Uma desalentadora carência de
bibliografia, uma esquálida indigência de documentos, sideram a mão
de quem, com propósitos de fazer incursões nas veredas da História e
de tentar iluminar o passado, queira abordar qualquer estudo
monográfico sobre o Concelho de Vagos, mormente, se quem o faz, tem
pendor para filtrar as informações que lhe chegam no sentido de as
separar da ganga de lendas e parasitismos que as poluem.
Quem não goste de percorrer caminhos
assentes, apenas, em bases de conjectura e em contributos meramente
afirmativos, experimenta uma penosa sensação de desencanto ao
pretender catar origens ou, pelo menos, em seguir ao longo das
raízes.
É já rotina começar por desentranhar
da fileira o «Portugal Antigo e Moderno», de Pinho Leal, à cata, já
não digo de informação substancial mas, ao menos, da esperança de um
indício, e logo se topa com a afirmação de que «Vacus lhe
chamaram os romanos...»; e fica-se na esperança de que o autor
justifique, com qualquer documento ou Vestígio, o conteúdo da
informação. Mas, há que dizê-lo, fica-se de mãos vazias de qualquer
fragmento de tegula, de escrito de autor antigo ou de mísero
denário que dê encosto à afirmativa.
Nunca me surgiu no caminho da
indagação qualquer elemento que me robustecesse uma esperança de ler
um vestígio de romanização.
Não significa o que atrás ficou dito
que me sinta com robustez de razões que me permitam optar pela
negativa, mas julgo da mais elementar prudência colocar a hipótese
entre parênteses até que seja possível catar, em qualquer entulho,
um caco de imbrice, o canto de uma lápide, um naco de marco
miliário ou o quer que seja que permita irrigar a conjectura da
verosimilhança.
Por isso, discretamente,
humildemente, opto por me ficar na vaga asserção de que Vagos
é povoação muita antiga sem, contudo, ultrapassar a fundura
medieval, onde se catam referências documentais que permitem não
«falar por falar». E, mesmo assim, não tenho notícia de nenhuma
fonte que esteja para trás do tempo de D. Sancho I embora,
evidentemente, se possa afirmar a anterioridade da vila com base,
exactamente, no documento da chancelaria daquele monarca e que
adiante vai indicado:
«Sancius dei Gratia Portugalie Rex
una cum fillis et filiabus meis. Facio cartam donationis et perpetue
firmitudinis monastério Sancti Salvatoris de Ecclesiola et Priori
eiusdem Monasterio domno Suerio et fratribus ibi deo servientibus
tam presentibus quam futuris de una mea hermita de Vaágos que
vacatur Sancta Maria. Facta carta donationis et oblationis apud
Montem maiorem XV Kls Septembris Ineª MªCCª XXXu Villa».
Sem pretender que este documento
seja tido como certidão de idade de Vagos, julgo que merece ser
considerada como prova, provada, da importância que, já na aurora do
Século XIII, possuía a vila. Na verdade o documento é datado de 15
das Kalendas de Setembro de MCCXXXVIII da era de César o que,
reduzida à era de Cristo, nos dá a data de 18 de Agosto de 1200.
Para além deste documento que é o
mais antigo que conheço topei, ainda, com outro a que, muito
tangencialmente, vou aludir a título de mera ilustração dos juízos
atrás formulados. Assim, num rol de igrejas do Bispado de Coimbra do
padroado régio de 1209 há uma referência a «Sancta Maria de Vaagos»
e numa inquirição e registo de foros impostos aos moradores
encontra-se também, uma referência a «Vaãgos e Sorens», – a «Sorens»
que corresponde ao actual lugar de Santa Catarina.
Numa carta de D. João I de 30 de
Abril de 1394 nova referência aparece nos termos que a seguir se
transcrevem:
/ 6 /
«Sabede que os vereadores e os
provedores e homeens boons desa villa (de Aveyro) Nos emviarom dizer
que per os Reys que ante nos foram foi mandada per suas cartas que
nenhummaa pessoa das comarcas da dita villa nom lançassem covãõas
pera sibas nem pera outras cosas nas Veas de Vaagos e do dito
logo daveyro e de suas e das outras comarcas da redor per hu corriam
navyos de marear e deitavam Redes de pescar sob pena daquelles que o
fezessem paguassem I livras da moeda antiggua e Serem presos e nom
soltos ataa merçee del Rey».
Enxugue o leitor a transpiração
nesta prosa vetusta antes de andarmos para diante onde se dará uma
ligeira resenha do que há de essencial sobre o «Senhorio de Vagos»
que data de 1384 por doação do Mestre de Avis, ainda defensor do
reino, e que depois de rei o veio a perpetuar em 26 de Fevereiro de
1412 a João Gomes da Silva.
Em 24 de Fevereiro de 1650 o 10º
Senhor de Vagos – João da Silva Telo de Meneses – foi feito Conde de
Aveiras, sendo o décimo quinto Senhor – Francisco da Silva Telo de
Meneses Corte Real – 6.º Conde, sido feito Marquês de Vagos em 1802.
O Senhorio viria a acabar com o
décimo oitavo descendente e 4.ª Marquesa, D. Maria José da Silva
TeIes de Meneses Corte Real.
|
De todo este passado (inclusive do
importante Senhorio de Vagos) nada ficou que testemunhe qualquer
grandeza do passado: nem capela, nem solar, nem simples túmulo,
sabido, como é, que os Silvas tinham o seu panteão em S. Marcos.
Apenas nuns brasões mutilados se topa, ainda, com o leão rompante
dos Silvas a atestar a fidalguia passada...
De resto, se alguma construção
avultou na chateza pobre da vila, tudo se esboroou em caliça, não
deixando à vista, nem sequer, a graça de uma cantaria ou de padieira
datada que se salvasse do entulho dos adobes ou da taipa da
construção.
|
Capela de Santo
António – Séc. XVII – à entrada norte da vila. |
Apenas um testemunho epigráfico se
podia ler na parede do norte da igreja matriz hoje demolida e que
rezava assim:
EL REI DO(M) AFONSOO QV
INTO DEV ESTA IGREJA
AO MOSTEIRO DE S. MARCOS
AO QVAL ESTA VNDIA IN PER
PETVVM NO ESPIRITVAL E
TEMPORAL ERA D(E) 1452
Para além disto há a assinalar duas
capelas da planta redonda, uma quase no extremo norte da vila e
dedicada a Santo António e que é do Século XVII, embora muito
desfigurada por obras posteriores, e outra na entrada, do lado do
nascente, dedicado ao Mártir São Sebastião, que ostenta, ainda, na
padieira da porta uma inscrição que diz: + C 1614 ANOS + e que, há
pouco tempo, foi vítima de uma bárbara agressão desfigurante quando
lhe substituíram o gracioso telhado por um ignóbil funil de cimento
armado, num total desrespeito pelo bom-senso, pela estética e pela
anciania da graciosa construção.
Nestas rápidas anotações não pode
deixar-se sem uma referência especial o Santuário da Senhora de
Vagos que é, por razões de ordem vária, profundamente ligado à
história de Vagos.
Sendo difícil desentulhar a sua
história do parasitismo das tradições lendárias que envolvem o culto
e que dão origem, até, a incongruências cronológicas do maior
calibre, podemos, sem sombra de dúvida, dizer que o culto é muito
antigo. Medievalmente conhecido como de Santa Maria de Vagos, o
Santuário foi contemplado no testamento de D. Afonso II com 100
morabitinos («Ecclesia S Mariae de Vagos C morabit. pro meo
aniversário»); e, também, D. Sancho II se não esquece dele
atribuindo-lhe nas suas disposições
/ 7 / testamentárias 200
morabitinos («Sancte Mariae de Vagos CC morabit. pro meo
aniversário, ex quibus comparent unam haereditatem»).
De um folheto de cordel publicado há
anos (a publicação não tem a data em que foi impressa)
transcrevemos, por pura curiosidade, o que a Ienda, de mistura com
alguma realidade histórica, teceu acerca do culto da Senhora de
Vagos:
«Em quanto à origem d'esta Santa
Imagem e da era em que se lhe edificou o seu Santuário, não há
documento autentico e apenas a tradição nos diz alguma coisa sobre o
assunto, não obstante haver alguma divergência.
Assim, segundo uns, a manifestação
da Senhora fôra revelada em sonhos a um lavrador e a ele se atribue
a fabrica da ermida e da Torre, e ao mesmo se atribue a passagem do
braço de mar a pé enxuto, e segundo outros a revelação fôra feita a
EI Rei D. Sancho 2.º, mas como quem fez a doação da Caza la Senhora
ao mosteiro de Grijó, foi D. Sancho 1.º é natural que foi a este
feita a revelação e não ao 2.º. Refere mais a tradição que, passando
um navio francez pela costa de Portugal, cujo capitão trazia nele
uma formosa Imagem da Virgem, apanhou tão grande tempestade, que fez
naufragar o navio, despedaçando-se na costa.
|
|
S. Miguel, na
fachada posterior da Igreja de Sôza. |
Entre o pouco que o capitão salvou
foi a Imagem que n'ele trazia. Vendo-se o capitão na praia e temendo
que lhe roubassem a sagrada Imagem, deliberou escondê-la em uma mata
que ficava à vista e distante do mar perto de uma légua e logo com
os tripulantes do navio partiu para a Vila de Esgueira, povoação que
lhe ficava mais próxima, a dar parte ao pároco da freguesia para
que, com a devida veneração tratasse de a conduzir para a sua egreja
ou dar-lhe condigna colocação.
Veio logo o paroco, acompanhado de
muitas pessoas e chegando à mata onde o capitão havia ocultado a
Imagem não descobriram o local aonde Ela tinha sido escondida, por
mais deligências que para isso fizessem. Diz mais a tradição que,
estando EI Rei D. Sancho I na cidade de Vizeu lhe apareceu a Senhora
em sonhos e lhe pediu que fosse áquele local onde se achava a sua
Imagem e ali lhe edificasse uma caza aonde fosse venerada, e que o
mesmo Rei não se detendo nem duvidando da revelação se pôs a caminho
para dar cumprimento ao que se lhe pedira, sem outra guia além da
que o sonho lhe indicara e com muita facilidade se achou no sítio
revelado aonde encontrou a sagrada Imagem, mandando logo edificar
uma capela e levantar uma torre para defeza dos que assistissem ao
culto da Senhora, pois que naqueles tempos os piratas mouros
abordavam ás praias para cometerem latrocínios.
Palácio da Justiça de Vagos
Fundou-se o Santuário da Senhora na
referida mata que ficava afastada do mar aproximadamente uma legua,
como já se disse, e a pequena distância da torre. D'esta se vêem
ainda hoje duas paredes construídas com dura argamassa, e de pequena
altura, mas diz a tradição que a parte enterrada na areia atinge uma
altura considerável. A esta ermida aplicou El Rei rendas para sua
conservação e fabrica e crê-se que depois, fizesse doação aos
religiosos de Grijó com todas as rendas e pertenças. Diz ainda a
tradição que, pouco tempo depois a Santa Imagem foi colocada na sua
ermida, um fidalgo das proximidades da Serra da Estrela, de nome
Estevão Coelho, estando atacado de lepra, e tendo feito varias
promessas a santos, não obteve remedio para tão terrível doença, e
tendo uma revelação em sonho de que n'aquela mata estava a milagrosa
Imagem da Virgem e que ali se dirigisse e a venerasse, pois que por
sua intercessão sararia, pôz-se a caminho em direcção ao local aonde
a Senhora se encontrava conforme a mesma revelação, sem embaraço de
um braço de mar ou rio que se metia de permeio junto á Vila de
Vagos, o qual passou a pé enxuto no local denominado Soalhal,
defronte da torre, rio este em que naquele tempo navegavam
embarcações de grande tonelagem. Estêvão Coelho não podia acreditar
na existência
/ 9 / de tal rio, não
obstante os seus creados lhe dizerem que a sua demora fôra devida á
passagem do rio que ainda hoje existe.
Tendo o devoto Estêvão Coelho feito
oração a Nossa Senhora de Vagos, logo se achou totalmente curado e
vendo-se assim livre de tão feia e terrível enfermidade, fez voto à
Santa Imagem de viver e morrer na sua ermida aonde de facto foi
sepultado e deixou á Senhora muitas rendas que mais tarde, pela
doação feita por D. Sancho aos religiosos de Grijó passaram para seu
domínio. Sucedeu tambem por aqueles tempos, em que os milagres de
Nossa Senhora de Vagos se tornaram conhecidos, sofrerem os povos de
Cantanhede uma grande seca e esterilidade por espaço de quatro anos,
em que todos os dias faziam deprecações ao Céo, e indo em procissão
á Senhora de Vaeziela, ouviram tanger um sino para o lado do mar, e
parecendo-lhes que era em S. Tomé de Mira, para ali se dirigiram até
que, chegados lá, continuaram a ouvir o som do sino.
Fachada posterior da Igreja de Sôza.
Prosseguiram na jornada seguindo a
voz do sino, vindo parar á ermida de Nossa Senhora de Vagos, que
dista de S. Tomé tres legoas para o Norte.
Parou o toque do sino, e logo pela
intercessão da Virgem e a rogo do povo de Cantanhede as nuvens se
desfizeram em copiosa chuva. Em acção de graças por tão assinalado
milagre, fizeram os povos de Cantanhede voto-irrevogável de, em
todos os anos na primeira oitava do Espírito Santo, virem em
procissão ao Santuário de Nossa Senhora de Vagos, seguindo o mesmo
caminho de S. Tomé e pela beira mar.
Nesta romaria faziam e ainda hoje
fazem grandes festas e despezas em louvor de Nossa Senhora de Vagos,
distribuindo bodos em dinheiro, carne, pão e vinho.
Vista da Piscina e fachada posterior do
Edifício dos Paços do Concelho.
A esta romaria também concorria a Camara de Cantanhede, mas há bastantes anos que deixou de cumprir
este religioso costume, desde que lhe cortaram no orçamento a verba
a isso destinada.
Todavia os povos de Cantanhede e
circunvisinhos ainda hoje tem uma grande veneração pela Senhora de
Vagos.
Paisagem das praias marginais do Rio
Boco.
Muitos anos depois da fundação da
ermida foi necessário mudal-a para o local aonde hoje se encontra
por causa da invasão das areias, e da antiga ermida não resta
vestigio algum. Diz ainda a tradição que, conduzida a Imagem para a
nova ermida, edificada a meia legoa da torre d'ali se retirou por
quatro vezes para a antiga ermida aonde se achavam os ossos do seu
ermitão Estevão Coelho e logo que se trasladou a sua ossada para a
nova capela não mais a Senhora se retirou d'ela. Esta imagem com a
invocação de Nossa Senhora de Vagos tem um metro e dez centímetros
de altura e conserva no braço esquerdo a Imagem do Menino Jesus.
A ermida é de modesta estrutura e
antigamente para a sua conservação, culto e despesas da fabrica
concorria o Convento de Grijó.
Junto à ermida construíram-se umas
casas que serviam para residencias dos ermitões. Os Condes de
Cantanhede, pela grande devoção que tinham pela Senhora de Vagos,
mandaram construir ali umas casas onde vinham estar de novena e
tambem para uso dos moradores da vila de Cantanhede e povos visinhos
quando vinham á romaria. Também os senhores de Vila Verde quando
viviam em Angeja mandaram construir outra casa onde vinham estar de
novena. Atualmente não existem vestígios destas casas.»
Há no decorrer deste relato uma
referência a Estêvão Coelho que aparece, como miraculosamente curado
de lepra por milagre da Senhora de Vagos. Trata-se da lenda a
apoderar-se de um fundo real para construir a sua legenda, pois que,
parece que, realmente, a existência de Estêvão Coelho como a sua
ligação ao Santuário tem a sua realidade que pode até comprovar-se
com testemunhos concretos.
Assim o Podre Nogueira Gonçalves
aventa a hipótese, como muito provável, de que um pequeno escudo que
existe cravado na parede, e acima do postigo que fica ao lado
direito do portaI do Santuário, e onde avulta, no meio do
esparrinhado da cal com que barbaramente o cobriram, um leão
rompante que aquele ilustre investigador interpreta como do brasão
dos Coelhos «sem a bordadura tradicional» e que «parece ter feito
parte do Epitáfio de Estêvão Coelho, cavaleiro da ordem de Cristo,
falecido em 1515.»
A Imagem da Senhora de Vagos, de
calcário (coimbrão ?), para além de estar mutilada, foi poluída na
sua policromia originária pela tinta de um broxante [ou de vários
broxantes (?)] que fez desaparecer a subtileza da primitiva pintura.
Encontra-se, além disso, envolvida por um vestuário adventício que
não permite ver a escultura que, aliás, é vestida, nos seus
panejamentos.
/ 11 / Tudo leva a crer que
se trata de uma escultura do Século XIV e que bem mereceria um
tratamento adequado em oficina especializada que a decapasse de
repinturas desfigurantes e a restituísse à sua primitiva pureza
estética.
Onde teria sido a primitiva capela é
assunto muito controvertido embora, a tradição lhe tenha atribuído a
localização junto da torre militar de que, ainda há pouco tempo, se
viam uns restos de cunhal aflorando à superfície da duna, a menos de
2 quilómetros do actual Santuário. Também aqui a tradição oral se
deixou infestar por contributos lendários que têm tido ressonância
através dos tempos mas que – tudo leva a crer – se encontram muito
distantes da verdade. Teria a Torre militar sido construída para
protecção da ermida? Ou, ao contrário, teria a fábrica da ermida
aproveitado a Torre militar para lhe usufruir a protecção? E de
quando será a construção dessa Torre, cujas paredes eram feitas de
materiais miúdos e traduzindo a falta de pedra na região?
O actual proprietário do terreno
onde existiram as «paredes da Torre» está interessado em fazer
escavações no local que poderão vir a trazer alguma luz sobre o
assunto, aguardando, com viva curiosidade, as possibilidades de se
esclarecerem alguns problemas emaranhados.
|
Para mostrar ao turista guloso de
motivos de arte e arqueologia não tem Vagos coisa de monta. Do seu
passado vetusto e do fausto dos Senhores de Vagos nada resta de
imponente a fazer saliência na paisagem. A erosão dos anos foi
reduzindo a poeira a pouca consistência de construções que,
porventura, tenham existido e em que a pedra, por carência local
desta matéria, terá sido substituída pelo adobe, de lama ou de
argamassa, tradicional nesta região. Com excepção das duas «Capelas
Redondas» já referidas e de um ou outro vestígio que penosamente se
cata embutido numa parede ou guardado nalguma casa particular, tudo
se esvaiu em pó se é que alguma coisa de notável chegou a existir.
|
Escudete com leão rompante que se
presume tenha pertencido à lápide funerária de Estêvão Coelho. |
Assim, nada mais resta ao viajante
interessado que não seja regalar o sensório na paisagem almofadante
e mimosa que cerca a vila e numa ou noutra miudeza que, sem
preocupações de minúcia inventariante, nos permitimos indicar como
contributo para um sumário roteiro.
/ 13 /
Assim, no magro espólio da Igreja
paroquial é de anotar um São Tiago de madeira do Século XVI já
engraxado por um santeiro de mau gosto que lhe desvirtuou a
policromia inicial, uma «Virgem com o Menino», do Século XVIII,
também de madeira e que não pode ser considerada obra corrente, um
S. Marcos do Século XV mas de características bastante populares,
como, também vulgares, embora com o seu interesse, um Santo Estêvão
e uma Santo Luzia do século XVI. De anotar, também, a Custódia de
prata dourada do Século XVII e a Píxide, também de prata dourada do
Século XVIII e pouco mais.
|
Imagem da Senhora da Romã (Senhora
de Rocamador) do século XIV (?), recentemente encontrada na
parede de uma capela de Sôza. |
*
* *
Não quero fechar estas ligeiras
notas descritivas sem fazer uma referência à vizinha vila de Sôza
que, pela sua antiguidade, há interesse em anotar. Com efeito Sôza
já aparece citada em 1088. Foi D. Sancho I quem deu Sôza em 1192 a
Santo Maria de Rocamador («EccIesie Sancta Mariae de Rupe Aamatoris
de Villa que vocatur Sosio et fratrubus ibiden Deo servientibus»).
Parece poder concluir-se que terá
sido em Portugal a sede da ordem monástica de Rocamados oriunda de
França, do departamento de Lot.
|
Desse passado e do culto da Senhora
de Rocamador existem como testemunhas duas imagens notáveis: a
primeira e que, há muito tempo, se encontra na Igreja de Sôza, é uma
«Senhora da Romã» que parece oriunda de oficina de Coimbra, é de
calcário policromado, e data da primeira metade do século XV; a
outra foi encontrada há pouco tempo, na altura dos obras de restauro
da Matriz de Sôza, e na parede de uma capela, pelo Reitor Fragoso
que então paroquiava a freguesia e é, também, de calcário e com
ligeiros vestígios de policromia já muito delidos; é um excelente
exemplar que parece ser do século XIV (?).
Damos neste trabalho fotogravuras
dos dois exemplares e, também, uma reprodução da primeira,
executada, primorosamente, em biscoito na Fábrica da Vista Alegre.
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A Senhora de Rocamador da Igreja de
Sôza – séc. XV. |
Para além disto há ainda a referir
um Cristo Crucificado – o «Senhor da Agonia» – obra do princípio do
Século XIX que é de anotar pela sua minuciosidade oriunda de mão de
artista de muito boa qualidade, quer pela escultura, quer pela
policromia.
Do nosso tempo há a referir as obras
de Arte do Palácio da Justiça: 2 baixos relevos do Mestre Euclides
Vaz, 3 vitrais de Júlio Resende e uma bela cerâmica de Querubim
Lapa, na sala de Audiências.
Dilatar mais estas considerações
que, aliás, não pretendem mais do que indicar o pouco que Vagos
guarda no seu espólio, seria fazer prosa sem recheio e,
consequentemente, ludibriar o leitor que sobre o que escrevi
gastasse os olhos.
Por isso encerram-se, por aqui, as
ligeiras considerações que se fizeram aí para trás para satisfazer
uma solicitação que considerámos imperativa e a que, muito
gostosamente, aderimos com a nossa boa vontade.
Vagos, 14 de Julho de 1975. |