado, de casas térreas e alapadas em
desalento, com o reboco leproso da «salmoura» e os telhados de telha
de Salgueiro aluídos pelos pardais; e, ao mesmo tempo, povoada por
gente que suava a fralda da camisa a esgravatar na leiva danada que
o destino lhe reservou.
Mas, e ao mesmo tempo, a sua pobreza
era almofadada por uma paisagem de maravilha a que as praias de
junco e de caniço que a cercavam e emolduravam de alegria.
E é aqui – desta simbiose entre a
pobreza da gente e o regalo sensorial da paisagem – que Grave leva a
sensibilidade e a retentiva da infusão para a vida; é da vivência
cinzenta do seu lar que ele arrasta, consigo, a fidelidade à
progénie; e é com as raízes enterradas neste torrão que ele, contra
todos os ventos e marés, e incorporado nos mais variados climas
humanos, artificialmente perfumados, consegue ficar fiel, pela vida
fora, ao odor rescendente das giestas que enfeitam os pinhais e ao
cheiro penetrante das madressilvas que trepam pelas paredes
corroídas acima sem, e ao mesmo tempo, enjeitar o travo da terra da
raiz, nem a agressividade dos tojos que lhe morderam os pés.
De saca a tiracolo lá vai à cata do
A, B, C., à escola que o Padre Rocha, paternalmente, dirigia e onde
conquistou em cada aluno um amigo fidelíssimo; e aí, para além do
ler, do escrever e do contar, aprendeu a geografia de Portugal que
lhe serviu de peanha e a História que lhe irrigou o amor pelo sua
pátria e pela sua gente, realçando-lhe as alturas sem lhe encobrir
os colapsos e que, mais tarde, também, lhe teria dado os
conhecimentos de latim que ossificavam a instrução do tempo.
«Eu sou aquele rapaz que o meu amigo
por aí conheceu descalço, numa feliz boémia de vida; sou aquele a
quem ensinou português, francês, geometria e física.»
Escreveu ele, na dedicatória ao seu
professor de instrução primária do «Livro dos Sonhos», com que faz a
sua estreia nos caminhos ínvios das letras.
Para, mais adiante, acrescentar:
«Lembra-me hoje muito aquilo que o
meu amigo me dizia há cinco anos: – Se você não fosse mariola havia
de fazer alguma coisa».
É nesta despreocupada boémia de vida
que Grave, não raras vezes, fugia à soga do boi e à rabiça do arado,
para fazer leituras furtivas à reserva de uma moiteira ou de um
valado, alimentando a fome de cultura que o devorava. É nesta
despreocupada «boémia» de vida que vai colhendo documentos humanos
vivendo, lado o lado, com os seus familiares e os seus amigos de
infância, a epopeia dos trabalhos agrícolas, desde as regas pela
noite dentro, até às surribas que escancaravam o ventre da terra.
Mas, e concomitantemente, vai enchendo o seu caderno de versos,
contados e medidos, em que a beleza do campo deixa os seus harpejos
bucólicos:
«E pelas sebes há canções de ninhos
Onde comunga a aurora da manhã;
Servem-lhe o pão da hóstia nos
caminhos
Os bandos virginais de almas dos
ninhos.
Nada ali falta. Diz a missa Pan,
Estolas de verdura, altar de linho,
Turíbulos de neve e de azevinho
Incensos da manhã.»
/ 43 / Não é preciso grande
penetração para sentir nos seus primeiros versos o magistério
Junqueiriano patente na dedada que lhe marca o tom declamatório e
altissonante, como, mais tarde, não é difícil sentir o bafo de
Cesário Verde nos poemas de «Macieiras em Flor».
Este último livro, publicado em
1897, abre com uma carta ao Dr. Mário Esteves de Oliveira, pai do
poeta Alberto de Serpa, onde a evocação da sua infância, de filho de
agricultores, vem à tona com nitidez.
«Não é verdade, Mário, que na nossa
aldeia há recantos floridos, onde a vida toma aspectos tranquilos
dum canteiro biblial, com açucenas abrindo e águas cantando ao sol?
Nem eu sei porque a amo tanto. Ficou-me na alma desde pequenino, a
contemplação da paisagem, a adoração das cores e vem-me uma saudade
torturante desses tempos em que para o campo ia guardar gado, desde
a dealbação das estrelas da manhã, aos oiros magoados do crepúsculo.
Meus pais – o meu amigo sabe –mandaram-me primeiro ao campo do que à
escola. E antes eu ficasse cavador rude e bom. Como eu seria forte e
feliz!...
E aqui ficam documentos nítidos para
a clara compreensão deste livro, que vem cantar ervas, frutas, vacas
e cavadores, no amável momento em que o eterno Amor, doce com uma
ode de Anacreonte, se alastra por todos os corações como uma
podridão gentil.»
Apenas para deixar patente a sua
fidelidade à terra que o viu nascer e ao suor da progénie se fizeram
as transcrições que abriram uma lacuna neste ligeiríssimo discorrer
biográfico. E, prosseguindo nele, é preciso não deixar em claro que
Grave não ficou apenas com aquilo que lhe forneceu o magistério do
Padre Rocha, pois a verdade é que frequenta o liceu de Aveiro e,
depois a Escola Médico-Cirúrgica do Porto, onde tirou o curso de
farmacêutico. E faz mesmo uma tentativa de seguir a profissão para
que ficou habilitado, abrindo uma botica em Calvão, onde ensaia a
sua aptidão numa actividade oficinal, a preparar infusas de
dedaleira e a pisar no grande gral de ferro, com o pesado pilão, a
linhaça para as cataplasmas dos rústicos; debruçando-se sobre as
récipes emaranhadas dos clínicos que prescreviam, por essa altura,
verdadeiros e complicados cacharoletes picotados de doses
milimétricas.
Não se vincula, porém, àquelas
paragens arenosas onde uns magros pinheiros entoavam uma onomatopeia
melancólica e onde os homens, de barba crescida à tripa forra e de
rosto encardido de pó amassado com suor, investiam com a duna
movediça no afã de a engordar e transformar em leiva fecunda.
Grave não se resigna ao achatamento,
à contemplação dos frascos e dos boiões de uma sumária oficina de
botica de aldeia, nem a horizontes rasos de duna cultivada. Fiel aos
espasmos musculares do trabalho, será por outros caminhos que lhe
prestará tributo transformando a pena em alfaia e espremendo os
neurónios sobre as laudas ou esfregando as córneas em leituras
intermináveis. Atrai-o a letra de forma a que fica fungido uma vida
inteira com a mesma pertinácia com que o José da «Reboca» lavrava as
terras de onde matava a sua fome e a fome dos seus.
O jornalismo atrai-lhe as atenções
e, ainda estudante, estreia-se como jornalista na «Província» vindo,
posteriormente, a encabeçar a chefia da redacção do «Diário da
Tarde», colaborando, entretanto, activamente, no «Século» e «Diário
de Notícias», sem falar na larga colaboração dispendida na imprensa
brasileira.
Entretanto o seu pendor de
romancista vai-se avolumando com nitidez iniciando a sua rota neste
sentido com o seu romance «os Famintos», livro que tem, na época em
que foi publicado, uma larga e funda repercussão.
Livro que, quer sob o ponto de vista
do estilo, quer sob os domínios da análise psicológica, se pode
considerar pouco cuidado e traduzindo as verduras do estreante, o
certo é que a obra tem grande significado na nossa literatura. Não
sendo – como não é – marcado por grande força impressiva nem aberto
em grande cerne artístico, pode, contudo, considerar-se importante
na sua trajectória literária, porque ele é um precursor da
literatura neo-realista que caracterizou a nossa década de quarenta.
Na verdade «Os Famintos» deve ser considerado como neo-realista
avant Ia lettre, por ser nele tão patente a preocupação do
social, tão viva a mensagem de protesto contra as injustiças da
sociedade burguesa, tão carregado das sombras de miséria da vida dos
operários numa «Ilha» do Porto; porque o pendor socializante do
discorrer da história salta aos olhos do leitor mais desatento.
Aliás esta marca neo-realista foi já
anotada por João Gaspar Simões, quando afirma que:
«João Grave escreveu um português
muito mais puro do que qualquer neo-realista da época de quarenta».
Para, mais adiante, e abordando o
silêncio que caiu sobre o nome do escritor, ajuntar:
«Escritor honesto, romancista
coerente, prosador correcto, poeta harmonioso, João Grave, cem anos
depois da data do seu nascimento e setenta, quase, após a publicação
do seu primeiro livro, é uma relíquia das nossas letras, um objecto
de museu: poucos o lêem, poucos o admiram...».
E não deixa de ter interesse o que,
autocriticamente, o próprio Grave escreve acerca de «Os Famintos»
num prefácio datado de 1913 e incluído na quarta edição da obra
publicada em 1932:
/ 44 /
«Nesta hora já alta da minha vida,
não concordo com muitas passagens do meu primeiro romance. Escrevi-o
há dez anos, de um jacto, sem reflexão, sem minuciosidades de
análise psicológica, num especial estado de alma quase sem
experiência.»
O que – tem o cuidado marcá-lo – o
não leva a enjeitar a prosa em que está escrito, nem a medula do seu
núcleo, mostrando-se, pelo contrário, fiel à fonte generosa que o
alimentou.
Seria pois, a partir deste marco,
que a sua personalidade literária começa a tomar vulto embora as
suas melhores obras de prosador venham a dessedentar-se noutros
mananciais, percorrendo caminhos empedrados pelo pendor
historicista, e abordando, até, caminhos psicológicos e rotas de
cronista e de crítico.
Se é certo que, ainda, na «Gleba»,
por exemplo, aborda temas onde incorpora o seu neo-realismo avant
Ia lettre já anotado, apesar de incorporar uma efabulação em que
usa ferramentas de análise psicológica, é certo que a sua maior
firmeza de prosador se descortina em livros como «S. Frei Gil de
Santarém», «Os Vivos e os Mortos», etc. que dão o testemunho de um
escritor já adulto e de um prosador meticuloso e já na posse do seu
processo.
Não parece difícil encontrar-lhe nas
entrelinhas o vestígio do magistério de Eça de Queirós, subtraída,
claramente, a maleabilidade de estilo e o sal ático da ironia que
caracterizaram e grande mestre prosador e romancista, e que, não
significa que a lição seguida não tenha desempenhado uma acção
positiva e fecundante.
Mas, e ao mesmo tempo, é impossível
não anotar na obra de João Grave um auto-didatismo que a entulha,
por vezes, de uma sobrecarga erudita nem sempre de bem gesto.
O escritor linear patenteado nos
«Famintos» vai, aos poucos, carregando a presa de adornos por vezes
especiosos, engorgitando-a de um barroquismo sobrecarregado de
erudição que, ao mesmo tempo que lhe tempera o estilo de um cuidado
que faltava nas primeiras páginas de prosa que escreveu, o engorgita
de uma espessura que por vezes o polui.
Seria no entanto grave omissão não
deixar aqui escrito que no seu «S. Frei Gil de Santarém», nas suas
crónicas de «Os vivos e os Mortos», se encontram páginas de lavra
cuidada e de bem gosto aliciante.
Em 1972 passou o primeiro centenário
de nascimento do Escritor pouco menos que despercebido: uns vagos
artigos de jornal, aliás, de um sumarismo que quase não
ultrapassavam o registe da efeméride.
Na sua terra, para além de uma
sessão de homenagem na escola que o tem como patrono, uma nuvem
cinzenta de esquecimento cobriu-lhe o nome e a glória que em vida
usufruiu e dir-se-ia que os seus conterrâneos lhe olvidaram,
completamente, o nome. E, no entanto, se é certo que o escritor
viveu os últimos anos fisicamente afastado da sua Terra, é certo
também, que, na retentiva e na expressão artística, as
reminiscências saudosas e fidelíssimas, à sua paisagem e à gente da
sua criação, não são difíceis de topar para quem tenha pupilas que
saibam entrar dentro das palavras e catar nas entrelinhas.
João Grave é hoje, lealmente, um
escritor pouco lido. Há, (houve em todos os tempos) homens de mérito
com este destino. Sendo um escritor de uma probidade invulnerável e
que logrou aglutinar leitores e somar edições quando vivo, a sua
mensagem não logrou resistir à erosão da tempo nem, sobretudo, à
superficialidade de juízes valorativos nem sempre condimentados pela
justiça. Porque, o certo é que existem páginas de João Grave que nos
poderiam, com proveito, servir de oásis quando hoje atravessamos
certos desertos literários ou certas savanas de prosa onde se não
topa com uma sombra fresca que nos retenha os olhos sem fastio.
Paralelamente a uma ofegante
actividade de escritor nos domínios da ficção, da crónica, do
ensaio, da poesia, etc. João Grave investiu, também, por uma
actividade de erudito, incorporada no manancial inesgotável da
Biblioteca Municipal do Porto de que foi Director e dirigindo,
mesmo, um dicionário enciclopédico – «O Lelo Universal» – onde, para
além de uma colaboração intensiva, teve um trabalho penoso de
recolha e selecção que lhe gastou energias e pertinácia durante
largo tempo.
Mas Grave fora temperado na
ambiência dura do trabalho agrícola, na casa pobre de seus Pais,
onde a negativa hostil da Terra não sidera a mão calejada do
lavrador, nem a perda da colheita é capaz de infundir em desalente a
esperança, sempre renovada, dos que revolvem a leiva.
Ali, ao contacto da lição dos seus
progenitores, empunhou o cabo da enxada, abasteceu de pasto a fome
dos bois, encaminhou a água na regadeira, suou as estopinhas sob o
sol causticante de Agosto, ao mesmo tempo que ia tirando os seus
significados nas raras lacunas que o trabalho do campo lhe deixava
disponíveis.
E isto, ao mesmo tempo que lhe
temperou a pertinácia para a vida, criou-lhe ligações invulneráveis
com o suor do trabalho, com o cheiro da terra e com o lirismo da
paisagem deixando-o, pela vida fora, homem de Vagos – do Vagos rural
e esforçado que viveu na meninice.
Vagos, 2 de Julho de 1975.
/ 45 /
PÁGINAS DE ANTOLOGIA
CANTOS D'ESTIO
Ao Silvério Rocha e Cunha
Que vermelhas manhãs e que risadas
Além pela montanha! Nos pousios,
Fartam-se as gordas vacas das
manadas.
Tosando os pastos verdes e sadios
Das várzeas orvalhadas.
Que alvorada de luz que desabrocha
Com pétalas enormes e vermelhas.
Há linhos a corar na branca rocha,
Salpicados de abelhas.
Pelos montados vão as pegureiras
Cantando alegremente como Pan.
Chilreiam os pardais nas oliveiras,
Enquanto o fresco orvalho da manhã
Fecunda os verdes pastos e as
roseiras.
Como rebenta o sol! Que alacridade
De viva luz! Emanações sadias
Enquanto no quinteiro as cotovias
Vem numa baforada da herdade,
Mandam pelo azul fora alegres dias
A velha Majestade.
E pelas sebes há canções de ninhos
Onde comunga a aurora de manhã;
Servem-lhe o pão da hóstia nos
caminhos
Os bandos virginais d'almas dos
ninhos.
Nada ali falta. Diz a missa Pan,
Estolas de verdura, altar de linho,
Turíbulos de neve e de azevinho,
Incensos da manhã.
E nas longas estradas, que alegrias!
Bracejam madressilvas, espinhosas.
Pessegueiros em flor, cachos de
rosas,
lourejam os trigais, vinhas sadias
Sazonam em Agosto.
Enfloram trepadeiras olorosas
Pelas sebes de encosto.
Do «Livro de Sonhos» 1895
MYLADY
Ao Sr. Alberto Carlos
Mylady era pastora e tem bastante
mágoa,
Das névoas, da verdura e do rebanho
amado.
Quem na dera outra vez cantando
atrás do gado,
Que guardava às manhãs, perto da
beira d'água!
Almoçar o bom leite aromático e são,
Trazer lírios no colo e rosas nas
orelhas;
Espremer entre as mãos os velos das
ovelhas,
E dormir pela relva as tardes de
verão!
Trouxe da névoa a castidade terna e
calma,
E a doçura noival das ervas e dos
gelos.
E o idílico palrar das águas, na
doce alma.
Tem verduras de campo os seus
brancos desvelos,
Dizem que ela é cruel se lhe falam
de amor,
E trinca avidamente os corações em
sangue.
Julgam-na canibal e o coração
exangue,
Esconde a mordedura herética da
dor!...
No passeio, não sei que graça a
inglesa ganha!
Tem modos varonis de contemplar a
gente!
Clorótica e franzina, altiva e
transparente,
Faz carícias de gata ao lord
que a acompanha.
Amor nunca o sentiu; e às vezes nos
parece,
Ao ver-lhe a languidez feliz com que
nos fita,
Que no seu peito aninha a bondade
infinita,
Que alegra o coração daqueles que
endoidece.
Tem lembranças gentis, coisas
inesperadas;
Uma destas manhãs azuis de sol
ameno;
Lembra-se de ir ao campo e falar às
manadas,
Passar o dia inteiro a dormitar no
feno.
Sabe ordenhar o leite e fabricar
manteiga;
Nas praias, de verão, ordena as
pescarias.
E é um regalo vê-la a galgar
penedias,
De meia de cetim, mordendo a pele
meiga.
Vestida de amazona e sem poses
fingidas,
Parece um gentleman correndo
o boulevard
E lembra-me o Grand-Prix,
apostas e corridas,
E ceias com cristais e o champanhe a
estalar.
Eu se a vejo passar no seu gentil
milord,
Histérica e brumal, sem que o vicio
a consporque,
Tenho um ódio feroz ao Fanntasista
lord,
Que roubou essa flor aos roseirais
de York!
De «Macieiras em Flor», 1892
/ 46 /
DO ROMANCE «OS
FAMINTOS» – 1903
VI
Começou, então, para Luísa uma vida
atormentada. Todas as manhãs, devorado o minguado almoço que o
dinheiro de António garantia por algum tempo, corria ela as fábricas
da cidade, procurando trabalho, porque a greve continuava, pela
teimosia dos patrões que não cediam e pela intransigência dos
operários que as privações e a fome exasperavam:
– É o mesmo! Morremos com fome, mas
não hão de caçoar connosco – diziam eles.
E andavam esmolando pelas ruas em
grandes bandos, correndo s cafés e os lugares de ócio, tirando o
chapéu humildemente, com uma fúnebre desolação no rosto cortado de
rugas e de vincos profundos. Os mais miseráveis, espicaçados pela
angústia, saíam mesmo de dia, mendigavam diante de todos, sem que o
pudor que nasce do orgulho ferido os afastasse do peditório. Os
outros, mais tímidos, só à noite se aventuravam pelas praças ermas,
esperavam a caridade teatral às esquinas, sumidos, apagados na
treva, porque a sombra estende misericordiosamente um véu de
demência sobre todos os dramas e todas as vergonhas. Ah! E ainda
assim, como eles eram melindrados no seu sentimento íntimo, na
integridade da sua consciência de seres humanos! Quantas vezes
escutavam sarcasmos, palavras injustas e violentas:
– Rancho de malandrões, a pedirem,
podendo trabalhar!
– Corja de vadios! Isto devia ser
proibido. Deram agora nesta mina e todos os dias por aí temos
operários sem trabalho...
– Sim! A falta de trabalho no Porto
vai adquirindo privilégios de instituição!
E como as chufas doíam às suas almas
e ao seu sentimento de vencidos! Muitos operários aconselhavam
obediência aos proprietários da fábrica, queriam já o trabalho
extenuante, mesmo mal pago, para fugirem ao padecimento das horas
ásperas em que, ao mendigarem o dinheiro dum pão, tinham de ouvir
escárnios, zombarias de toda a sorte; mas os chefes, os que dirigiam
o movimento, persistiam sempre na resistência. Um dos tecelões, o
João, hércules robusto, de torso e braços possantes, bem estriados
de músculos, casado e com filhos, saiu uma tarde, alucinado. As
criancinhas choravam; a mãe definhava-se e morria, tuberculosa; tudo
o que em casa possuía algum valor fora desbaratado, empenhado,
vendido. Enquanto pôde viver e alimentar a família com recursos
amealhados sabe Deus com quantas esperanças e com que inauditos
esforços, entendeu ele que esmolar seria macular a sua dignidade de
forte; mas, ao ver a companheira coberta de lágrimas, abalada pelos
arrancos da tosse, golfando jorros de sangue, com os pequeninos
encostados ao seio sem calor e não encontrando na gaveta vazia côdea
com que sossegá-los, exclamou desesperado:
– Faço como os outros. Ou me acodem
ou roubo!
E foi errar pela cidade, sentindo um
frio de gelo. Nem tinha a audácia de levantar os olhos do chão.
Parecia um doido e causava piedade, na sua juventude inútil. Numa
rua quase erma, apareceu-lhe um homem novo e bem vestido. João
atravessou-se-lhe no caminho, com o olhar baço, vidrado de pranto:
– Meu senhor, eu nunca pedi. É a
primeira vez e só eu sei o pejo com que o faço agora...
– Não pode ser!
– Mas, meu senhor, minha mulher está
tísica e tenho filhos. Socorra-me, antes que seja com pouco!...
– Não pode ser – repetiu o outro,
muito secado.
– Dê-me alguma coisa, que nunca
houve esmola mais bem empregada!
– Vá trabalhar, deixe-me. Que praga
de malandros!
O operário perdeu a cabeça;
passou-lhe no peito uma abrasadora rajada de cólera, viu tudo
vermelho, duma cor rubra de sangue, e poisando-lhe num ombro a mão
calosa, rugiu:
– Você insulta-me? Você sabe o que
disse? Sabe que eu sou um homem honrado, um homem que nunca se
recusou ao trabalho, e que, se pede, é porque não tem onde ganhe o
pão?
Muito surpreendido com a inesperada
agressão e com a força tenaz e subjugadora do operário, o outro
balbuciava desculpas, tremendo e espreitando, na ânsia de que
passasse alguém.
Mas, João não pôde conter as
lágrimas. Deixou o adversário, sacudido por fundos soluços.
– Vá, vá-se embora, que a desgraça é
má conseIheira. E creia que nunca injuriou ninguém tão sem justiça!
O outro apiedou-se; fez-lhe
impressão aquele rapaz cheio de mocidade, de vigor e de viço, a
chorar, e exclamou:
– Escute!... Então, é assim tão
grande o seu infortúnio?
– Ó meu senhor, nem pode calcular! E
não é por mim, não, que eu ando a pedir esmola. Mas, o que me corta
o coração, é ver as criancinhas chupadas e doentes à minha volta e
eu sem migalha. Já não trabalhamos há muitos dias, eu e os da greve.
Vendi tudo o que tinha de portas a dentro e agora...
– Pobre homem! Tome lá. É pouco, mas
eu também sou operário como você. Não tenho agora mais para lhe dar!
E deixou-lhe cair na mão uma moeda
de prata. João comoveu-se, quis beijar aquela mão donde tombara,
como um orvalho fecundo, o sustento dum dia.
/ 47 /
– Desculpe-me que eu nem pensei no
que fiz. Vinha tão passado de dores!...
Mas o homem já não ouvia o operário
que apertava na mão a esmola, como uma riqueza inesgotável e que
ficara a olhar a primeira criatura que, nesse dia, tivera pena da
sua miséria.
– Ainda há gente boa neste mundo –
murmurava João, comovido, a caminho de casa. Agora, já os meus
meninos têm que comer!
Os outros seus companheiros sofriam
as mesmas amarguras e os mesmos desprezos e sentiam violentos
ímpetos de revolta, quando um chuveiro de insultos vinha amargurar
mais a sua penúria. Andavam magros, muito pálidos, quase alheios ao
ruído e à vida que em torno deles vibrava alacremente; e, como não
havia dinheiro sequer para pão, deixavam até de comprar tabaco.
Mandavam os filhos pelos cafés, pelas ruas, apanhar restos de
charutos e de cigarros; e lá iam eles todos os dias, enfezados, duma
lividez doentia no rosto, sacas pendentes do pescoço, para a
colheita. Nos restaurantes, nos átrios dos teatros, em todos os
lugares de divertimento e de gozo, levavam pontapés, eram
escorraçados e espancados; mas nem assim fugiam. As pancadas quase
que nem lhes doíam, tanto os seus pobres corpos andavam maltratados
pela miséria.
Em casa de Luísa, a penúria era
trágica. Como os sabiam absolutamente miseráveis, todos se negavam a
adiantar-lhes qualquer quantia, a vender-lhes a crédito as sardinhas
do jantar:
– Nada, que a vida custa e isto são
vadios.
– Não há que fiarem ninguém!
Ah! quantas vezes ela ouvia ressoar
aos seus ouvidos estas más palavras, que a faziam corar de vergonha!
Mas, como era dum sentimento precoce, não dizia nada à mãe. A
quantia que António dera pela primeira vez tinha-se exaurido
rapidamente. Ana teve de comprar pano para remendar as camisas das
crianças, que caíam aos bocados. Como o inverno vinha
aproximando-se, o frio das manhãs era já cortante, os pequenitos
tiritavam, entravam em casa roxos de frio e aconchegavam-se uns aos
outros em volta do lume, aquecendo as mãos, cobertas de chagas, ao
calor da chama. Agora, também trabalhavam, fazendo recados ou
mendigando; e muitas vezes eram eles que traziam a magra ceia. O
mais velho, o Joaquim, deu uma tarde à mãe dois tostões,
pacientemente amealhados aos cinco réis, pelas portas das igrejas ou
pelas ruas mais concorridas. Como o viam todo roto, franzino e duma
brancura transparente de doença, compadeciam-se daquela existência
tão nova e já condenada à tuberculose. Ana abraçou-o com
enternecimento, beijou-o muitas vezes, apertou-o nos braços,
exclamou:
– Meu amiguinho, hoje sim: ganhaste
o teu dia!
– Davam-me muitas esmolas. Uma
senhora até me perguntou quem eu era e se já não tinha pai. Mas há
tantos a pedir, mãe! E como são mais velhos do que eu, têm raiva e
batem-me...
Que eram, porém, essas escassas
migalhas para sustentar uma casa! Daí a uma semana, tinha Ana de
pagar o aluguer, e não possuía ainda nem um vintém. E o senhorio não
perdoava; se ela se atrasava no pagamento, ameaçava de lhe por tudo
no meio da rua e fechar-lhe a porta. Três dias antes, vinha sempre
preveni-la.
Era um homem gordo, corado, com a
barba toda, em que branquejavam já muitos cabelos. Por detrás dos
óculos, faiscavam os olhos pequenos e redondos, muito vivos, rolando
inquietamente nas órbitas, e na boca errava-lhe um sorriso frio.
– É depois de amanhã, ouviu? Que não
haja falta! – prevenia ele.
Quando lhe pediam espera,
enfurecia-se, tornava-se apoplético, cerrava os punhos, falava na
polícia, atirava aos desgraçados toda a espécie de obscenidades.
– Oh! Meu senhor, se eu não ganhei
nada esta semana... Tenha caridade!
– Adeus, minhas encomendas. Cada um
sabe da sua vida e Deus da de todos.
– Mas, é só por uns dias.
– Nem por uma hora. Ou paga ou olho
da rua. Também tenho as minhas aflições, décimas, impostos, uma
inferneira!
Na «ilha» temiam-no e adiavam-no.
Quando ele aparecia, arrastando-se no seu passo lento, de abdómen
saliente onde reluzia a corrente de oiro, sacudindo a cinza do
charuto, escarneciam-no.
– Grande pulha! Não tem dó de
ninguém! – diziam as mulheres dos operários, surgindo no limiar das
portas.
– Sabe lá o que é pena? – exclamavam
umas para as outras. Passe el,e bem e sofra quem sofrer.
O Sr. José – chamava-se José –
aproximava-se com o seu sorriso pacífico a iluminar-lhe a face gorda
e vermelha, os olhos redondos e rebrilhando, de mãos nos bolsos,
pachorrento, muito respeitável, na sua gravidade. E tinha palavras
francas e corteses para cada um dos arrendatários, sabia o nome de
todos, batia-lhes afavelmente nas castas, quando recebia o semestre,
muito amável e muito familiar:
– Você é dos bons, é um dos
honestos. Palavra, que é um gosto tratar com gente assim...
– Faz-se o que se pode para ir
vivendo sem vergonha do mundo – respondiam, desvanecidos, os
inquilinos.
– É assim mesmo. Eu quero lisura nos
negócios, porque também fui sempre liso.
Só perdia a serenidade e o seu ar
repousado de burguês opulento, quando lhe não podiam pagar.
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Nesses momentos, os olhos
injectavam-se-lhe de sangue, o peito arquejava-lhe, as faces
contraíam-se-lhe, espumava de raiva mal contida. Por mais negra que
fosse a miséria desses interiores desconfortáveis e tão sombrios que
semelhavam túmulos, por maior piedade que os infortúnios obscuros
desses formigueiros humanos inspirassem às almas compassivas, o seu
cruel endurecimento jamais amolecia de compaixão. E todos recordavam
ainda o inolvidável espectáculo que o Sr. José um dia provocara, no
cortiço do Francisco, um bom operário, honesto e pacífico. O Sr.
José entrava em casa do desgraçado, precisamente no momento em que a
mulher agonizava duma febre puerperal. O Francisco devia um mês de
aluguer, mas a doença da companheira não lhe deixou juntar um
tostão. Foram duas longas semanas de despesas com o médico, com a
botica, com as galinhas para os caldos, para afinal ela estar
desenganada depois de tantas privações e de tantos padecimentos.
Pois, no momento em que a dor de Francisco era maior, o Sr. José
apresentava-se, de bolsa na mão, com o seu sorrisinho de vaga
ironia, implacável e gelado. De dentro do casebre vinham grandes
gritos de aflição; o Francisco andava dum lado para o outro, aos
ais, com a cabeça esvaída, os dedos enclavinhados nas barbas, que
arrancava aos repelões, parava à beira da cama, apertava a doente
nos braços, chamava-a com nomes ternos:
– Oh! Emília, ó minha pobrezinha,
não me deixes assim tão só nesta vida!
O Sr. José empurrou a porta, que se
abriu, rangendo nas dobradiças ferrugentas, e entrou de chapéu na
cabeça, perguntando:
– O dinheiro?
– O dinheiro? – respondeu Francisco
com os olhos muito abertos. Ora, deixe-me!
– Agora deixo! Eu venho aqui pedir o
que é meu. Ou me paga, ou vai tudo lá para fora!...
Os vizinhos intervieram logo,
tentando apaziguar o conflito:
– Oh! Sr. José! Veja o que faz; olhe
quem está ali, naquela cama.
– Eu quero lá saber disso! O que eu
desejo é o meu rico dinheiro.
Francisco enfureceu-se. Tinha nos
olhos tanto fogo, que as lágrimas secaram, como se uma labareda de
lume as evaporasse.
– Aquela que ali está é minha
mulher, ouve? Olhe que lhe aperto as goelas nestas mãos!...
– Pois, o senhor insulta-me?
Caloteiro! Eu já o arranjo...
O Francisco arremessou-se como um
toiro, cravou-lhe as unhas na garganta, com tal força que o sangue
espirrou logo. O outro deitava a língua entumecida fora da boca,
agitava os braços, cambaleava e a face ia-se-lhe arroxeando.
Francisco, enraivecido crispava as mãos, cerrava os dentes, tinha os
lábios ensanguentados e todo o seu rosto se decompunha pela cólera.
Alguns amigos do operário meteram-se entre os dois, dizendo:
– Ó Francisco, olha que cena! Volta
a ti, vê que está ali a tua mulher...
Ele deixou então o Sr. José,
exclamando:
– Tire-se diante da minha vista, seu
malandro. Arrebento-o!
O outro não dizia palavra, trémulo,
enfiado e covarde, diante daquele homem tão forte que o dominara
como se ele fosse um junco. Sacudiu a roupa, passou a mão espalmada
pela garganta onde ficaram marcadas duas largas equimoses, levantou
o chapéu que rolara no chão, compôs os óculos e saiu apressadamente.
Já na rua, voltou-se, ameaçando:
– Eu te farei a cama, grande biltre.
Deixa estar! E o Francisco, arrependido da sua irritação, que ainda
o enfurecia, sentou-se numa cadeira, sufocado por um ataque de
choro. Depois, arrastou-se até ao catre onde agonizava tristemente
aquela Emília tão paciente e tão afectuosa que durante anos suaves
perfumara de felicidade a sua existência de humilde, como uma rosa
celeste, e murmurou:
– Deus, minha santa, esqueceu-se de
mim, que te queria tanto. Fico nesta vida para trabalhos!
Em volta, todos choravam, enquanto o
Francisco se agarrava ao corpo quase inerte, que já não podia
escutá-lo e adoçar-lhe a sua infindável amargura.
Ana recordava estas coisas e
afligia-se. Ah! Que seria dela e do bando esfarrapado e doloroso das
crianças, errando pelas ruas, ao frio e à chuva, sem lugar onde se
acoitassem! Do Sr. José nada poderia esperar, porque a lição áspera
não lhe aproveitara nem lhe suavizara os maus instintos, a sede da
ganância, a adoração pelo dinheiro. Luísa ouvia-a e consumia-se.
– Eu peço outra vez dinheiro ao
António, mãe – dizia ela, para a sossegar.
Mas, sentia uma secreta repugnância,
uma inexplicável melancolia, uma angustiosa humilhação quando tinha
de recorrer à bondade do namorado. Temia que António por fim se
aborrecesse dela, lhe perdesse o amor e a desprezasse.
– Jesus, o que me custa! Mas, que há
de ser de nós todos?
A fábrica sempre fechada, e ela sem
ter onde ganhar dez réis!
Como os operários teimavam em não
ceder, os patrões pareciam até contentes com essa solução.
– Os armazéns estão completamente
cheios. As fazendas não têm saída! Quanto mais tempo se demorarem,
melhor – diziam eles.
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1.ª página, autógrafa, do romance «Os
Famintos».
Última página, autógrafa, do romance «Os
Famintos». |